Os Peixes não São Todos Iguais escrita por Eica
Na segunda-feira, Danny foi para a cafeteria no seu horário de almoço. Assim que pôs os pés na cafeteria, viu Maurice sentado em sua mesa de sempre. Suspirou. Fechou a porta da cafeteria e conseguiu uma mesa ao lado da janela – três mesas de distancia da de Maurice. Deixou sua bolsa no encosto da cadeira como sempre e fez seu pedido a garçonete quando uma delas veio lhe atender.
Olhou para Maurice. Hoje o rapaz vestia um casaco preto longo, uma camisa preta e uma gravata vermelha. Em frente aos olhos, usava aquele mesmo óculos de armação grossa (item este que o deixava ainda mais charmoso). No rosto, conservou um sorriso bonito.
Danny ouviu-o rir baixinho. Depois o viu jogar os cabelos para trás. No momento em que Maurice riu pela segunda vez, Danny levantou-se da cadeira e foi até ele.
- Por que você ri tanto? O que tem de mais neste livro?
Maurice ergueu a cabeça.
- Oh, oi, Danny. – disse, sorrindo.
Danny tirou o livro da mão dele e o folheou.
- Este livro é tão engraçado assim? – perguntou o rapaz, com a intenção de provocar.
- É, porque narra situações muito cômicas.
- Hã.
Fazendo pouco caso, Danny largou o livro sobre a mesa e quando se deu de costas, Maurice exclamou:
- Hei! Não vai se sentar comigo?
Danny voltou para a sua mesa. Um minuto depois, Maurice foi até a sua e se sentou numa cadeira de frente para a dele.
- Eu te convidei para sentar? – disse Danny, de modo grosseiro.
O outro rapaz não disse nada. Apenas sorriu. Ajeitou sua bolsa no colo e deixou seu livro sobre a mesa, assim como seu pratinho de croissants.
- Vai comer comigo? – perguntou Danny.
- Sim, vou.
- Então vou pra outra mesa.
Quando Danny recolheu seus pertences e pôs-se de pé, percebeu que todas as outras mesas da cafeteria foram ocupadas – até mesmo aquela que Maurice deixou vaga. Sem alternativas, voltou para a sua mesa. Tornou a pendurar a bolsa no encosto da cadeira. Apoiou o queixo na mão e fez cara emburrado. Maurice colocou os braços sobre a mesa e, sorrindo, perguntou:
- Trabalha no pet shop há muito tempo?
- Não lhe interessa.
- Se vamos almoçar juntos, acho que um pouco de conversa não fará mal. Quando conversamos o tempo passa mais depressa.
Danny olhou-o.
- Está certo. – disse. – Trabalho lá há um ano e sete meses.
- E gosta?
- Se eu não gostasse, não trabalharia lá.
- Bem, isto não está muito correto. Algumas pessoas suportam certos trabalhos por causa do salário.
Danny suspirou.
- Estou lhe aborrecendo?
- Pode ter certeza de que eu não planejava conversar com você.
- Então por que foi até minha mesa?
- Bem... – disse Danny, tentando encontrar uma resposta convincente.
- Se queria conversar comigo, não precisava ter arranjado aquela desculpa sobre o livro que eu estava lendo. Eu teria me sentado com você com enorme prazer.
Danny abriu a boca, surpreso. Depois riu, cheio de maldade:
- Eu não queria conversar com você. Só achei inapropriado você rindo aqui dentro.
Maurice ficou sério.
- Eu estava rindo muito alto? – perguntou, preocupado. – Sempre tento me controlar, mas acontece que na maioria das vezes é difícil não rir.
- Leia outro livro. – sugeriu Danny, erguendo as sobrancelhas.
Maurice fitou seu livro sobre a mesa. Depois tornou a olhar para Danny.
- Gosta de ler?
- Coisas que não me fazem rir de modo histérico.
- Posso lhe recomendar ótimos livros se quiser. Tenho muitos em casa. – disse Maurice, sem se incomodar com a resposta maldosa do outro.
Danny riu.
- Não vou cair nessa.
- Do que está falando? – perguntou Maurice.
- “Tenho muitos em casa”. – repetiu Danny. – Quer me levar pra sua casa? Não vou, obrigado.
- Não quis dizer isso. Só comentei que tenho muitos livros em casa. E de fato tenho muitos mesmo. Do que mais gosta de ler? Romances estrangeiros? Suspenses?
- Pra mim não importa muito. Contanto que tenha um enredo interessante...
- Então lhe passarei este livro que estou lendo quando eu terminá-lo. Está bem?
Danny balançou os ombros. Maurice tirou um cartão do meio do livro e passou-o a Danny. O rapaz pegou o cartão de cima da mesa e leu-o.
- Você é editor? – perguntou, erguendo os olhos para Maurice.
- Sou. Trabalho aqui perto. Numa editora. Além de analisar originais, também traduzo livros dos meus conterrâneos. – respondeu o moço, sorrindo.
- Seus conterrâneos?
- Alemães.
- Você é alemão?
Maurice confirmou. Danny observou-o um pouco, sentindo um tantinho assim de curiosidade. Colocou o cartão de Maurice na mesa. Tomou seu cappuccino. Maurice tomou seu café e mordeu o resto de um de seus croissants. Danny colocou seus braços sobre a mesa e observou Maurice quando este virou o rosto para olhar para a janela. De súbito, levantou da mesa, fazendo Maurice fitá-lo.
- Bem, vou indo.
- Posso te acompanhar?
- Fique aqui.
Depois de recolher suas coisas e de deixar dinheiro sobre a mesa, Danny virou-se quando Maurice falou:
- Esqueceu o meu cartão!
Danny parou por um momento, refletindo se deveria pegar o cartão. Maurice ficou segurando o cartão na direção do rapaz, esperando que ele o pegasse. Por fim Danny pegou o cartão da mão dele e saiu.
No caminho até o serviço, o jovem ficou pensando no reencontro de hoje. Ao parar na esquina, olhou para o cartão. No momento em que chegou ao pet shop, olhou mais uma vez para o cartão e depois o jogou no lixo que ficava na recepção.
Nos próximos dias, Danny evitou ir à cafeteria. Não queria ver Maurice de novo. Queria deixar claro a ele que não tinha a intenção de namorá-lo ou aceitar seus cortejos. No entanto, em seu interior, Danny ficou tentado a ir à cafeteria, pois teve a curiosidade em saber se Maurice estava lá. E por isto, ficou seriamente aborrecido consigo mesmo: “Ele é homem!”, pensou, “E os homens não prestam!”.
No sábado, Danny passou na cafeteria pela manhã, mas não viu Maurice por lá – e ficou muito frustrado. Na volta para casa, no entanto, viu Maurice em frente à porta principal do hotel Newsam Hall. Hoje Maurice usava um longo casaco marrom e um cachecol cinza em volta do pescoço. No rosto, o mesmo óculos de armação grossa e um curativo na testa. Na mão, uma sacola.
- Olá.
Danny não respondeu. Atravessou a porta do hotel e Maurice o seguiu. Ambos subiram até o quinto andar e antes de Danny abrir a porta do seu apartamento, disse:
- Não vou deixá-lo entrar no meu apartamento.
- Creio que eu não queira mais. Ele está aqui?
- Ele quem? Fala do meu cachorro?
- Sim.
- Ele sempre está aqui. Mora comigo. Mas não pense que vou cair nessa. Sei o que quer. Quer entrar pra transar comigo.
- Que? – exclamou Maurice.
- Não vou deixar, está certo?
- Não quero transar com você.
- Claro que quer! Você é homem! E homens só pensam nisso! São pervertidos e mentirosos! É o que você é.
Danny abriu a porta e entrou. Depois fechou a porta na cara de Maurice. O rapaz atreveu-se a abrir a porta e foi entrando devagarzinho na sala.
- Por que tem uma idéia tão péssima a respeito dos homens? Teve uma experiência ruim com algum?
- Não devia me perguntar estas coisas. É particular. – respondeu Danny, virando-se para o outro.
- Desculpe, mas... – Maurice olhou ao redor da sala e sentiu-se mais aliviado por não ver o cachorro por perto. – Para eu compreender, preciso perguntar.
- Já passou por sua cabeça que talvez eu não queira que você compreenda? Homens não prestam. Isto já devia lhe bastar, por isso não vou deixá-lo entrar.
- Já estou dentro.
Quando Danny percebeu que Maurice estava em sua sala, aproximou-se dele e, empurrando-o, disse:
- Então saia!
- Mas trouxe pão e café... Pensava em tomar café da manhã com você.
Danny bateu a porta na cara de Maurice, mas não sem antes pegar a sacola da mão do rapaz. Naquele momento, Maurice ouviu latidos do outro lado da porta.
- Seu cachorro está aí?
- Está. – respondeu Danny, atrás da porta.
- Poderia prendê-lo em algum lugar? No quarto ou... Na lavanderia? Gostaria de comer junto com você.
- Onde já se viu! Homem com medo de cachorro! – disse Danny, rindo. - Quando olha pro meu cão você vê o que? Uma fera selvagem? Meu cachorro não passa dos trinta centímetros!
- Mas para algumas pessoas, o tamanho não importa. Continua sendo um cão, certo? E um cão que tem dentes.
- Ah, então o problema é esse? Por um acaso teve alguma experiência ruim com algum? – disse Danny, cheio de sarcasmo.
- Talvez. Nesta vida ou em outra, quem sabe.
Algodão chegou perto de Danny e este o carregou. Depois o jovem disse:
- Vai continuar aí fora?
- Gostaria de estar aí dentro com você, mas sem a presença do seu cachorro.
- Não entendeu ainda? Não quero nada com você. – disse Danny, seriamente. - Pare de perder seu tempo ou o seu dinheiro e vá embora.
Uns dois minutos depois de não ouvir uma resposta de Maurice, Danny abriu a porta e viu que o rapaz não estava mais lá no corredor.
Na semana seguinte, Danny foi à cafeteria. Maurice não estava. Danny sentou numa mesa, fez seu pedido à garçonete e pegou seu livretinho de palavras cruzadas. Nem oito minutos mais tarde, viu Maurice entrar na cafeteria. Maurice sentou-se na mesa que sempre sentava, ajeitou sua bolsa sobre o colo e fez seu pedido à garçonete.
Houve um momento em que seu olhar se cruzou com o de Danny, mas ao invés de Maurice sorrir como sempre sorria, este conservou o olhar sério. Durante os dez primeiros minutos em que ficou ali sentado, não olhou para Danny e nem fez menção de juntar-se a ele. “Que bom”, pensou Danny, “Pelo visto ele aprendeu. Finalmente compreendeu que eu não quero nada com ele. Ótimo”.
No minuto seguinte, um rapaz entrou na cafeteria e se uniu a Maurice quando o encontrou. Danny observou os dois se cumprimentarem e o recém-chegado sentar-se de frente para Maurice.
- Que cretino! – pensou Danny. – Veja só! Não conseguiu nada comigo e já está com outro!
Danny esqueceu-se das suas palavras cruzadas e prestou atenção nos dois rapazes. Ficou tão interessado no papo entre eles que acabou perdendo a hora.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!