A Deusa Perdida escrita por mari mara


Capítulo 28
Amo você, você me ama, somos uma família feliz – I


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas! Não consegui cumprir minha meta de um mês dessa vez D: era pra eu postar na sexta feira (29), mas com correria de fim de ano escolar acabei atrasando dois dias.
Mas o triste é que ficou comprido demais, a ponto de até eu ficar com preguiça de reler G-G resolvi fazer em duas partes, no fim. Isso quer dizer que... amanhã sai parte II! YEEEEEEY ~le serpentina
Boa leitura!



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28. Amo você, você me ama, somos uma família feliz – parte I

Point of View – Nico di Angelo

A coisa mais estranha quando falo com Bianca pelo Mundo Inferior é que, por mais que sua aparência seja de um fantasma, ela não nunca muda o seu jeito de irmã mais velha. Dessa vez que a chamei num cemitério próximo de nossa cidade, Washington, não foi diferente, começando pela aleatoriedade da primeira pergunta:

— O senhor está comendo vegetais, Nico?

— Hoje em dia existe uma coisa chamada McDonalds, Bi. Muito melhor pela metade do preço.

E então ela me xingou em italiano. Amor fraternal é realmente lindo.

Como não tínhamos muito tempo, conversamos o que chamamos de 'básico'. Bianca contou sobre as novas dos Campos Elíseos (“tirando ter que assistir a Silena e Charles se beijando quase que todos os dias, tudo vai bem, obrigada”) e sobre papai (“ocupado com torturas de almas condenadas”), e ela perguntou como ia o pessoal no Acampamento. Foi então que contei que, er, como explicar, eu meio que tinha sumido de lá nas últimas semanas.

Expliquei a história da busca, e ela pareceu bastante interessada (“ah meus deuses tinha uma deusa perdida todo esse tempo e eu não sabia?! As pessoas acham que só porque a gente morre, não pode saber das coisas?”). Lógico que omiti alguns.. detalhes, comoeu e Han estarmos num estágio levemente liberal da nossa amizade. Além de eu não ser um cara lá muito chegado a conversar sobre essas afroditagens da vida, esse é um tópico que ainda me deixa de certa forma desorientado. Desculpa aí, mas fico mais perdido que cego em tiroteio com relação à Han.

Mas enfim, o caso é que não admiti pra Bianca que seu irmão mais novo está um pouco mais velho do que imaginava.

— Quem diria — ela ri pelo nariz — meu pirralho é mais eficiente que os doze do panteão para achar uma deusa na Costa Oeste.

Dou de ombros, ignorando o vento frio que bate nas minhas costas.

— Algum deles dificulta todo o processo. E pelo que passamos até agora, não vai desistir até que ela suma outra vez — respiro fundo, me lembrando da dona Euterpe das flauta no museu em Seattle chamando Hannah de 'vadia' — Não sabemos quem é, mas.. Espero que descubramos antes que as coisas desandem.

Bianca balança a cabeça, como se não aceitasse a hipótese de tudo dar errado.

— Vocês vão conseguir, bambino. Vai dar tudo certo.

— Ah, eu sei que vamos — afirmo — Ninguém é páreo para di Angelo.

Minha irmã ri e estende o braço, mas não sinto seu toque no meu rosto.

— Você está diferente — diz.

— Diferente como?

— Parece mais feliz do que da última vez que nos falamos. E está sorrindo mais.

— Talvez. Não reparei — encolho os ombros, inocentemente, e Bianca cruza os braçios com uma expressão desacreditada.

— Me responde uma coisa, Nico. Você tem alguma coisa com ela, não tem?

Fico atordoado pela mudança repentina de assunto.

— Quem?

— A filha de Zeus.

Ah. Ah.

— A Hannah? — passo a mão na nuca, acanhado — Ela é ótima, mas.. Não.

Sua forma esbranquiçada tremula e fica menos nítida, dando a impressão que minha conexão com o Mundo Inferior estava caindo. Mas pelo visto, a Névoa está a nosso favor.

— Com licença, mas conheço você. Sei quando está mentindo.

— Não estou mentindo.

— É, está omitindo. Tem que ter um motivo para você mudar tão de repente.

Bianca! — falo um pouco rápido demais, o que creio não ter ajudado.

— Ahá! Ficou vermelho, é fato.

Aperto a ponte do nariz, irritado. Não sei a situação da minha cara, mas como sinto as bochechas quentes mesmo com o vento batendo contra elas, acredito que tenham me delatado. Malditas bochechas.

— Podemos mudar de assunto, por favor?

— Hm, tudo bem. Serei uma irmã legal, só dessa vez.

— Ótimo.

— Como os quatorze anos têm tratado você?

Ah sim, talvez valha a pena ser comentado: a razão por estar falando com Bianca justamente hoje, no meio da busca, é que era meu aniversário. Nessa segunda-feira monótona, 28 de Janeiro, eu oficialmente deixei os treze para os quatorze. Um pequeno passo para o homem, um passo menor ainda para mim porque sinceramente, não tem diferença nenhuma entre treze e quatorze. Se alguém te disse que tinha, sinto lhe dizer que essa pessoa estava mentindo.

— Muito bem, até agora. Do mesmo jeito que os treze, doze..

Mas mesmo eu não vendo tanta diferença nas idades, havia o lado bom. Esse era o presente que Hades me dava todos os anos — conseguir trazer minha irmã, mesmo que só um pouco, para o mundo dos vivos. Não é muita coisa, no máximo meia hora em 365 dias. Mas para o pai não tão generoso que ele é, já é um feito e tanto.

— Agora você é fisicamente mais velho que eu. Inacreditável — Bianca me olha estupefata — Se me dissessem que isso ia acontecer enquanto estávamos no colégio militar, nunca acreditaria.

Só então, reparo que estou uns bons centímetros mais alto que ela, que continua presa a imagem de doze, com o uniforme das Caçadoras e a aljava do arco e flecha preso às costas.

— Então na teoria, eu sou o mais velho.

— Com licença, mas até mesmo quando você tiver filhos, ainda será meu irmão mais novo. Aceite esse fato.

—Valeu a tentativa.

Um dos postes próximos a nós pisca a luz, e a forma fantasmagórica de Bianca sai de foco por um segundo. Jeitos práticos de Hades dizer tempo esgotado, pirralhos.

— Acho que papai não quer você tempo demais aqui em cima — murmuro, sabendo que, dependendo do humor de nosso pai, teríamos agora cinco minutos ou cinco segundos.

— É.. — ela respira fundo, embora não precise respirar — Foi bom te ver de novo, irmãozinho. E feliz aniversário, porque não é todo dia que se faz quatorze.

— Como se eu tivesse feito treze mais de uma vez.

Bi pigarreia.

— Resposta errada.

Faço que sim com a cabeça, tirando o cabelo da frente do olho logo em seguida.

— Obrigado. Foi bom te ver também, Bi.

— De nada. E aqui, você vai me apresentar à Hannah algum dia. Não vai?

Pelo amor do santo Hades, ela não se esqueceu.

— Adiarei esse dia o máximo possível — respondo com sinceridade.

— Por quê? Algo de errado com a garota que tirou o bv do meu irmão mais novo?

— Não é nada de errado, é só que.. — a ficha cai e sinto o rosto queimando novamente. Ela é algum tipo de Oráculo, por acaso? — O quê? Ah! Ade benedetto, Bianca! — solto o 'santo Hades' em italiano sem querer, e pela gargalhada alta que ela solta, percebeu que a conclusão que ela tirou era real.

— Como eu sinto falta de pegar no seu pé vinte e quatro horas por dia.

A imagem de minha irmã se torna cada vez mais translúcida, de forma que consigo ver o que há atrás dela com mais nitidez. Ela para de rir, sabendo como eu que Hades não estava gostando da nossa despedida prolongada.

— Então, espero que não suma — diz, e balanço a cabeça negativamente. Ela dá um sorriso fraco — Eu te amo, Nico.

— Também te amo, Bi.

Minha irmã me abraça, mas no momento que entra em contato com o calor de meu corpo, ela vira névoa e desaparece. Suspiro quando sinto a brisa fria contra meu rosto. Nossa conexão termina, por hoje.



Depois que a evocação termina por completo, fico com uma missão um pouco mais difícil. Achar a Hannah.

Rodo algum tempo pelo cemitério, observando a paisagem morta enquanto corro os olhos por ela em sua procura. A névoa fraca que paira no ar, as lápides quebradas azuladas pela luz da lua, toda a atmosfera de filme de terror não me incomoda, na verdade chega a me dar a sensação de estar em casa. Uma característica engraçada — o que assusta os comuns, me deixa extremamente confortável.

Encontro a benedita alguns túmulos depois. Han se posiciona alguns metros à minha frente, perto de um memorial, e encara algo no topo dele que graças a uma árvore não consigo enxergar. Ela dá um passo para trás devagar quando uma voz masculina soa:

— Não era minha intenção. Devo dizer desculpas por isso.

Opa. Fala de pedófilo.

— Eu lá sei quem você é, por acaso? — diz Han com a voz não exatamente calma, ainda sem perceber que eu estou parado do seu lado.

— Algum problema aqui? — pergunto desconfiado, e ela dá um pulo.

— Ah meu Deus, Nico! Quer me infartar também?

A figura sombreada empoleirada no topo do memorial salta e pousa na nossa frente. É um homem jovem alto, de pele escura e cabelos encaracolados. Ok, normal, tirando o fato que ele tem um par de asas negras nas costas.

?

— Tânatos? — pergunto, intrigado. O deus da morte abaixa a cabeça num cumprimento.

— Di Angelo. Que coincidência ver você... com ela — ele aponta com o queixo para Hannah.

Olho ressabiado para o indivíduo. Com o tanto de deuses indo para o lado negro da força, até mesmo um servo de meu pai seria suspeito.

— O que faz aqui a essa hora? — indago de forma acusadora — Achei que estivesse ocupado demais com as almas.

Tânatos apoia as costas no memorial e cruza os braços sobre o peito.

— Realmente, meu trabalho não anda fácil ultimamente. Guerras no Oriente Médio, enchentes no Brasil, nevascas na Noruega... Vez e outra tenho que parar nos cemitérios próximos para dar uma checada na lista.

Um tablet preto surge na frente do deus e ele começa a rolar a tela. Já estou acostumado em ver essa cena, mas Hannah parece perplexa.

— Você tá brincando que usa Apple pra contar as vitimas.

— Isso é porque a senhorita não sabe o quando eu sofri com listas de papel. Pareciam papiros egípcios de tão indecifráveis. Assim, minha vida fica muito mais prática — ele vira o tablet e vejo a foto de um inventor famoso, que já passou dessa para melhor há alguns anos.

Arquivo de semideuses 2011.
Nº 153.518.471 – Steven Paul Jobs, filho de Atena.
Nacionalidade: Americano.
Local de morte: Palo Alto, Califórnia, Estados Unidos da América.
Causa: Câncer.
Situação: Entregue – atualmente em Campos Elíseos.”

— Como vão os nomes dessa semana? — pergunto, e ele vira o tablet de volta para si.

— Interessantes — Tânatos me responde sem tirar os olhos da tela — Bem interessantes.

Silêncio.

— Interessantes como?

Ele levanta a cabeça e olha para nós.

— Um dos homens do congresso americano terá uma infarto daqui a três minutos e vinte e sete segundos.

Nossa. Bastante preciso esse negócio.

— Por isso você está em Washington — deduzo.

— Exatamente. Mas não por muito tempo — o tablet some de suas mãos — Irei levá-lo até seu pai, com suas licenças — ele faz um cumprimento com a cabeça em nossa direção — Di Angelo. Nebavskaya.

Suas asas se abrem e com um impulso, Tânatos se eleva metros no ar e voa em direção à casa do moço do congresso. Fico parado onde estou, em choque.

— Isso foi... isso foi meu.. sobrenome? — Hannah diz perplexa.

A revelação do suposto nome de família da Han também me deixa atônito. Eu nunca tinha pensado na possibilidade de ela ter um sobrenome, mas provavelmente Tânatos a conhecia antes de sumir. Todo esse tempo nos perguntando onde e quando ela teria nascido, e deixamos nossas respostas saírem voando pra parte nobre de Washington. Talvez Annabeth teria sido mais útil que nós agora.

— O que foi que ele disse? Ne, Neba..? — pergunto, com certa dificuldade em pronunciar as consoantes juntas da palavra. Definitivamente não é inglês.

— Nebavskaya — pronuncia como se fosse fluente, sem tropeçar. Ela arregala os olhos azuis pra mim — De onde será que é isso?

— Não faço a mínima ideia — balanço a cabeça. Parece finlandês pra mim cara, pode ser qualquer coisa — Mas não é nem inglês nem italiano, é o que posso dizer com certeza.

Ando para longe do mausoléu e me sento na grama perto do túmulo de um tal Michael Cipriano, pensativo. É realmente uma revelação e tanto. Rachel tinha razão quando disse que estávamos quase solucionando a busca.

— Maldito Tânatos, vai me deixar encabulada com isso — suspira Hannah, se sentando do meu lado. Mas com certa distância dos túmulos, observo — Me pergunto como é que ele sabe disso.

— Os deuses já te conheciam antes de algum deles chutar sua bunda pra fora do Olimpo. Devem saber mais da sua vida que você mesma — ficamos em silêncio por alguns minutos, escutando apenas o som dos grilos e dos carros buzinando muito ao longe.

Estamos sentados na grama úmida de um cemitério e certamente parecendo mendigos, mas não havia nenhum outro lugar que eu preferia estar. É a milésima vez que passo a madrugada num cemitério mas a primeira que tenho companhia, e até agora eu estava apreciando bastante a experiência.

— Olha, sem querer cortar esse nosso clima de respirando o mesmo ar que os mortos — Hannah quebra o silêncio —, mas será que não seria hora de voltarmos? Annabeth é um pouco sonâmbula as vezes. Não seria legal se ela acordasse e achasse que fomos sequestrados.

Suspiro. Hora de encarar a realidade outra vez.

— Vou chamar nossa carona. Ela pode levar alguns minutos pra chegar.

Han, que já estava quase que de pé, se senta novamente.

— Carona? — ela franze a testa — Achei que fôssemos pelas sombras.

— Não, não. Não posso fazer mais que uma por dia, ainda mais carregando alguém junto. Ficaria três dias dormindo — acredite, tenho muitas experiências ruins pra provar.

— Seria divertido. Poderia até se candidatar pro papel de Bela Adormecida na Broadway.

— Haha, muito engraçado — reviro os olhos — E você poderia ser a bruxa esquisita de João e Maria que come crianças.

— Ei! Poderia ter me colocado como Rapunzel — ela joga o cabelo pra trás como num comercial de shampoo — Faria mais sentido.

— Com essa sua cara, não.

Hannah estreita os olhos.

— Cale a boca e chame logo a porcaria da carona.

Sorrio de lado, e balanço a mão no ar na minha frente. Devo estar parecendo um doido, mas faz parte do ritual.

— Senhor Hermes, deus dos mensageiros, dos ladrões e dos viajantes, eu lhe peço seus serviços.

— Hermes? — ela pisca, sem entender, e coloco o indicador nos lábios indicando silêncio. Ela se cala relutante.

— Eu, Nico di Angelo, filho do deus dos mortos, necessito uma entrega urgente até a costa oeste dos Estados Unidos, na interestadual que liga Seattle a Los Angeles, no estado do Oregon — nesse momento, Hannah já está sussurrando 'você está louco?' — Por favor, peço que faça esse serviço para mim em troca de dracmas.

Pego um dracma do bolso, previamente colocado ali quando planejei minha volta, e o jogo para frente. Quando a moeda some antes de tocar o chão, percebo que minha encomenda foi aceita.

Viro-me para Hannah, que ainda me olha como se eu fosse louco.

— Pronto, carona arranjada. Só esperarmos alguns minutos — bato uma mão na outra, como se tirasse a poeira. Ela balança a cabeça, descrente.

— Acho que o ar de cemitério está fritando seus miolos.

— Ah, por favor. É melhor que a ideia da Bela Adormecida.

— Não, definitivamente não é melhor que a ideia da Bela Adormecida! Isso não é proibido? No correio de Los Angeles é, ao menos.

Me pergunto como é que ela sabe disso. Deve ter experiência em mandar os corpos das vítimas dos Pra Matar pelo correio.

— Só é proibido se nos pegarem fazendo.

— Ah — ela ri ironicamente — Ah, me sinto muito mais aliviada agora. Obrigada, Nico.

— Oras, o que aconteceu com a garota rebelde que quebra as regras?

— Ela morreu — Hannah diz, séria — No exato momento que descobriu que teria que atravessar o país dentro duma caixa, empacotada com um filho de Hades louco, sendo jogada numa esteira de cartas que nem presunto!

Oi?

— Olha, que eu saiba, Hermes parou de prestar serviços pra Hera faz alguns meses.

Ela tenta manter a expressão séria, mas acaba não resistindo e começa a rir. Cara, se quer saber, a risada dela é muito engraçada. É daquelas altas. Muito altas. E sabe aquelas pessoas que riem tanto que param de respirar e quando vão puxar o fôlego de novo fazem algo muito estranho, parecido com um ronco? A famosa 'risada de porco'? Então. A Hannah ri assim.

Ah meus deuses. Ela ri exatamente assim, e minha frase nem era engraçada. Tentei me manter sério também, mas foi demais até pra mim. Seguro a barriga, não aguentando mais a dor de rir. Ela tenta parecer brava, mas não consegue parar também.

— Di Angelo, não ria da minha cara!

— Não estou rindo da sua cara, estou rindo de você roncado que nem uma porca tendo um filho.

Ela enxuga uma lágrima que corre pela bochecha com as costas da mão.

— Não é verdade.

— Se não é um porco tendo um filho— falo do jeito mais sério que consigo, tentando me acalmar — É fazendo um, então.

— Ah meu Deus! — ela chora de rir de novo, caindo de costas na grama — Não aguento mais, eu me rendo!

— E você acha que eu aguento isso? — caio deitado na grama também, ainda rindo. Era a primeira vez que eu ria de verdade a anos. Talvez Hannah fosse a segunda pessoa a me escutar tendo crises de riso em toda minha vida.

Depois do que podem ter sido minutos ou horas, conseguimos recuperar o fôlego. Encaro o céu carregado de nuvens, tentando entender como fomos de ‘burlando os correios’ a ‘porcos tendo/fazendo filhos’.

— Tá vendo, minha ideia do correio foi bem melhor.

— Verdade. Ela me deu o privilégio de escutar sua risada. Esse dia virou um marco na minha vida.

— Até porque minha risada é linda — curvo os cantos da boca pra cima discretamente. Ou nem tanto.

Ela se apoia nos cotovelos e olha pra mim.

— Oh meu Deus, isso que vejo.. são seus caninos? Você está sorrindo?— tento manter a expressão séria, mas isso só me faz sorrir mais. Maldição. — Você está sorrindo! Milagre, um sorriso de verdade! É isso mesmo, produção?

— Você diz como se fosse algo especial — reviro os olhos.

— Lógico que é — diz, como se fosse óbvio — Achei que teria que esperar anos pra ver você sorrindo de verdade.

Apoio a nuca nas mãos, ignorando a grama molhada embaixo de mim.

— Se é assim, ria mais feito um porco sempre que estivermos juntos. Acredite, vai funcionar.

Ela chuta de leve minha canela. 'De leve' entre aspas, na escala Han, entenda.

— Idiota.

Corro os olhos pelas poucas constelações não embaçadas pelas nuvens, tentando identificar alguma. Não sou muito bom com estrelas, mas tenho certeza de que vejo algumas em forma de uma garota correndo pelo céu com um arco e flecha nas mãos. Zöe. Caramba, quanto tempo faz isso. O Nico daquela época nunca imaginaria que um dia estaria aqui. Eu era tão inocente, com dez anos apenas..

Fico sentado outra vez, ficando levemente tonto por alguns instantes.

— Eu comentei que hoje é meu aniversário? — pergunto, sabendo que a resposta seria não.

— Oh meu Deus, não! É sério? — faço que sim com a cabeça, e ela se levanta — Parabéns!

Hannah me abraça, e sinto que ela tem cheiro de chuva. Annabeth certa vez me dissera que Zeus e seus filhos têm o mesmo cheiro das tempestades, que na verdade é o cheiro do ozônio liberado nas descargas elétricas, vulgo raios. Ela também disse que ozônio é tóxico, então provavelmente eu estava ferrado.

— Obrigado — digo um pouco relutante. Não importa o quanto eu esteja menos introvertido, contato físico sempre será algo estranho pra mim, por mais que eu goste. Acho que Han percebe, porque se afasta novamente.

— Por que não me disse antes?

Passo a mão pelo cabelo, sem jeito. A verdade é que eu não gosto muito de aniversários. Para os mortais pode ser mais um ano que se viveu, mas para mim é um ano a menos que vai se viver. Opiniões felizes de um filho do deus dos mortos.

— Não sou muito fã dessa coisa de parabéns.

— Hum. Terei que encontrar algo de presente pra você em cima da hora, então.

— Ah, por favor. Não se dê ao trabalho — pego uma mecha de seu cabelo e fico brincando com ela distraidamente. Percebo alguns fios roxos e azuis misturados entre os loiros.

— Mas é lógico que vou me dar ao trabalho.

Me pergunto onde diabo ela teria achado tinta pra cabelo no meio da busca. Em nenhum momento me lembro de termos parado num salão ou em algum Walmart da vida. Mas se tem algo que aprendi nesses últimos anos, é que não se deve fazer esse tipo de pergunta às mulheres. Elas te olham como se você fosse retardado e dizem que a resposta é óbvia.

'Internet'.

— Não, sério mesmo — respondo, sobre meu suposto presente de aniversário — Eu não faço questão. É só um dia normal pra mim.

Hannah segura meu queixo.

— Você não vai me impedir — ela se aproxima, e sinto que o presente era algo menos material do que eu esperava.

Sua respiração está quente contra minha boca e suas unhas arranham meu queixo, de forma que mordo o lábio para conter o impulso de me curvar cinco centímetros a mais pra frente. Das três vezes que nos beijamos, duas foram por causa da Han e só a primeira foi iniciativa minha. E isso graças ao Muke, que me deixou num estado ~estranho de embriaguez, achando que tudo era um sonho. Ou seja, eu não estava lúcido. O que nos leva à conclusão: eu nem me lembro.

Só que hoje, como ela falou sobre presente e tal, eu me esqueço do meu orgulho de macho ferido e contenho meus instintos. Nós teremos muito tempo para eu sair da linha. Hoje, como aniversariante, me dou ao luxo de ficar parado onde estou e deixar que ela me beije.

Mas nós não contávamos com uma coisa. Hermes.

Um portal para o correio olimpiano é aberto no ar, e do outro lado vê-se esteiras como as de aeroportos; várias linhas interligadas que levam qualquer coisa até o outro lado do mundo. É brincadeira com a minha cara. Não é?

— Parece que sua carona chegou, Penadinho — Hannah dá um tapinha na minha bochecha, e se coloca de pé. Me levanto também, resmungando bastante em italiano. Timing perfeito, Hermes. Está de parabéns.

— E aquela história de 'você não vai me impedir?' — pergunto.

— Oras, eu não disse nada sobre 'o correio não vai impedir'. Mas você achava que eu ia beijar você como presente? Por favor — ela faz um gesto de desprezo com a mão — Que coisa mais brega.

— Poderia ser brega, mas não seria exatamente ruim.

Para minha surpresa, Hannah fica levemente vermelha nas bochechas.

— É, é. Enfim. Arranjarei algo mais interessante, me aguarde.

Passo a cabeça pelo portal e observo a situação. De acordo com Connor e Travis Stoll, crias do deus dos mensageiros, o transporte de semideuses no Correio Olimpiano só é proibido se alguém te pegar fazendo ele. Como não vejo ninguém por perto, sem problemas.

— Damas primeiro — faço um gesto antiquado e Han se direciona calmamente até o portal, mas quando está quase passando por ele, me lembro de um detalhe — Hannah.

A filha de Zeus vira pra trás, com as sobrancelhas levantadas.

— Hum?

Leggiadra quer dizer graciosa.

Ela parece perplexa por alguns instantes, mas se recompõe com facilidade.

— Vamos antes que Hermes chute nossa bunda — fala, e me puxa pelo braço até o portal.


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Notas finais do capítulo

Ok, vocês podem estar se perguntando o que diabo 'amo você você me ama somos uma família feliz' tem a ver com a história, mas isso veremos melhor na parte II (que lembrando, sai amanhã!)
E sobre a enquete previamente feita no capítulo anterior, sobre a continuação, eis os resultados ~voz de locutor de mega sena~: será alguns anos depois da busca, quem sabe três ou quatro hehehe
Então, vejo vocês nos reviews? não é preciso fazer um testamento, só um 'gostei' (ou uma crítica construtiva) já me deixaria imensamente feliz! Até porque não sei se todos que acompanham continuam lendo e tal
Até amanhã, pessoal!



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