A noite estava muito fria e só uma coisa me esquentaria naquele momento.
 O céu estava bem escuro, mas sem as nuvens cinzas típicamente estonianas que atrapalham a vizualização das estrelas, então eu via cada uma e contemplava seu brilho maravilhoso.
 Cada uma ali. Elas existiam há tanto tempo... conhecem tudo bem melhor que nós. Eu queria pode visitar cada uma, cada estrela brilhante, no começo, no auge ou no final de seu poder. Ver o sol tão de perto é uma alegria para mim. Tão lindo.
 O céu se riscava por alguns brilhos diferentes, que eu fitava maravilhada. A grama roçava nos meus pés e canelas, fazendo cócegas que me obrigavam a rir de vez em quando, mas eram os únicos momentos em que eu me permitia sorrir.
 Eu estava perdendo-o.
 Tão devagar, um processo lento e torturante. Eu o perdia aos poucos, e a cada pedacinho dele uma parte minha ia junto, até que o que sobraria seria apenas umas partes perdidas de mim. Eu nunca estaria completa novamente.

 Me feria tanto saber isso, sentir isso. Só de pensar, meu peito arde e nem as estrelas conseguem me animar com seu encanto e brilho.

 Estou machucada.

 Para sempre. Há um buraco no meu peito que talvez nunca se feche. É angustiante e frustrante. Eu vivo sem vontade. Sonho sem criatividade. Sorrio sem felicidade. Eu sou estranha.

 Estou com frio e somente ele pode me esquentar. Ele pode me mostrar como sorrir novamente. Eu preciso ir pedir desculpas.

 Tentei levantar e então notei que não conseguiria. Ele estava perdoado e sabia disso, mas nunca pediria desculpas e nem eu. Como ele não entende que se não vier ficar comigo eu morro?Sem ele, quem irá me completar?Me amar?Me ajudar?Quem?

 Lembrei de quando nos vimos pela primeira vez. Tudo o que vi foram cores, piscando de todos os lugares, brilhando em cada parte daquele rosto perfeito. Eu o amo. Das qualidades aos defeitos. Amo as qualidades por me fazerem amá-lo ainda mais. Amo os defeitos por fazerem dele tão... incompleto, ele precisa de alguém que o complete. Esse alguém sou eu, ou costumava ser.

 Eu quero saber onde é que estamos indo. Talvez para todo lugar. Talvez para lugar nenhum. Não sei onde estou, mas seja lá onde for, não serei feliz sem ele. Onde estou?Gostaria de saber. Tudo está tão confuso ultimamente. Eu continuo no meu caminho, continuo sentindo saudade, continuo pensando... se algum dia vou sarar disso tudo.

 Jared, volte... eu preciso de você aqui comigo, sentado na grama, olhando as estrelas, vislumbrando aquele céu limpo de verão. Por que não estás aqui?

 -Kerli. - Ouvi uma voz confortável chamar, não pude me mover, estava gelada. - Kerli?Minha menina estoniana, é você? - Fechei os olhos com felicidade que me invadiu naquele momento, eu queria gritar, mas só pude responder isso:

 -Jah.

 Eu não olhei, mas tive certeza que no rosto dele se espalhou um lindo sorriso. Ele me abraçou por trás e me beijou no rosto.

 -Por que fugiu assim?Senti sua falta. - Falou.

 -O que você quer? - Perguntei ingênua.

 -Falar com você. Pela primeira vez na minha vida, quero te pedir desculpas. Eu sei que preciso, então... me desculpa.

 -Está desculpado. Perdoe-me. - Implorei me aninhando no peito dele, seus braços se apertaram mais ao meu redor.

 -Jah, minha bonequinha. - Sussurrou.

 Ficamos ali, sentados e abraçados por um tempo, para que então eu finalmente conseguisse perguntar:

 -Por que veio se desculpar? - Jared estava cantarolando uma típica canção infantil, mas parara quando perguntei. Ele manteve silêncio profundo e eu comecei a achar que ele ficaria assim para sempre, mas ele respirou fundo e riu.

 -Eu tive medo. - Disse por fim.

 -Do que? - Ele teve medo?Então era algo muito sério.

 -De te perder. Eu congelo só de pensar... - ele apertou o abraço - em te perder. E isso estava acontecendo, resolvi ajeitar tudo. Eu consegui?

 -Sim, perfeitamente. - Não consegui segurar um sorriso enorme, simplesmente feliz e puro.

 Ficamos quietos por mais alguns momentos, eu olhava o brilho daquele céu perfeito quando Jared começou a cantar baixinho uma música que eu escrevi.

 Kõik saame murelipuudeks, sooja sinise laatuse all.

 Murelikroon saab me huultest, sõrmed murelijuurteks all.

Pungad hõõguvad õiteks meie murelipuul, murelipuul
           Nende heledas õites,vaeve, väsimust võites.

 Aí ele ficou quieto. Isso, de início, me incomodou. Ouví-lo cantar com aquela voz angelical no meu ouvido uma música escrita por mim era algo indescritível.

 -Por que parou? - Perguntei.

 -Quer que eu continue? - Ele riu surpreso.

 -Claro!

Heledalt naerab me tuttav tuul.
          Muld vajub naerus suule, soojaks suulduseks liigini.
          Muld tuleb põskede juurde, maaks me uuesti sünnime nii.
          Imesid sünnib, jälle tuul hellalt ja soojalt silitab meid
          Unustust meile sülle, rõõmu lastele sülle,
          Suhust suuri ja mahalseid mureleid.

 Me animei mais ainda, pois o próximo e último trecho da música

era o meu favorito.

Kõik saame murelipuudeks. Ükskõik kus me teed ka ei käi.
          Ja meie naerustest suudest maa saab õitsevaid mureleid täis.
          Maa saab õitsevaid lilli ju täis.

 Jared me beijou e eu sorri. Estava completa.