A Indomável escrita por dona-isa


Capítulo 14
Capítulo XIII - Rebuliço




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Apenas coloquei categoricamente o telefone no gancho novamente. E rezar... Rezar pra que tudo desse certo.

Puxei pra baixo a aba de meu boné e sai correndo, fingindo - ou ao menos tentando - Ir ao encontro de detentas que havia fugido. Aquele lugar simplesmente se tornara um inferno. Sem mais.

Totalmente imersa em correr olhando para os lados e observando se nenhum guarda atravessaria a minha frente e me desmascarando, esqueço de prestar atenção em meu próprio caminho e tropeço no corpo gelado de Isabel, deitado de bruços com a cara afogada em uma poça do próprio sangue.

 "Meu Deus..." sussurro inaudivelmente, somente movendo a boca. Novamente olho em volto e me levanto.

Eu quase nem acreditava, mas já estava fora do saguão, no pátio do presídio, somando ao meu disfarce os agarrões que eu dava em cada detenta e sussurrando em seus ouvidos pra que fossem para o pátio. Por minha sorte todas elas não negaram a se associar ao meu disfarce mesmo involuntariamente, achando que eu realmente fosse uma carcereira.

Lá fora fazia o típico sol apagado e morto das sete horas - ou oito horas, ninguém sabe - as sirenes tocavam sonorizando o ambiente de uma forma estupidamente irritante. Não ajudava em nada a organizar minha mente e acalmar meu pulso inquieto.

Andei mais devagar, acompanhando o mesmo ritmo dos outros guardas e carcereiras. - SAGUÃO 15! - uma mulher gritou atrás de mim. Vendo que eu não me virava e não lhe dava a mínima atenção ela me cutucou e novamente e puxou meu macacão pelas costas, obrigando-me a parar bruscamente.

- VOCÊ NÃO OUVIU? Idiota! Saguão quin...Minha espinha gelou cada milímetro quando ela simplsmente puxou meu boné soltando meu cabelo e me chacoalhando, olhando alarmada pro meu rosto, acirrando ainda mais o aperto no meu braço.- Venha comigo - ela sussurrou cuspindo entredentes cada sílaba.

Meu queixo tremia segurando as lágrimas. Eu não ia ser pega! NÃO IA! Não agora! Eu lutei tanto! Fui tão longe! Não ia terminar aqui.Fechei meus olhos lembrando da imagem grotesca de Isabel de miolos estourados no chão. Eu não queria terminar daquele modo. Eu não iria terminar daquele modo!A força que me impulsionou ainda não sei explicar de onde surgira. Mas antes que me desse conta minha testa acertara em cheio o nariz da carcereira, me deixando um tanto zonza. A visão turva e embaçada só mostrava a carcereira tombando pra trás e logo após limpando o sangue do nariz.

 - Sua puta miserável! - ela sussurrou, avançando em mim como uma onça.

Desviei, acertei seu fígado. Mas apenas um golpe torto de minha mão esquerda em meio a sua testa foi necessário pra que ela apagasse, amolecendo estranhamente o corpo. E nenhum movimento a mais foi feito.

 - Merda... - sussurrei, colocando as mãos no rosto - Droga! Maldita! Por que você tinha que morrer...?

Era tarde antes que eu fizesse qualquer movimento. Um holofote brilhante arremessou-se como um raio em cima de mim, me cegando por completo. Corri inutilmente pra todos os lados do pátio grotescamente gigantesco do presídio. Sendo sempre surpreendida por uma viatura que dava a volta em minha frente.

Eram tantos guardas, tantas carcereiras e tantas detentas que de repente a atenção se centralizou em uma só. Em mim.Agarrei-me em ferros de uma parede e os fiz como uma escada. Me impulsionava com a mão de metal - a mais forte - e me mantia com a minha mão de verdade, a qual eu tinha mais facilidade de manuseio.

- Não adianta fugir Amélie Sandersen - ouvi a voz do delegado no megafone. Mas era inutil me recriminar ou avisar, eu iria fugir! Não importa como e nem de quê, seja do que fosse, se fosse somente daquele holofote idiota ou dos guardas, eu iria!Levei um tombo feio, caindo da altura do prédio de costas nas grades cruzadas, meu cotovelo sangrava. Mas eu esqueci totalmente, afinal naquele momento eu estava numa encruzilhada, meu coração parecia uma bomba relógio prestes a explodir a qualquer momento.

Me agarrando na parede, tentei normalizar minha respiração mesmo sendo tão difícil.

Apenas me senti determinada a deslizar feito um gato por trás dos prédios de cada pavilhão, prensada contra a grade cruzada, ora fechando os olhos temendo que o pior acontecesse e novamente me vindo flashes de Isabel morta, com seus miolos espalhados pelo chão e sendo morbidamente obrigada a esfregar a cara no próprio resíduo.Perdida novamente em meus devaneios sem que eu percebesse um arame solto da cerca passou em meu braço, tão rente ao meu corpo que pude senti-lo arder perto do meu estômago.

Arqueei-me de dor. Mas o grito foi reprimido.

A minha salvação foi ver no final da extensão do prédio, uma picape de policia parada, era de admirar que não tivesse ninguém dentro dela. Apurei o passo, me aproximando mais rápido do automóvel.

Cachorros latiam. Enquanto o caminho se estreitava havia muito mato. O cercado era cruel ao arranhar minha pele.

"Droga, Johnny, cadê você...?" sussurrei com um sopro de voz.Entrei pela janela de trás da picape, não era de se surpreender que não ouvesse nenhuma chave na ignição.

Eu estava em uma bifurcação do pátio, e ele inteiro, era deveras imenso e por fora das grades podia ainda se ver um longo terreno coberto por mato seco, amarelado.

Chutei com força a caixa debaixo do painel do carro, quebrando-a.Uma porção de fios confusos estavam lá, Fiz força para arrebentar dois deles, usando demasiadamente minha outra mão metálica que ultimamente tem me sido muito útil.

E os latidos avançavam cada vez mais, aumentavam cada vez mais e o que era pior, se aproximavam cada vez mais.Lasquei a ponta dos dois fios, a ponto de chegar a fazer faísca. Eu rezava em minha mente tão alto que a minha boca involuntariamente fazia os movimentos sem voz.

- MERDA! FUNCIONOU! - comemorei inadequadamente, ouvindo o ronco feroz do motor da picape. Meu coração estava a mil.

O que eu realmente pretendia com aquilo? O que eu iria fazer com uma picape?

Mas pra que ser racional num momento como esse? Pra que pensar quando se tem um pé afundando no acelerador enquanto o outro solta da embreagem num solavanco, e ainda mais com uma porção de Pastor Alemães correndo em minha direção.

Um ímpeto inabalável apenas me fez acelerar contra todos, avançar por entre as paredes ora largas e estreitas do pátio da prisão.

Cachorros esganiçavam num "caim-caim" e guardas eram derrubados feito pinos de boliche. Um a um.

O pátio era maior que eu pensava e parecia se alongar a cada acelerada e cantarolar dos pneus.

- RENDA-SE, AMÉLIE! - eu conseguia ouvir do outro lado do extenso terreno.

O freio foi esmagado, fazendo os pneus gritarem histéricos.

Ele dizia que eu estava cercada. E eu estava.

Meus ouvidos batucavam todo o sangue do meu corpo, minha cabeça doía tanto que eu mal podia ouvir o que estava acontecendo.

Em cima dos prédios de cada pavilhão havia uma detenta apontando uma arma para o pescoço de algum guarda, corpos caídos. Mas era incrível que apesar de tudo isso era em mim que todas as atenções ficaram concentradas.

Afundei minha testa no volante. Arfando, movendo os ombros pra baixo e pra cima. Escopetas,espingardas de calibre 12 e algumas outras que eu mal sabia o nome estavam apontadas pra picape onde eu estava. Mas eu somente presumia o que acontecia lá fora, porque pra mim, o que importava era como eu iria controlar minha respiração naquele momento. Com eu iria fazer pra parar de chorar...

- Não quero ir... Não quero acabar como Isabel - choraminguei com a voz anasalada. Na boca o gosto salgado de lágrimas era horrível.

- Vai desistir agora, Amélie? - a voz do meu pai soou tão alta e real que eu tive que procurar ter certeza.

Ergui a cabeça e torci as sobrancelhas.

- O que você disse?

Estúpida! Meu pai estava ao meu lado e única coisa que eu pensava era em que ele havia dito?

Ele estava ali, no banco do passageiro, olhando pra mim com uma gargalhada de escárnio formada no canto dos lábios.

- Foi pra isso que te criei? Pra desistir?

Limpei as lágrimas na manga do macacão de carcereira.

- Papai, eu senti tanto a sua falta! Tanto!

Ele sorriu, e fechou os olhos numa quase reverência.

- Está esperando o que pra pisar nesse acelerador?

Sorri. Mas o sorriso se desfez no mesmo momento em que seu espectro glorioso sumira numa sombra enevoada.

Era só eu. Novamente.

Meu pé afundou no acelerador, fazendo o carro roncar como um rugido feroz. O pé que estava na embreagem tremia.

A única motivação maior de que eu precisava estava ao longe. Na hora certa, no lugar certo!

"Obrigada, papai" - sussurrei sugando as lágrimas salgadas de volta.

O carro deu um solavanco invadindo tudo o que havia na frente. Guardas, carcereiras, carros, viaturas, cercados e grades. Seja quem se desviasse ou quem ficasse. Meu pé só encontrava motivos pra afundar ainda mais no acelerador e ir mais perto do Jeep verde musgo de Johnny. O Jeep de meu herói naquele momento.


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Notas finais do capítulo

A música que melhor sonoriza essa fuga de Amélie é essa maravilha da banda Blind Guardian
http://www.youtube.com/watch?v=1AfNOKQdY-U



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