Digimon Beta - E o Hexágono do Mal escrita por Murilo Pitombo
Lúcia enrolava e prendia seus longos cabelos negros cacheados com um palito, enquanto desembarcava no aeroporto de Salvador. Da bolsa segura pelo cotovelo, ela retira seu celular e faz uma rápida discagem.
– Pai. Acabei de chegar... Daqui a vinte minutos... Te aguardo, então...Tchau.
Todos os passageiros chegam à esteira para recolher suas malas. Lúcia consegue pegar sua primeira bagagem rapidamente, mas acaba deixando a segunda passar.
– Minha mala!
Antes que a mala da garota retornasse ao depósito, um rapaz bastante forte retira a mala da esteira com dificuldade. Lúcia se aproxima.
– Essa mala ta muito pesada. O que você carrega aí. Pedra? – sorri.
– Quase isso! – Lúcia também sorri – Obrigada!
O rapaz vai embora após recolher suas bagagens.
Ao perceber que todos haviam se afastado, Lúcia se abaixa.
– Gotsumon, como você ta?
– Extremamente feliz pela maravilhosa viagem que fiz dentro de uma mala.
– Faz silêncio por que alguém pode te escutar!
Cai a noite em Salvador. Carlos continuava sentado na grama e encostado na árvore, pensando na discussão que tivera com João na tarde do dia anterior, quando percebe uma estranha movimentação na copa da árvore a sua frente. Ao ajeitar os óculos e olhar fixamente, ele nota um pequeno ser pendurado em um dos galhos, seguro apenas por uma das orelhas.
– Você é um digimon!
O grito de Carlos assusta o digimon que acaba caindo, como uma fruta podre, dos dois metros de altura que separavam o galho do chão.
Carlos se levanta e se aproxima lentamente.
– Quero voltar para o meu mundo – diz o digimon assustado, sabendo que não teria como escapar.
– O que você veio fazer aqui?
– Não consigo me lembrar! Minha cabeça dói muito.
– Você acha que eu acredito nesse papinho? Você deve está querendo conquistar minha confiança para depois me atacar! Pode confessar.
– Eu não tenho essa intenção. Só quero voltar pro meu mundo.
– Se afaste Carlos, isso é assunto meu!
Carlos se vira e nota que João estava logo atrás, de digivice em punho, acompanhado de Betamon.
– Quem é você pra me dar ordens? – esbraveja o garoto de óculos.
João o ignora.
– Betamon acabe com ele.
– Barbatana Bumerangue.
Betamon lança a barbatana laranja presa a suas costas como um bumerangue. Instantes antes de ser atingido, o digimon de grandes orelhas salta para trás e desvia do ataque, que acaba retornando ao local de origem, as costas de Betamon.
– Eu não quero brigar! Eu só quero voltar para o meu mundo, o Mundo Digital.
– Beta continue atacando.
Betamon avança no oponente e ambos travam uma batalha corpo a corpo.
Verônica chega ao local da batalha com Plotmon.
– Tem muito tempo que estão aqui?
– Acabei de chegar – responde João.
Carlos permanece calado. Observava a luta.
– Um Terriermon. Normalmente são pacíficos – diz Plotmon.
Verônica saca seu digivice e rastreia informações do pequeno digimon.
Terriermon, um digimon no nível Novato. Um digimon tranquilo e muito esperto. Suas enormes orelhas podem desempenhar a função de mãos, podendo segurar e socar, e também são excelentes para planar. Sua técnica é o “Pequeno Tornado”.
Terriermon ergue Betamon com suas orelhas e o lança contra o chão. Logo em seguida, o digimon gira seu corpo a uma grande velocidade e cria um tornado que é lançado na direção de Betamon, que se defende com um giro de corpo.
– Nossa presença aqui não é necessária - diz Verônica - Betamon pode cuidar dele!
Verônica sai. Carlos a acompanha.
Betamon e Terriermon seguem numa batalha equilibrada. O oponente de Betamon conseguia grandes saltos e utilizava suas orelhas para lutar, demonstrando grande habilidade. Betamon investe com a técnica chamada de “Barbatana Cortado”, com a qual gira no ar e sua barbatana adquire poder de corte, até que consegue atingir Terriermon.
– Boa Betamon – vibra João - Agora finalize e o transforme em dados!
Betamon se aproxima de Terriermon, que estava caído, quando o digimon rapidamente se põe de pé e escala o tronco da árvore até o ponto mais alto da copa, ficando com as orelhas eretas.
– Tem um digimon se aproximando. Eu posso ouvir.
– Pare de blefar! Eu sei que você diz isso só para desviar nossa atenção.
Terriermon sai pulando de árvore em árvore até desaparecer.
– Mais um que consegue fugir! Vamos embora Betamon.
João olha em volta e caminha perdido em meio a pensamentos nostálgicos. Aquele lugar lhe trazia grandes recordações.
O Celso, pai de Carlos, há anos costumava fazer churrasco praticamente todos os meses, e convidava vários dos seus amigos, inclusive os pais de João, Marcos e Cláudia. João e Carlos aproveitavam para brincar naquela mesma praça com os filhos dos demais amigos de Celso. Era uma festa! Brincavam de esconde-esconde; apostavam corrida de bicicleta; atiravam pedras no lago; subiam nas árvores. Certa vez, enquanto brincavam de pega-pega, João fugia de um dos garotos quando acabou tropeçando e caindo de peito sobre a faixa de pedestre, no meio de uma avenida movimentada. Ao erguer seu olhar, temeroso por que a qualquer momento o semáforo poderia abrir e os carros lhe atropelar, vê Carlos, e seus inconfundíveis óculos de armação preta, sorrindo e esticando-lhe a mão.
– Cuidado João!
Betamon se lança sobre João e o derruba de bruços sobre a faixa de pedestre da movimentada avenida que passava ao lado da praça. Ao erguer o olhar, João nota uma rajada de fogo azul passar muito próximo das suas costas e clarear a praça em plena noite.
Carlos se despede de Verônica com um beijo no rosto.
– Pensa no que a gente conversou e tenta relevar as atitudes de João!
– Não vou relevar nada! João não é nenhuma criança para ficarmos passando a mão na cabeça dele. E também, você fala de um jeito como se eu estivesse errado.
– Ambos estão errados!
– Isso é o que você diz!
O digivice de Verônica emite um bip curto e pausado.
– Flecha de Gelo.
– Rajada Uivante.
Ambos os ataques colidem e explodem. João se esconde atrás de uma árvore para se livrar dos pequenos fragmentos da explosão.
Verônica se aproxima e solta Plotmon no chão, que rapidamente evolui.
– Recebi seu chamado. Você está bem?
– Estou. Valeu por ter vindo me socorrer!
– Soco de Gato.
Com o ataque do digimon gato, Garurumon é lançado dentro do lago. Na margem oposta, João e Verônica notam a silueta de uma pessoa que observava tudo da penumbra formada na praça pela luz da lua cheia. Garurumon nada até esse observador e o mesmo sobe em suas costas. Humano e digimon fogem do local.
Tailmon e Seadramon regridem.
– Isso só pode ser coisa de Carlos! – João soca uma árvore.
– Eu acabei de deixá-lo em casa, não tem como ser ele.
– Ele mora aqui do lado, Verônica!
– Será que Carlos é o domador misterioso? Eu não acredito que ele tenha inventado aquela história, ontem à noite, só para nos enrolar.
– Liga pra casa dele e vê se ele está!
Verônica pega seu celular e liga pra casa de Carlos.
João aguarda ao seu lado, silenciosamente até a garota encerar a ligação.
– E ai? – pergunta João.
– Cláudia disse que ele ainda não chegou.
– Sabia! Vai continuar protegendo ele?
– To sem acreditar João.
– Eu não tenho mais nenhuma dúvida.
Lúcia estava em um belo e confortável quarto, com direito a TV, DVD e aparelho de som, quando abre uma das malas. A garota havia acabado de sair do banho e usava uma camisola branca, contrastando com seu bronzeado natural.
– Pode sair!
Com dificuldade, Gotsumon consegue sair da mala.
– Que vida de cão! Nunca mais viajo assim – diz Gotsumon se alongando.
Lúcia sorri.
– Vou até a cozinha pegar algo para comermos. Faça silêncio. Essa casa é enorme, acredito que ninguém virá aqui hoje à noite. Mesmo assim, fique atento para se esconder caso alguém apareça.
Lúcia pega seu digivice, o pendura no pescoço e sai do quarto. Até chegar a cozinha, ela teria que atravessar um corredor cheio de portas e quadros até descer as escadas. Ao atravessar a sala de visitas, percebe o barulho da chave girando na fechadura. Um rapaz entra, sem notar sua presença e fecha a porta por dentro. Era um rapaz loiro e alto. Estava de calça Jeans e regata preta, o qual deixava evidente a musculatura definida dos seus braços e, consequentemente, do seu corpo.
O rapaz se vira e sorri, ao percebê-la sorrindo.
– Lúcia? Há quando tempo – diz o rapaz abraçando-a. Seu abraço a envolvia de maneira sufocante.
– Olá Rafael. Tudo bom?
– Tudo ótimo. Melhor ainda com sua presença! - Rafael se afasta e a olha dos pés a cabeça – Você ta muito gata! Nem um pouco parecida com as fotos do Orkut.
– Obrigada Rafa. Eu odeio tirar foto e aquelas são velhas, antes da academia. Você também está um gato. Estava fazendo o que de bom na noite soteropolitana?
– Estava em um barzinho com amigos. Como que foi de viagem?
– Bem. Cheguei há pouco. Estou indo fazer um lanche, topa?
– Só se for agora!
Rafael e Lúcia caminham até a cozinha e emendam uma animada conversa. Há muito tempo que os dois não se viam. Quando Lúcia era pequena, sua mãe costumava levá-la uma vez por ano a Salvador para visitar Sérgio. Com o passar dos anos, seu pai teve uma melhora financeira e passou a ir visitá-la no Rio de Janeiro.
– Como dez anos mudam uma pessoa! – diz Lúcia sorrindo.
Ambos comiam uma tigela de açaí com banana, granola e mel, sentados no balcão de mármore negro. A cozinha é completamente branca com pequenos detalhes em aço inoxidável. Uma funcionária organizava o lugar.
– Vamos esquecer essas fotos! Eu tava muito magro...
– E com cabelo de tigela! – interrompe Lúcia gargalhando.
– Pois é! Vamos mudar de assunto.
– Seu coração, como está?
– Sofrendo por conta de um amor não correspondido.
– Quantos anos?
– Ela tem dezessete. Eu fiz dezenove no sábado.
– Esqueci completamente, Rafa. Parabéns!
Lúcia o abraça.
– Era pra você ter chegado na sexta, pra curtir minha festinha.
– E você com pinta de galã, olhos azuis, loiro, bem de vida e se humilhando pra uma garotinha de dezessete anos?
– Pra você ver o que um homem apaixonado é capaz de fazer.
– Mas nem uma ficante? Uma aventura de uma noite só? Ou de alguns dias?
– É como dizem por aí: Solteiro sim. Sozinho nunca! Concorda?
Lúcia sorri enquanto levava outra colherada de açaí à boca.
– Gostei do seu celular.
– Meu celular? – Lúcia se da conta do digivice em seu pescoço e quase engasga. Havia reforçado à Verônica sobre a importância de se ocultar a existência dos digimons, e ela não poderia ter cometido tal deslize - Ah! Bonito ele, né?
– Diferente... Qual é a marca?
– É uma marca coreana. Meu ex que me deu de presente.
– Quer dizer que seu coração está desocupado?
Lúcia tenta mudar o rumo da conversa.
– Muito bom esse açaí! Vou exportá-lo pro Rio quando montar minha loja de produtos naturais.
– Seria capaz de ir pro Rio todos os dias só para provar do seu açaí.
Lúcia apressa-se nas colheradas e finaliza o açaí antes do garoto.
– Vou dormir “quase irmão”. Até amanhã.
Lúcia caminha até a porta, passando por trás de Rafael que, mesmo sentado, a segura pelo braço e se levanta. Em pé, Lúcia lhe chegava ao ombro.
Rafael lhe beija na bochecha, próximo à boca.
– Boa noite “quase irmã”.
Lúcia segue para seu quarto sem dizer nada.
Plotmon e Betamon brincavam sobre o gramado do pequeno jardim florido. João e Verônica conversavam sentados na varanda da casa da garota.
A rua estava silenciosa.
– Entenda como quiser João... Cansei de martelar na mesma tecla!
– Até a mais cega das pessoas consegue ver que você está passando a mão pela cabeça dele!
– Carlos me disse a mesma coisa hoje. Eu não passo a mão pela cabeça de ninguém.
– Eu vou parar de discutir por que eu não quero brigar com você.
– Você é um grosso, isso sim! Quer sempre ter razão - Verônica fica muito furiosa e se levanta - Ta na hora de você ir pra casa.
João também se levanta.
– Isso não se faz!
– Também acho!
– Você ta me expulsando!
– Você é um grosso e vai ficar falando sozinho!
Verônica pega sua bolsa e tentar sair, mas João a segura.
– Me solta! Se não eu vou gritar!
– Se você gritar serei obrigado a fazer uma coisa.
– Hã?
João desliza sua mão sobre o rosto de Verônica e lhe segura à nuca com força, aproximando bem lentamente seus lábios dos lábios dela.
Continua...
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