A Menina e a Bicicleta escrita por Mad_Madchen


Capítulo 1
Capítulo 1




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Era uma vez uma menina e uma bicicleta.

A menina ia todos os dias de bicicleta para a escola, que ficava a alguns quarteirões de casa. A mãe dela trabalhava desde muito cedo e o pai morava em outra casa, com uma moça que tinha três filhos e um papagaio velho, e antes tinha sido sua terapeuta de casal. Logo, sobrava à menina a opção de ir à escola de bicicleta ou transporte escolar, mas a primeira ideia agradou mais pelo simples fazto de a vizinhança ser muito curiosa.

Todos os dias, por exemplo, às 6h50 da manhã, a senhora da casa verde da rua da frente saía com seus cinco cães para passear, e algum sempre se soltava e ia correr atrás da bicicleta. Outro exemplo era o sr. Baile, como a menina o chamava. O nome dele não era esse, mas todos os dias, às 7h00 da manhã, lá estava ele dançando como um louco dentro de casa, muito visível pela janela. A menina se divertia vendo essas coisas no caminho da escola, principalmente porque passava em frente a casa de um amigo que também ia de bicicleta. Todos os dias ele estava lá a esperando e, quando ela chegava, pegava a bicicleta e seguia lado a lado com a menina, bicicleta vermelha ao lado da azul na calçada.

Todos os dias da semana, a mesma coisa. A menina acordava, ia à cozinha, encontrava um bilhete da mãe dizendo algo do tipo "tem ovos na geladeira, te amo", comia, escovava os dentes, vestia o uniforme, pegava a bicicleta, se divertia vendo a vizinhança e chegava à escola. 

O interessante do caminho, também, é que sempre havia algo novo. Certa vez, na bicicleta, a menina viu um tucano pousado no espelho de um carro. Outra vez viu um casal jovem andando para pegar o ônibus escolar mas, passada a estação, eles viraram a esquina na direção oposta. O que tinha ali? Mais uma rua enorme, a menina pôde ver. 

Outra surpresa apareceu no dia presente, que a menina levantou da cama, leu o bilhete deixado na mesa, comeu cereal, escovou os dentes, botou o uniforme, pegou a bicicleta e foi à escola. Na verdade, ela estava a caminho da escola quando viu algo novo: aquilo era... o que era aquilo? Quer dizer, quem era aquele? A menina parou a bicicleta a alguns metros da pessoa, que estava com um grupo enorme de amigos. Ela se perguntou se não deveriam estar na escola, mas não estavam nem de uniforme; talvez fossem mais velhos. A menina nem percebeu o tempo que ficou parada ali e só saberia como estava sua cara algumas semanas depois. No meio daquele grupo havia alguém que, por algum motivo X, era muito estranho. MUITO estranho, estranho a ponto de fazer a menina interromper sua rotina e ficar observando-o por uns bons minutos antes de voltar ao caminho. 

Na escola, a menina olhava para o quadro e via o menino esquisito. O que havia de errado com ele, afinal? Devia ser aquele nariz grande, narizes grandes realmente chamam a atenção. Sim, era o nariz. Ou será que era o cabelo?

No dia seguinte, depois das tradicionais ações pós-sono, a menina pegou a bicicleta e parou bem ali, onde tinha visto o menino no dia anterior. Ele não estava lá, nem nenhum de seus amigos. Então, a menina desviou o caminho para uma rua totalmente desconhecida, onde levava a primeira esquina que a menina viu. Ela pedalou, pedalou e não viu nem sinal do garoto. Talvez ele não morasse por ali. Voltou o caminho e foi pra escola, atrasada.

Ah sim, esqueci de mencionar o fato de que a menina adorava desenhar.

Desde muito pequena, muito pequena mesmo (tão pequena que ela nem falava), a menina gostava de desenhar. Sua mãe ainda guardava o primeiro desenho entendível da filha, que era algo parecido com um boneco de neve, ou talvez com o pai dela. A menina costumava ganhar prêmios da escola por desenhar bem, mas isso só até a quinta série, pois depois ela mudou para um colégio tão repressor quanto possível (isso porque nem era de freiras) e não pôde mais exibir sua arte. Mas é claro que ela continuava praticando nas aulas inúteis, como matemática ou francês. Quem liga para francês? Ninguém liga para francês.

Foi numa dessas práticas de desenho que surgiu a grande ideia.

Depois de mais ou menos uma semana do incidente com o menino, a menina ainda não o havia esquecido. Será que era realmente o nariz que era estranho? Ou era o cabelo? Aquele cabelo era bem incomum. O fato é que, para chamar a atenção da menina, tem de haver algo MUITO estranho com a pessoa.

Então a menina resolveu desenhá-lo, e isso ela fez muito bem, posso garantir: quase era o próprio menino naquela folha de papel, só não era por 3 motivos:

1 - Era a lápis, portanto não tinha cores;

2 - Também não era sombreado;

3 - Era um desenho.

No dia seguinte, depois de passar pela mesma rotina da manhã, a menina decidiu contornar o desenho com caneta nanquim. No final, ficou parecendo um personagem de quadrinhos: um menino alto, de óculos, nem gordo nem magro, camisa xadrês, calça larga e botinas de caminhada. Pela descrição, parece até ser uma pessoa comum. Por que diabos a menina se interessara tanto por ele? Seria o cabelo? Talvez fosse, ele lhe lembrava um dos drugos do filme "Laranja Mecânica". Não, não era isso; talvez fossem os olhos... mas nem dava pra ver os olhos direito, dava pra ver os óculos. Ninguém presta atenção nos olhos de alguém que usa óculos, só nos óculos.

-- Foi ele que você viu? -- perguntou a amiga da menina. Ela tinha um cabelo loooongo e azul. Quando eu digo looooongo, é porque o cabelo ia até mais ou menos a bunda.

-- Uhum -- a menina respondeu, com um sorriso divertido no rosto. Observava a amiga analisar o desenho, e então a amiga sorriu:

-- Nossa, esse cabelo me lembra o do Patrick Stump -- a amiga adorava Fall Out Boy --, só que sem as costeletas. Não lembra?

-- Eu tinha pensado em um drugo -- a menina pegou o desenho de volta.  -- Não o principal, outro drugo. O principal parece meio retardado.

-- E como você pretende encontrá-lo? -- a amiga perguntou. Tinham que falar bem baixo e bem perto uma da outra, pois estavam no meio da aula e deveriam estar fazendo exercícios de francês. Mas ninguém liga pra francês.

-- Com o desenho -- a menina falou como se fosse óbvio, e a amiga lhe deu um tapinha na nuca.

-- Não seja boba, eu sei que é com o desenho. Mas como?

-- Silêncio, e pare de me bater -- a menina se virou para a amiga. -- Estou tentando fazer meus exercícios de francês.

-- E desde quando você liga pra francês? -- a amiga arregalou os olhos. -- Alguém no mundo, tirando os franceses, liga pra francês?

-- Eu ligo -- a menina mentiu, e a amiga sabia disso. Afinal, era nas aulas de francês mesmo que a menina desenhava. -- Eu ligo porque um dia vou à França...

-- Fazer o que lá? -- a amiga cruzou os braços. -- E que dia?

-- Um dia -- a menina respondeu, ríspida. -- Vou fazer nada. É isso aí. 

A amiga riu, em silêncio. A resposta mais óbvia que a menina poderia ter dado era "vou à França porque gosto de arte, e lá tem muita arte", mas ao invés disso ela respondeu que ia fazer "nada". Ora, quanta bobagem! Era só um meio de desviar o assunto. Logo que parou de rir, a amiga perguntou:

-- Você não vai me contar seus planos, vai?

A menina não espondeu. Esperou o sinal bater, se levantou num salto, pegou a amiga pelo braço e disse:

-- Venha!

Disse isso com o braço da amiga numa mão e o desenho do menino na outra.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!
Reviews são sempre bem-vindos, obrigada.