Eu não lembro o antes. Não lembro o depois. Lembro de você entrando na cozinha, uma das mãos tapando a boca aberta em um bocejo, e a outra coçando a cabeça, bagunçando os fios castanhos que ali cresciam.

Você usava uma velha calça de moletom – tantas vezes te ajudei a despi-la – e tinha os olhos ainda fechados pelo sono. Abertos o suficiente para que você não tropeçasse em nada; fechados o suficiente para que eu não pudesse ver o quão bonitos eram, mais uma vez.

Não olhou para mim, não esperava que o fizesse. Foi direto à geladeira, pegando sua garrafa de leite e levando-a aos lábios para tomar o seu costumeiro gole matinal.

- Não faça isso Frank, é nojento, tem mais gente que toma desse leite – eu brigava com você. Você ria e selava nossos lábios. E depois eu limpava seu bigode de leite, dizia o quanto você era adorável.

Dessa vez o seu buço continuou sujo, eu não limpei. Eu o avisaria, mas você não me ouviria, de qualquer modo.

Você guardou o leite na geladeira, e fechou a porta. Encostou-se na mesma, encarando um ponto vazio na parede, acima do meu ombro. Olhei, não havia nada ali. Franzi o cenho e te encarei de novo.

Vi seus pelos se arrepiarem e você levou as mãos a boca, tão infantilmente limpando o leite ali. Depois encarou a ponta de seus dedos, agora brancos.

- Gerard – susurrou.

And I’d give up forever to touch you,

E eu desistiria de tudo para te tocar,

‘Cause I know that you feel me somehow.

Por que eu sei que você me sente de alguma forma.

Estremeci. Você encarou o chão e eu pude ouvir um soluço. Eu queria dizer para não chorar, queria dizer que tudo ficaria bem. E eu diria. Eu diria, mas não podia.

Levantei-me de minha cadeira e fui até você. Estava escondendo seu rosto com as mãos, soluçando sozinho. Segurei seus pulsos, e você parou de chorar, erguendo os olhos e observando a cozinha atentamente. Seu olhar passou por mim. Estava alarmado, assustado.

Você soltou a respiração, parecia ter se aliviado. Deixou os braços caírem, eles escaparam de minhas mãos. Seus olhos ficaram marejados novamente, vermelhos, tristes, a culpa era toda minha.

Eu queria dizer. Queria Frank, acredite em mim. Eu queria te abraçar, te beijar, te ninar, te fazer meu. Eu não podia, você não me ouvia. Eu estava tão desesperado quanto você.

Você se deixou escorregar pela superfície da geladeira até que estivesse sentado no chão.

- Você não está com frio? – perguntei, sabendo do silêncio que seria sua resposta. Você tombou a cabeça para trás e escondeu seus olhos de mim novamente. Eu podia ver o quanto sofria, eu queria dizer que me perdoasse. Eu não podia.

When everything is made to be broken,

Quando tudo foi feito para ser quebrado,

I just want you to know who I am.

Eu só quero que você saiba quem eu sou.

Quem disse que eu não podia? Quem inventou isso?

Eu me sentei ao seu lado e uni nossas mãos, sentindo você estremecer e abrir seus olhos. Encostei minha cabeça no seu ombro, seus soluços voltaram.

Ah, eu tinha tantas coisas para dizer. Queria dizer que a culpa não era minha, a escolha não era minha. Queria dizer que eu sabia tanto quanto você, que eu estava tão confuso quanto você. Queria dizer que eu estava com medo.

Eu não sabia do passado ou do futuro, tudo que eu via era você. Sem você não havia nada, não havia eu. Era inevitável, eu precisava de você para existir, e você jamais saberia.

And all I can taste is this moment.

E tudo que eu sinto é esse momento.

And all I can breath is your life.

E tudo que eu respiro é sua vida.

Eu precisava aproveitar aquele momento, não sabia quando estaria próximo de você novamente. Ergui levemente minha cabeça de seu ombro, concentrando-me em seu rosto.

As sobrancelhas tão bem feitas, o nariz afilado, os lábios finos, as argolas que os ornamentavam. A pele amorenada e os desenhos coloridos que você fizera sobre ela.

- Você é lindo – eu sussurrei, temia que fosse a última vez que você me ouvisse dizer isso. Você me ouvia?

Eu não sei, você chorava tanto. Não podia lutar contra si mesmo. Imaginei o que se passava na sua cabeça, será que estava lembrando nós dois? Lembrando as risadas, as lágrimas, os passeios, os beijos, os gritos... tudo? Era nisso que você pensava? Eu desejei que fosse, pois era isso que estava em minha cabeça.

Cada pequeno e perfeito momento ao seu lado, e a dor que eu sentia ali dentro me fazia sentir como se tudo fosse verdade. Era a única prova que eu tinha... Eram você e as lembranças que me faziam acreditar em tudo ainda.

Você pensava o mesmo? Era por isso que chorava desde manhã? Eu gostaria que parasse, Frankie, se eu tivesse um coração, você já teria esfaqueado ele tantas vezes com essas lágrimas... 

When everything feels like the movies,

Quando tudo parece como nos filmes,

Yeah, you bleed just to know you’re alive.

É, você sangra apenas para saber que está vivo.

Eu me sentia cada vez mais distante, eu não queria ir. Algo me atraia para longe, eu me segurei em você.

- Não me deixe ir Frank, não me deixe. Eu quero ficar com você.

Eu tinha medo. Eu não sabia o que vinha depois, não sabia o que esperar. Eu desejei que você estivesse comigo. Condenei-me depois.

Você tinha a vida toda pela frente, e iria, provavelmente, aproveitar isso sozinho, longe de alguém como eu. Aos poucos a dor ia passar, eu sabia. Sabia que você sempre se lembraria de mim, que eu sempre estaria em seus sonhos, e que por anos você ainda acordaria chorando minha falta.

Mas depois isso iria embora. Você, por fim, se acostumaria com a minha falta. Seria como se... eu fosse apenas um sonho, uma memória de infância.

Eu desejei que fosse assim para mim também. Eu sabia que você estava sofrendo, mas não era tanto quanto eu. Eu não tinha nada a minha frente. Eu não era nada sem você.

You're the closest to heaven that I'll ever be,

Você é o mais próximo do paraíso que eu jamais estarei,

And I don't want to go home right now.

E eu não quero ir para casa agora.

Eu já não sentia você. Seu rosto estava desfocado, seus soluços estavam distantes. Eu me agarrei aquilo com todas as minhas forças, mas elas eram tão poucas... Tão inúteis. 

E, em um segundo você estava ali comigo. No outro eu não estava em lugar algum.