Signatum escrita por MilaBravomila


Capítulo 36
Capítulo 35 - Paraiso hostil


Notas iniciais do capítulo

Sei q o feriadão era a deixa pra eu atualizar a fic, mas deu naum... dormi demais! rs
Boa leitura!



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Miguel deu um passo a frente e, sem seu apoio, eu tive que fazer força para sustentar meu próprio peso. Seu rosto perfeito estava sério e encarava até com um certo orgulho os soldados que nos aguardavam. Eles lutariam contra seu próprio General, se fosse para fazer aquilo que foram treinados e eu via o orgulho nos olhos do Arcanjo.

Um dos guerreiros se aproximou com um passo a frente e o sol reluziu no metal da espada que carregava. Era do porte de Miguel, mas sem a majestade do outro.

- Senhor, fomos reportados sobre uma mortal entre nós e, de acordo com as regras, temos de tomar providências.

A voz do guerreiro era grave e impiedosa. Ele mantinha a cabeça ligeiramente baixa, mas sua postura ainda assustava. Sua voz dizia que todos que estavam com ele, fariam o que fosse necessário para cumprir a lei.

- Sim, Caius, é verdade. – Miguel falou, num tom de voz alto suficiente para ser ouvido por todos – Fui eu mesmo quem a trouxe para cá e ela não vai sair até que completemos nosso propósito.

- Mas ela não é bem vinda. Teremos de impedi-los, General. – Caius falou encarando pela primeira vez o Arcanjo nos olhos.

Mesmo em um ângulo desfavorável, vi o canto da boca de Miguel subir em um sorriso que me lembrou o de Gabriel, pois não tinha alegria, apenas uma ironia disfarçada.

- Vocês vão tentar, mas não vão conseguir. – foram as únicas palavras de Miguel.

Eu sabia que estouraria uma batalha entre os guerreiros de elite e seu General e, sinceramente, não tinha certeza se Miguel sairia dessa sozinho. Pensei em ajuda-lo, por mais ridícula que a idéia parecesse, mas no momento em que dei o primeiro passo para frente, cai de joelhos. O peso de meu corpo havia duplicado mais uma vez e não suportei.

Miguel permaneceu imóvel enquanto dizia aos outros.

- Então, senhores, como veem, não tenho tempo para perder aqui. Se vão tentar me impedir, eu sugiro que o façam agora.

Foi a vez de o sol refletir na Gladius dourada que surgiu nas mãos de Miguel e de repente, todos os guerreiros avançaram de uma só vez. Eu pensei que seria o fim. Por mais que Miguel fosse habilidoso e experiente, lutar contra um batalhão de elite estava fora da realidade, mesmo pra ele! Mas então, eu percebi que os guerreiros que avançavam aos montes, estavam sendo jogados para todos os lados. Era como se estivessem batendo contra um campo de força invisível e ricocheteando em todas as direções.

No lugar onde Miguel estava havia apenas uma luz dourada. Eu não sabia o que estava acontecendo ou como, mas de alguma forma, eu sentia que Miguel estava vencendo a batalha. Com muito esforço, me pus de joelhos e apoiei ambas as mãos no chão branco, fazendo força com os braços para poder encarar melhor a cena. Foi então que percebi que a luz dourada nada mais era do que o reflexo da luz do sol batendo no metal sagrado da Gladius de Miguel, que se movia rápido demais para meus olhos mortais.

Um a um os guerreiros foram sendo arremessados ao longe e em poucos minutos, o batalhão tinha sido reduzido a quase nada. Miguel deixara apenas uma pilha de corpos inconscientes ao seu redor. Os guerreiros restantes interromperam o ataque e se posicionaram ao redor do alvo, cercando Miguel por todos os lados. Eu via claramente que bolavam uma estratégia de ataque. Em seus rostos angelicais estava o medo, a admiração e a dúvida. Miguel estava lá, parado, com apenas alguns pequenos cortes que íam se curando a uma velocidade acelerada. O ritmo de sua respiração e, eu tinha certeza, das batidas de seu coração, permaneciam inalteradas.

- Ataquem! – um dos soldados ordenou aos irmãos, que não hesitaram em atender a ordem.

Foi então que percebi seu plano. O grupo de guerreiros havia descoberto a melhor maneira de atingir Miguel, seu ponto fraco: eu.

Enquanto a maioria do grupo atacou-o simultaneamente, dois dos guerreiros mais fortes vieram voando em minha direção. Vi o brilho da espada se aproximar a uma velocidade absurda. Nem se eu não estivesse pesando cem quilos, conseguiria esquivar desse ataque. Eu já não possuía as habilidades celestiais.

Senti o cheiro, antes de qualquer coisa. Era de Miguel. Seu corpo colado ao meu me cobria totalmente. Suas costas largas cobriam minha visão e um de seus braços me envolvia em um abraço ao contrário. Tudo ficou imóvel e um segundo pareceu ser eterno.

Estiquei o pescoço por alguns milímetros para ver o que tinha acontecido. Miguel tinha conseguido, em um ínfimo instante, derrubar seus adversários e chegar a tempo de me salvar. Um dos anjos que me atacou jazia no chão, de bruços, com um corte profundo nas costas. O outro, o que quase havia me matado, estava com sua Gladius esticada, em posição de ataque. Sua arma divina teria me matado, se Miguel não tivesse colocado seu próprio corpo na minha frente. A espada do soldado estava enterrada no peito do Arcanjo um pouco abaixo do ombro esquerdo,

A visão me tirou o ar e apenas consegui ver que Miguel, além de me proteger, havia atingido seu adversário. Sua Gladius dourada estava enterrada no pescoço do soldado, lateralmente. O piso branco estava coberto de vermelho, pelo sague que escorria dos corpos celestiais. O soldado deu um passo para trás, retirando sua espada do peito de Miguel e levando a mão até o corte em seu pescoço, que tinha sido profundo, mas não fatal. Ele estava em choque. Apesar de tudo, Miguel não tinha ferido mortalmente a nenhum de seus guerreiros.

- Miguel?! – perguntei desesperada.

Meu desespero foi tão grande que me deu forças para aguentar o peso colossal de meu próprio corpo. Engatinhando, fui para a frente do Arcanjo que havia acabado de dar sua própria vida por mim.

Ele me olhou lucidamente.

- Você está bem? Oh! Céus! – falei em voz trêmula.

O corte em seu peito estava horrível e o sangue escorria vívido de seu interior. Mas o Arcanjo parecia bem, apesar disso.

- Está ferida? – ele perguntou, levando a mão ensanguentada até meu rosto, carinhando-me de leve.

Sacudi a cabeça em negativa, mas não consegui responder, estava nervosa demais. Senti lágrimas quentes escorrerem por meu rosto e num impulso, eu o abracei.

- Deus, achei que havia morrido... – deixei escapar enquanto o apertava contra mim.

Ele me abraçou de volta, com o braço direito apenas, e foi então que me dei conta de seu ferimento e que eu provavelmente estava lhe causando dor. Afastei-me bruscamente, livrando-o de meu aperto, e senti sua mão mais uma vez em meu rosto.

- Temos que ir. – ele falou com um sorriso discreto nos lábios. Eu encarei os olhos dourados que emanavam tanto calor em minha direção. Fiquei ali, apenas olhando pra ele e agradecendo ao Pai em oração silenciosa.

Aos poucos, os guerreiros desacordado íam recobrando a consciência, mas nenhum deles atacou novamente. Eles apenas nos encaravam boquiabertos, sem entender nada. Eu imaginei naquele momento o que se passava na mente dos soldados, toda a confusão e dualidade, afinal, o Arcanjo Miguel havia acabado de arriscar a própria vida para manter uma mortal entre os imortais.

- Vamos. – ele disse, pondo-se de pé.

Eu tentei, mais uma vez, levantar. Foi em vão. Senti mais uma parte da energia de Miguel sair de mim e voltar pra ele, e caí de joelhos novamente, mais pesada que antes.

Ele se abaixou e limpou o excesso de sangue do peito, antes de me levantar em seus braços. Com o movimento, mais sangue escorreu pela ferida aberta. Pressionei a mão com cautela sobre o machucado e lembrei-me da noite em que pedi para que ele me deixasse cuidar de sua ferida, quando estávamos no hotel, antes disso tudo acontecer. Naquela noite, ele e eu nos beijamos pela primeira vez e foi uma noite muito especial. Eu a revivi em minha mente enquanto encarava o sangue dele escorrer entre meus dedos.

- Eu cuido de você agora. – eu o ouvi dizer enquanto começava a caminhar me carregando nos braços.

Sorri, e assim passamos pelos soldados incrédulos diante de nós.

...

Saí do banho relaxada, enrolada na toalha branca que um dos padres me cedeu. Havia um bando de anjos caídos nos fundos da igreja e uma verdadeira maquinaria tecnológica de guerra, digna do Pentágono, e eu ainda estava surpresa pelos padres terem secadora na lavanderia. Fiquei feliz. Seria terrível ter que vestir minhas roupas imundas depois de um belo banho quente.

Sentei na cama e respirei fundo. Quando que minha vida tinha se tornado tão complicada assim? Bom, provavelmente desde sempre, levando em conta que eu nunca fui muito normal. Me perguntei se eu seria mais ou menos feliz se estivesse de fora de tudo isso, se eu fosse uma garota comum, como minhas colegas de trabalhos, com suas vidinhas normais. Talvez, nesse momento, eu estivesse reunida com a minha família normal, com meu namorado normal e um cachorro normal. É... seria um saco.

Olhei meu celular e vi que faltavam ainda cerca de vinte minutos para minha roupa secar. Não havia mais televisão no quarto, apenas a cama que em outra ocasião foi ocupada por Melanie. Antes que eu pudesse ficar imaginando como ela e Miguel estariam, resolvi ligar a única coisa eletrônica no quarto além do meu celular: um rádio velho no criado mudo.

Fiquei cerca de cinco minutos tentando sintonizar algo que não fosse os canais evangélicos que insistiam em vender uma vaga no céu, se aproveitando do fim dos tempos... bastardos. Parei quando ouvi o som do Bee Gees e sua levada inconfundível de “How deep is your love”. Bom, isso era melhor do que os testemunhos de fim do mundo.

Foi então que ouvi uma suave batida na porta. Levantei cautelosa e abri a porta o suficiente para ver quem era.

- Oi. – Jules falou discreto como sempre.

- Aconteceu alguma coisa? – perguntei um pouco nervosa.

- Não... eu só queria ver se estava bem. – ele respondeu, ainda parado no pequeno corredor – Posso entrar?

Sem pensar muito, eu dei passagem a ele e fechei a porta atrás de mim. Grande merda. Eu estava enrolada em uma toalha minúscula e nada mais. Senti o rosto esquentar, mas respirei fundo e o encarei. Eu não sabia bem o motivo, mas de uns tempos pra cá eu estava me sentindo meio estranha perto de Jules e isso era bastante incômodo. Eu tinha que parar com essa merda.

- Estou ótima, como pode ver. – eu disse voltando a minha velha forma, colocando a mão na cintura, tentando disfarçar o rosto encabulado.

Vi os olhos dele percorrerem meu corpo e voltarem a me encarar. Ele tinha belos olhos, eu tinha que admitir. E tinha um belo” resto do corpo” também. Mas era só Jules, afinal, o mesmo Jules chato e caladão de sempre.

- Com toda a responsabilidade que Miguel me deixou eu não tive tempo para saber se estava bem. – ele disse, sentando na cama que um dia Melanie usou. Jules parecia relaxado e tranquilo, diferente de mim.

Caminhei até minha própria cama, encostada na parede, e sentei de lado... afinal, estava apenas de toalha.

- É, estou sabendo que está no comando até ele voltar. – falei cruzando os braços – É sexy.

Ele sorriu e olhou para o rádio que ainda tocava o final da música do trio antigo.

- Não sabia que ouvia essa música. Não combina muito com seu estilo. – ele falou apontando para o rádio.

- E não ouço mesmo! Mas parece que na igreja até as ondas de rádio são controladas... não sintonizei nada além de estações evangélicas e de música antiga.

Silêncio.

Eu já estava começando a ficar bolada com esse “sei lá o que” que surgia entre nós sempre que estávamos sozinhos. Nunca foi assim antes com Jules, tudo sempre foi... natural. Por algum motivo louco da minha cabeça, eu insistia em relembrar o momento em que vivemos naquela piscina na suíte do hotel de Israel... Céus, eu estava ficando louca, só podia.

Levantei rapidamente e caminhei até a pequena janela que havia no quarto. Ela não mostrava uma paisagem deslumbrante como a daquele hotel, longe disso, mas era melhor encarar o muro cinza e a fraca luz do poste lá fora do que o estranho clima perto de Jules.

- Eu não quero que você me interprete mal e nem venha com mil adagas na mão pra cima de mim, Harper, mas... você tem certeza que quer continuar nisso?

Encarei boquiaberta o guerreiro. Jules havia se levantado e estava de pé, mexendo no velho rádio do criado mudo que agora cantava “All I have to give”.

- O que quer dizer? – perguntei cruzando mais uma vez os braços e me apoiando na parede.

Ainda mexendo no rádio, ele respondeu:

- Eu fico pensando se não seria melhor, talvez, você voltar pra sua casa... pra sua vida antiga, e deixar toda essa coisa de guerra entre Céu e Inferno pra nós resolvermos.

- Você está dizendo que eu não sou capaz de lutar ao lado de vocês? É isso?

- Não, Harper. Eu treinei você e vivi com você por todo esse tempo, sei muito bem das suas capacidades. Não foi isso o que eu quis dizer.

- Então explique porque foi exatamente o que eu entendi. – mandei.

- Eu só estou querendo que você reflita se... se é isso o que você quer. – ele disse, caminhando até mim – Tem um mundo lá fora onde não existem demônios e anjos e espadas, apenas a vida normal que você nunca conseguiu levar. Talvez esteja na hora de você vive-la.

Não pude evitar sorrir, ou melhor, rir. Foi rápido e debochado, como eu sempre fazia.

- Você acha que eu vou atrapalhar suas táticas de guerra, Jules? Acha que por ser humana eu vou atrasar o grupo, é isso?

- Harper, não seja ridícula! Eu só queria que você vivesse um pouco no seu mundo, só isso! – ele levantou a voz e a essa altura, já estava tão exaltado quanto eu.

- Mas acontece, meu camarada, que eu não sou normal. Eu nunca tive uma vida normal, nunca fui uma garota normal com coisas normais! Eu estou tão metida nisso quanto você e não vou desistir!

Ele me encarou fundo com seus olhos cinza e vi uma veia saltar de sua garganta. Ele estava irritado, mas não mais do que eu.

- Bom, Harper, infelizmente essa não é uma decisão que cabe a você. – a voz saiu de sua garganta mais sombria do que jamais ouvi.

Franzi a testa.

- Está me expulsando do grupo, Jules? Depois de tudo o que passei com vocês?

- Eu vim aqui pra tentar fazer você entender que essa batalha não é sua, Harper. Isso está acima de você, acima dos humanos. Deixe os celestiais cuidarem das coisas.

- Os celestiais cuidarem das coisas, mas que merda é essa? Até onde eu sei foi porque um celestial abriu a porra da passagem de cima que estamos vivendo tudo isso!

- Exatamente! Então nos deixe cuidar disso. Você é boa lutadora, mas para os padrões humanos, Harper, não para o que está para vir.

Meu coração batia acelerado, eu não podia acreditar que ele estava me expulsando daquele jeito. Dei uma passo a mais para frente até meu rosto quase encostasse no dele.

- Para os padrões humanos? – repeti as palavras que me feriram em tom baixo.

- Sim. Você não é uma de nós. – ele repetiu no mesmo tom baixo e cortante.

Encaramo-nos por vários segundos sem dizer nada. Nos seus olhos cinza eu vi a determinação em me retirar da missão. Não havia nada que eu pudesse fazer.

- Já entendi, capitão.

Dizendo isso eu dei meia volta e rumei para fora. Iria até a lavanderia pegar minhas roupas e daria o fora dali. Não ficaria em um lugar onde os outros me viam como um estorvo. Não ficaria mais no meio dos anjos, porque, como Jules mesmo disse, eu não era um deles. Pisando firme e engolindo o nó em minha garganta, bati a porta ao sair e o deixei sozinho com o velho radio do criado mudo.

...

Saí do quarto minutos depois dela e caminhei de volta ao centro de treinamento nos fundos da igreja. Eu tinha feito o certo, o certo pra Harper, mas meu peito estava pesado como um trator.

Tudo estava seguindo bem, de acordo com o plano. Em menos de dois dias os Príncipes sairiam e eu não fazia idéia do que poderia acontecer, eu só sabia que não seria bom.

Sentei diante dos computadores e rendi Calabriel, que foi meditar. Ao longe, podia ver alguns guerreiros treinando e Gabriel sentado perto do salgueiro que havia nos fundos da construção.

- Você sabe que ela não iria nos atrasar. Harper é uma das humanas mais fortes e decididas que já conheci em toda minha vida e, pode ter certeza, conheci muitos deles.

Encarei o Arcanjo Rafael, que se aproximou de mim sorrateiro. Engolindo firme, eu o respondi.

- Ela não podia ficar... aqui não é lugar para humanos.

- E também você não encontrou outro meio de protege-la, não foi? Pensou que fosse melhor afastá-la de tudo para que ela tivesse alguma chance de se salvar.

Ele não me fez uma pergunta era apenas uma constatação da qual eu não podia fugir... assim como não poia fugir do que sentia por ela. Rafael não aguardou minha resposta porque ele não precisava ouvi-la. Harper era importante demais pra mim pra que eu a deixasse em perigo. Eu não era uma Arcanjo, não poderia protege-las do que estava por vir. Por isso, preferia feri-la, pelo menos assim, ela estaria segura longe de nós. Era isso o que eu esperava.


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Notas finais do capítulo

reviews???