A Caçada escrita por Bia_C_Santos


Capítulo 15
Capítulo 15 - Caçados


Notas iniciais do capítulo

Volteeeei, depois de uma semaninha. Aqui está o capítulo 15, narrado pela Lana. Hope you like (:



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Acordei ainda no meio da noite, parecia madrugada. Um pequeno ruído tinha me assustado o suficiente para me acordar, um ruído de lâmina.

            Sentei na grama rapidamente. Olhei para os lados e encontrei quatro pessoas deitadas, dormindo tranquilamente, e James sentado, com a adaga na mão.

            — Desculpa — ele pediu. — Eu não queria te acordar.

            — Ah. — Foi tudo o que consegui responder de início, já que eu estava assustada com o barulho. Talvez eu estivesse sonhando algo ruim antes de acordar, não me lembrava. Mas aquele pequeno ruído fez com que meu coração se acelerasse. — Tudo bem.

            Ficamos em silêncio. Olhando em volta observei que já devia ser tarde... Ou cedo. No céu havia apenas pequenas estrelas que não iluminavam nada.

            — Que horas são? — perguntei. Não sabia se James tinha relógio ou coisa do tipo, mas ele devia ter uma noção de que horas seriam, sendo que ele tinha ficado acordado até agora.

            — Por volta das três da manhã — ele respondeu. Percebi que ele parecia um pouco cansado. Olhei para todos os outros dormindo. Kate parecia mais um anjinho, mesmo toda aquela maquiagem de antes estar sumindo de seu rosto.

            Voltei o olhar para James que, grande surpresa, olhava a mesma pessoa que eu observava antes. Porém, ele levantou a cabeça e viu que eu o descobrira e desviou o olhar.

            Era incrível como eu não tinha ideia do que falar com ele. Éramos os únicos acordados, o que deixava tudo mais desconfortável. Eu não gostava muito do silêncio. Não quando outra pessoa estava por perto.

            Se fosse uma das Caçadoras, aí sim tudo seria mais fácil. Falávamos sobre tudo, e ao mesmo tempo sobre nada. À vezes sentia que elas me entendiam... Ou era eu que as entendia?

            Ficar sem falar nada estava se tornando cada vez pior, quando James perguntou, parecendo mais que falava com ele mesmo:

            — Será que três de nós vão mesmo morrer? Ou vamos? Quer dizer, não sei se estou incluído nessa lista de pessoas que vão para o Mundo Inferior.

            — Não faço ideia — respondi. Eu tinha pensando bem pouco nisso, na verdade, mas vendo agora o que passamos em apenas algumas horas... Bom, eu devia ter pensado mais. — Eu não quero morrer — acrescentei, para não falar só aquilo, mas percebi tarde demais que não era exatamente algo legal de se falar.

            Mas tudo o que James fez foi rir, baixinho para não acordar ninguém. Depois voltou os olhos para cada uma das pessoas deitadas.

            — Acho que eu preferia morrer do que deixar vocês morrerem — disse, por fim. Tive que concordar com isso. Acho que, mesmo sendo, hum, durona, digamos assim, não aguentaria os ver morrendo.

            — Eu também.

            — Claro que você também, Lana — James riu. — Eu sou tão irritante que você preferia que eu morresse mesmo ao invés das outras pessoas.

            Fuzilei-o com o olhar, mas James tinha uma cara tão risonha que entre meus lábios escapou um mini sorriso também.

            — Você precisa dormir — comentei. — Afinal, o que você está fazendo acordado a essa hora da noite?

            — Acho que vigiando? — James perguntou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Se em plena luz do dia já fomos atacados por ciclopes e harpias, já imaginou de noite?

            Percebi que estava meio óbvio mesmo, mas eu não tinha pensado nisso. Provavelmente se não tivesse alguém vigiando, já estaríamos totalmente mortos.

            — Pode deixar que eu fico acordada a partir de agora então — falei, tentando fazer uma boa ação. — Você parece estar com tanto sono que não confio muito em você vigiando.

            James deu de ombros e deitou na grama. Demorou apenas alguns segundos e ele já estava dormindo, pelo o que parecia.

            Concentrei o meu olhar na paisagem. Eu tinha longas poucas horas pela frente.

Calculei que deveriam ser mais ou menos oito horas quando a primeira pessoa acordou, foi Phoebe. Estava tudo calmo, quando eu ouvi uma movimentação na grama e olhei que Phoebe se mexia no chão.

            Primeiro achei que ela estava acordando, mas seus olhos ainda estavam fechados. Mesmo assim, ela se contorcia na grama, o que me fez acreditar que talvez ela estivesse sonhando.

            Vê-la se contorcendo como se estivesse lutando contra algo invisível foi ruim, mas resolvi não acordá-la.

            Mas também não precisei. Em alguns minutos, ela abriu os olhos, rápido demais, e ficou olhando para céu, agora claro e limpo. Um dia feliz de verão, bem ensolarado.

            Sua respiração estava acelerada, o peito subindo e descendo, subindo e descendo. Phoebe passou a mão pelo rosto e se sentou lentamente na grama, finalmente percebendo que eu estava acordada.

            — Tudo bem com você? — perguntei. Era uma pergunta meio boba, eu sabia, mas era melhor do que não falar nada.

            — Sim. Estou bem. — Phoebe respondeu, lentamente, como se estivesse pensando na resposta certa.

            — E tudo bem com as Caçadoras? — perguntei, ficando mais preocupada. A possibilidade de Phoebe estar sonhando com as Caçadoras veio em minha mente.

            — Eu não sei — Phoebe parecia confusa. — Não sei. Acredito que eu estava sonhando com o dia em que elas foram capturadas... Como se eu fosse uma delas... Não entendo...

            Fiquei em silêncio esperando que Phoebe continuasse, mas isso nunca aconteceu. Naquele momento escutamos alguém se levantando. Era Kate, que já acordava também.

            Incrivelmente, havia umas pequenas olheiras em volta de seus olhos e aquele aspecto de pele perfeita já não estava mais lá. Suspirei, aliviada. Provavelmente eu estava do mesmo modo e isso me alegrava.

            Sabia que várias garotas queriam estar sempre com a maquiagem perfeitinha sem nem mesmo ter passado maquiagem, mas eu não era assim. Gostava de ser diferente.

            O cabelo ainda estava meio organizado, mas um pouco despenteado e o corte que eu tinha feito estava reaparecendo.

            Logo Mary, James e Oliver já estavam de pé também. O problema é que não tínhamos produtos higiênicos, comida e água por ali, sendo que aquilo era tudo o que mais precisávamos.

            — Estou morta de fome — Kate reclamou, enquanto todos se levantavam para esticar o corpo. Ouvi a maioria gemerem depois de uma noite dormindo no chão. Eu estava um pouco dolorida também, mas nem tanto, já que dormi apenas metade da noite.

            — Cara, como eu queria ter pelo menos uns daqueles colchões infláveis — Oliver reclamou, fazendo um tipo de alongamento.

            — Eu preciso ir ao banheiro — James reclamou. Teria sido meio estranho e nojento aquele comentário, mas todos tínhamos a mesma, hum, necessidade.

            — E eu quero água — falei, enfim. Minha garganta ficava cada vez mais seca e estava ficando muito quente ali.

            — O que fazemos agora? — Phoebe perguntou. Engraçado era que nós sempre nos perguntávamos a mesma coisa.

            — Acho que o melhor a fazer é caminhar — respondi. — Talvez tenhamos que roubar alguma coisa em um supermercado ou lojinha, ou coisa do tipo. Ah, e temos que descobrir onde estamos.

            Todos concordaram. Nossa primeira prioridade era achar banheiro e comida. Porém, era difícil imaginar onde acharíamos isso ali no meio do nada. Agora de dia era mais fácil enxergar, e com isso vinha a percepção que estávamos muito longe da cidade.

            Porém, começamos a andar. Uma vantagem de não ter bolsas era que não precisávamos carregar peso em uma caminhada que realmente parecia muito longa.

            Mesmo assim o sol nos castigava. O verão chegava, percebi. Passei tanto tempo no acampamento que nem tinha percebido que já estávamos em junho.

            Resolvemos não caminhar muito em direção às silhuetas distantes. Até porque não sabíamos exatamente onde pararíamos. Se fosse um lugar deserto, tudo bem. Mas se fosse uma estrada ou uma cidade, seria difícil explicar o que seis “crianças” estavam fazendo no meio do nada, sem carregar nada.

            Sem contar que estávamos sujos, já que tínhamos dormido em terra, praticamente. Com certeza estávamos parecendo delinquentes juvenis, diremos assim.

            Naquele dia ninguém estava com muita vontade de falar coisa alguma. Talvez fosse as dores, o cansaço, o calor. Talvez fossem desesperanças e reflexões. Afinal, era nosso segundo dia fora e estávamos acabados.

            Não contava as horas, porque ninguém estava com relógio ali, mas a julgar pelo calor, já eram mais ou menos meio-dia quando vimos uma silhueta tomando uma forma. Ainda estava um pouco longe, mas era o suficiente para saber o que era.

            Estava mais ou menos no meio do nada, igual a nós. Porém, andando por mais alguns minutos, percebemos que estava perto de uma estrada praticamente vazia.

            Era uma casa, com dois andares, víamos pelo tamanho. Era bonita, não tinha um aspecto de lugar velho. Mas o seu estilo colonial dava uma sensação de estar em um tempo mais antigo. Na verdade, bem antigo.

            Era feita de pequenos tijolos laranja. As janelas eram circulares, inteiramente de vidro, tão limpas que refletiam nossas silhuetas. O teto era perfeitamente triangular. Assim era a nossa visão dela de lado.

            Não havia mais nada por perto. Nenhuma loja, nem um posto de gasolina, ou então uma loja de conveniência.

            Talvez se seguíssemos aquela estrada logo chegaríamos a uma cidade. Aquela casa não poderia de jeito nenhum estar no meio do nada assim. Nenhum ser humano poderia viver no meio do nada, sem comida ou água.

            O problema era... E se estivesse muito longe? Estávamos cansados e suados, então precisávamos tomar um banho. No mínimo, precisávamos ir ao banheiro. E água. E comida.

            Não podíamos aguentar mais nem um minuto e aquela casa bem cuidada, alegre naquela paisagem monótona, parecia bastante convidativa. Com certeza, quem quer que morasse lá aceitaria seis “crianças” perdidas, certo?

            Olhei para Kate, ao mesmo tempo em que ela olhava para mim. A decisão estava em nossas mãos agora.

            — Paramos lá? — Oliver perguntou. O tom de sua voz mais dizia “por favor, vamos bater naquela porta”.

            Kate deu de ombros, como se dissesse “vai ver não há mal algum ali”. Então, concordei com a cabeça e retomamos o nosso caminho até aquela casa.

            Em poucos minutos chegamos à frente da casa, de tão animados com a ideia de entrar algo de bom lá. Nosso cansaço parecia cada vez menor, quanto mais aproximávamos.

            Paramos na frente da casa. Ela era com certeza mais alegre. Quatro janelas que descreviam um arco, duas no andar de baixo, duas no andar de cima, ladeavam a casa. As janelas de cima eram menores, pois havia entre elas uma porta de vidro enorme que dava para uma varanda, de mesmo formato das janelas. Havia também uma porta embaixo, mas menor do que a de cima.

            A frente da casa era formada por pequenos muros do lado da casa e um pequeno portão à frente. Passando o portão, havia um caminho de terra cercado de grama e pequenas flores que levava aos degraus à frente da porta da frente.

            — Uau — Kate falou. Se eu achava aquela casa bonita, Kate então a achava maravilhosa. — É meio que a casa dos meus sonhos.

            Hesitamos um pouco. Deveríamos entrar e bater na porta ou não? Afinal, éramos seis sujos ali e a dona ou o dono da casa não ia gostar muito desse tipo de visita.

            Mas... Eu estava cansada. Tomada por um impulso, abri o pequeno portão e comecei a andar em direção à porta. Olhei para trás antes de subir os degraus e vi que todos tinham passado.

            Subi os degraus de madeira e esperei os cinco se ajeitarem atrás de mim. Assim que eles o fizeram, localizei um botãozinho ao lado da porta. A campainha.

            Toquei o botão e ajeitei minhas roupas. Eu era a menos suja de todos, já que tinha ficado deitada por menos tempo, mas mesmo assim queria aparecer aceitável. Ajeitei meu cabelo querendo, pela primeira vez, que Afrodite desse um jeito neles.

            Não demorou muito até que fossemos atendidos. Uma mulher, vestida mais ou menos como uma criada, abriu a porta. Era meio pequena e curvada, como se passasse boa parte do tempo de cabeça baixa, curvando-se à frente de alguém.

            Abri a boca para falar, mas nada saiu. Eu não tinha pensado em um ponto: o que falar? Simplesmente não podia chegar e dizer “oi, você tem comida, água e um banheiro para nós usarmos?”.

            A mulher, que parecia mais ou menos ter uns 30 anos, nos analisou por alguns instantes. Depois apenas perguntou:

            — Gostaria de falar com a senhora dessa casa?

            — Por favor. — Foi tudo o que eu respondi, um pouco aliviada por não ter que explicar nada, por enquanto.

            A mulher abriu a porta para que pudéssemos passar e fez um sinal como se dissesse “entrem”. Foi o que fizemos e nos deparamos com um pequeno saguão.

            Era mais ou menos como o interior de um castelo. O chão era tão limpo que até brilhava. As paredes eram brancas e limpas. À nossa frente via-se uma enorme escada. Chegando ao topo, ela se dividia em duas, uma de cada lado.

            A mulher fez sinal para que nós esperássemos ali e subiu as escadas. Quando chegou em cima, virou para o lado direito e sumiu por algum tempo.

            Demoraram apenas alguns minutos até que ela reaparecesse, junto com outra mulher, a dona da casa. Ela vestia um vestido que ia até o chão, azul como o céu da noite. Tinha o cabelo solto, jogado para trás.

            O que mais chamava a atenção nela era em volta dos olhos. Era meio estranho, mas havia olheiras realmente enormes em volta deles, como se ela nunca tivesse dormido na vida.

            Ela desceu as escadas e parou, olhando para nós.

            Seu olhar era indescritível. No analisava, talvez. Mas não apenas uma análise curiosa. Ela parecia pensar no que ia fazer conosco, como se nós fossemos... Não sei. Comida.

            Achei que fosse apenas impressão minha, ou melhor, esperava. Mas tinha a sensação de que eu era presa ali, e o predador tinha alcançado seus objetivos.

            — O que fazem seis jovens no meio do nada? — a mulher perguntou. O seu tom não era de alguém que estava prestes a denunciar seis delinquentes, mas, sim, de quem era uma anfitriã.

            Ninguém falou nada. O que poderíamos dizer, afinal? “Ah, perdemos nosso avião por causa de uns ciclopes, então viemos com pégasos até harpias derrubarem tudo o que tínhamos.”

            — Perdidos — Kate respondeu, simplesmente. Torci para que a mulher não perguntasse mais nada. Não poderíamos dizer que éramos todos irmãos. É remos muito diferentes.

            — Seis jovens? — Bom, ela não era inteiramente tonta, certo? Ela tinha que desconfiar de alguma coisa.

            — Somos primos — inventei. Podia parecer estranho também, mas era melhor do que dizer que éramos irmãos. — Só eu e Kate — apontei Kate ao meu lado direito — somos irmãs.

            — Oh, mas que triste — a mulher disse, com uma cara de pena. — Vocês parecem exaustos. Precisam de água?

            Todos concordamos com a cabeça. Se não fosse por causa do cansaço, estaríamos nos perguntando sobre o quanto a mulher era gentil.

            — Venham conosco até a sala de jantar — a mulher apontou uma porta à nossa esquerda. — Tem água fresquinha.

            Seguimos a mulher e a criada. Ela não perguntou nossos nomes e nós também não tínhamos tempo para pensar em perguntar o nome dela quando podíamos ter água em segundos.

            A sala de jantar era tão grande quanto o saguão. Metade do espaço era ocupada por uma mesa de forma retangular. Contei doze lugares.

            Não entendia porque tantas cadeiras. Aquela casa não parecia ter quartos o suficiente para doze pessoas e a dona da casa parecia viver sozinha, se não fosse pela criada.

            — Sentem-se — a mulher mandou. Assim fizemos. Era bom sentar em algum lugar que não fosse duro como o chão ou que não se movesse como corpos de pégasos. Relaxei na cadeira, até lembrar que devia estar sujando ela.

            A criada, que tinha sumido, voltou em minutos com uma jarra de água e seis copos. A água parecia estar bem gelada, o que era tudo o que precisávamos naquele calor.

            Aceitamos vários copos de água sem nem mesmo hesitar. Minha boca com o tempo foi voltando ao normal e meus lábios não pareciam mais estar rachados como antes.

            — Muito bem. — A mulher pediu para a criada levar os copos e a água assim que nos sentimos satisfeitos. — Que tal ir ao banheiro agora? — Ela nem esperou nossa resposta e continuou. — Há dois banheiros, um em cada lado da escada. A primeira porta que vocês virem. Vão em pares. Fiquem à vontade.

            Mary e Phoebe foram as primeiras a ir ao banheiro. Elas voltaram rapidamente, juntas. James e Oliver insistiram para eu e Kate sermos as próximas.

            Nós duas fomos. Kate ficou com o banheiro da esquerda e eu fui até o banheiro da direita. O corredor que ia até ele era meio escuro e curto.

            Ia entrar no banheiro quando algo chamou minha atenção. No final do corredor só havia escuridão, mas essa faixa de sombras era cortada por um pequeno brilho.

            Parecia o brilho de uma joia, de uma joia autêntica. Um diamante, talvez. Ou algo ainda mais caro, ainda mais precioso.

            Fiquei tentada a ir ver de perto, mas achei melhor não. Nossa anfitriã não ia gostar de pegar uma garota vasculhando suas joias. E eu não queria perder a gentileza dela.

            Mas aquilo significava que ela tinha dinheiro, muito dinheiro. Ou então tinha herdado da família. Será que isso significava que ela podia nos ajudar?

            Tirei essa ideia da cabeça e entrei no banheiro. Como todos os cômodos da casa, aquele banheiro era um dos maiores que eu já tinha visto na minha vida. Tinha um chuveiro, o boxe em volta dele, uma banheira, uma estante com vários frascos, a pia, grande e cheia de sabonetes e coisas do tipo, além da privada.

            Bom, aquilo comprovava que com certeza nossa anfitriã era rica.

            Fiz minhas necessidades. Lembrei que a mulher disse que era para ficarmos “à vontade”. Lavei meu rosto e reparei, olhando no grande espelho acima da pia que eu já não estava super maquiada.

            Sentia-me muito suja, mas pensei que usar a banheira seria um abuso. Então apenas limpei meus braços e o pescoço, além de uma parte da perna e outras partes do corpo mais sujas com lenços umedecidos.

            Voltei a olhar minha imagem no espelho. Meu cabelo estava totalmente desarrumado. Peguei uma escova e comecei a arrumá-lo. Eu não era uma filha de Afrodite muito vaidosa, mas gostava de ter uma aparência aceitável.

            Não demorei muito mais no banheiro. Sai ao mesmo tempo em que Kate saía. Ela estava idêntica        à mim, a não ser por sua franjas, que estava presa, talvez por um grampo.

            — Para quê isso? — perguntei, apontando para a cabeça dela. Kate passou a mão pelo cabelo, meio confusa, e pareceu entender do que eu estava falando quando localizou o grampo.

            — Assim minha franja não fica caindo no meu olho — ela respondeu, dando de ombros.

            — Para mim isso é só sua vaidade — falei. Eu também tinha uma franja, e ela não ficava caindo nos olhos.

            Kate revirou os olhos.

            Atravessamos o saguão e chegamos à sala de jantar. Oliver e James saíram assim que entramos.

            Oliver não demorou muito. Chegou minutos depois. Eu não sabia exatamente onde bodes faziam suas necessidades. Muito mesmo queria descobrir.

            Ao contrário de Oliver, James demorou muito tempo no banheiro. Mas até do que eu e Kate. Comecei até a acreditar que ele estivesse tomando um banho.

            Porém, quando James voltou, estava quase que exatamente como antes. A única mudança foi o cabelo, que agora estava mais ajeitado.

            Pouco tempo depois, a criada voltou junto com outra mulher, que vestia um avental. Provavelmente, a cozinheira. Traziam duas travessas de cookies.

            Assim que as travessas foram postas nas mesas, atacamos os cookies. Pensei sobre o que a dona da casa pensava sobre isso. Mas nem me importei. Estava faminta.

            — Isso, queridos, comam — a mulher disse. — Não tenho recebido muitos visitantes ultimamente. Veja bem, vocês não são exatamente crianças, mas acho que serve. Seis jovens semideuses. Vão me garantir uma ótima refeição.

            Parei de comer imediatamente. Levantei a cabeça e olhei para a moça, tentando raciocinar, suas palavras invadindo minha mente.      

            — Desculpe, senhora — Mary falou, cautelosa —, mas como é mesmo seu nome?

            — Lâmia — ela respondeu.

            Foi apenas uma palavra, um nome, mas fez com que Phoebe, Mary e Oliver praticamente saltassem para fora da cadeira.

            Kate por um tempo ficou pensando, mas logo se levantou. James e eu, os únicos que ainda não tinham se levantado, saímos das cadeiras.

            — Não pode ser — Mary disse, confusa. — E a cauda? E... Você deveria estar morta.

            — Ah, existem várias versões, é claro, mas eu não tenho cauda, como algumas contam — Lâmia mostrou as pernas. — E sei que deveria estar morta. Mas Gaia me trouxe de volta à vida.

            Todos nós ficamos em silêncio, por um tempo. Eu não estava entendendo nada. Que história era essa de cauda e pessoa que deveria estar morta?

            Eu entendia apenas uma coisa: Lâmia, aquela mulher tão gentil, estava do lado de Gaia. Era nossa inimiga.

            — Então, gente, eu acho que é hora de irmos embora... — Kate disse, como se nada tivesse acontecido.

            Começamos a nos dirigir para a porta, mas Lâmia ergueu a mão em nossa direção.

            — Quietos aí, queridos — ela disse. Não precisava dizer nada. Entraram pela porta seis homens, parecendo guerreiros medievais, e bloquearam o caminho.

            Como tínhamos sido tão burros! Entrando na casa de desconhecidos, uma casa no meio do nada, onde morava uma mulher anormalmente gentil.

            Estávamos tão cansados e fracos que nem raciocinamos direito, percebia. Era como em João e Maria. Eles ficaram tentados por causa dos doces e acabaram nas mãos de uma bruxa.

            — Não querem nem mesmo saber a minha história verdadeira? — Lâmia perguntou, parecendo falsamente triste.

            Assentimos. Na verdade, não queríamos. Mas isso nos daria tempo para pensar em alguma coisa.

            — Eu era uma rainha. Rainha da Líbia. Eu tinha tudo. Joias, riqueza, tudo. Eu podia não ser a mais bela de todas, mas tinha meus pontos altos. — Lâmia sorriu maliciosamente.

            — E foi daí que surgiu a lenda de que você atraía viajantes mostrando seus seios? — Phoebe perguntou. Lâmia concordou, enquanto eu franzia a testa. Sorte que aquela versão não era verdadeira.

            — Foi o suficiente para atrair Zeus — Lâmia continuou. — Eu era então a sua amante. Hera, é claro, ficou com muito ciúmes. Quando os meus filhos nasceram, ela os matou, todos.

            “Logo eu estava grávida de novo. Não suportaria ver outro filho morto. Fugi para uma caverna quando ele estava prestes a nascer, pensando que podia fugir.

            Então, ele nasceu, naquela caverna. E eu percebi. Estava morto.”

            Eu já estava quase sentindo pena de Lâmia. Eu não tinha o desejo de ser mãe, mas não gostaria de ver meus filhos mortos ao nascer.

            — Eu enlouqueci. — Lâmia realmente parecia estar louca. — Comecei a não me importar mais em ver crianças mortas. Comecei a eu mesma matá-las, comê-las.

            Deu um passo para trás. Agora entendia porque Phoebe, Mary, Oliver e Kate ficaram tão assustados.

            — Para piorar, eu não conseguia nem mesmo fechar meus olhos. Via meus filhos mortos e não conseguia cerrar os olhos. Hera tinha me amaldiçoado com a imagem deles mortos para sempre.

            Definitivamente, eu não gostava muito de Hera. Tudo bem que Lâmia não tinha razão em comer crianças, mas isso era muita maldade.

             — Até que Zeus veio e aliviou essa maldição. Não me livrou, mas pelo menos não era obrigada a ver meus filhos mortos cada minuto da minha vida.

            — Então... — Oliver hesitou. — É verdade que você pode tirar seus olhos?

            — Oh, sim, é verdade — Lâmia colocou as mãos nos olhos. — Querem ver?

            — Não! — Kate gritou, sua voz mais aguda do que o normal. Ela corrigiu o tom. — Não, muito obrigada, mas não.

            Eu podia dizer que era uma garota, hum, durona, mas se Kate não gritasse aquilo, com certeza, eu iria.

            — Agora Gaia está trazendo todos de volta do Mundo Inferior. Prometi alguns favores à ela e acabei tendo uma bela casa, dez guardas e minhas joias de recompensa.

            — Que tipo de favores? — James perguntou. — Comer semideuses?

            — Mais ou menos isso. — Os olhos de Lâmia brilhavam. — Agora, vejamos bem. — Ela olhou o relógio na parede que indicava que faltavam 10 minutos para três da tarde. — É meio tarde para almoço e cedo para jantar. Vou ter que deixar vocês presos por um tempinho.

            Os guerreiros se aproximaram e pegaram nossos pulsos, puxando-os para trás e amarrando-os. Tentamos lutar, mas era inútil. Eles eram realmente fortes.

            Achei estranho eles não terem nos revistado, para conferir se não estávamos armados. Para mim, não fazia diferença. Não tinha como eles saberem do colar e eu mal sabia usar minha espada reserva.

            Os guerreiros nos empurraram até o saguão. Lâmia, que ia atrás, parou no pé da escada e nos disse:

            — Até o jantar, queridos.

            Então, fomos empurrados até o corredor do lado direito da escada. No fim, havia outra escada, que descia.

            Descemos os degraus e deparamos com uma espécie de prisão. Os guerreiros nos jogaram no cão e amarraram nossos pés, como se não bastassem as mãos.

            Depois de trancada a jaula, um guerreiro ficou de guarda ao lado.

            Apenas ficamos sentados no mesmo lugar. Ninguém perguntou “o que vamos fazer?”, como na maioria das vezes.

            Tínhamos que agir. E depressa.

            — Então — disse James —, parece que também fomos caçados.


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Notas finais do capítulo

E então?



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