Carnage Coffee escrita por Ana Bela


Capítulo 7
Pesadelo




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Ken chegou moído ao seu destino. Odiava as inúmeras paradas que o avião dava, mas não tinha dinheiro para pagar uma que fosse direto. Entretanto já estava tudo bem de novo, havia chegado e estava vivo e não fora assaltado, aquilo já era o suficiente para sobreviver.


Não sabia exatamente para onde ir e o tempo nublado não ajudava. Andava naquele frio e sentia que a cada passo que dava seu corpo congelava cada vez mais, sentia-se num verdadeiro freezer gigante. Começou a tossir, sentia que já estava ficando doente, precisava desesperadamente encontrar algum hotel acessível ao dinheiro que trazia.


Andou perguntando em alguns hotéis medianos, mas todos eram caros demais para pagar por três dias. Até que em um quando já ia saindo o recepcionista deu o nome de uma rua em que tinha hotéis mais baratos. Pegou o papel com o endereço e saiu a procura.


Pegou um ônibus até o local e se impressionou com a sujeira e atmosfera do local. Maioria dos prédios antigos e muito sujos, latas de lixo a Deus dará e tinha muitos bares no local. Quando passava por alguns via homens pançudos sem camisa com mulheres com roupas exageradamente decotadas e claramente se oferecendo.


Quando andou mais viu em uma porta qualquer uma mulher com roupas que nem cobriam mais nada de si com um copo pequeno de vidro de café na mão. Só ali que percebeu que foi parar em uma rua de mulheres da vida. Estava no verdadeiro inferno.


Andou mais um pouco e viu a placa em um prédio, era um hotel, porque na maioria das vezes via motéis que mais pareciam cortiços ao ar livre. Entrou no tal lugar vendo um chão de assoalho de madeira velha e suja, ao lado recepção havia uma mulher com mais maquiagens do que roupas.


Procurava alguém da recepção que estava vazia. Para o seu azar a prostituta foi tentar oferecer seus serviços, mesmo recusando ela continuava insistindo e já se sentiu no direito em passar a mão no rosto de Ken, que no mesmo momento tirou de uma forma rude já deixando claro que não queria nada e logo a fazendo sair de perto.


Finalmente um recepcionista mal vestido e com um cigarro na mão veio atender.


– Boa tarde... Quanto está a diária?- Perguntou vendo que o outro fazia pouco caso de sua presença.


Silêncio, Ken perguntou de novo, mais alto. O outro o encarou e com desdém disse um preço barato e que cabia no que havia planejado. Aceitou na hora ficar ali, mesmo sendo horrível, não tinha escolha teria que ficar ali.


– O limite aqui é de quatro mulheres por noite. – O recepcionista disse entregando uma chave empoeirada para Ken.


– O quê? – Perguntou confuso, do que diabos aquele cara estava falando?


– Só pode trazer no máximo quatro prostitutas para cá, são as regras daqui, diferentemente dos outros lugares que pode levar o número que quiser.


– Ah... Sem problemas. – Saiu com os olhos arregalados, não era para isso que estava ali.


Enquanto subia a pequena escada de madeira, que fazia um barulho horrível foi vendo que havia caído no inferno mesmo. Sentia o cheiro de cigarro da pior marca junto com cheiro de bebidas alcoólicas e drogas até, era nauseante aquele corredor. Fora que ouvia gemidos escandalosos vindo de alguns quartos e discussões sobre dinheiro e ameaças de morte em outros.


Finalmente chegou na porta do quarto onde ficaria, destrancou a porta e se assustou com tamanha bagunça e sujeira do local. A cama desarrumada e papeis e outras porcarias no chão. E também o pó que tinha por todo lado, a pequena janela numa parede com um guarda-roupa quebrado ao lado dava apenas visão da onde havia se enfiado.


Fechou a porta e suspirou, seria difícil viver ali por três dias. As lágrimas vieram, queria ir embora.


Foi até a cama bagunçada e tentou a ajeitar. De nada adiantou, estava desanimado. Muito desanimado. Tudo aquilo era consequência de um sentimento de euforia do passado, um sentimento que veio assombrar a sua vida e a do pai. Nem deveria estar ali naquele local imundo e baixo para resolver dívidas. Ah, se arrependimento matasse, estaria morto há muito tempo.


Sentou-se na cama, abrindo a mochila, tirou um dos seus lanchinhos que havia feito para não gastar com comida lá. Desembrulhou do papel alumínio, sentindo o gosto do lanche até diferente devido ao local.


A cada mordida se lembrava de algo do passado. Do quão desesperado ficou ao ver o corpo do pai pendurado na varanda do apartamento. Ler aquela dolorosa carta, enterrar o pai sozinho, umas das missões mais difíceis já que ainda não acreditava no fato por mais que doesse dentro de si, depois contar para a família por telefone do ocorrido. Queria voltar para lá no mesmo instante, mas não poderia e também ninguém no momento poderia o ajudar. O desespero de tentar pagar as dívidas com o dinheiro do seguro de vida e a insatisfação de não conseguir realizar o pedido do pai.


E mesmo assim ainda tinha esperança, tinha muita esperança de logo voltar para Tóquio, ficar com sua família, ter uma vida totalmente diferente dali. Todo o dia pensava em como seria se já estivesse lá. E isso que o movia no meio daquele lamaçal todo, enfrentava aquelas condições ruins, sabia que um dia tudo aquilo só seria memória.


Terminou de comer o seu lanche e resolver tentar dormir um pouco, para ao menos ter força para enfrentar o mundo.


***

No dia seguinte Ken acordou cedo e saiu direto para a empresa que ficava do outro lado da cidade a todo vapor e ansioso. Chorou durante toda noite e parte da manhã, mas ainda tinha esperança de tudo se resolver. Dormiu pouco, mas o suficiente para descansar.


Chegou a um grande prédio muito bonito e entrou silenciosamente já vendo os seguranças o encarando feio. Procurou o local onde deveria encontrar a pessoa para tratar dos negócios, depois de muito procurar encontrou.


Foi encaminhado a uma sala com uma mesa redonda no centro com várias cadeiras, com estantes brancas como a mesa e em uma das paredes uma grande janela que dava vista para a cidade. Consigo veio um homem com uma pasta em mãos, aquela conversa iria demorar, mas tinha esperança.


Como esperada foi uma longa conversa, Ken perdeu vários fios de cabelo, várias xícaras de café até que em ambas partes chegaram num acordo comum. Ken refinanciou a dívida, só que desta vez em parcelas muito pequenas que pudesse realmente pagar, demoraria anos para conseguir quitar tudo, mas ao menos um dia terminaria e caso conseguisse o dinheiro antes poderia até pagar. Assinou todos os papeis e saiu de lá com um enorme sorriso de orelha a orelha.


Voltou para o hotel e tratou de dormir, no dia seguinte já cairia fora dali. Ignorou os gritos e gemidos do quarto ao lado e tentou dormir, e quase uma hora depois adormeceu num sono muito pesado.


***


Ken apesar de estar no inferno estava feliz. Arrumava sua mochila com poucos lanches, dobrando o seu pijama e se preparando para ir embora. Havia tratado da dívida que ficou em parcelas que poderia pagar todos os meses por muitas dívidas já ter quitado um alívio imenso, demoraria a acabar, mas se sentia muito melhor do que continuar devendo.


Arrumou a cama com aqueles lençóis encardidos sentindo conforto de sair dali. Não chorou aquele dia, como nos dois anteriores, já havia resolvido tudo, voltaria para seu apartamento confortável em Londres, trabalharia alegremente em seu café e seguiria a vida até conseguir sair de lá.


Contou o pouco dinheiro amassado em sua carteira, dava para voltar para casa sem problemas. Saiu do quarto, ainda era cedo, mas viu muitas prostitutas pelo corredor e aqueles gritos irritantes por todo o hotel. Desceu as escadas logo pagando a diária e devolvendo a chave, vendo que na recepção ali parecia um depósito de mulheres da vida.


– Volte sempre. – O recepcionista disse com nenhuma animação na voz.


Ken saiu sem dizer nada, nunca que iria voltar para um lugar como aqueles. No meio do caminho foi parado por um homem com roupas mais simples que as suas, pedindo informação de uma rua qualquer ali.


– Desculpa amigo, mas eu não saberei te informar, nem conheço aqui e tô indo embora. – Respondeu abrindo um leve sorriso.


– Tá tudo bem, então passa a carteira.


– O quê?- Ken tentava não entender a situação.


– Passa a carteira mané, isso aqui é um assalto. – O outro tirou de um dos bolsos do casaco velho e rasgado um punhal muito afiado.


– Desculpa, mas eu mal tenho dinheiro...


– Passa a grana ou eu te furo, não entendeu não idiota? – Apontou o punhal para Ken que desesperou.


Não tinha escolha, ou dava o seu dinheiro contado para passagem ou morreria. Tirou da mochila sua carteira velha e entregou o dinheiro para o assaltante que ainda riu de sua cara e saiu andando tranquilamente.


Não sabia o que fazer, andou até certo ponto, sentou na calçada e começou a chorar, chorava muito mais do que nos outros dias, chorava como se a alma estivesse saindo do corpo junto. Não sabia o que fazer mais, só tinha alguns lanches na mochila e nada mais. Não sabia como iria voltar para sua casa.


Um desespero terrível começou a percorrer por todo o seu corpo, seu coração doía tanto e não sabia como resolver aquela situação. Tudo estava perdido, não conseguiria voltar para casa, ficaria ali naquele inferno até Deus sabe quando.


E estava frio, muito frio e cada vez mais que ficava ali jogado naquela calçada parecia que mais pragas caiam sobre si. As pessoas que passavam, principalmente mulheres da vida, riam de sua cara, queria que fosse um pesadelo.


Pensava e pensava nada lhe vinha à mente, teria que fazer algo humilhante que jamais pensaria que um dia faria, pedir dinheiro.


Aquilo era contra seus princípios, sabia muito bem daquilo, entretanto não tinha escolha. Nunca se imaginou numa situação tão humilhante e desesperadora como aquela, seu pai sempre lhe ensinou a nunca pedir dinheiro aos outros, estava indo contra o ensinamento do pai, mas era preciso.


Limpou as muitas lágrimas que ainda escorriam e começou aquela difícil missão. A maioria que passava o ignorava completamente como se ele não estivesse ali. Com o tempo alguns lhe davam moedas, outros riam, e alguns até xingavam quase o espancando. O frio consumia toda sua alma e não sabia mais o que fazer.


Até que por a sorte da sua vida pela primeira vez ter aparecido, uma prostituta estava com um homem de anos muito mais velho pararam para rir de sua desgraça, se encolhia cada vez mais. Queria morrer do que a passar aquele tipo de situação. Estava de cabeça baixa quando o homem bem influente jogou algumas notas de dinheiro no chão.


Encarou o homem com dúvida, pensou que ele deixou cair.


– Pega rato de esgoto, pega. – E sem mais nem menos o homem saiu rindo com a mulher.


Sem pensar muito recolheu as notas contando. Somado com algumas moedas que tinha ali era o dinheiro de sua passagem. Disse um “obrigado” baixo que foi levado com o vento e começou a chorar. Poderia voltar para Londres finalmente.


Guardou com cuidado o dinheiro na carteira e foi até o ponto de ônibus próximo. Só no momento percebeu que não teria dinheiro para passagem do ônibus até o aeroporto, mas teria que dar um jeito, a parte mais difícil conseguiu teria que de alguma forma conseguir no momento também, mas menos pedir dinheiro na rua como um mendigo.


Passou alguns minutos no ponto de ônibus sentindo frio. Até que avistou de longe o qual exatamente que pegaria já estava ali. Quando entrou no ônibus explicou a situação ao motorista que o encarou no começo com desconfiança, mas ao notar o leve medo e desespero de Ken ficou com dó e o deixou ali.


Por dentro sentia uma vergonha que nunca havia sentido antes na sua vida. A que ponto chegou de ter até que pedir dinheiro na rua como se fosse um ninguém da vida como a maioria das pessoas daquele lugar nojento. Para aquela cidade não voltaria por mais nada, passou por dor e desespero, fora o lugar onde estava hospedado era um verdadeiro bordel. Ainda não acreditava que estava vivo.


Sentia o cansaço dos três dias desabando sobre suas costas, nunca antes tinha se desgastado tanto assim com uma viagem por causa de dívidas. Foi pego desprevenido, sem dinheiro e com pressa, o único jeito era economizar o máximo que poderia. Nem saberia como faria para se sustentar aquele mês já que todo o dinheiro foi para viagem, mas daria um jeito.


Após a morte do pai o seu objetivo era mesmo voltando para o Japão, manteria a distância o café, mas o tempo foi passando e aprendeu que o melhor era encontrar de vez um comprador. Sabia que aquele estabelecimento era o sonho de anos do pai, porém não poderia manter algo enquanto morria de fome e cheio de dívidas para pagar.


Ainda procurava alguma solução, mas com a dívida tratada no dia anterior percebeu que continuar com aquele sonho era loucura. Totalmente loucura na situação que se encontrava e mesmo se melhorasse, queria voltar para a terra natal e não sabia por quanto tempo poderia manter o café à distância, muitas vezes teria que viajar para Londres, e não sabia que se teria condições.


O tempo mudou seu ponto de vista do lugar onde vivia. Antes Londres era um paraíso que havia descoberto com o pai e onde poderiam ter um bom negócio e ajudar até a família no Japão, um sonho. Mas com o tempo sua visão daquele paraíso foi sumindo dando lugar a visão do inferno. Os acontecimentos foram cada vez mais afundando. Desde primeiras e pequenas dívidas que faziam para sobreviver até o presente dia.


Quando naquele dia de sol final da tarde Ken voltava para o seu apartamento e viu aquele corpo pendurado, pareceu que o mundo havia escurecido, sua alma foi jogada numa terrível escuridão. Não conseguia dormir, não conseguia se alimentar. Não estava vivendo em um sonho bom, estava tentando construir um que não deu certo e só deu conta quando já era tarde demais.


Quando percebeu já estava perto do ponto que deveria descer. Logo estava na calçada fria e vendo que o tempo cada vez mais ficava frio. Era uma boa caminhada até o aeroporto, e andava vendo aquela fumaça branca saindo pela boca e pelo nariz.


Seus dentes já se chocavam um com o outro. Andava ainda mais rápido querendo chegar logo ao seu ponto de partida de desaparecer daquele inferno, mas o vento batia em seu corpo com tanta intensidade que fazia com que seus passos diminuíssem.


Finalmente havia entrado naquele local quente e bem iluminado, entupido de pessoas com pressa. Foi comprar sua passagem, só teria para duas horas depois, mas mesmo assim comprou ali que não ficaria para sempre. Depois foi se aconchegar num banco até chegar a hora de partir.


Foi até um banco encostado numa parede, sentou em uma das pontas, sentindo seu estômago roncar, sorte que ainda tinha lanche em sua mochila. Pegou um e comeu com pressa para tentar matar a fome.


Ainda não havia entendido o que aconteceu quando estava na rua mendigando. Foram horas e horas, muitos o xingavam de vagabundo, sem vergonha, mandavam-no ir trabalhar, mas nem sequer sabia o motivo. O pior foi pedir dinheiro até prostitutas, chegou num ponto tão extremo que teve que até apelar para elas.


E como se caísse do céu aquele dinheiro daquele desconhecido, agradeceu aos céus, pensou até que as notas fossem falsas, mas ao ver e examinar viu que eram verdadeiras. Foi sorte, mas também nunca mais cairia em situação semelhante.


Comeu todos os lanches que tinha na mochila, e ainda sentia fome. Queria um café bem quente, mas não lhe sobrou nenhuma moeda, foi contado o dinheiro., quase que não dava até. O bom de estar ali é que a maioria das pessoas passavam reto sem olhar para si e lá também havia pessoas em situações muito piores. Mesmo com sua calça no joelho rasgada, ainda sim se sentia camuflado. Acabou rasgando a calça na calçada quando ainda mendigava.


Sentia o sono vindo cada vez mais e junto com o cansaço era impossível não fechar os olhos e cochilar ali mesmo, naquela posição horrível e segurando firme sua mochila para ninguém roubar, como se alguém ali fosse roubar uma mochila velha, mas mesmo assim, depois que foi assaltado naquele bairro nojento, não duvidava de mais nada.


Quando abriu os olhos ainda estava ali naquele local cheio e se assustou, teria até dormido demais, teria perdido o avião. Olhou para um relógio pendurado no alto, quando viu a hora sentiu um grande alívio, faltava ainda meia hora. Mas decidiu ficar acordado e se preparando para sair dali.


Não via a hora de chegar a Londres, em seu apartamento, tomaria banho e tiraria aquela sujeira de hotel e humilhação da sua pele. Aquela viagem por um lado foi boa, mas de resto foi como viver num pesadelo muito realista.


Quando viu já estava na hora do embarque. Pela primeira vez na vida se sentia feliz por estar dentro de um avião prestes para voltar a Londres. E prometeu a si mesmo que só sairia de lá que fosse para Tóquio onde agora a família vivia e mais nada. Viu que no fim resolveu um problema e arrumou outros vários.


***


Quando Ken se deu conta, já estava em Londres, estava por dentro tão aliviado que agradecia aos céus mentalmente a todo o momento. Sua vontade agora era chegar logo em seu apartamento, queria sair correndo desesperado. Saiu do aeroporto ajeitando a mochila nas costas e já indo para o ponto de ônibus.


Já era bem tarde então a temperatura estava muito baixa. Sentia que nada o esquentava ali por mais que cruzasse os braços numa falsa tentativa de se esquentar. Mas aí se lembrou que não tinha dinheiro para o ônibus, teria que voltar a pé para casa, mais uma para finalizar com chave de ouro sua desgraça.


Saiu caminhando cabisbaixo e tremendo de frio, demoraria cerca de uma hora e meia para chegar em casa. Caminhava com pressa, mas mesmo assim sentia-se congelar e de vez em quando espirrava vendo que do resfriado não tinha mais escapado. Não iria reclamar, pois já estava em Londres e aquilo já era sua maior vitória. Foi muito difícil chegar lá, agora que já estava seria pecado reclamar.


Tinha a impressão que o frio não era o problema maior, mas sim o cansaço que fazia com que andasse devagar, porém não poderia ficar a vida inteira ali caminhando lentamente pelo horário que já era propício para assaltos, e como não tinha nada poderia até morrer. Todos os seus xingamentos eram dedicados para o assaltante que fez o favor de levar todo o dinheiro e ainda rir da sua situação, agora estava assim daquele jeito.


Mudou os pensamentos para Hyde, perguntava-se se ele estaria bem na Suécia e como deveria agir por lá, com certeza seria o mesmo frio de sempre, mas ficava com pena do baixinho por ele mesmo não aparentando sofrer com a tragédia na família. Gostava realmente de Hyde, ele era uma ótima pessoa por mais que não aparentasse e ele era muito afetivo com os pais.


Logo foi se esquecendo do cansaço e começou a caminhar mais rápido que antes. O céu estava estrelado e o vento não parava nem por um minuto. Depois de uma hora e meia caminhando sobre aquela situação cortante chegou finalmente ao seu apartamento.


Abriu um enorme sorriso e mudou sua visão do portão do prédio para o outro lado da rua, onde estava o seu amado café, mesmo com todas aquelas dívidas lá era o único lugar onde suas memórias de dias bons e alegres permaneciam vivas.


Estava tudo normal como sempre, tratou de entrar no prédio, espirrando mais uma vez. Dentro do local estava tudo silencioso, seus passos faziam um barulho alto, era ótima aquela sensação de estar em casa. Abriu a porta de seu apartamento com pressa e sorriu ao ver tudo normal, do jeito que deixou quando saiu. Fechou a porta e colocou sua mochila ali. Foi até o quarto e pegou roupas limpas para vestir. Depois foi para o banho tirar aquela sujeira toda de seu corpo.


Ainda não entendia como conseguiu ficar sem tomar banho três dias. Porque quando foi no primeiro dia ver o estado do banheiro que era coletivo, perdeu toda a vontade, para fazer suas necessidades era com muita força de vontade porque o banheiro era imundo cheio de baratas e ratos. Nem água caia mais do chuveiro, não sabia como pessoas conseguiam ficar ali uma semana. Sempre foi acostumado a tomar banho todos os dias então parecia que havia ficado anos sem tomar banho.


Quando saiu debaixo do chuveiro, secou-se e vestiu suas roupas que havia separado. Pegou as roupas de viagem e jogou direto na máquina de lavar para tirar toda sujeira que continha ali, sentou em tudo quanto é porcaria de calçada e no ambiente que estava era horrível ter apenas aquela roupa.


Depois foi até a cozinha e preparou algo que tinha em sua geladeira, era pouco, mas ao menos ainda tinha algumas coisas para comer. Aquele mês seria difícil, mas conseguiria sobreviver, aguentou por várias vezes, mais um mês não lhe mataria. Comeu rapidamente e foi se preparar para dormir, estava cansado.


Arrumou sua cama e se deitou para dormir. Ah, aquela sensação de estar protegido de qualquer mal, sentir-se em casa era o que faltava em Ken. Por três dias que pareceram uma eternidade e se esqueceu daquelas sensações tão boas. Queria descansar muito, no dia seguinte não abriria o café, sabia que precisava de dinheiro, porém queria descansar para voltar a trabalhar a todo vapor.


Não bastou dez minutos e Ken já dormia profundamente de volta em sua casa, longe do inferno.


***


O domingo de Hyde fora um verdadeiro tédio, não tinha o que fazer ali naquele lugar. Ficou o dia inteiro trancado naquele quarto confortável e quente no ponto certo. Deixava a televisão ligada esperando que algum milagre acontecesse e passasse algo realmente interessante. Cansou de ler coisas aleatórias, não sentia como se estivesse descansando e sim trancado ali. Ô lugarzinho chato.


Queria estar em Londres, aproveitando o domingo tomando café fervente e arrumando seu apartamento como sempre fazia nos domingos que não tinha nada para fazer. Mas ali mesmo sendo um quarto enorme com vários móveis e objetos não se tinha nada a fazer.


Queria fazer algo em relação a investigação, porém não levou nada para lá, primeiro porque pensou que teria algo mais relevante do trabalho para fazer, e segundo que tinha quase nada, apenas memórias e defasadas notícias sobre aquilo. Não via a hora de voltar e visitar os pais.


Não queria sair, não queria andar no meio daquelas pessoas chatas novamente. Já não bastava no dia anterior, novamente não. Não havia nada útil para fazer, e nem vontade de ir ao restaurante do hotel tinha vontade, só de pensar que comeria com um bando de pessoas em sua volta já o fazia perder qualquer tipo de fome que pensasse em ter.


Estava deitado na cama olhando para o teto bem iluminado. Odiava não ter nada para fazer, mas também não queria ter o que fazer no meio de pessoas chatas. Foi fechando seus olhos lentamente até que adormeceu completamente novamente naquele dia.


***


No dia seguinte Hyde já estava arrumado indo para a sede do jornal. Era bem perto, poderia ir a pé e realmente foi. Queriam que um carro fosse o buscar, mas era frescura demais se poderia caminhar.


Chegou ao lugar e foi muito bem recebido, foi apresentado a cada andar daquele prédio de vários e vários andares, e no fim ficou na redação o que fazia sempre, só que desta vez diferente de Londres ficou com notícias especiais.


Para Hyde estava fazendo a mesma coisa só que num inferno diferente que falava outra língua. E as pessoas eram ainda mais curiosas do que em Londres, muito mais curiosas e vinham lhe encher a todo o momento. Muitas eram puxa saco, outras queriam saber como era Londres e por que estava ali.


Respondia como sempre deixando algum indignado com si, como no habitual. Sua sorte é que a mesa onde trabalhava ficava num canto longe de janelas perigosas, as dali eram bem maiores e as cortinas serviam para nada, seria um inferno ainda maior ficar debaixo de uma delas.


No horário do almoço não sabia para onde ir, muitas pessoas o chamaram para ir a algum restaurante, mas recusou. Não iria sair dali, primeiro porque não conhecia nada ali. E segundo porque estava sem fome, caso sentisse quando chegasse ao hotel era só se alimentar bem e estaria tudo bem, agora sair dali não sairia de forma alguma.


O motivo real, era que sentia uma forte inquietação, com certeza era de estar ali naquele lugarzinho chato. O hotel nem se fala, era ainda mais infernal, pela primeira vez na vida quando não tinha nada para fazer acabava dormindo sem precisar tomar nada, aquilo era horrível. Definitivamente queria voltar para Londres.


Parou por um momento, aquele lugar era tão chato. Não sabia qual lugar ali era mais chato, a empresa ou o hotel. Em ambos os lugares havia pessoas irritantes e as atmosferas pareciam ser uma só. Aquilo parecia perseguição consigo, não importava onde fosse, nunca teria paz.


Foi uma péssima ideia ter saído de onde estava quieto para aquele lugar, era como se estivesse num verdadeiro inferno, claro que considerava o jornal de Londres também um inferno, mas no que estava atualmente era um inferno bem maior com pessoas muito mais chatas.


A música ambiente ali estava começando a estragar mais ainda o seu humor. Hyde sabia que poderia ser um pouco de implicância sua, porém para si maior parte dali era verdade. Nunca mais viajaria a trabalho como esse, seria apenas perda de tempo e dor de cabeça.


Quando o horário de almoço foi se encerrando os funcionários voltavam, e alguns até traziam comida de fora para Hyde. Ele apenas agradecia e deixava de lado, não havia pedido para ninguém sair comprando, primeiro que a maioria ali era de fasts foods com lanches gordurosos que tanto odiava. Não iria comer nenhum, depois daria para algum infeliz.


Suspirou, seria muito difícil terminar a semana naquele lugar.


***


Hyde se preparava para dormir. Faltavam apenas dois dias para sair logo aquele lugar. Uma semana muito difícil cada dia que saia do hotel sabia que esquentaria cabeça por diversos motivos, vindos todos ao mesmo tempo. Ninguém o deixava em paz, nem por um segundo.


Demorou a dormir, mas conseguiu pegar no sono tentando descansar para o próximo dia.


Logo sonhava com algo estranho, sangue por todos os lados, gritos desesperados e sons de carne se rasgando. Agora o sangue jorrava, mas não entendia o motivo daquilo. Era um lugar conhecido, mas não sabia onde era, mas sabia que conhecia. Logo viu um objeto coberto por sangue vivo, um vermelho claro, era uma faca. Quando olhou para frente, viu uma montanha de sangue e carne podre.


Acordou assustado e gritando. Suava feito um porco, seu coração batia tão forte que ouvia as batidas. Conhecia aquilo, aquele sonho maldito. Seu corpo por inteiro tremia, levantou da cama e foi até a cômoda onde estava o seu celular. Discou um número que tinha memorizado. Quando a pessoa do outro lado da linha atendeu, logo perguntava o que o agonizava, tendo uma resposta macabra, melancólica e dolorosa.


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Notas finais do capítulo

Vish.
E agora?
Sobre a parte da viagem do Ken lá pro lugar lixinho, parte escrevi de memórias minhas numa viagem de 2007 ou 2008, em que não lembro como fui parar num bairro igualzinho onde ele ficou "hospedado".



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