A Menina e a Bicicleta escrita por Mad_Madchen


Capítulo 5
Capítulo 5




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/154258/chapter/5

Frio. 

Um festival.

Muita gente, muita comida, muitos locais de venda e muitas luzes além das estrelas (que nem apareciam, pois de todo modo estava nublado). 

Havia um grupo de cinco garotas caminhando juntas e comendo salgados, conversando e rindo o tempo todo. Umas puxavam as outras, coisa de amigos. Quando estavam passando em frente à barraca de cachorro-quente, uma delas apontou uma direção e cutucou outra:

-- Olha lá! -- foi uma exclamação bem baixa. Não era pra ninguém escutar, exceto pelas outras amigas. Já tinham duas olhando na direção, e quando uma delas viu, chamou as outras e apontou também. Logo, todas estavam numa mistura de riso e contemplação:

-- Quem é ele?

-- É bonito.

-- Tem cara de retardado.

-- Não parece aquele dos cartazes?

-- Eita, será que é? Não pode ser!

-- Por que a gente não vai lá e pergunta? Eu sempre quis saber a lógica daqueles cartazes.

-- Não é ele, está muito diferente. O do desenho não parecia retardado.

-- Eu já entendi que você acha ele retardado -- ela deu um tapa no ombro da outra. -- Mas se você imaginar o cara do desenho com o cabelo preso, cachecol e flauta, é o próprio!

-- Pensei que fosse mais bonito...

-- Vamos lá! -- uma delas puxou a outra pelo braço, que puxou a outra que puxou o braço de um estranho e pediu desculpas. As outras duas ficaram lá onde estavam, assistindo.

As três meninas que foram se aproximaram com cautela e pareciam muito pequenas perto do garoto, que devia ter 1,90m de altura e tocava flauta sem parar, mesmo sem ser ouvido, pois o barulho ao redor era intenso. Logo, uma das meninas o cutucou pelas costas, ela largou a flauta e se virou. A garota disse alguma coisa, que o garoto respondeu com um sorriso e um dedo apontado para ele mesmo. Depois, outra menina falou alguma coisa que ele respondeu com um dar de ombros. Depois de um tempo em silêncio, ele tornou a tocar a flauta e falou "me sigam, patinhos" tão alto que quase todos ao redor devem ter ouvido. As três meninas voltaram correndo:

-- É ele mesmo -- uma delas disse, sorrindo.

-- Mas ele também não sabe o porque dos cartazes. -- outra completou.

-- Ele disse que de repente viu um cartaz com o desenho dele por aí e também gostaria de saber o que foi.

-- É impressão minha ou ele chamou vocês de "patinhos"? -- uma das que ficou perguntou.

-- Ai, será que eu pareço um pato?

-- Não era com a gente, por que ele nos chamaria de patos? Seríamos patas.

-- Nós parecemos patas?

Depois do breve diálogo, as meninas o observaram por mais um tempo. Viram o menino sentar no chão em um lugar pouco mais afastado com um grupo de amigos, beber algo direto da garrafa e fazer caras engraçadas. Viram-no largar a flauta no chão, pegar um cachimbo, soltar anéis de fumaça e rir alto com os amigos. Viram uma garota de roupas ligeiramente góticas se atirar sobre ele, e ele respondeu com um abraço igualmente atirado. Ficaram assim até o garoto cair em cima da menina e os dois ficarem deitados no chão, sob uma salva de palmas dos amigos.

-- Eu acho que ele é um pouco... -- uma das meninas disse, decepcionada.

-- Bêbado?

-- Eu diria drogado.

-- Aquilo era um cachimbo?

-- Era.

-- Oh.

-- Ei -- uma das meninas tirou a carteira da bolsa. -- Quem quer cachorro-quente?

As outras todas logo levantaram as mãos e correram para a barraca de cachorro-quente, deixando o garoto dos cartazes e seus amigos pra lá.

***

-- Bom-dia! -- a menina se espreguiçou. -- Hoje nós vamos fazer compras. Se prepare para um dia longo!

Toddy não respondeu, mas a menina não se importou. Ela abriu a porta do armário, pôs as mãos na cintura, decidiu que ia vestir uma camiseta vermelha, calça jeans cinzenta e botas marrons. Mas é claro que lá fora estava muito mais frio, então ela pôs, por cima da camiseta, uma camisa branca muito maior que o número dela e um cachecol cinza de listras pretas. 

Pegou sua mochila de bugigangas, Toddy e, ao passar pela porta do quarto, pegou também uma boina preta e luvas multicoloridas. Despediu-se de sua mãe, desprendeu a bicicleta da corrente, segurou as 'mãos' de Toddy por baixo das suas como se ele estivesse dirigindo e partiu para o centro.

Diferente dos dias que tem aula, no sábado os vizinhos pitorescos da menina não aparecem de manhã. O sr. Baile geralmente ia ao parque com as filhas e a velha dos cachorros tirava o dia para descansar e ver TV. Como prova, nesse dia que a menina ia fazer compras, assim que ela passou de bicicleta em frente a casa verde, a senhora chamou pela janela:

-- Ei, minha jovem!

A menina parou a bicicleta e olhou.

-- Pode me fazer um favor?

A menina estacionou a bicicleta na cerca e andou até onde a senhora estava. "Onde será que estão os cachorros", ela se perguntou.

-- Desculpe incomodar... Eu estou com a coluna muito dolorida -- a senhora disse. -- Será que você não pode fazer o grande favor de passear com meus cães essa semana? Eu pago. Quanto você quer?

-- Er, senhora -- a menina respondeu. Não estava muito afim do emprego. -- Eu estudo de manhã. Não dá.

-- Ah, não tem problema, pode ser no fim da tarde. Por favor, preciso muito de alguém que faça isso, e você é minha vizinha de frente... sua mãe é uma moça tão gentil...

"Moça", a menina quase riu. Sua mãe parecia mais sua avó.

-- Bem... eu acho que posso -- ela acabou aceitando. O dinheiro havia de lhe servir para algo afinal, e a senhora dos cães sempre teve um ar tão gentil.

Se despediram, a menina pegou a bicicleta novamente e seguiu seu rumo. Virou a esquina da cafeteria, andou mais algumas ruas e chegou ao parque. Viu um de seus cartazes com a bicicleta meio pichado. 

-- Toddy -- ela falou enquanto pedalava. -- Será que é mesmo uma boa ideia eu sair por aí com a minha bicicleta? As pessoas podem perceber. E se o menino me vir? -- de repente ela sentiu um calafrio na espinha. Pedalou mais um pouco, pensou e enfim concluiu: -- Mas não é isso que eu quero?

Passou pela árvore onde antes havia estado o mendigo, passou por onde ficava a pipoqueira e passou também pelo laguinho de patos.

Chegou a um lugar cheio de lixo no chão e barracas meio armadas. A menina concluiu que eram os restos de um festival e continuou a pedalar.

Quando se cansou, já havia praticamente atravessado o parque. Deitou a bicicleta no gramado e sentou-se ao lado dela e de Toddy. Pegou um sanduíche que havia guardado na mochila e deu uma mordida.

-- E se ele me encontrar, será que eu vou querer falar com ele?

Olhou para o céu. Estava branco, e o tempo não estava tão frio. A menina tirou as luvas e a boina, guardou-as na mochila. Ficou olhando as famílias fazendo piqueniques ali. Legal. Ela se perguntou o que seu pai estaria fazendo agora, e se ele também se perguntava o que ela fazia.

Novamente na bicicleta, a menina parou em frente a uma árvore que lhe chamou atenção. Lagartas, centenas delas. Eca, ela pensou, e continuou a pedalar.

Foi assim que a menina e seu amigo atravessaram o Hyde park e chegaram a um centro comercial onde havia uma loja de coisas velhas. A menina adorava essa loja, pois sempre havia coisas como trenzinhos de brinquedo e relógios de engrenagem. Um desses relógios lhe chamou a atenção. Ele era um daqueles relógios de bolso com uma corrente, cor de cobre. Havia uma detalhada gravura de pássaro nele, mas era caro demais e a menina não tinha dinheiro o suficiente. Droga.

***

O menino acordou jogado no tapete do seu quarto. Ao abrir os olhos, a primeira sensação que teve era de que estava sendo esmagado por um caminhão, então fechou os olhos de novo.

***

-- Blue, amanhã você pode me encontrar aqui em casa às quatro?

-- Posso, mas para quê?

-- Tenho que passear com uns cachorros e... -- era péssimo admitir que uma velha fazia melhor que ela, mas -- eu acho que preciso de ajuda.

-- Você precisa de ajuda para passear com cachorros?

-- É, são os cachorros daquela senhora que mora aqui em frente.

-- Mas ela deve ter lutado na Primeira Guerra Mundial -- Blue riu. -- E consegue levar todos os cachorros.

-- Pois é, ela lutou na primeira guerra e por isso é bem treinada. Eu não. Por favor, venha! Não reclama, depois eu te faço um favor também. Além disso, tenho que falar com você.

Blue concordou, mas sabia que a menina ia deixá-la levando todos os cães sozinha. Sempre era assim. Ela sorriu, apagou as luzes e deitou na cama.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Menina e a Bicicleta" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.