Confissões de Um Vilão escrita por JulianVK


Capítulo 1
Confissões de um Vilão




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Eu sou o tipo de pessoa que você provavelmente não gostaria de ter como amigo: um vilão. Sou maligno, cruel, traiçoeiro e muito mais. Literalmente um poço de defeitos, um pária da sociedade, um câncer no mundo. Mas hoje decidi dedicar meu intelecto superior para algo diferente do costume: explicar a vocês, pessoas comuns e sem graça, porque nós, vilões, temos tantas manias em comum.

Comecemos com o objetivo que move cada vilão. Quase todos envolvem dominar pessoas, destruir algo – quem sabe até mesmo o mundo inteiro – ou matar alguém. Parecem razões simplórias e repetitivas, mas há um motivo para isso: geralmente as fontes de motivação que levam vilões a cometer atos abomináveis são bem parecidas.

Convenhamos, o mundo onde você, pessoa que está lendo este texto, vive é uma merda. Se você não concorda comigo então certamente é um tolo ou vive à custa de alguém e não tem nenhum problema na vida. Não quero dizer que todo vilão é alguém cheio de problemas, mas sim que nós consideramos que o mundo não é do jeito que deveria ser. Essa é a motivação primordial que faz não só nós, vilões, tomarmos atitudes, como também os heróis.

Sendo assim, por que somos taxados de vilões? A resposta é simples: não temos receio de recorrer a métodos de ética duvidosa para transformar a porcaria que é o mundo em que vivemos em algo aceitável. Aceitável para nós, claro. Infelizmente, nossos métodos eficientes de mudar a realidade geralmente são mal vistos pelas pessoas comuns, completamente cegas pelas normas da sociedade.

Eu, por exemplo, acho a sociedade do mundo onde vivo algo inaceitável e injusto. Como ninguém toma uma atitude, eu concluí que era minha responsabilidade mudar tudo isso. Mas então me deparei com um grande problema: como mudar a mentalidade das pessoas? Isso é impossível, não tenho como controlar a mente de cada indivíduo do planeta – e invejo os vilões que podem fazer isso –.

Devido a isso, parti para a única alternativa com reais chances de funcionar: controlar os humanos através da opressão e do medo. E não há nada que crie mais medo no coração humano do que a morte. Se você mata um ladrão, os outros pensarão duas vezes antes de continuar com suas atividades. Claro, isso parece cruel para pessoas ditas moralistas, mas dane-se! O que importa são os resultados! É nisso que eu e os outros vilões acreditamos: que os fins justificam os meios.

E quando contamos nossos planos maléficos para os heróis? Vocês, pessoas comuns, não fazem a mínima idéia do quão delicioso é este momento. A expressão de espanto e temor, os dentes rangendo, as mãos segurando as armas com mais força. Contamos nossos planos pelo prazer de mostrar aos heróis o quanto somos inteligentes e cruéis. Bolar estratagemas é complicado e cansativo, portanto que graça teria ver seres inferiores sendo acometidos por calamidades, mas sem saber o responsável pela miséria deles? E pode ter certeza: ver os heróis se esforçando a ponto de quase morrer apenas para ter uma chance, por menor que seja, de deter os planos de um vilão torna a arte de planejar ainda mais prazerosa.

Eu pessoalmente sempre fico imaginando como os heróis reagirão de acordo com cada etapa da minha estratégia. Pressentir o medo, o horror, a ira e a sensação de inferioridade daqueles que ousam me desafiar e então ver tudo isso se concretizando é simplesmente maravilhoso.

Aliás, é justamente por isso que não destruímos os heróis na primeira oportunidade. Um vilão de verdade é um esportista nato, dá ao herói uma oportunidade de tentar se defender, de tentar encontrar uma forma de nos impedir. Adoramos ver os pobres mocinhos derramando sangue e lágrimas, dando tudo de si a cada batalha e sentindo na pele o toque da morte.

Mas é importante ressaltar que isso não significa que apreciamos aqueles que tentam nos derrotar. Meramente concedemos um pouco de respeito pela tentativa, uma vez que a falta de desafios pode nos desmotivar. O fato é que odiamos todos que se levantam contra nós, desejamos vê-los sofrendo, chorando, se desesperando. É um prazer sem fim ver um herói quebrado e impotente, assim como outro motivo para não acabar com nossos oponentes tão cedo.

E finalmente chega o momento da batalha final, o tão aguardado confronto em que eu mostrarei aos mocinhos o quão tolos eles foram até o momento e o quão inúteis suas ações são. Porém, não tem graça em simplesmente obliterar aqueles que me desafiaram por tanto tempo, acreditando que eram capazes de me deter. Não, eu quero vê-los sofrendo mais do que sofreram durante toda a árdua jornada. E somente quando eles finalmente estiverem submersos no mais profundo desespero, após abandonar qualquer esperança de vitória, é que vou acabar com eles.

Porém, se engana quem pensa que acabar com os heróis é uma simples questão de terminar com a vida deles. Longe disso, o momento em que eles perecem tem que ser épico, memorável, inesquecível! Tem que ser coroado com minha técnica mais espetacular e poderosa, uma prova da minha força e um aviso para todos que algum dia pensarem que posso ser superado. Esse é o final perfeito para o plano perfeito, mas infelizmente não é o que ocorre.

Ah, como é triste ver um estratagema no qual investimos tanto desmoronar diante de nossos olhos. O nosso desejo de causar sofrimento sem fim para os mocinhos é o que culmina em nossa derrocada. Sempre há alguma razão obscura que faz nossos inimigos se levantarem novamente, algo que para nós é tolice, mas para eles é uma fonte de força.

No fim das contas, não somos vencidos pelos heróis. Na verdade o que nos vence é o nosso próprio ego, a crença de que somos perfeitos e que sempre triunfaremos no final. Por isso, faço desta confissão um apelo a todos aqueles que virão a ser vilões um dia: jamais pensem que são perfeitos, por mais poderosos, influentes ou inteligentes que sejam. Todos nós estamos sujeitos a erros e eles sempre aparecem quando menos esperamos.

Portanto, quando chegar sua vez de enfrentar os inimigos que tanto odeia, não faça como eu. Acabe com eles imediatamente, usando todas as forças, e não dê aos mocinhos a menor chance de revidar. Por mais que você deseje fazê-los pagar pela afronta de tentar impedi-lo, é melhor garantir a sua vitória do que ser surpreendido pela teimosia dos seus adversários.

Infelizmente, duvido que algum vilão dê ouvidos a estas palavras. Afinal de contas, o prazer de ser vilão está justamente nos riscos de ser vencido. Executar um plano terrível em total segredo e evitar todas as situações que possam culminar em derrota certamente é um procedimento eficiente, mas é absurdamente tedioso.

Quanto a mim, não desisti dos meus planos. Se os heróis pensam que apenas eles são teimosos, então certamente terão uma surpresa desagradável. E pode ter certeza de que serei eu a rir por último, pois eu sou aquele destinado a tornar meu o mundo onde existo. Eu sou aquele que traz dor, discórdia e medo aos humanos. Eu sou um vilão!


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Notas finais do capítulo

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