Signatum escrita por MilaBravomila


Capítulo 41
Capítulo 40 - O passado de Uriel


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas essa coisa de festas de fim de ano, amigo oculto, presentes e talz me tomou mto mais tempo do que imaginei... rs ... a propósito... FELIZ NATAL!!
bjs e boa leitura!



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Eu me sentia leve. Minhas mãos e braços eram translúcidos, quase inexistentes. Percebi que não era nada além de um espectro vagando nas lembranças de Uriel. Ao meu redor estava o lindo e perfeito cenário do Paraíso de onde, há pouco, eu havia saído – novamente. Reconheci a casa de Uriel e não pude deixar de arfar, mais uma vez, com a beleza do lugar.

O Arcanjo estava parado no centro do local de meditação, onde eu o encontrei com Miguel anteriormente. Estava de pé, e seu longo cabelo negro como a noite, caía pelas costas, amarrado num rabo de cavalo baixo. Ele estava de costas pra mim e parecia estar conversando com alguém.

Andei para frente, na tentativa de observar seu interlocutor. Eu não pude vê-lo. Era como se Uriel estivesse falando sozinho. Seu semblante era o da mais alta e pura paz. Ele estava imensamente feliz. Algo dentro de mim me disse quem era a outra pessoa, ou melhor, o outro ser. Eu sabia que era o divino Espírito Santo.

- Farei como me pedes, irmão. – a voz de Uriel ressoou calma e perfeita pelo ambiente silencioso – Não te preocupes, eu a protegerei com minha vida e, quando a hora chegar, a tarefa será cumprida.

Após uma breve pausa, na qual me pareceu que o Arcanjo escutava o irmão, ele acrescentou.

- Lúcifer não conseguirá concretizar seu plano. O Filho de Deus reinará na Terra, mas seu oposto não o fará.

Dizendo isso, Uriel estendeu suas gloriosas asas e se despediu do irmão. Ele materializou sua Gladius e a olhou por alguns segundos fixamente. Ele estava procurando algo. Sua espada era como um portal que podia revelar a ele tudo o que se passava na Terra. Provavelmente ele estava procurando algo ou alguém.

Algum tempo depois ele moveu as asas sutilmente e desapareceu. Junto com ele, minha visão se embaçou e eu fui deslocada para outro lugar.

...

Estávamos na Terra em um tempo muito distante do atual. Eu reconheci pela paisagem a minha volta. Tudo era bastante primitivo e simples. Não havia prédios enormes ou hotéis de luxo; não havia buzinas estridentes ou aviões passando acima de nós. Tudo era calmo, tranquilo e lindo. Uriel estava a minha frente. Suas roupas eram semelhantes às das pessoas ao redor, tecidos crus, com pouca variedade de cores e adornos. Seu longo cabelo ainda se mantinha o mesmo de antes. Uriel estava camuflado no meio dos humanos, e todos estavam tão atarefados que nem percebiam sua presença magnífica.

Aproveitando-se das sombras das árvores, muitas pessoas haviam montado barracas de madeira e palha e nelas se vendia de tudo: frutas, verduras, roupas, tigelas... era como uma grande feira, repleta de gente e mercadorias. Uriel se camuflou na multidão e eu o segui de perto.

Quase no fim da noite, Uriel já estava na estrada. Não levava nada consigo além de um cantil com água. Ele caminhava a margem da estrada de terra a uma velocidade normal, quer dizer, para humanos. Eu sentia, apenas ao observar sua expressão, que estava feliz. Era como se ele estivesse fazendo o que mais gostava - e provavelmente estava. Uriel era apaixonado pelos humanos e eu penso que nada o deixaria mais feliz do que poder estar no meio deles.

Eu fui seguindo o Arcanjo por um par de horas até que a noite caiu. Por sorte, o céu estava límpido e a lua cheia magnífica, iluminando o caminho do celestial. De repente, comecei a ouvir um ruído de longe e Uriel se virou. Muitos metros a frente havia barulho de cavalos e luzes fracas de lampiões, uma caravana. Uriel se manteve no caminho, andando sempre a frente e pouco tempo depois a caravana o alcançou. Não era muita gente. Três carruagens primitivas e alguns cavalos, alguns carregando mais de uma pessoa por vez.

Os primeiros cavaleiros, que vinham pouco a frente das carruagens, abordaram Uriel. Eles pareciam amigáveis, embora estivessem claramente dispostos a defender o que quer que estivesse dentro das caçambas fechadas.

Após uma breve discussão, vi que o Arcanjo se juntou ao grupo, que pareceu aceitar mais um integrante. Eu não compreendia o idioma, pois depois que deixei de ser uma celestial, minha capacidade de compreender aos humanos se perdeu, mas eu podia sentir um clima tranquilo entre as pessoas. Uriel subiu em uma das caçambas e eu o segui, não sendo notada pelos humanos ou animais.

A carruagem que entramos estava repleta de gente. Havia pra mais de vinte sendo transportadas ali. O Arcanjo se encolheu em um canto e todos começaram a sacolejar com a retomada da viajem. Após um breve período no qual o olhar de todas as pessoas estava preso na figura imponente e esbelta de Uriel, eles começaram a dispersar e uma conversa baixa se fez entre alguns. O olhar do Arcanjo, entretanto, se prendeu em uma pessoa. Eu não consegui enxergar seus traços com perfeição, pois ela estava no canto mais distante do transporte, mas era uma mulher, pelo pouco que pude perceber.

Uma hora mais tarde, o ritmo lento da caravana foi interrompido bruscamente. Todos que estavam na enorme carruagem caíram uns por cima dos outros. Do lado de fora, ouvi o som de gritaria e do relinchar dos cavalos. A caravana havia sido abordada por saqueadores.

Mesmo eu não sendo real e não estar no mundo real, senti medo. Meu coração bateu forte e acelerado em meu peito translúcido. Comecei a ouvir choros e percebi que havia crianças no meio de toda aquela gente. Antes que eu pudesse pensar em agir, um par de mãos grandes rasgou com violência o tecido que recobria a carruagem e vi que os cavaleiros que seguiam com a caravana e que tão gentilmente acolheram Uriel, estavam jogados ao chão, feridos ou mortos. Um pequeno exército de saqueadores rodeava todas as carroças e retiravam as pessoas bruscamente de dentro delas, gritando e batendo.

Os saqueadores não estavam em maior número que a caravana, pelo contrário, mas estavam fortemente armados. Eram lanças e espadas de metal, tudo muito mais avançados do que qualquer arma que os cavaleiros ou qualquer outra pessoa carregasse. Exceto Uriel, é claro.

Quando dei por mim, o pandemônio estava acontecendo. Os saqueadores arrastavam as pessoas violentamente e as dividiam em grupos. Um onde ficavam os homens jovens e o outro as mulheres, idosos e crianças. Muitos que tentaram se rebelar ou fugir, foram feridos ou mortos e o pânico era geral.

No meio de tudo, Uriel tentava se manter camuflado. Eu via em seus olhos o pesar pela situação. Ele não tinha raiva ou ódio daqueles homens horríveis, ele tinha pena. Ele sofria junto com os demais por ver aquilo acontecendo, ele amava aos homens e sentia dó de ver esse comportamento em alguns deles. Por alguns instantes eu achei que ele fosse impedir; achei que ele iria convocar a Gladius e acabar com aqueles vermes de uma vez, mas não foi isso o que ele fez. Ele não podia interferir, mesmo querendo.

Eu sabia disso, sabia que os anjos, Arcanjos ou não, só podia fazer até certo ponto, mas nunca podiam interferir no livre arbítrio ou no destino planejado para cada alma. Uriel, mesmo sofrendo, jamais passaria por cima das ordens supremas.

Depois de um tempo e de muito sangue derramado, os saqueadores conseguiram recolher tudo de valor que havia na caravana e gastavam o tempo se divertindo batendo e judiando das pessoas assustadas. Percebi que os brutamontes carregavam facas e cantis cheios de vinho, ou qualquer coisa, alcoólica e riam e falavam alto bem satisfeitos com a tortura que faziam.

Em certo momento um homem que parecia ter mais de dois metros de altura em um corpo enorme, se aproximou do grupo de mulheres e crianças. Ele ria e sacudia a enorme espada na direção das pessoas, cuspindo enquanto falava. Bruscamente, ele puxou uma jovem menina pelo braço e, com a espada, rasgou um pedaço da roupa da jovem, deixando parte de seu corpo a mostra. Ela não tinha mais que doze anos de idade. Os outros homens levantaram suas armas e aprovaram o gesto e eu percebi o que viria a seguir.

Meu corpo inteiro paralisou. Havia muitas crianças e mulheres e aqueles homens iriam se divertir com elas como quisessem e, depois, se elas tivessem sorte, eles as matariam. O brutamonte continuou molestando a pequena, que fazia esforço para se livrar do aperto do homem, inutilmente. Quando ele avançou pra cima dela, decidindo o que queria, vi uma pedra pequena atingir com força sua nuca, e o grandalhão soltou o jovem, gritando alto com o impacto do objeto. Do meio do grupo assustado e encurralado uma mulher se sobressaiu. Ela correu para perto da jovem seminua e a apertou entre os braços, protegendo-a de tamanha violência. Ela não parecia ser mãe da garota, pois realmente não se pareciam em nada, mas eu vi em seus olhos verdes e ferozes que ela faria de tudo para proteger aos outros.

Foi quando a mulher se levantou e se colocou protetoramente na frente da pequena, eu percebi quem ela era. Sim, eu a conhecia. Era a mulher mais linda que um dia eu conheci. Seu corpo escultural se destacava mesmo entre a fraca luz dos lampiões e das roupas esfarrapadas; o cabelo longo e negro como a noite caía liso e perfeito até a cintura; o rosto de traços felinos arrematado por olhos verdes como jade. Ela era Lilith, a Rainha do submundo.

...

Silêncio.

Todos os saqueadores aguardavam a reação do brutamonte que encarava sedento à linda mulher. Ela estava totalmente em desvantagem, desarmada e frágil diante de tanto poder, mas, ainda assim, foi a única que arriscou a vida pela garota assustada que tremia em seus braços.

Os homens a estudaram por alguns segundos eu vi a fome e o desejo em seus olhos. Ela era realmente linda e sua atitude, eu temia, só servia para atiça-los ainda mais. O grandalhão deu um sorriso indecente a sacudiu a espada lentamente, dizendo alguma coisa incompreensível pra mim. Ele avançou pra cima de Lilith, que nada pode fazer. Rapidamente, a maioria dos homens se animou e foi para mais perto, querendo ver o show de horrores que seguiria. Ouvi o tecido de sua roupa ser rasgado e os uivos descarados dos infelizes. Lilith gritou, se debateu, mas ninguém podia ajuda-la. O homem a esbofeteou tão forte, que ela quase perdeu os sentidos e tornou-se presa fácil. Suas mãos imundas apertaram o corpo perfeito e delicado da mulher e era tão forte que eu podia ver hematomas quase que instantâneos sendo formados.

Sufoquei um soluço e minhas entranhas reviraram. Tive ânsia de vômito. Eu não queria testemunhar aquilo. Então quando eu estava prestes a fechar os olhos para não ver a cena, vi um clarão do lado esquerdo. Era a Gladius de Uriel brilhando em suas mãos. Em menos de três segundos, todos os saqueadores estavam mortos.

Minha visão começou a ficar embaçada, como se fumaça tivesse se formado do nada e me envolvido. Percebi que as imagens a minha volta estavam mudando, eu estava sendo transportada para outra lembrança.

Vi o belo e machucado corpo de Lilith deitado sobre uma cama rudimentar e Uriel ao seu lado, colocando compressas de águas gelada para aliviar sua dor. Ela dormia profundamente. Depois vi Lilith sentada na mesma cama, onde já parecia ser outro dia, e ela sorria para a figura esbelta de pacífica de Uriel que carregava uma tigela em sua direção.

As imagens mudavam muito depressa e eu não ouvia nada. Era como se eu estivesse avançando um filme e assistindo pequenas partes isoladas de um todo. Uriel estava me mostrando o que se sucedeu após ele ter resgatado a mulher.

Outra visão se formou. Desta vez ambos estavam num campo aberto e muito bonito. Ela estava sentada ao lado dele e parecia triste. Aliás, ambos pareciam tristes. Era como um clima de despedida. Ela sorriu fracamente, como que tentando animar o momento. Vi que apenas o sorriso dela foi capaz de fazê-lo mais feliz. Ela disse qualquer coisa que o fez rir, verdadeiramente, e num impulso incerto, ela inclinou o corpo e o beijou.

Lilith ficou parada, meio que esperando a reação dele. Eu não sabia o que esperar de Uriel, mas ele não pareceu pensar muito, ou se importar com nada mais. Sua mão grande envolveu os cabelos da jovem puxando-a mais contra si e ele lhe retribuiu o beijo de forma cálida e apaixonada. Céus, era lindo. O amor que senti de ambos era tão puro e verdadeiro que me fez chorar.

Depois disso as imagens foram ficando cada vez mais difusas e distantes de mim. Ainda consegui ver os dois juntos, se beijando ardentemente no que me pareceu um momento bem íntimo, mas a essa altura eu já estava muito longe das lembranças de Uriel. Eu estava voltando à realidade, uma realidade barulhenta, fria e tempestuosa.

Abri os olhos com o baque a volta e o vento frio me açoitou a pele. O Arcanjo ainda segurava minha mão e eu vi um brilho em seus olhos que era indescritível. Eu sabia que o que ele tinha me mostrado eram suas lembranças mais lindas e dolorosas ao mesmo tempo.

Ele me encarou e sorriu amargamente.

- Eu me apaixonei por Lilith como nunca em minha existência pensei que pudesse fazer. – ele começou – Foi por isso também que te acolhi em minha casa, pois sei o que meu irmão sente por você. Também me sinto culpado por tudo isso porque, de certa forma, sou eu o responsável por você ter perdido sua imortalidade e pelo mundo estar desse jeito hoje.

Tomei fôlego para falar.

- O que aconteceu?

- O dia em que cheguei a Terra e que encontrei Lilith na caravana foi o dia após o nascimento de Cristo. Minha missão era descer e proteger a mulher que Lúcifer escolheria para gerar seu descente. Eu deveria descobrir quem ela era e levar sua alma de volta ao paraíso antes que ele pudesse consumar o ato... mas eu não pude fazer isso. Lilith foi a mortal que ele escolheu e eu a amava demais para mata-la.

Senti uma lágrima quente rolar em meu rosto. O sofrimento de Uriel me atingia como um raio. Ele prosseguiu:

“Ela era a mais linda e pura mortal que eu jamais encontrei e foi por isso que ele a escolheu. Algum tempo depois, Lucius nasceu e ela teve que cumprir seu destino e assumir o trono ao lado de Lúcifer no Submundo. Eu nunca mais fui o mesmo porque um pedaço de mim estava com ela. Meu coração era dela, e quando Lilith se tornou um demônio, eu a perdi para sempre.”

“Por mais de dois milênios eu tentei esquecê-la, mas eu ainda a sinto e a amo como se fosse a primeira vez que eu a olhei, dentro daquela carroça cheia de gente. Naquela noite, eu não só quebrei o protocolo, tirando a vida daqueles infelizes, mas eu também me apaixonei por Lilith. Eu nunca quis que as coisas chegassem a esse ponto. Eu amo demais os humanos para querer seu sofrimento. Mas infelizmente, meu amor por ela é maior e eu decidi...”

Uriel parou no meio da frase e eu vi muita dor em seu olhar. Então, ele já não precisava me explicar nada, eu adivinhei o resto.

- Então... – eu continuei de onde ele havia parado – você não aguentou mais ficar longe dela e resolveu enfraquecer o portal, alimentando a porta com seu próprio sangue de sensitivo alfa na esperança de que ela pudesse escapar de lá.

Uriel assentiu.

- Eu não esperava que ela escapasse do Inferno... eu só... queria ter a oportunidade de vê-la, só mais uma vez. Esse é o meu maior sonho, pode vê-la de longe, mesmo por alguns segundos... e ver seu sorriso e seus olhos uma última vez...

Eu encarei o Arcanjo sem dizer nada. Minhas lágrimas eram abundantes e caíam em minhas roupas. Ele sorriu lentamente, um sorriso triste, e com a mão quente, secou meu rosto com delicadeza enquanto lamentou:

- Mas olha o que eu consegui fazer... enfraqueci o portal a ponto de deixar demônios invadirem o plano terrestre, vi você se sacrificar entrando no Inferno e perdendo sua essência angelical e, depois, infligi o mesmo sofrimento que tive ao meu irmão, que vai ser obrigado a perder a mulher que ama para sempre. Eu... eu sinto tanto... mas, de um jeito totalmente egoísta e deturpado, eu não consigo me sentir totalmente arrependido.

Eu o encarei e sorri para o Arcanjo, dizendo:

- É porque você faria qualquer coisa por ela, por isso não se arrepende.

Ele concordou e acrescentou de forma amarga.

- Me desculpe. Eu sei que jamais vou merecer o seu perdão ou o dos meus irmãos, ou o da humanidade, mas, eu queria que soubesse que eu sinto muito.

Sem mais, eu o abracei forte. Dois segundos se passaram antes de Uriel me abraçar de volta, apertado. Apesar de tudo, eu não consegui sentir raiva dele, não consegui repudiar sua decisão. Ambos sabíamos que havia sido errada e que, provavelmente, não teria volta, mas no fundo, se eu estivesse no lugar dele, teria feito exatamente a mesma coisa. De algum jeito, eu o compreendi e o perdoei.

- Uriel, - eu disse em seu ouvido enquanto o apertava contra mim – eu te perdoo.

Senti por um momento o ar mais leve e o cheiro do Paraíso me envolver, juntamente com a felicidade do Arcanjo que eu abraçava.


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Notas finais do capítulo

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