Kendall .

Acordei cedo no dia seguinte. Tive sonhos muito estranhos durante a noite e não estava tranquilo com tudo o que estava acontecendo. Levantei-me e saí do pequeno quarto de madeira, fui até o lavabo onde havia alguns baldes com água e uma patente. Lavei meu rosto rapidamente e saí do alojamento. Eu queria me afastar um pouco da cidade. Acho que iria para um dos campos arborizados que haviam no lado oeste de Ferrier. No caminho, passei pelo comércio e comprei algumas maçãs para comer, afinal, já estava com fome. As pessoas da cidade me olhavam desconfiadas, elas sabiam que eu não era dali e ficavam jogando olhares curiosos em minha direção. Ignorei e segui meu trajeto. Chegando no campo, avistei uma linda e robusta árvore, com galhos e folhas que bloqueavam a luz forte do sol da manhã e dançavam ao sussurrar do vento. Caminhei até lá e me sentei em algumas de suas grossas raízes expostas. Recostei-me em seu tronco e fechei os olhos, sentindo o vento tocar em meu rosto. Era muito relaxante. Uma pequena luz, refletida pelos raios de sol, me incomodou um pouco. Quando vi o que era, notei que se tratava do âmbar em meu colar. Peguei o pequeno pingente e o encarei por alguns instantes, então lembrei-me das palavras de Huntsman na tarde anterior.

"Huntsman havia dispensado os outros e me convidou para entrar novamente em sua sala. Eu assenti e o segui.

– Tem algum problema com a minha espada? - perguntei, confuso.

– Não diria que isso seja um problema.

– Então o que é?

– Kendall... Você sabia que foi o meu pai que forjou essa espada?

– Seu pai?

– Sim. Nossa família herda o título de melhores ferreiros há anos. - ele sorriu, encarando a espada - Me diga uma coisa, você sabia que seu pai era um cavaleiro?

– S-Sim. Ele era um dos cavaleiros reais de Lutari. E morreu lutando na última guerra.

– Sinto muito. - Huntsman fixou seu olhar em mim, sério - Mas eu não me referia a isso.

– Como assim?

– Eu perguntei se você sabia que seu pai pertenceu a ordem dos cavaleiros. Ele também foi um cavaleiro assim como James e Angellina.

– M-Meu pai?

– Sim. E ele foi um grande cavaleiro. Você está vendo isso aqui? - ele apontou para a pedra que havia em minha espada, uma âmbar - Essa era a pedra que simbolizava a união dele com o seu guardião.

– Huntsman... Você tem certeza disso? Como você sabe?

– Porque eu conheci seu pai. - eu o encarei, surpreso e feliz. Meu pai sempre foi o meu orgulho e eu sentia muita falta dele - Kendall, você sabe porque seu pai deixou essa espada pra você?

– Herança?

– Não. Ele lhe deixou essa espada porque sabia que você seria o próximo cavaleiro a empunhá-la e porque ele confiava em você. Você também é um cavaleiro, Kendall.

– Mas como? Eu não entendo.

– Os cavaleiros são escolhidos por seus guardiões. E por algum motivo, o guardião de seu pai viu algo em você. Por isso, ele pediu a seu pai que deixasse essa espada para você. – Huntsman pegou algumas ferramentas e sentou-se de costas para mim.

– O guardião do meu pai me escolheu? - eu estava muito surpreso - Mas... Por que ele não falou comigo durante todo esse tempo? Por que ele não se mostrou?

– Talvez ele esteja esperando o momento certo.

– Momento certo? E como eu vou saber quando será o momento certo?

– Você saberá. Apenas fique sempre com isso. - ele se levantou e me entregou um colar. O âmbar que estava há poucos instantes na espada, agora estava naquele colar - Essa pedra garante a união entre você e seu guardião. Sem ela, vocês não conseguirão se comunicar.

– Tudo bem. Obrigado por me contar tudo isso, Huntsman.

– Não foi nada. Eu devia isso ao seu pai por ele ter salvo minha vida anos atrás. - ele sorriu. Involuntariamente, um sorriso se formou em meu rosto também, eu estava feliz por ouvir todas aquelas coisas sobre meu pai.

– Prometo que tentarei ser forte e digno como ele foi.

– E você será. Tenho certeza disso.

Eu sorri uma última vez e saí. Estava tão feliz e confuso com tudo aquilo que resolvi não dizer nada aos outros quando chegasse."

E aqui estou eu, sentado debaixo de uma árvore encarando um pingente. Como será que é o meu guardião? Qual seu nome? E porque ele não apareceu para mim ainda? Eu queria muito conhecê-lo. Queria que ele me contasse as histórias das aventuras que viveu com meu pai.

"Ahn... Olá guardião. Se estiver me escutando, eu só queria dizer que estou muito feliz por ter me escolhido e que eu queria muito conhecê-lo" - pensei, enquanto segurava meu colar com força - "Será que... Você poderia aparecer?"

Nenhuma resposta. Nenhuma voz ecoando em minha mente. Será que fiz algo errado? Talvez eu devesse perguntar ao James como ele faz isso com Eeve. Mas e se talvez... Huntsman estivesse errado e eu não for o escolhido? Aff. Talvez seja isso mesmo.
Afundei meu rosto em meus braços, que agora abraçavam meu joelhos. Fechei meus olhos com força e apenas senti o vento soprando em meus cabelos.

– Há! Eu sabia que você estaria aqui! - uma voz familiar soou, alegre e vitoriosa. Levantei minha cabeça devagar e não consegui conter um sorriso ao vê-la.

– Valerie?

– Não, sou um monstro disfarçado de Valerie! - ela ironizou, rindo e sentando-se ao meu lado em seguida.

– Boba. Como me encontrou?

– Não sei. Apenas... Achei que tivesse vindo pra cá. - ela sorriu inocentemente.

Seus olhos azuis brilhavam como nunca e era quase impossível não olhar para eles. Seus cabelos vermelhos como fogo balançavam delicadamente com o vento. Por um momento, ela me pareceu mais bonita. Só então percebi que nunca havia visto Valerie dessa maneira. Afinal, eu sempre a tratei como Marine, ela era como uma irmã pra mim. Mas... Agora... Ela estava tão... Linda.

– O que foi? - ela perguntou, corando levemente ao perceber que eu a encarava.

– Ahn... N-Nada. - gaguejei.

– Me desculpa por ontem. - ela ficou cabisbaixa, encarando os pés e brincando com a grama ao redor da árvore - Eu pensei melhor e percebi que você só estava preocupado comigo. Desculpa por agir daquele jeito.

– N-Não. Eu é que peço desculpas... Acabei agindo como um idiota ontem e nem pensei que aquilo poderia ser importante pra você.

– Quem? O Leoni?

– É... - minha voz falhou, eu estava nervoso e um pouco triste, sem nem saber o porquê - Acho que ele gostou de você.

– Talvez. Ele me convidou para sair com ele.

– Ahn... É mesmo? - fingi interesse.

– É. Ele é muito legal sabia? Devia conhecê-lo melhor.

– Acho melhor não. - suspirei - Já basta eu ter agido como um idiota na frente dele tentando te proteger e porque estava com ciúmes.

Ah não. Falei demais. Por que você disse isso Kendall? Por quê?! Agora sim ela vai te achar o maior idiota do mundo! Valerie me encarou surpresa e começou a rir. Ótimo. Eu sabia. Ela literalmente me acha um idiota.

– Você estava com ciúmes do Leoni?

– Ehr... Eu... Ahn... - fala alguma coisa Kendall! Anda logo! - É, eu estava. - Não seu idiota! Não era pra ter dito isso! Argh. Porque eu não consigo pensar direito só de estar perto dela?

– Eu não gosto do Leoni. - ela disse, ficando séria.

– Não?

– Claro que não. Eu conheci ele ontem!

– Mas vocês pareciam... - ela colocou seu dedo em meus lábios, interrompendo-me.

– Você é muito mais importante pra mim do que ele. - ela beijou minha bochecha delicadamente, eu devia estar vermelho, muito vermelho - Obrigada por se preocupar comigo. - eu sorri. Acho que o sorriso mais bobo possível, mas não me importava.

– Ah! Preciso te contar uma coisa. É sobre minha conversa com Huntsman ontem.

– O que ele queria falar com você?

– Ele me mostrou isso. - eu peguei o pingente com o âmbar e mostrei à ela - Estava na minha espada, que pertenceu ao meu pai. Ele me contou que meu pai era um guardião, assim como James e Angellina. E disse que o guardião dele me escolheu para ser o próximo cavaleiro. Por isso herdei a espada.

– Que incrível! Quer dizer que você também é um cavaleiro?

– Sim. - sorri.

– Parabéns! - ela me abraçou com força - Tenho certeza que você será um ótimo cavaleiro! E o seu guardião? Você falou com ele? Como ele é?

– Ele... Eu ainda não consegui falar com ele.

– Não? Mas por quê?

– Não sei. Huntsman disse que eu saberia quando fosse o momento certo.

– Hum. Então vamos esperar, não é? - ela sorriu novamente.

Eu adorava aquele sorriso. Mesmo em momentos difíceis, eu me sentia melhor ao vê-lo.

– Vamos voltar? - perguntei.

– Vamos.

Ela levantou saltitante e nós fomos correndo pelo campo de volta a cidade.

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Logan

– Onde vocês vão? - perguntei para Angie, Marine e Kiara, que saíam apressadas do alojamento onde estávamos.

– Aonde mais? - Kiara perguntou, incrédula - Fazer compras!

– Nós não viemos aqui para treinar?!

– A gente compra alguma coisa pra você também Logan! - disse Marine, rindo.

Elas se afastaram rapidamente. Olhei nos outros cômodos do lugar e notei que Kendall e Valerie também haviam saído. Carlos estava dormindo feito uma pedra em uma pilha grande de feno. James estava sentado em um banco de madeira, admirando o rubi em seu colar e sorrindo.

– Conversando com a Eeve? - perguntei, aproximando-me.

– Um pouco. - ele riu.

– Isso é tão estranho.

– Isso o quê?

– Você. A Angie. Dragões, unicórnios, guardiões, cavaleiros... - passei a mão por meus cabelos, coçando a cabeça - Isso é demais pra mim.

– É um pouco estranho no começo... Mas acabei me acostumando. Parece que conheço Eeve há anos e nos damos extremamente bem. É difícil de explicar essa...

– Relação entre vocês?

– Isso. - ele sorriu. - Estou curioso para conhecer os outros cavaleiros. E se vocês também fossem um deles?

– Sempre foi o meu sonho me tornar um cavaleiro. Mas, um cavaleiro real. - olhei para a janela, onde algumas pessoas caminhavam pelas ruas da cidade - Não sei se estaria pronto para ter um guardião e pertencer a ordem dos cavaleiros.

– Não é muito diferente. E eu tenho certeza que você se sairia bem. De todos nós, você é o que melhor sabe manejar uma espada, Logan. - ele pousou uma mão em meu ombro - Ficaria honrado de lutar com você ao meu lado.

– Digo o mesmo, príncipe James.

– O que você vai fazer hoje?

– Ainda não sei. Como estamos sem as armas, ainda não podemos treinar. Mas eu queria fazer alguma coisa emocionante sabe?

– Emocionante? De que tipo?

– Como quando nós íamos para o nosso "lugar" secreto. Eu adorava saltar daquela cachoeira dentro do lago.

– Você costumava pular da parte mais alta... Não sei como ficava inteiro depois de fazer aquilo... - ele riu ao lembrar-se.

– Eu só... Esquecia o medo e pulava. - nós rimos - Acho que vou procurar alguma cachoeira por aqui. Com esse calor que está fazendo, vai ser ótimo. Quer vir junto?

– Não, pode ir. Vou ficar e esperar o Carlos acordar.

– Tudo bem. Até mais tarde então.

Peguei minhas coisas e saí. Perguntei para algumas pessoas da cidade e consegui encontrar uma trilha em direção a floresta, que levava até uma cachoeira. Os moradores de Ferrier me contaram que poucas pessoas iam até lá, pois a cachoeira não era propícia para banhos. Caminhei pelo caminho indicado e logo encontrei-a. Era bem maior do que eu esperava e a água era bem mais "agressiva" do que no nosso "esconderijo". Logo entendi o porque dos moradores não se banharem ali. Eu estava no topo de uma pedra que ficava no alto da cachoeira, apenas olhando tudo ao redor. Era uma altura bem perigosa de se pular, mas ao mesmo tempo que eu estava com medo, também podia sentir a emoção que seria se pulasse. Enquanto discutia comigo mesmo mentalmente, decidi que seria mais seguro não pular. Enquanto caminhava em direção a trilha por onde havia vindo, comecei a refletir e lembrei-me do que havia dito para James.

"Eu só... Esquecia o medo e pulava."

Não acredito que estou com medo de pular em uma cachoeira! Rapidamente, voltei até onde estava e olhei para baixo, onde a água caía fortemente sobre o lago.

– Bem, se ninguém ousou pular aqui ainda... Acho que vou ser o primeiro. - falei para mim mesmo, sorrindo. Tirei minha blusa e caminhei até a beirada da rocha - Se eu morrer agora, só posso dizer que adorei cada momento que vivi. E que... Eu amo a princesa Angellina Lawrence. - eu estava tremendo, uma mistura de medo e coragem me invadiam alternadamente - Pela honraaaaaaaaaaaaa!

Então eu pulei em direção ao fundo do lago.

Enquanto eu caía, podia sentir a intensidade do vento em atrito com meu corpo. Meu coração parecia ter parado. Rapidamente, pude sentir o ardor da água contra todos os meus músculos. Quando notei que faltava-me ar suficiente para respirar, voltei a superfície. Eu consegui?! Estou vivo?! Comecei a rir sozinho, enquanto tirava o excesso de água em meu cabelo. Aquela sensação era indescritível. Queria muito que os outros tivessem visto. Fiquei nadando pelo lago, apenas relaxando e me refrescando naquela água levemente gelada. Enquanto dava um mergulho, avistei uma coisa brilhando no fundo do lago, como se refletisse a luz do sol. Não contive minha curiosidade e mergulhei mais fundo para ver o que era aquilo. Parecia ser alguma jóia. Quando a peguei na mão, senti um forte arrepio percorrer todo meu corpo, quase queimando-o por dentro. Subi rapidamente para tomar fôlego e observei a pulseira dourada em minha mão, havia várias safiras ao redor dela.

"Enfim você apareceu"

Uma voz ecoou, assustando-me. Rapidamente coloquei a pulseira e escondi meu braço debaixo d'água.

– Quem está aí?

"É melhor você me ver pessoalmente, jovem Logan"

– O quê?! Q-Quem é você e... E c-como sabe meu nome?! - gritei.

Um silêncio invadiu o local de uma forma assustadora. O único som que se ouvia era do vento balançando os galhos das árvores. Nadei até o meio do lago e comecei a olhar em volta, mas não havia nada. Nenhum sinal de vida.

De repente, o chão no fundo do lago começou a tremer, como se pudesse se mover e subir a superfície. Nadei o mais rápido que pude até a beira do lago e quando virei-me para trás, vi a criatura mais assustadora e ao mesmo tempo magnífica, de toda a minha vida.

– AI MEU DEUS. - sussurrei, tentando respirar normalmente.

"Você desejava saber quem eu era. E aqui estou. Sou Nowall, seu guardião."

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Nowall