Péssimo dia pra chegar atrasada. Era segunda-feira e isso significava ter que aturar a insuportável senhora Park, professora de matemática, por quatro longas horas. E ela, por alguma razão desconhecida, me odeia e não perde a oportunidade de me fazer passar vergonha na frente da classe toda. Não que esse sentimento não fosse recíproco, mas queria entender o porquê de tamanha implicância.

Subi correndo as escadas que levavam até o segundo andar, um pouco atrapalhada com o meu material, e parei em frente à sala. Enquanto recuperava a respiração antes de entrar, pude ver pelo vidro da porta que a professora estava lá. Todas as minhas esperanças de que ela tivesse faltado por conta de uma doença degenerativa misteriosa foram por água abaixo. E pra piorar a classe estava cheia. Abri a porta cautelosamente e fui entrando em silêncio. Quando já estava na metade do caminho para a minha mesa pensei que ia ficar por isso mesmo, que tinha me safado dessa vez.

– Como sempre a senhorita SunKyu arranja um jeito de atrapalhar a minha aula.

Engoli seco e paralisei enquanto aquela velha assustadora me fuzilava com os olhos.

– Acha que só porque é sobrinha do diretor tem o direito de chegar atrasada e fazer o que bem entende. Postura lamentável.

– Sinto muito, professora. Não vai acontecer de novo.

Cumprimentei com uma inclinação de 45 graus e, quando me levantei, percebi que havia uma garota que eu não conhecia de pé ao lado da professora. Possivelmente uma aluna nova, já que usava o nosso uniforme e estava com a mochila nas costas. Ela era magra e parecia ser pouco mais alta do que eu. Usava o cabelo até a altura dos ombros, as pontas eram levemente louras e tinha uma franja ondulada. Era bonita, mas a expressão em seu rosto era vazia. Por um segundo nosso olhar se encontrou e eu estremeci, mas ela desviou rapidamente e voltou a encarar o fundo da sala como fazia antes.

– Não vai acontecer de novo, é? Muito bem. Agora vá logo para o seu lugar.

Desculpei-me mais uma vez e me sentei, sem conseguir tirar os olhos da direção da garota nova. Alguma coisa nela estava me chamando atenção.

A senhora Park continuou.

– Bem, como eu estava explicando para a nova colega de vocês antes de ser interrompida pela senhorita SunKyu, a nossa escola é um pouco diferente. Na parte da manhã os alunos seguem a grade curricular regular e na parte da tarde cursam as disciplinas artísticas nas quais se inscreveram. Para se matricular nessas matérias você deve procurar a senhorita JaeKyung, a monitora desta série, e ver quais horários e aulas estão disponíveis. Acredito que só não tenha mais vagas no departamento de dança clássica, mas este parece não ser bem o seu estilo, certo? – a garota concordou com a cabeça – Turma, quero que vocês recebam a senhorita TaeYeon muito bem. Seja bem-vinda e pode se sentar, mocinha.

Ela ocupou um lugar que estava vazio na outra ponta da sala e abriu seu material. Reconheci o lugar como sendo o do SungMin, que havia faltado. Assim como eu, ele era odiado pela velha e colecionava faltas na aula dela. Ela deve ter algum preconceito com as famílias “Lee”, só pode.

– E agora vou fazer a chamada. Lembrando que quem chegou atrasado ficará com falta nas minhas quatro aulas.

Ao ouvir aquilo minha vontade foi de pegar o prendedor de cabelo pontiagudo que a senhora Park usava e fincar nos dois olhos dela. Aquela lá merecia uma morte lenta e dolorosa. Foi difícil, mas me segurei.

– Jaekie, o que mais você sabe sobre essa aluna nova? - sussurei para a minha amiga que se sentava à mesa ao lado.

– Bom, parece que é de Daegu. Ganhou um concurso de música ou algo do tipo lá e veio parar aqui.

– Hum, saquei. Coitada. Com tanta sala tinha que vir logo para a nossa?

– Senhorita Lee! – essa mulher definitivamente tinha ouvidos de radar – Não vê que estou fazendo a chamada? Será que vou ter que lhe aplicar uma suspensão para que aprenda a se comportar em sala de aula?

A sala inteira me olhou pra mim, incluindo a garota nova. Pensei que a professora poderia me aplicar logo uma expulsão definitiva. Pedi perdão mais uma vez e aguentei calada aquelas quatro aulas que se arrastaram pela manhã inteira.


**

Quando o sinal finalmente anunciou o intervalo para o almoço, deixei a sala me perguntando para quais disciplinas a aluna nova iria se inscrever. Desci até o refeitório, ainda pensativa, e encontrei o GongChan sozinho em uma das mesas, desenhando concentrado.

– Hey, yo – disse me sentando ao lado dele.

– Hey! Como foi a aula da bruxa?

– Um saco, como sempre. E a sua?

– Até que interessante. Chegou um aluno novo de Daegu e ele é uma delícia. ShinHoo, ShinWoo, algo do tipo.

– Na sua sala também? Na minha também chegou uma aluna nova de Daegu.

– Devem ter saído do mesmo concurso. Ai, ele é tão lindo. Alto, forte, gostoso e usa óculos. Adoro caras que usam óculos. Acho muito sexy. Espero que ele se matricule nas aulas de desenho.

Olhei para o desenho em nanquim que ele estava fazendo e identifiquei o tal aluno novo. Mais um pra fazer companhia para os outros quinhentos desenhos daquela pasta. É, o GongChan é do tipo que se apaixona a cada dia por um cara diferente. Normal na idade dele.

– Olha só quem está aqui, gente - na hora reconheci a voz da insuportável WooRi e os risos dos seus amigos imbecis – A bichinha e sua amiga feiosa.

– Vem cá. Por que você não fica na sua, hein? – levantei e a encarei com raiva.

– Porque vocês me dão nojo – ela respondeu estapeando a mesa com violência.

Fiquei furiosa. Pensei em partir pra cima dela, mas fui interrompida.

– Ei, WooRi. Deixa a Sunny em paz.

Era o SungMin, como sempre. O meu “herói” SungMin. Como se eu não soubesse me defender sozinha. Ele sempre tinha que chegar e bancar o salvador.

– Se você está pedindo eu deixo, lindo. – e ela não podia perder a oportunidade de se jogar – mas acho que você deveria arranjar uma namorada melhor porque essa daí é fim de carreira.

– Ele não é meu namorado – respondi prontamente.

– Mesmo? Sorte a dele. Ai, vamos embora porque o cheiro de perdedores me dá ânsia – e partiu com a sua gangue.

Como eu detestava essa garota. Ninguém no mundo me tirava do sério tanto quanto ela. Tudo que eu queria era vê-la humilhada um dia, exatamente da forma como fazia com os outros. Não sei como o GongChan conseguia ignorá-la.

–Não precisava ser má assim comigo, né? – disse SungMin.

– Eu não fui má. Apenas disse o que é verdade. Eu e você não temos nada mesmo. – falei com seriedade.

– É, não temos. Ainda. – ele disse sorrindo e passando a mão no meu cabelo, mas logo o empurrei e impedi que chegasse mais perto de novo.

– Hummm, acho que vou deixar os dois a sós – GongChan fez menção de que ia se levantar mas o impedi.

– Você fica. Temos que esperar a Vic e ir pra aula. E por sinal, ela está atrasada. Onde será que se enfiou dessa vez?

– Deve estar se contorcendo por aí – SungMin ironizou – Brincadeira. Ela está com o tailandês, o tal Nichkhun, no mini-auditório de dança. Sabe como é. O lugar é escuro e eles devem se sentir bem a vontade – riu.

– Aff, de novo? Quero ver o dia que pegarem esses dois.

– Ai, eu bem queria estar no lugar dela – disse GongChan rindo também.

– Você não vale nada, menino – dessa vez foi JaeKyung que chegou, bebendo seu Banana Milk, e se juntou a nós na mesa.

– E então, Jaekie. Alguma novidade? – perguntei já esperando ouvir algo sobre a aluna nova. Não sabia o porquê, mas não conseguia parar de pensar naquela garota misteriosa.

– Não, nenhuma. E vocês?

– Nada. Só recebemos uma visita da sua amiga WooRi, aquela simpática. – respondi um tanto frustrada.

– Não acredito. Inacreditável como ela faz de tudo pra me atingir. Já pedi pra deixar vocês de lado e se resolver comigo, mas ela parece que tem o dom de infernizar.

– Eu já te falei o que você pode fazer pra colocá-la no lugar dela, não falei? – disse SungMin – faltam só dois meses para o torneio e você ainda não se me mexeu. É a oportunidade perfeita pra acabar com essa bitch na frente do colégio inteiro.

Ele estava se referindo ao torneio anual de música de Seongkak, onde os alunos se enfrentam em uma série de provas envolvendo dança, canto e atuação. A classe da WooRi ganhou nos últimos três anos com ela liderando. Já a nossa turma, terminava sempre em último. O evento atraia celebridades e personalidades importantes da Coreia inteira. E esse ano o prêmio era mais do que especial: os sete principais talentos individuais ganhariam um contrato em uma das agências mais poderosas do mundo do entretenimento coreano, a JH Ent.

– Eu bem que queria, né? Mas vamos passar vergonha de novo. Se ao menos a Sunny aceitasse participar...

– Nem pensar. Já te falei que não gosto dessas coisas. Cantar, dançar, nada disso é pra mim.

– Mas você é tão boa.

– Sem “mas”. Eu não vou mudar de ideia.

Por mais que eu estivesse em uma escola de música, não me agradava fazer esse tipo de coisa. Me incomodava ver as pessoas olhando pra mim. Mas não tinha jeito. Eu sempre acabava tendo que cantar, tocar ou atuar em algum momento. Afinal, eu tinha aulas exclusivas pra isso. Fui inscrita forçada pelo meu tio. Não tinha outra escolha.

– E se eu te falasse que a aluna nova entrou no nosso time?

– Ela entrou? – perguntei surpresa.

– Sabia que você estava interessada!

– Como assim interessada? Nada a ver, Jaekie – meu rosto ficou vermelho e minhas bochechas queimaram de vergonha.

– Pode dizer a verdade.

Fiquei apavorada. Será que ela estava desconfiando que eu fosse algum tipo de lésbica, ou qualquer coisa?

– Você já viu o irmão dela, né? – JaeKyung me olhava com um sorriso no canto da boca.

– Irmão? Que irmão? – perguntei um pouco mais aliviada.

– É. Que irmão? Quem é esse cara? - SungMin parecia não estar gostando nada da conversa. Ele morria de ciúmes de mim.

– O aluno novo do 1º ano – disse ela – sempre soube que você gostava dos garotos mais novos, Sunny.

– Ei – dessa vez foi GongChan que não gostou muito da resposta.

– Eu.. eu.. não sei de quem você está falando. Mas enfim. Ela vai ou não vai participar do torneio?

– Ainda não. Mas quero que você me ajude a convencê-la.

– Eu? Por que tem que ser eu?

– Porque eu fiz a ficha dela e adivinhe. Ela se inscreveu nas mesmas aulas que você.