Caminhei lentamente até o Abyssi, o local onde o era o limite entre o Céu e a Terra. Entrar ali era cair, cair pra um mundo desconhecido e diferente, onde eu nunca havia estado. Eu não sabia o que fazer quando chegasse, nem sabia como seria, eu simplesmente sabia que tinha que ir. Era como um chamado, constante, incessante em meu peito, que me puxava, atraía.

Não haviam anjos guardando Abyssi, aqui, tudo se baseia no Livre Arbítrio. Era escolha de cada anjo sobre seu destino. O meu estava incerto e nublado e eu confesso que estava com medo. Mas se não havia jeito...

Dei um passo e depois outro. Era como se eu estivesse me aproximando de um penhasco enorme, profundo, eterno. Abyssi, O Abismo, era a grande queda que os anjos enfrentavam para sair de casa. Respirei fundo algumas vezes e procurei memorizar o cheiro do Paraíso. O ar tão leve e doce preencheu meu ser completamente.

Dei mais um passo. Até que ouvi uma voz grave atrás de mim.

- Quem é você?

Parei. Meu peito martelava incontrolável. Virei-me para encarar o dono de voz tão grave e urgente. Prendi um suspiro de surpresa, pois estava diante do próprio Miguel, o arcanjo chefe dos exércitos do Senhor.

Imediatamente baixei os olhos e inclinei a cabeça em suave reverência. Era uma honra muito grande apenas estar em sua presença. Mas eu não o esperava e sinceramente, não sabia o que fazer.

- S-sou Melanie, senhor.

- O que faz aqui em Abyssi, Melanie? – ele deu um passo em minha direção e eu congelei.

Ainda de cabeça baixa conseguia apenas ver o reflexo dourado das pontas de suas asas enormes.

- Perguntei o que fazes aqui.

- Pretendo descer, senhor.

- Descer, aos humanos?

- Sim.

- Por quê?

Engoli seco. Não pretendia ter de explicar a alguém o que nem mesmo eu entendia.

- Eu... sinto que uma guerra se aproxima. Preciso descer para ajuda-los a enfrenta-la.

Eu o ouvi suspirar e dar mais um passo a frente.

- E como pretendes fazer isso, Melanie? Não fazes parte de meu exército.

- Não, senhor.

- Já foste alguma vez até os humanos?

- Não, senhor.

- Se nunca desceu e não sabes lutar, como pretendes ajuda-los na guerra que se aproxima?

- Eu... eu não sei.

- Mesmo assim, vejo que não mudou de idéia.

- Não, senhor.

Ele se calou. Eu mantive minha cabeça baixa todo o tempo, sem encará-lo. Eu teria de obedecê-lo caso me ordenasse voltar, mas meu coração não queria que o fizesse.

- Não te preocupes, respeito tua decisão, apesar de não concordar com ela.

Senti o coração dar um salto. Então, ele não me impediria.

- Lá é diferente Melanie. Verás coisas que jamais pensou que poderiam existir. Os humanos não são como nós, eles estão perdidos. Os seres inferiores estão cada vez mais ganhando espaço entre eles, vai ser uma dura batalha e quem não estiver preparado, sucumbirá.

Engoli um nó que se formou na garganta, mas não mudei de idéia.

- Então, senhor, se estão tão perdidos, há mais um motivo para que eu desça.

Ele ponderou por um tempo antes de dizer:

- Enquanto cai, mentalize Jules.

- Senhor?

- Jules. Se pensar com fé neste nome enquanto cai, será direcionada para ele. Jules é um guerreiro, um dos melhores, e está entre os humanos agora. Ele te ajudará.

Sorri. Em minha felicidade desenfreada, atrevi-me a olhar para Miguel. Era belo, muito. Tinha a pele levemente dourada, mas não muito, e o cabelo estava entre um tom castanho claríssimo ou louro escuro , e brilhava, caindo em suaves ondas pelos ombros largos. Era um verdadeiro guerreiro e portava na mão direita sua famosa e reluzente Gladius.

Foi rápido, mas consegui ver o brilho dourado de seus olhos me encarando. Um arrepio passou por mim. Ele impunha tanto respeito que beirava ao medo. Mas estava me ajudando e isso me deixou feliz.

- O-obrigada. – eu disse, voltando a baixar a cabeça, envergonhada com minha atitude ousada.

- Quoniam Dominus illuminabit te.*- ele disse.

Então, eu dei um passo para trás e caí, apenas caí.