A Menina e a Bicicleta escrita por Mad_Madchen


Capítulo 13
And everything remains as it never was.




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É difícil dizer quanto tempo se passou desde que a menina fora internada... bem, foi tempo o suficiente para Matt raspar a cabeça e deixar o cabelo crescer um pouco de novo. Tempo o suficiente para Blue se mudar de cidade e a Sra. Taylor se demitir do emprego. Tempo o suficiente para Yohanna conseguir um namorado-de-consolo e Brian gravar o primeiro CD com sua nova banda.

Enquanto essas coisas aconteciam, a menina dormia profundamente em seu sono sem sonhos. Toddy a observa-la pelo criado-mudo, orquídeas brancas deixadas por Yohanna ao seu lado, uma carta de despedida deixada por Blue em sua janela e, dia ou outro, a presença de Matt no quarto; presença essa que foi diminuindo conforme o tempo passava.

Triste, mas a verdade.

*

Pelas ruas de Londres via-se um garoto alto de cabelos cor-de-mel jogar pedras no lago. Sozinho.

Todos os dias esse garoto caminhava de casa até a escola, passando por um parque e pegando um atalho em uma de suas trilhas. O outono já começava a apagar as marcas do verão e tornar as folhas das árvores amareladas, na hora de cair. Alguns dias eram chuvosos e tornavam a trilha difícil, o que fazia o menino pegar o caminho mais longo pela calçada convencional.

Esse menino gostava muito de histórias. Apaixonado pela cultura celta e medieval, uma caveira pirata tatuada na perna esquerda, ele estudava para virar professor de história no futuro. Entendia 5 línguas e falava fluentemente 3 delas; reprovara um ano escolar, mas quem se importa? Ele não.

Esse menino passava as noites de sexta e sábado saindo com os amigos e, muito embora ainda tivesse 17 anos, ele bebia e fumava sua ocasional maconha... mas não era nada comparado ao que ele fazia antes, um passado do qual ele não se orgulhava nem um pouco.

"Vazias" ele disse e um amigo, certa vez. "Essas pessoas estão todas vazias. De vocês, não se salva um, acredite."

Certo dia, impedido de fazer sua trilha habitual por conta da chuva, o menino andou pela calçada sem se preocupar em se molhar. Estava frio, é verdade, mas ele gostava de chuva. Andava tranquilamente olhando para as árvores de um lado da calçada, até que ele parou. Seus olhos verdes se abriram e sua respiração congelou. Olhou para o outro lado da calçada e viu uma padaria bem familiar... sim, esse era o lugar onde ele costumava matar aula com os amigos no ano anterior, antes de reprovar. Se encontravam lá umas 8h da manhã e ficavam até que a tarde acabasse.

O menino caminhou até a padaria, e não se incomodou de entrar encharcado e sentar em uma das mesas. A padaria estava cheia e o menino de repente sentiu uma tontura, um aperto no peito, uma dor de cabeça terrível. Seria gripe? Ele deitou a cabeça na mesa, como quem dorme na sala de aula, e fechou os olhos.

Poucos minutos depois, quando decidiu abrir os olhos novamente, ele teve mais um momento de falta de ar: de pé, ha alguns metros de distância dele, estava uma menina nem alta nem baixa, de cabelo negro ondulado até pouco abaixo dos ombros, vestindo um casacão vermelho que tinha no mínimo o dobro do tamanho dela. Uma menina bem branca de olhos grandes que conseguira toda a atenção do menino. Ele ficou estático a encará-la, mas sentiu uma onda elétrica passar pelo seu corpo quando viu a menina abrir o guarda-chuva e sair pela porta. O menino levantou da mesa, sacudiu a cabeça dolorida e a seguiu.

Do outro lado da calçada, onde o menino havia parado pela primeira vez, estava a bicicleta vermelha a onde a menina se dirigia agora. O menino respirou fundo, caminhou com passos largos e firmes até onde a menina estava e segurou seu braço. A menina se virou para ele, assustada, e perguntou:

"quem... quem é você? O que você quer?"

O menino não sabia o que responder. De repente, sentiu-se inseguro... olhou para um lado, para o outro, para a bicicleta... e viu, na bicicleta, um coelho de pelúcia. Esse coelho estava dentro da "cestinha" da bicicleta, coberto por um saco plástico para não molhar.

"é que..." o menino falou, sem tirar os olhos do brinquedo. "Você esqueceu isso"

Ele lhe entregou uma nota fiscal que havia pego na saía da padaria.

"Não... não é meu" a menina respondeu e devolveu a notinha. "Mas obrigada."

O menino deixou-a subir na bicicleta e a observou ir embora em sua bicicleta vermelha... a famosa bicicleta vermelha.

–- Ela não... me reconheceu -- o menino disse, e uma lágrima caiu no asfalto, confundindo-se com a chuva. -- Por quê?

*

Por todos os dias que se seguiram, o menino encontrou a menina naquela parte da estrada e a observou de dentro da padaria. Não sabia o que fazer. Estava um pouco... traumatizado, talvez? Assustado ou curioso seriam as palavras certas.

Um dia a menina deixou cair seu urso de pelúcia. O menino o pegou do chão e estendeu a ela:

–- Você deixou cair isso -- e, para a sua surpresa, ela sorriu.

–- Você me entregando coisas esquecidas de novo -- ela respondeu, e o menino sentiu os cabelos da nuca eriçarem. Como a voz dela é doce.

–- É -- ele forçou um sorriso. -- Ah... me desculpe, mas... como você ganhou esse coelho?

A menina pegou o coelho, o encarou por uns segundos, sorriu e o abracou:

–- Eu estava muito doente. Fiquei doente por um ano, e minha mãe me contou que um menino foi deixar isso lá para mim. É o Toddy.

–- E quem é esse menino? -- "você mesmo", ele queria ouvir.

–- Ora, para que você quer saber? -- a menina respondeu e botou o coelho dentro da cestinha da bicicleta. -- Eu também não sei. Minha mãe disse que ele se mudou para longe e nunca mais conseguiu falar com ele.

"Se mudou para longe? Mas eu não mudei nem de casa" o menino se frustrou.

–- E se eu te disser que... eu sei quem é esse menino? -- ele disse, ligeiramente hesitante.

–- Como é que você ia saber?

–- É que eu... -- as palavras travaram. -- Eu... -- ele suava frio. -- Fui eu quem...

–- Oi, oi, perdão! -- de repente, surgiu uma senhora roliça loira-oxigenada no meio da rua, falando alto e caminhando na direção dos dois. -- Filha, quem é esse rapaz?

O menino não estava entendendo nada. Pensou até que estivesse ficando maluco.

–- Sra. Taylor? -- ele perguntou.

–- Como é que ele sabe seu nome? -- a menina pareceu espantada.

–- Ora, haha, ele não é nenhum bruxo. Leu no meu crachá -- a Sra. Taylor apontou para o crachá do uniforme de seu novo emprego. -- Filha, gosto muito quando você faz novos amigos, mas está atrasada para a escola. Me desculpe, meu jovem, mas deixe-a ir.

–- Mas mãe, ele sabe quem me deu o Toddy! Ele disse que sabe!

–- É? Eu falo com ele então, mas agora você tem aula. Vai antes que comece!

A menina então subiu na bicicleta, deu uma última olhadela curiosa no menino e partiu. O menino ficou parado ali com cara de besta, mas logo despertou do seu estado zen por causa da voz aguda da Sra. Taylor:

–- O que você pensa que está fazendo?

–- O que... o que você pensa que está fazendo?? -- o menino de repente pareceu irritado, e estava mesmo. -- Ela saiu do hospital e você não me contou... e agora finge que não me conhece mais! O que aconteceu? Por que ela não lembra de mim?

–- Você já causou sofrimento demais a essa menina -- a Sra. Taylor disse. -- Ela perdeu oxigênio no cérebro por sua causa. Ficou um ano internada por sua causa... e agora ela perdeu a memória por sua causa!

O menino se espantou. "Então ela perdeu mesmo a memória..."

–- Para ela, a história dos cartazes nunca existiu... e você nunca existiu. Por favor, não a faça passar por tudo aquilo de novo. Foram muitos meses de acompanhamento psicológico até que ela conseguisse viver uma vida normal.

O menino não sabia o que dizer.

–- Por favor, entenda... eu estou trabalhando numa padaria 3 vezes por semana para poder cuidar dela. Tudo o que eu peço é para que não estrague sua vida...

E o menino concordou. Com os dedos cruzados nas costas.

*

–- Hey, você de novo -- a menina da bicicleta vermelha chegou correndo e parou em frente ao banco em que o menino da camisa xadrês estava sentado.

–- Oi -- ele respondeu, como quem não se importa com nada.

–- Ora, você parece emburrado -- a menina pôs as mãos na cintura. -- Tira essa ruga da testa, tira, tira. --Sem mover um músculo da face, o menino respirou fundo.-- O que você está fazendo? -- a menina então perguntou.

–- Olhando o lago -- o menino respondeu. -- Tem patos lá.

–- É, tem patos lá -- a menina concordou e olhou para o lago. Passados alguns segundos assim, ela pegou uma pedra do chão e disse: -- quero lhe mostrar uma coisa, vem cá! -- então puxou o menino pelo braço e o levou até a margem do lago, onde jogou a pedra na água. Ela quicou 4 vezes. -- Duvido que faça melhor!

O menino catou uma outra pedra e a lançou, ainda sem mudar a expressão no rosto. A pedra quicou 6 vezes.

–- Waaaah, como pode? -- a menina pareceu chateada. -- Você é cruel!

–- Você jogou errado -- o menino disse, e pôs uma pedra na mão da menina. -- tente jogar mais de lado.

A menina tentou, e a pedra quicou 2 vezes.

–- Me ensine algo útil -- ela disse, de braços cruzados.

O menino encarou o lago por alguns segundos, e a menina encarou o menino. Depois de um tempo assim, ele finamente sorriu e disse:

–- Meu nome é Matt. E o seu?

Então a menina sorriu de volta:

–- Hannah.

–- Hannan. Nana.

–- Nana nana!

E foi assim que tudo começou, mais uma vez.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)



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