Metamorfose escrita por Mia Elle


Capítulo 15
Capítulo XIV


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, desculpa a demora aqui ): Mas pronto, capítulo novinho pra vocês. Obrigada pelos comentários de todos, ♥



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“É tanta coisa nova que é melhor nem relembrar.
Não relembrar, melhor assim.”

- Melhor Assim - Poléxia

Mikey nunca saia do quarto, e ele e Gerard nunca conversavam. Mas quando acontecia de eles trocarem algumas palavras (geralmente na cozinha, quando o mais novo sentia fome), as coisas que o outro dizia faziam Gerard pensar durante horas. E era esse o caso. Era como nos filmes: Gerard podia enxergar Mikey na sua frente repetindo "você pode estar perdendo a sua chance de ser feliz". E de novo, e mais uma vez. Dizer que ele estava confuso era pouco. A sua vida estava uma completa bagunça. Ele voltava três meses no tempo, e nem reconhecia a si mesmo. Como alguém podia mudar tanto assim? Era assustador. Era toda uma nova vida surgindo, ele era outra pessoa. E tudo isso era demais para sua mente agüentar. 

Ele sabia o que tinha que fazer, mas volta e meia ele ainda pensava se tinha mesmo que fazer aquilo. Há semanas que aqueles pontos de interrogação o acompanhavam aonde quer que ele fosse, e ele não sabia mais o que fazer. Sabia que se botasse tudo aquilo pra fora, as coisas iriam se resolver, mas tudo é sempre mais complicado do que parece, por que a gente sempre vive complicando as coisas.

A St. Martin estava mais vazia naquele sábado, pois algumas das pessoas que só vinham à cidade pelo tratamento haviam voltado as suas casas durante a semana. Não havia muito o que fazer. Gerard estava se encarregando de tentar consertar a televisão da sala, que havia perdido a sintonia com os canais por que alguém apertara algum botão que não deveria ter apertado: agora era necessário digitar o número correspondente para trocar a emissora de televisão. O garoto não entendia muito bem dessas coisas, mas estava tentando se virar. Enquanto fuçava no menu da televisão, apertando vários botões aleatórios, sentiu que alguém se sentara ao seu lado no sofá. Olhou automaticamente, para ver que era Stefan, que lhe sorriu. O homem parecia mais pálido que o normal, Gerard se perguntou se não estava doente, e até pensou em indagá-lo sobre isso, mas o mais velho falou antes:

- E aí, como é que vão as coisas? Com o Frank, sabe. 

Gerard respirou fundo, balançando a cabeça negativamente para a televisão, irritado por que - sem saber como - ele acabara de adicionar legendas em francês às imagens que eram transmitidas naquele momento.

- Vão bem - respondeu meio vago. 

- Mesmo? 

- Mas que porr-! - xingou o garoto, desligando a televisão e largando o controle no colo, soltando um suspiro exasperado - é impossível lidar com essas coisas. Impossível!

Stefan riu.

- Na minha época só existam três botões, tudo era mais simples. Mas não fuja da minha pergunta - disse, fazendo com que o garoto mexesse-se no sofá, virando-se para ele. 

- Eu não sei. 

Stefan bateu de leve na perna do garoto.

- Eu acho que você está perdendo tempo, menino. Vocês dois estão. Sabe, eu fico pensando, eu passei a minha vida toda ao lado do Brian, se a gente ao menos tivesse percebido antes, confessado antes. Eu teria tido mais tempo ao lado dele. E tudo foi tão curto e acabou tão rápido - ele fez uma pausa, engolindo em seco - não quero que você se arrependa disso no futuro também, garoto. 

Gerard encarou o outro. Parecia tão amargurado, arrependido, triste, do jeito como os adultos sempre parecem quando começam a falar de seus arrependimentos, e das coisas que eles deviam ter feito e não fizeram. O menino definitivamente não queria ser assim. Não queria se tornar essa pessoa. Imaginou-se com cinqüenta anos, casado e com três filhos, e totalmente infeliz, pensando em como seria se ele ao menos tivesse assumido pra si e para o mundo o que queria fazer, e do lado de quem gostaria de estar. E ele poderia mudar isso agora

Stefan também poderia mudar isso:

- Sabe, Stef, você não está morto ainda. E penso que nem esse Brian está. Você podia tentar encontrá-lo, não é? Vocês ainda podem passar algum tempo juntos. Ainda há tempo pra... - ele começou a dizer, tentando consolar, mas realmente acreditando mesmo no que dizia.

O mais velho soltou uma risada triste e fez que não com a cabeça.

- Meu tempo já passou, Gerard. Agora é a sua vez de fazer as coisas certas, sim? 

Gerard sorriu e acenou com a cabeça, ligando a televisão novamente pois agora além de re-sintonizar os canais, ele ainda precisava descobrir como tirar aquelas legendas (que agora estavam em espanhol). Depois de uma hora, ou mais, apertando os botões da televisão, Gerard finalmente conseguiu acertar a sintonia e as legendas. Desligou o aparelho com aquela sensação ótima de sucesso que a gente tem quando consegue o que quer, e levantou finalmente do sofá, caminhando de forma estranha pois sua perna direita estava um tanto amortecida. Foi até a cozinha a fim de se gabar de ter conseguido consertar o que todos tinham tentado e não tinham obtido sucesso, mas nunca chegou a fazê-lo.

Frank estava sentado no tampo de uma das mesas do refeitório, balançando as pernas no ar, como uma criança que não consegue alcançar o chão ao sentar-se em uma cadeira alta demais. Suas mãos estavam pousadas em seu colo, e ele encarava os tênis, parecendo um pouco triste. Ele conversava com a Sr. Lee, que estava sentada à mesa, em um dos longos bancos na lateral.

- ...por que não é como se eu pudesse simplesmente sair de casa, não é mesmo? - a voz dele estava meio trêmula e embargada, como se ele fosse chorar - não tenho como me sustentar, sequer terminei o maldito colégio.

- O que aconteceu? - indagou o mais velho, denunciando sua presença na sala. Os outros dois ergueram os olhos para ele; Frank tinha os seus meio avermelhados.

- É meu pai - ele murmurou.

- Mas o que? Ele e sua mãe não se acertaram? - Gerard disse, sentando-se ao lado do pequeno, um pouco desconfortável em estender o braço para abraçá-lo, como gostaria de fazer, e por esse motivo não fazendo nada. 

Frank não respondeu, então a Sra. Lee tomou a palavra:

- Oh, eles se acertaram sim, e esse é o problema - a mulher respondeu, passando as mãos carinhosamente pela coxa de Frank, como a que consolá-lo - agora ele vai voltar pra casa, mas ele não está feliz com a sexualidade de Frank. Talvez devêssemos ter esperado mais um pouco para contar - ela explicou - mas o que está feito está feito, não é mesmo? Acho que foi melhor assim, uma hora ele teria de saber e a reação seria essa de qualquer forma. 

- Ele te expulsou de casa, ou o quê? - perguntou Gerard, pensando no que ouvira quando adentrara o recinto.

- Não - disse Frank, a voz meio melosa - quero dizer, não claramente. Ele colocou algumas regras. Basicamente, eu não posso ser gay debaixo do teto dele - o pequeno ergueu as mãos e limpou os olhos do mesmo modo infantil como fizera alguns dias atrás - se eu deixar de freqüentar os bares, de ver meus amigos, de sair com garotos e todo o resto, eu continuo sendo filho dele. De outra forma, não - ele riu, soando meio irônico - não é como se eu pudesse mudar o que eu sou.

- E ninguém está sugerindo isso, querido! - exclamou a Sra. Lee, levantando-se de repente de seu assento - mas talvez você pudesse esconder as coisas dele melhor, não é? Pelo menos até que você termine o colégio, não falta muito agora - ela se aproximou do menino, tocando de leve a bochecha dele - eu só não quero que você se arrependa disso no futuro. Só quero o seu melhor, Frank, você sabe.

O menino sorriu, sabendo que a mulher tinha sua razão. Passou seus braços pela cintura dela, chamando-a para um abraço cheio de gratidão. Gerard admirava muito o modo como a Sra. Lee cuidava das pessoas dessa forma, como se fosse uma grande mãe de todos ali. Ela nem sequer recebia um pagamento por todo aquele trabalho e mesmo assim estava ali para o que desse e viesse, sempre dando amor, e carinho e às vezes fazendo das tripas coração pra que todos se sentissem melhor. 

- Mas você sabe que, se precisar, você pode contar comigo. Sempre que precisar você tem um teto para dormir, querido - ela disse, depois que os dois se separaram do abraço. Frank sorriu e fez um sinal afirmativo com a cabeça. 

Gerard pôde ver uma lágrima escorrendo por sua bochecha, e aquilo o machucava muito. E de pensar que ele já tinha sido uma dessas pessoas preconceituosas que causam tanta dor e sofrimento para alguém como Frank!

- E se precisar, Frank, sabe que pode ficar lá em casa também, não é? - disse, sabendo que precisava dizer alguma, coisa, mas sem saber exatamente o que. 

- Vê só, você não tem com que se preocupar, menino, tem muita gente aí pra você - a Senhora disse em um tom animado - agora, Gerard, você terminou o que estava fazendo? - o maior fez que sim – então acho que não há muito mais o que fazer, você pode ir para casa, se quiser. E você também, Frank, querido.

- Não, não – o pequeno negou, levantando-se do banco onde estava, e visivelmente tentando parecer menos transtornado – eu não quero ir pra casa agora. Preciso me distrair, vou arranjar alguma coisa para fazer por aqui.

Sorriu, meio que tentando convencer os outros dois de que estava bem, e deixou o refeitório em direção à sala. A Sr. Lee suspirou.

- Pobre garoto – disse, com um olhar meio triste.

Gerard não soube o que dizer, por isso apenas disse que ele estava indo por que precisava terminar uma coisa qualquer da escola, e deixou a casa, tentando não pensar em todas aquelas coisas que enchiam sua cabeça nos últimos dias, deixando-o quase louco. Agarrou-se ao primeiro pensamento que lhe ocorreu, e que não tinha nada a ver com si próprio: Stefan. Era um pouco triste ver alguém que ele queria tão bem sofrendo dessa forma. Ele parecia ainda tão ligado ao tal Brian, mesmo depois de tanto tempo. Mas toda a esperança que havia nele parecia ter se esvaído. Ele estava visivelmente convencido de que morreria sozinho, e não havia nada que ninguém pudesse fazer sobre o assunto.

Mas tinha de haver algo a ser feito.

Esse Brian tinha de estar em algum lugar nesse mundo, e não podia ser tão difícil encontrá-lo, não em dias como os de hoje. E, estivesse onde estivesse, esse cara deveria se lembrar de Stefan. E depois desse tempo todo, e de todas as informações divulgadas sobre a doença, deveria ter se arrependido do que fez quando jovem. E, mesmo que já tivesse morrido, nem que fosse para que Gerard levasse o amigo visitar seu túmulo. Eles precisavam disso. De uma despedida, qualquer coisa.

Pensou nisso todo o caminho para casa, e quando finalmente chegou, adentrou a cozinha decidido a ir até o quarto e botar no Google o nome do tal cara e encontrar qualquer informação que fosse sobre ele, para encontrá-lo aonde quer que estivesse. Se ele não sabia como resolver seus próprios problemas, resolveria os dos outros. Ignorou os comentários de Donna sobre sua roupa estar amarrotada e atravessou a casa sem prestar atenção em nada. Entrou no quarto, ligou o computador, afastou alguns lixos que estavam em volta do monitor, jogando-os no chão já muito sujo, e tamborilou os dedos, impaciente, na escrivaninha, enquanto a máquina ligava. Não era um computador muito novo.

- Vamos, vamos – disse, impaciente.

A impaciência, é claro, se devia ao medo do tempo ocioso. Se ficasse sem fazer nada muito tempo, começaria a pensar em si próprio, e isso o desesperava. Então precisava se ocupar com alguma coisa. Quando o computador ligou, finalmente, ele abriu o navegador, que carregou rapidamente a página do Google. Agradeceu a Mikey mentalmente por ser tão nerd e ter exigido tanto que os pais pagassem uma Internet mais rápida.

Digitou rapidamente “Brian Molko”, e deu enter. Ele havia dedicado muito tempo no carro para caçar o sobrenome do cara na sua memória, mas finalmente se lembrara. Era esse, tinha certeza. Os resultados não eram muitos, mas por fim encontrou algo que julgou útil. O tal Brian tinha sido citado várias vezes em crônicas que um certo colunista de um jornal pequeno de New York escrevia. Eram histórias cotidianas, ele leu algumas ali no blog pessoal do jornalista. Pelo jeito os dois eram bons amigos. Achando que fizera um bom trabalho, anotou o contato do jornal (já que o do homem não estava disponível) e decidiu que ligaria na segunda feira para perguntar sobre Brian. Torceu para que o homem acreditasse em sua história, e não achasse que ele era algum tipo de criminoso, ou algo do gênero.

Bloqueou os pensamentos sobre Frank com isso, e depois com alguns jogos idiotas em rede. E depois com videogame. E então, finalmente, foi dormir.


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