Heaven Sent escrita por AnaBorguin


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Não tenho direitos sobre o SR, o BN ou TBS... u__ú barras da vida.



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1° Capitulo.

Seus pés davam passadas largas e desequilibradas. Suas mãos buscavam as paredes do corredor. Ao longe, mesmo com o zumbido insistente em seus ouvidos, podia notar a música alta vinda do ginásio. Aquele som só o enlouquecia cada vez mais. Os gritinhos femininos afetados só o faziam ter mais certeza do que queria. Ele iria morrer.
A vida não era muito fácil naquela escola, naquela cidade. Principalmente se você é aquele garoto caipira do Alabama. A vida se torna ainda pior quando encrencam com as roupas que você veste. E quando resolvem te perseguir você começa a rezar para que não exista mais vida. Por meses eles procuraram e enfim encontraram um motivo para o odiarem. Sabia que não devia ter deixado aquele papel ali. O papel onde escrevera aquela letra de música de estrutura infantil. A letra que usou para desabafar tudo aquilo que o impedia de respirar.
Certo, agora ele era a bicha da escola.
Não que realmente estivesse esperando por aquela festa do colégio. Mas eles precisavam tê-la estragado dizendo todas aquelas coisas? E daí se gostava de olhar durante tanto tempo assim para os seus colegas de sala? Não. Esqueça. Ele era a bicha agora. E a bicha seria perseguida até desistir. E bem, o dia havia chegado. E em seus quinze anos, havia desistido de vez.
Entrou no banheiro com muita dificuldade. Bebera demasiadamente. Como dizem, “para esquecer”. Ou para tornar mais fácil o que pretendia fazer. Utilizando a pouca coordenação motora que ainda tinha, retirou a gravata que acompanhava o feio terno que usava e amarrou uma de suas pontas no cano da tubulação de ar no banheiro. Subiu na privada de uma cabine para colocar a cabeça encaixada no colar que fizera. Tinha que ser logo, antes que mudasse de idéia. E já com o tecido da gravata em volta de seu pescoço olhou para o teto. Era hora de ir. Um passo para frente. Uma fisgada na garganta. Um tombo.
Teve vontade de rir de sua própria ignorância, que o impediu de prender a gravata descentemente. Mas o único sentimento que transpareceu foi seu desespero e, antes que pudesse conter, já tinha o rosto lavado por lágrimas.
Chorava por auto-piedade. Por odiar tudo o que era, todos os seus sentimentos patéticos, sua tentava de suicido frustrada. Chorava por estar bêbado e caído em uma cabine do banheiro masculino de sua escola. E só parou de transbordar-se quando ouviu o clique da porta.
Um vulto borrado abriu a cabine e o encontrou ali. Se estivesse sóbrio, correria. Correria por medo de apanhar pela segunda vez – só naquele dia. Mas estava transloucado, machucado – não que já tivesse percebido o corte que fizera na testa ao bater no vaso sanitário naquela hora. O borrão se abaixou, ficando à sua frente. E, mais rapidamente do que poderia supor, grudou seus lábios no dele.
Engraçado como em momentos assim o cérebro parece congelar. Quando pensaria nessa noite muitos dias depois não se recordaria das feições da pessoa que o acolhera tão carinhosamente. Mas se lembraria saudoso do metal da correntinha em seu pescoço, onde enroscara seus dedos para relaxar. Não saberia responder quem era o garoto – pois isso ele sabia – que havia invadido sua cabine e o beijado, e nem o que ele pretendia com aquilo, mas conseguiria descrever perfeitamente o compasso de seu coração agitado ou o calor de sua respiração envergonhada. Nem houve tempo para gritar que ficasse quando ele saíra do banheiro e, paradoxalmente - como em um passe de mágica-, entrara no coração de Adam Lazzara para sempre.

Suava frio. Sua cabeça já doía terrivelmente e suas pernas fraquejavam. Mas mantinha-se de pé, firme, enquanto todos aqueles brutamontes miravam bolas em direção à sua cara. Aprendera, após muitas penas, que resistir bravamente era melhor que fugir. Não que realmente gostasse de levar boladas no rosto, ou de apanhar de tacos, ou de ver seu armário ser pichado todos os dias com nomes ofensivos à sua sexualidade, mas aprendera a ignorar tudo isso, a não se deixar abater como antes.
Sabia muito bem que devia toda essa sua nova “coragem” àquela noite. E quanto tempo já fazia? Um ano e alguns dias... Não esqueceria daquela data, da gravata e do beijo tão cedo. Os dias que se seguiram àquele foram cheios de nomes que lhe perturbavam e as noites repletas de rostos que procurava decifrar. Em vão. Não houve um só sinal daquele garoto, nem ninguém que reclamasse por mais beijos. Foi então que começara a procura desesperada de Adam por aquele que poderia ser, no sentido mais brega possível, seu “seu enviado dos céus”.
Ai. Uma bola o acertou em cheio no nariz o fazendo cambalear até tropeçar e cair de costas. Não é necessário dizer que foi a alegria de toda a turma do time de futebol do colégio, não é? Os garotões se aglomeraram ao redor do culpado pelo disparo certeiro e o cumprimentaram efusivamente. Ele apenas sorriu sem remorso e disse em seu tom natural – desinteressado.
- Vamos, caras. – E saiu em direção ao vestiário, sendo seguido por todos aqueles bobões sem cérebro.
Adam não se surpreendeu ao ver o autor de seu nariz sangrando. Lacey não costumava pensar muito antes de agir – sempre com precisão de movimentos. Adam jurava que poderia vender a alma para descobrir o que fazia aquele garoto o odiar tanto – e incitar o ódio nos outros também. Não havia motivos aparentes: Jesse Lacey era um garoto muito popular em todo o colégio, além de capitão do time de futebol – e isso realmente não era pouca coisa! E o mais intrigante em todas as suas características é que, ao contrário de quase 99,9% do time, Jesse era alguém extremamente inteligente. Alias, talvez ao contrário de quase 99,9% de toda a escola. E apesar de não possuir a melhor das personalidades, era um líder nato, completamente admirado por seus “seguidores”. E após essa breve análise de sua vida se tornava ainda mais difícil entender porque alguém tão “perfeitamente inalcançável” se importaria em perturbar um zero tão à esquerda quanto Adam.

Com um saquinho de gelo devidamente posicionado sobre o nariz, Adam saiu da enfermaria em busca de um lugar com um pouco de paz para se recuperar. E em toda escola, só havia um lugar assim...
A biblioteca estava silenciosa como sempre. Lazzara não era muito fã de livros, na verdade não conseguia se concentrar por mais de cinco minutos em uma atividade qualquer, quanto mais se estiver sentadinho lendo. Mas havia um motivo para estar lá. É porque sabia muito bem que este era o local onde poderia encontrá-lo facilmente.
Na mesa de sempre, - a última, à direita – estava ele. Os olhos por de trás dos óculos se moviam rapidamente, devorando cada frase do livro aonde enfiara a cabeça.
Sentou-se fazendo mais barulho do que qualquer outra pessoa no recinto, jogando sua mochila em cima da mesa e se largando no tampo.
- O que foi dessa vez? – ele disse, só o olhando de soslaio e notando seu nariz deformado.
- Educação física, John. – a voz saiu abafada e manhosa.
- Lacey novamente? – perguntou, já voltando sua atenção totalmente ao livro.
John Nolan era uma das poucas pessoas que ainda se arriscavam a manter uma espécie de contato com Adam. Nunca se preocupara muito com sua reputação e, mesmo que se preocupasse, sabia que estava seguro enquanto fosse o principal difusor de colas e respostas de testes da escola. Quantas vezes Adam havia desejado ser respeitado assim? Bom, mas se fosse contar com seus dotes intelectuais sabia que talvez fosse acabar apanhando mais.
- É. – Adam resmungou.
John ficou calado e Adam sabia bem o porquê. Pelo que haviam lhe contado assim que chegara na cidade, John e Jesse foram grandes amigos. Daquele tipo que falava das mesmas coisas, ria das mesmas piadas e dividia a mesma escova de dente. Mas houve um momento “X”, que ninguém soube explicar exatamente quando ou porquê, mas os dois pararam de se falar imediatamente. E antes que isso tudo pudesse ser clarificado, Jesse já virara a grande estrela do time.
- Hum. – só resmungou como resposta. – Vai lá em casa hoje? – John virou-se para perguntar à ele. – Michelle perguntou sobre você... – disse tentando soar casual, enquanto segurava levemente a borda a página virando-a suavemente. Adam imaginava que John não gostava muito de saber que sua irmãzinha já sentia interesse por seus amigos de colégio.
- Não, - e completou rapidamente – desculpa por não poder ir de novo. – e os olhos de Adam se fixaram em um ponto ao longe. – Tive um pressentimento que talvez depois do treinamento de natação de hoje à tarde eu o encontre... – falou, completamente perdido em devaneios.
John só revirou os olhos Não precisava ser muito gênio para saber sobre o que exatamente Adam se referia. Qualquer pessoa que convivesse um dia inteiro com o garoto decoraria completamente a história do beijo no banheiro masculino de um ano atrás de tantas vezes que voltava ao assunto.
John abriu a boca para dizer algo, mas logo foi calado pelo par de olhos azuis que entrara na biblioteca com uma pequena pilha de livros. Adam virou a cabeça para constatar quem chegara.
- Err... – grunhiu - ...John? – Adam disse notando o aparente desconforto de Nolan – É melhor eu sair daqui, né?
- É só ignorá-lo – concluiu voltando sua atenção à leitura.
Mas o olhar de Jesse em direção à Adam ficou tão pesado e insuportável que era como se ele tivesse o poder de despejar raios lasers.
- Hum... Eu vou – Adam disse jogando a mochila nas costas – Meu nariz já teve o suficiente por hoje. – e antes que John pudesse dizer mais alguma coisa, já saíra da biblioteca, sendo acompanhado pelo azul daqueles olhos ameaçadores.

Não saberia dizer o que o havia levado a ir até lá. Talvez fosse realmente um pressentimento de que, de uma hora pra outra, um cara pularia em sua frente e se apresentaria como aquele que ele sempre esperou. Ou talvez fosse só a vontade ver os garotos de sunga - sem que o recriminassem por isso.
Havia pulado na piscina por cinco minutos, para disfarçar e, como era de se esperar, príncipe encantado algum havia surgido. Já estava no vestiário completamente vestido após tomar banho, dando laço nos cadarços de seu Converse enquanto se xingava baixinho pela idiotice no silencio.
O barulho de vozes lhe alarmou. Deveria ter calculado melhor o horário e não ter sido burro parar estar ali bem no momento onde os jogadores iam tomar ducha pós-treino da tarde.
Recolheu suas coisas rapidamente, desejando que pudesse sair antes que os outros entrassem, mas, ao chegar à porta foi barrado por um paredão de músculos suados. Evidentemente sentiu uma leve dor quando foi jogado em direção ao armário e o ar lhe faltou quando sentiu o peso dos dedos de alguém lhe envolver o pescoço.
- O que está fazendo aqui, bicha? – Era a voz de Lacey, inconfundivelmente. Adam forçou abrir seus olhos um pouco e o fitou em desespero. Sorria. Maldito sádico. O aperto em seu pescoço doía cada vez mais e sentiu que lágrimas se formavam no canto dos olhos, lutando desesperadamente para que não escorressem. Teve vontade de vomitar, de gritar, de correr. – Hein, Lazzara? – foi nesta hora que arregalou os olhos o máximo que pode. Poderia ter sido pela surpresa com o fato de Jesse se recordar de seu nome, mas não era isso que o despertou. Seus olhos se arregalaram ao notarem um certo brilho vindo do peito de Lacey. Adam imediatamente soube o que era. Com um esforço sob humano levou uma de suas mão até o objeto e abriu a boca para dizer algo, que saiu inaudível.
- ...corrente. – Não soube se Jesse havia escutado ou só se assustado com o contato dos dedos do menino em seu corpo, mas ele o soltou imediatamente, recuando alguns passos, os olhos ligeiramente abertos. Reparou no olhar de Lazzara fixo no metal reluzente e pareceu ainda mais desconcertado. - ...você? – Adam disse com dificuldade, ainda retomando o ar nos pulmões.
Lacey pareceu se recompor e estendeu o dedo em direção a cara do garoto magrelo.
- Não.apareça.mais.na.minha.frente. – vociferou com raiva. O time pareceu perdido com a cena, mas apoiou o capitão, gritando injúrias para que o emoboy se retirasse, o que aconteceu no segundo seguinte.
Adam se afastou do vestiário correndo como nunca havia corrido na vida – nem mesmo naquele 4 de julho, sendo perseguido pelos cães do vizinho, aos sete anos.
Não podia acreditar naquilo. Lacey! Jesse Lacey. A correntinha. A mesma correntinha daquela noite – ele tinha certeza, não sabia como, mas tinha. Teve vontade de gritar, de sorrir, de chorar. Aquele que costumara chamar de ”enviado dos céus” era agora real. Cruelmente real.

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