O rapaz sorriu enquanto deslizava as pontas dos dedos pelo rosto pálido da garota, tirando do caminho os fios vermelhos que insistiam em cobrir-lhe as feições delicadas e relaxadas devido ao sono. Tão delicada, tão frágil, tão vulnerável...

“Tão tola.” As palavras saíram por entre os seus lábios em um sussurro quase inaudível enquanto ele se levantava e respirava fundo. “Pelo menos foi útil, querida Ginevra.” O jovem sorriu, deixando os dedos compridos mergulharem nos cabelos ruivos.

Naqueles tempos, ter alguém desconfiando de você era uma coisa terrível e ele tinha mais de uma pessoa com tais desconfianças. Não era bom, era perigoso, e a única maneira de se livrar dessa fama era sendo radical, mostrando-se ser o completo oposto e agindo de acordo com o que os outros gostariam de ver. Era por isso que a garota era importante... Sempre confiando nele tão cegamente, seguindo-o sem nem perguntar aonde ia e ignorando o fato de não saber nada sobre o homem o qual admirava. Tão ingênua.

Afastou a mão dos cabelos da outra e levantou-se, vestindo-se rapidamente enquanto saía do pequeno quarto o qual haviam alugado para passar a noite. Recebeu olhares suspeitos da senhora que cuidava do bar da hospedaria, mas os ignorou, seguindo, sem hesitar, para a rua. Respirou fundo, concentrando-se, ao ver um par de guardas e um clérigo se aproximando.

“Eu juro que, se estiver mentindo, será você quem irá parar dentro de uma fogueira,” o clérigo falou, estreitando os olhos enquanto encarava o jovem.

“Não entendo a sua desconfiança, padre,” ele murmurou. “Só estou cumprindo o meu dever para com a igreja.”

O homem mais velho revirou os olhos, chamando os dois guardas e adentrando o estabelecimento. Assim que sumiram porta a dentro, um sorriso mínimo apareceu nos lábios do rapaz enquanto ele dava as costas para a estalagem, ignorando os gritos desesperados, implorando por perdão e pedindo socorro que agora começavam a ecoar pela rua.

No dia seguinte, quando a menina ruiva foi levada até a praça da cidade para receber a sua punição – coisa que, como ele previra, aconteceu muito rapidamente – o jovem estava lá, observando em silêncio enquanto os homens da igreja liam a sentença da moça e a multidão gritava e pedia para que eles apressassem o ato. Ele teve que rir, sentindo nojo daqueles que o cercavam... Nenhuma daquelas pessoas percebia que eles estavam dando fim a alguém superior, alguém muito mais poderoso do que eles. É claro que a vida da garota estava para acabar por sua causa, mas aquilo fora necessário... Ele era mais forte do que ela, que era mais forte do que todos a sua volta. Era preciso que ela morresse para que ele, o mais poderoso dentre todos em um raio de quilômetros, conseguisse seguir em frente.

Quando um dos clérigos avançou para perto da jovem, erguendo uma tocha e murmurando o que parecia ser uma oração, a multidão pareceu ainda mais animada, enquanto o rapaz estreitou os olhos, esticando o pescoço para conseguir enxergar.

Foi ai que os olhos castanhos da bruxa encontraram os seus azuis. Da boca da garota começaram a sair inúmeras palavras implorando por ajuda... “Por favor, me tire daqui!”, “Por favor, Tom eu sei que você consegue fazer isso!”, “Me ajude!”... Mas tudo o que ele pôde dar em resposta foi um olhar entristecido – falso, é claro, aquilo não o entristecia nem um pouco, mas também não o alegrava, ele era indiferente a tudo – quando a palha aos pés da ruiva começou a queimar.

Ele ficou até o final, até depois que a maioria dos trouxas já haviam se dispersado, até as labaredas alaranjadas envolverem por completo a bruxa, confundindo-se com os cabelos vermelhos desta... Até não sobrar mais nenhuma magia a não ser a dele naquela cidade.