As nuvens avançavam ameaçadoras no céu, amontoando-se e formando grandes massas escuras, anunciando uma tempestade certa. Trovões ribombavam pelo céu, fazendo até mesmo o mais feroz dos animais se encolher de medo e terror diante da força da natureza. Soprava um vento frio e cortante, e qualquer pessoa em seu juízo perfeito não ousaria sair de casa naquelas condições.

Mas o homem de capa negra com nuvens vermelhas parecia não perceber a fúria dos elementos a sua volta, por mais que o vento forte transpassasse suas vestes como se fossem agulhas pontiagudas, agitando-as como se pudesse arrancá-las a qualquer momento. Ele parecia uma estátua de mármore, sem se importar com nada a sua volta, sua expressão era fria e insensível, seu rosto mostrava claramente o peso dos anos sem amor e sentimentos nobres a qual ele próprio havia se forçado a viver. 

Os orbes ônix estavam com uma expressão vazia, perdida nas lembranças que ele renegara há tanto tempo, mas fixos numa lápide nova, cheia de flores diversas, algumas já murchas, outras que pareciam recém-colhidas. Seus pensamentos vagavam distante dali, relembrando os momentos que havia passado ali, antes dele abandonar a vila em busca de poder e vingança. Passou os olhos pela inscrição simples e direta: “Hatake Kakashi. O copy ninja de Konoha”. Abaixou-se lentamente, ignorando o clima hostil, buscando em sua memória os momentos que passara com o time 7 e com o antigo sensei, que jazia ali, morto e enterrado. Mas ele ouvia claramente a voz do copy ninja lhe falando através dos trovões:

Aqueles que não cumprem as suas missões são tratados como lixo, mas os que abandonam os seus amigos são piores do que o lixo.

Eu não ouvi você, sensei... Tantas vezes você disse isso para nós três, e eu, logo eu que sempre procurei seguir o que me ensinava para ficar mais forte, logo eu fui o único a não preservar os laços que você tanto valorizava. Você me ensinou o Chidori, mas as lições mais importantes que você ensinou eu não valorizei. Eu cumpri minha missão, ao matar Itachi. Mas para isso acabei esquecendo-me do principal. Você estava certo ao dizer isso. Eu destruí minha vida por causa de minha tola sede de vingança, apenas para descobrir muito depois que nada era como eu achava. Perdi meu tempo, meus amigos, e até mesmo você, sensei, tudo por causa dessa maldita vingança que tomou conta do meu ser.

Por um momento culpou-se. Ele, o grande vingador, aquele que antigamente se considerava o melhor, elevou os olhos ao céu e tentou descobrir aonde havia errado. Se tudo tivesse sido diferente, se anos atrás ele não tivesse sido egoísta ao fugir de lá, deixando os preciosos laços que criara ali para um segundo plano, talvez nada disso acontecesse e o atrasado incurável ainda poderia estar entre os vivos.

Mas o tempo passa e sempre nos traz as conseqüências de nossos atos, ainda que indiretamente. Podemos tentar corrigi-los, mas nada mais será como antes, nossos erros sempre deixam marcas. A vida não era uma folha de papel em branco escrita a lápis, nenhuma borracha por melhor que fosse não poderia apagar o passado e suas faltas. Ele aprendera isso da forma mais dura, ao perceber que de nada adiantara os anos ignorando os próprios sentimentos, buscando se vingar de alguém, apenas para matar o próprio irmão e descobrir logo após que ambos tinham sido simples brinquedos nas mãos dos conselheiros de Konoha. Ao lembrar-se disso o traidor cerrou os punhos, segurando o turbilhão de sentimentos que lutavam dentro de si na tentativa de se mostrarem ao mundo. Não mais conseguindo sufocá-los, os orbes negros como a noite se fixaram no chão, deixando duas silenciosas lágrimas brotarem rebeldes, escorrendo vagarosamente pela face do vingador. Interiormente ele se culpava pelo que acontecera ao sensei.

Discreto, enxugou-as e encarou a lápide mais uma vez. Nada havia a feito quanto ao que acontecera. Nada havia a ser dito, já que suas palavras não mudariam os fatos e apenas seriam levadas pelo forte vento como folhas secas de outono. Cravou uma kunai na terra, a mesma que recebera do copy ninja quando havia se graduado gennin, e afastou-se, deixando mais uma vez o seu antigo lar, abafando os gritos e soluços de dor que sentia em seu interior.

A tempestade começava, com raios cada vez mais fortes e intensos, mas o homem vestido de negro não estava preocupado com isso. A verdadeira tempestade se encontrava em seus olhos, que num instante deixavam a escuridão para tornarem-se escarlates, olhos que clamavam por sangue, alimentados ainda pelo ódio e pelo sentimento de vingança que ainda corria por suas veias, que agora pediam revanche pelo ocorrido com o homem que se tornara importante para ele, um dos laços que antes ele não valorizara. Ainda não era tempo de voltar definitivamente para Konoha. Antes ele teria que se encontrar novamente, encontrar o garoto que havia deixado de ser quando aconteceu o assassinato de todo o seu clã. Até lá, muitas coisas aconteceriam, mas ele nunca mais se esqueceria das palavras do Hatake. Não mais.

Com um último olhar despediu-se do antigo sensei, que repousava em sua tumba, e sumiu, sendo lentamente consumido pelas chamas de seu shunshin, enquanto grossas gotas de chuva desabavam sobre a terra, lavando o solo como se fossem as lágrimas reprimidas do traidor de Konoha, lágrimas que ele nunca derramaria devido seu orgulho.

Mas a kunai permaneceu ali, símbolo de que ainda restava esperança para o último Uchiha.

Fim?! (ou um novo começo?!)