Passaram-se alguns meses desde aquela reunião e nunca mais vi a Milena ou o Luciano. Nunca mais nos trombamos no mercado, no posto de gasolina, em lugar nenhum.

Não conseguia tirar as palavras da Milena da minha cabeça. Faziam eco dia e noite. Aquilo me matava.

Pra tentar me distrair um pouco resolvi entrar na internet e olhar minhas redes sociais, coisa que não fazia há algum tempo, pois tinha uma vida muito corrida.

Havia muitas solicitações de amizade, a grande maioria foi dos colegas que encontrei na reunião.

Resolvi ver os álbuns de fotos de todos eles. A grande maioria, se não todos estavam casados e com filhos.

Havia fotos de festas de aniversários, natal, páscoa, todas as datas comemorativas que se costuma passar com a família.

Aí me dei conta que eu não tinha fotos assim e provavelmente nunca teria.

Foi no perfil de um desses conhecidos que encontrei o Luciano. A foto dele era ele beijando a barriga da Milena e ela com o Felipe no colo.

Ele não tinha bloqueado o acesso às fotos dele, então eu pude ver tudo. A cada foto sentia pontadas dentro de mim.

Eram fotos dele com a Milena em diversos lugares, pelas datas algumas presumi que foi assim que começaram a namorar. Fotos na praia, em festas, só deles dois, enfim, todas diferentes entre si, mas com uma semelhança em todas.

O sorriso da Milena. Era sincero, lindo e acima de tudo, passava felicidade.

Vendo aquelas fotos me dei conta de que a Milena era feliz e merecia toda aquela felicidade.

Me dei conta também que parei no tempo. Sempre pensei estar seguindo com a minha vida, mas não. Fiquei paralisado, me alimentando de uma culpa passada que nunca superei verdadeiramente.

Eu envelheci, mas sozinho. Sem uma família pra eu poder chamar de minha. Sem ter quem presentear ou visitar nas datas comemorativas.

Desliguei o computador e fui pra sacada. De lá podia ver crianças brincando com seus pais, casais passeando de mãos dadas e eu lá, sozinho.

Eu errei com a Milena e paguei por isso, mas porque mesmo vendo que ela estava bem agora, ainda me sentia culpado?

Era duro admitir, mas ela tinha razão. Durante boa parte da minha vida vivi de aparências, me escondendo no meu trabalho, nos meus vícios estúpidos.

A Milena era a mulher perfeita. Claro que tinha defeitos, mas era perfeita pra mim. Pena que enxerguei isso tarde demais pra fazer alguma coisa.

Aquela noite não consegui dormir. Não tirava as imagens da Milena e de sua família da minha cabeça.

Era impossível não pensar que o Felipe e a garotinha que ela estava esperando poderiam ser meus filhos ao invés de serem do Luciano.

Nunca pensei muito em ter uma família, mas depois de ver a Milena outra vez, isso não saia da minha mente.

Aquela família poderia ser minha, mas não era e infelizmente eu sabia disso.

Tive muito tempo pra pensar aquela noite e decidi que não iria e nem podia atrapalhar a vida da Milena, mas eu precisava vê-la, mesmo que pela última vez. Tinha que pedir perdão por tudo o que fiz.

Peguei uma mochila e coloquei algumas roupas. Entrei na internet e através de alguns conhecidos que tínhamos em comum, consegui o endereço dela.

Não fazia idéia de qual reação ela e o Luciano teriam a me ver diante da porta da casa deles, mas fui assim mesmo, afinal não tinha mais o que perder.

Consegui uma passagem rodoviária para um dos primeiros horários da manhã. Dentro do ônibus lembranças dos bons tempos que passei com ela vinham de volta a minha mente.

Assim que o ônibus chegou ao terminal daquela pequena cidade meu estomago gelou. Pela primeira vez em muito tempo estava com medo de encarar alguém, ainda mais quando esse alguém era a mulher que me amou tanto e eu só a fiz sofrer.

Aluguei um quarto em uma pousada pra ao menos ficar até o dia seguinte.

Assim que me instalei, criei coragem e fui ao endereço da Milena e do Luciano. Não era tão longe da onde eu estava, até porque a cidade era muito pequena e era fácil de se encontrar por lá.

Assim que encontrei a casa, conferi o endereço por umas três vezes. Era ali, bem a minha frente estava à casa da mulher que mesmo depois de tanto tempo ainda mexia com meu coração.

Respirei fundo e toquei a campainha. Luciano me atendeu. Não fez uma cara de surpresa ou alegria, mas não me tratou mal.

 - Mi, visita pra você. – disse enquanto abria a porta me permitindo entrar.

 - Visita? Não estou esperando ninguém. – dizia ela entrando na sala e dando de cara comigo.

Parecia que um elevador estava dentro de mim e nem sei explicar o porquê da minha reação. Ela me encarou surpresa, olhando para o marido em seguida.

 - Fábio? O que você está fazendo aqui? Melhor, como chegou até aqui?

 - É uma longa história, mas isso nem importa agora. Queria conversar com você e não poderia adiar mais.

 - Fábio, estou ocupada agora, é hora do banho do Felipe e...

 - Conversa com ele amor, deixa que eu cuido do Felipe.

Ela olhou pra ele sem entender nada. Sinto que no fundo ela esperava que ele tivesse uma atitude totalmente contrária, afinal eu também esperava por isso da parte dele.

 - Fique a vontade Fábio. – disse passando por mim e dando um selinho na Milena, falando algo baixo em seu ouvido, mas não tão baixo que eu não pudesse escutar.

 - Ele precisa dessa conversa e você sabe que precisa também. Qualquer coisa é só me chamar que venho correndo.

Assim que Luciano saiu da sala, ela fez um gesto para que eu me sentasse.

 - Pronto Fábio. Imagino que seja algo importante, afinal você largou seu trabalho pra vir até aqui. O que quer falar comigo afinal?

 - Quero te pedir perdão Milena.

 - Perdão? Perdão de que?

 - Eu sei que dei muitas mancadas com você, te machuquei muito e você sequer merecia. Fui um idiota ao te fazer sofrer.

 - Esquece isso Fabio, já tem tanto tempo.

 - Sim, mas sei que você não esqueceu as coisas que te fiz. Nem eu. Senti sua hostilidade comigo no dia do encontro de turmas.

 - Admito que fiquei amargurada um bom tempo. Chorei muito, desisti de muitas coisas e abri mão de muitas outras também. Tudo o que eu mais queria na vida era me vingar de você de alguma forma.

 - Imagino...

 - Mas aí o Luciano apareceu na minha vida e me ensinou a ver as coisas de um jeito novo. Me mostrou que eu tinha um passado, mas ele também tinha e que a melhor coisa a fazer era esquecer isso e viver o presente. Hoje vejo que tudo o que aconteceu com a gente tinha que ter acontecido Fabio.

 - Como assim?

 - Fábio, se você não tivesse feito as coisas que fez, eu não teria saído da cidade e começado uma nova vida aqui. Não teria conhecido o Luciano e não teria essa família linda que tenho hoje.

 - Poderia ter tido comigo se eu não tivesse feito as coisas que fiz.

 - Sei que é normal você pensar assim agora, mas analisa sua vida, analisa você. Só o fato de você estar vindo aqui hoje pedir perdão mostra que você está amadurecendo e sinceramente, duvido que isso estivesse acontecendo com você se não tivéssemos passado por tudo o que passamos.

No começo achei que ela só estava dizendo aquilo pra amenizar o lixo que estava me sentindo, mas depois, parei e vi que ela tinha razão. Eu era orgulhoso demais e realmente se tivesse continuado com ela não teria mudado, pelo contrário, poderia até a estar tratando pior do que antes.

 - Acho que você tem razão.

 - Agora você só acha, mas em breve terá certeza.

 - De qualquer maneira Milena, preciso ouvir da sua boca que você me perdoa por tudo o que te fiz. Sei que hoje você está bem, feliz, mas isso ainda me perturba muito.

 - Fabio, já disse que está tudo bem. Você já está perdoado. Espero de verdade que um dia você também seja tão feliz quanto eu sou hoje.

Como podia? A Milena era mesmo uma mulher muito especial e eu não a merecia. Depois de tudo o que fiz pra ela, de todas as baixarias que cometi, toda a minha grosseria e egoísmo, além de me perdoar ela me desejava felicidade.

Deixei uma lágrima escorrer pelo meu rosto, mas discretamente a sequei em seguida. Não queria me mostrar tão frágil diante dela.

 - Bem, não quero mais tomar seu tempo, já vou indo. Mas será que antes posso te pedir uma coisa?

 - Peça.

 - Pode me dar um abraço?

Ela sorriu e veio em minha direção, me abraçando. Senti sua barriga encostando-se a mim e não sei ao certo explicar o que senti. Só sei que queria que a Milena e sua família fossem felizes.

Me despedi dela e voltei para a pousada onde estava hospedado. Passei aquela noite lá e retornei na manhã seguinte.

E essa foi a ultima vez que vi a Milena. Anos se passaram e nunca mais tive uma noticia sequer dela, apesar de sentir dentro de mim que ela é feliz, como sempre mereceu ser.

Continuo sozinho, com o mesmo emprego, morando no mesmo lugar, freqüentando os mesmo lugares. Nada mudou, pelo menos aparentemente.

Dentro de mim, apesar de saber que o perdão da Milena foi sincero, ainda me sentia vazio. Não culpado, mas vazio, como se faltasse algo dentro de mim. Esse algo era ela, mas eu sabia que jamais a teria.

Desde então fico todas as noites olhando o nada e lembrando dela, até cair no sono.

Mas um dia, terei a Milena de volta, para trata - lá como uma mulher especial e única como ela sempre mereceu, nem que seja apenas nos meus sonhos.