Piratas do Caribe: o Tesouro Maldito. escrita por Milly G


Capítulo 21
Cicatrizes


Notas iniciais do capítulo

Ooooolá, marujos! o/
Bom, eu não vou dar a mesma desculpa esfarrapada de sempre sobre a minha demora, apenas vou dizer que me esforcei muito e que o próximo será o ultimo capítulo, e esse cap fica como presente de natal pra vocês *apanha* . Explicarei o resto depois.
::ENJOY::
Sugestão de música: "Under the water" - The Pretty Reckless



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/150729/chapter/21

– Agora essa. – Jack bufou. – Mulheres piratas, e agora, guerreiras. – ele revirou os olhos. – O mundo está perdido mesmo.

Brooke simplesmente o ignorou. No dia em que ela resolveu se tornar uma pirata, sabia que teria de enfrentar coisas do tipo. Ou pelo menos era o que ela esperava, quando saiu em busca do Capitão Jack Sparrow, cujas histórias sua mãe adorava contar.

– Está bem. – Jack revirou os olhos novamente, irritado por ter sido ignorado. – Tudo bem, vá! Puxem seus cabelos e deem unhadas! – ele sacodiu as mãos freneticamente.

A ruiva abriu a boca para falar algo, mas o navio balançou violentamente mais uma vez, fazendo-a bater com as costas no que sobrara do mastro quebrado. Jack voltou ao timão com uma expressão séria, e seus olhas quase brilhavam como antes.

Brooke voltou à sala de mapas para buscar o colar, mas a dor em seu peito quase não permitia que a mesma ficasse de pé. Abriu a camisa com força e examinou o ferimento. Agora ele tinha uma cor escura, um roxo quase preto, e parecia se espalhar até os ombros.

Os olhos azuis da garota se arregalaram de pavor, mas ela não disse nada, mordendo o lábio para não deixar escapar um gemido de dor. O que quer que estivesse acontecendo, aquela não era a hora. Ela precisava aguentar.

O navio sacodiu de novo e o colar veio quicando até seus pés. A pedra parecia ter uma cor diferente, um azul claro próximo do branco, como se imitasse gelo. Pegou-o com cuidado pela corrente e o guardou no bolso, com medo do que poderia acontecer.

– O que você está fazendo aí?! – a voz furiosa de Angélica fez a ruiva pular.

– E-Eu...

– Bem, não interessa. Mas é melhor você parar de ser mole e ir lá pra fora, porque, se você não percebeu, estamos precisando de ajuda.

– Certo. – ela bufou, voltando a abotoar a camisa manchada.

A latina a olhou com desprezo uma ultima vez antes de bater a porta, deixando-a sozinha em sua agonia por mais alguns minutos. Mas Brooke podia ouvir os gritos e trovões do lado de fora, e teve que admitir que Angélica tinha razão: ela não podia ficar ali parada. Tinha que fazer jus às palavras que disse a Jack.

– Vamos lá. – ela respirou fundo, e encolheu-se ao sentir uma pontada de dor. – I-Isso não é nada.

E realmente não era. Não depois de ver o caos que tomava o convés do Pearl. O céu, de um verde-escuro assustador, lançava inúmeros raios na direção do navio, derrubando mastros e fazendo buracos no chão. Até mesmo tripulantes, que agora estavam espalhados como lixo pelo navio destruído.

– Jack! – gritou, buscando alguma base naquela situação apocalíptica.

– E então, Pepper? – o pirata lhe lançou um sorriso desafiador. – Vai manter sua palavra? – ele apontou com o queixo para a ilha que estava cada vez mais próxima, e riu de um jeito que fez Brooke gelar até os ossos.

Ela levou um tempo até assimilar a visão daquela ilha que mais parecia o portal do inferno. O mar revolto que a cercava fazia parecer que ela estava dentro de um furacão, e que morreriam instantaneamente se chegassem um pouco mais perto.

– Ah! – trincou os dentes ao sentir aquela dor súbita em seu peito, e precisou se apoiar na amurada para não desmaiar. Aquela matéria negra estava agora tomando as veias de seu antebraço, e a dor estava cada vez mais insuportável.

– Preparem-se, seus cães! – berrou Jack de repente. – O navio vai sacodir um pouquinho!

“Estamos mortos.”, foi a única coisa em que Brooke pensou ao ouvir as palavras do capitão. Quase que por instinto, ela subiu até o timão e se agarrou à Jack, que surpreendentemente a envolveu pela cintura de um jeito protetor.

E ela se concentrou naquele momento, uma vez que cada centímetro de seu corpo estava congelado de medo. Nem nas piores histórias contadas por sua mãe ela imaginara tal situação; o mar os arrastava com tanta força que o que viam a frente não passava de um mero borrão. Relutantemente, ela soltou o braço de Jack para que este pudesse virar o leme com as duas mãos.

Mas, ainda assim, não parecia suficiente. O rosto do capitão se contorcia pela força e pela dor, lembrando-a do quanto ele também estava ferido, mas aguentando. Isso pareceu encorajá-la, e, de repente, ela estava com as mãos no leme também, ajudando-o a manter firme seu amado Black Pearl.

Por apenas um instante, um mísero segundo, os dois se encararam, e algo faiscou entre eles. Algo que ambos teriam para sempre na memória.

Com um grito de guerra coletivo, giraram o leme furiosamente, colocando o navio de volta na rota. Barbossa os observava a um tempo, mesmo concentrado nas ordens que dava e nas medidas de emergência que tinha que tomar. O velho capitão gargalhou com outra de suas piadas internas e os deixou, concentrando-se na tempestade que estava prestes a matá-los.

E então, de repente, tudo parecia acabado. Uma onda gigantesca, talvez do dobro do tamanho do Pearl, os cobriu, tapando qualquer sinal de luz que eles podiam ter daquele céu sombrio.

Brooke paralisou. Podia ouvir os gritos da tripulação, e também os gritos da própria mente ordenando que saísse imediatamente dali. Mas a ruiva não conseguia mover um músculo. Estava absolutamente tomada pelo medo.

– Brooke, eu te amo. – as palavras que saíram tão rapidamente lhe pareciam um sopro distante, e ela demorou um segundo para entender de onde vinham.

– O que...?!

Mas era tarde demais. Porque antes que a mão de Jack tocasse seu rosto, tudo ficou escuro.

***

Sua cabeça latejava. Mais do que ela achava ser possível. Não sabia se por causa da pancada ou pelo esforço que fazia para pensar. O que Jack havia dito há pouco? Ela não conseguia se lembrar.

Na verdade, não conseguia se lembrar ou pensar em nada. Sua mente era uma bagunça de palavras e imagens desconexas, como uma luz oscilando o tempo todo.

Tentou chamar por alguém, e percebeu que não havia ar em seus pulmões para fazê-lo. Talvez não estivessem nem inteiros, pela dor que a ruiva sentia.

Estendeu a mão na tentativa vã de encontrar algo que identificasse ou que lhe desse uma pista de onde estava, mas havia apenas areia. Um tipo estranho de areia, úmido e escuro, quase tão escuro quanto... as veias inchadas que cobriam seus braços.

– O que... é... i-isso...? – balbuciou.

De nada adiantava perguntar. Não iria obter qualquer resposta, uma vez que parecia estar sozinha aonde quer que tivesse ido parar.

E também... não havia tempo. Já estava perdendo a consciência novamente. Deixou escapar um arquejo de dor, entregando-se àquela escuridão que parecia quase confortá-la.

Mas então ouviu passos que pareciam estar indo em sua direção. Se não estivesse sentindo tanta dor, talvez tivesse sorrido. Porém a esperança que sentiu durante aqueles poucos segundos dissipou-se, porque uma mão pálida e extremamente machucada agarrou seu pescoço com toda força.

– Finalmente te achei. – uma risada gélida encheu seus ouvidos, e, antes que apagasse, perguntou-se porque aquela voz lhe parecia tão familiar.


***

Jack puxou o corpo para trás, desenterrando a própria cara do chão. Cuspiu a areia e fez uma careta, enxergando com dificuldade as coisas ao seu redor.

– Maldição... – grunhiu, cuspindo mais um pouco de areia. Levantou-se cambaleando e sacudiu os dreadlocks, dando uma segunda olhada no lugar.

Não havia... porcaria nenhuma ali. Nada. Nem árvores, nem pessoas, nem sequer os destroços de seu navio – lhe doía profundamente pensar no que podia ter acontecido ao querido Black Pearl.

Era apenas uma quantidade interminável de areia negra e grudenta.

– Vim parar na ilha errada? – indagou. – Ora, isso não é possível, Jack. Aquela maldita ilha estava bem a sua frente, seu tolo. – ele revirou os olhos. – É claro que eu sei disso, mas essa ilha não se parece nem um pouco com a que nós estávamos vendo, não acha? – acenou a cabeça positivamente, concordando com a própria pergunta. – É, você tem razão. Mas então onde está o Pearl? E os outros?

Aquele monólogo acabava ali. Porque nem mesmo Jack conseguia imaginar o que poderia ter acontecido.

E também estava começando a se irritar com aquela agitação nada característica que estava sentindo. Não era exatamente um mau pressentimento. Talvez estivesse... preocupado. Com ela.

Aquilo era ruim. Muito ruim. E ficou ainda pior quando o pirata lembrou-se do que disse antes de tudo acontecer.

“Brooke, eu te amo”. Ele fez outra careta.

– Maldição.



***

Estava confusa. Talvez a falta de visão a tivesse ajudado a manter a sanidade, porque podia “ver” uma grande quantidade de auras agitadas, indo pra lá e pra cá, e também vozes trêmulas perguntando o que havia acontecido.

– Brooke? – perguntou Catherine com a voz rouca, pigarreando para tirar a areia que havia entrado em sua garganta. – Angélica? Jack?

Nenhuma resposta.

– Alguém? – franziu a testa, preocupada.

– Senhorita Catherine? – chamou Gibbs, e a loira teve um sobressalto quando este tocou seu braço.

– Gibbs! – ela sorriu e segurou a mão calejada do imediato, tentando extrair qualquer informação do que havia ocorrido, mas as imagens vieram tão confusas quanto as que já tinha. – Onde estão todos?

– Eu também gostaria muito de saber. – disse ele com pesar. – Achava que estava sozinho aqui, foi muita sorte ter lhe achado.

– O que quer dizer...? – perguntou em voz baixa, cada vez mais perdida. Podia jurar que há poucos segundos vira várias auras, deviam ter pelo menos umas dez pessoas ali.

– O que foi?

– N-nada. – “Não pode ser”, praguejou mentalmente. “Além de cega, agora estou louca?”.

A médium não estava disposta a pensar sobre aquilo. Havia coisas mais importantes; aparentemente todos haviam desaparecido.

– O que vamos fazer, mestre Gibbs? – perguntou ela, irritada com aquela sensação de desamparo.

– Temos que encontrar Jack e os outros. – ele suspirou. – Diabos, até mesmo o Pearl desapareceu.

– O Pearl...? – o queixo de Catherine caiu.

– Sim. – choramingou Gibbs. – Bem, vamos lá. Talvez estejam enfiados nessa maldita floresta.

“Floresta?”, pensou a loira, com as linhas da testa cada vez mais marcadas. “Mas não... há nada ali.”



***

“Monstro”, “maldita”, “bruxa”, essas palavras não paravam de ecoar em sua mente. Uma mulher pálida, de longos cabelos negros e o corpo machucado, com o rosto coberto de lágrimas. Seus soluços misturavam-se aos gritos. O desespero estava estampado naqueles olhos azuis quase translúcidos.

Havia muita dor.

Talvez mais do que Brooke estava sentindo naquele momento.

Arregalou os olhos de repente. Sua cabeça ainda latejava, e realmente não sabia o que pensar das imagens que estava vendo. Pareciam ser... memórias de outra pessoa.

Olhou um tanto zonza para seus braços, que já estavam completamente tomados, e percebeu que aquela coisa estava se espalhando para o resto do corpo.

“A culpa é dela. Matem-na!”. A ruiva pressionou a cabeça com as duas mãos, tentando parar aquelas vozes, e o sofrimento que vinha com elas. Quem eram aquelas pessoas? De quem eram aquelas lágrimas? Por que tudo aquilo estava acontecendo com ela?

Achou que iria enlouquecer. Não conseguia gritar, sequer dizer alguma coisa, pois seus pulmões funcionavam debilmente. Entre um arfar e outro, ela soltava um gemido de dor, sem ter forças para se levantar. Estava jogada em alguma caverna, perguntando-se como chegara lá.

– Jack... – arquejou, encostando-se de volta na parede fria.

Tinha certeza de que, se fechasse os olhos, não conseguiria abri-los novamente. Tinha que aguentar firme e tentar sair dali. Precisava encontrar os outros. Precisava encontrar Jack e perguntar o que ele a havia dito. Aquilo parecia tão importante...

Respirou fundo e apertou os olhos, sabendo que doeria assim que se colocasse de pé. E foi exatamente o que aconteceu. Talvez tivesse quebrado algumas costelas...

– Onde pensa que vai? – perguntou uma voz em seu ouvido.

O coração de Brooke quase saiu pela boca. Na escuridão daquela caverna, onde não conseguia enxergar sequer a si mesma, ela não esperava que alguém estivesse tão perto.

– Q-Quem é você? – gaguejou, cambaleando para trás.

– Não importa. – uma risada baixa e fria ecoou pela caverna. – O que importa é quem você será.

– O que? – a ruiva franziu a testa. Estava difícil permanecer focada. Seu corpo doía, seus olhos embaçavam e gotas de suor escorriam por seu rosto.

– Não se preocupe, querida. – o coração de Brooke falhou uma batida quando um par de olhos idênticos aos dela saiu da escuridão. Não, não eram iguais aos dela, mas... Ela os reconhecia. Eram os olhos da mulher que ela via naquelas lembranças.

– Você é... – ela arregalou ainda mais os olhos, assustada, enquanto o corpo da mulher ia revelando-se aos poucos. Ao contrário da voz, o corpo parecia hesitante, quase tímido.

Como se quisesse permanecer escondida.

O estômago de Brooke se revirou. Era uma mulher alta e magra, extremamente pálida. Extremamente... mutilada. A ruiva só pôde concluir que aquele corpo parecia estar apodrecendo.

– Não ouse me olhar desse jeito. – grunhiu a mulher, com os olhos claros faiscando. – Não tenha pena de mim, jovem pirata. Porque não serei eu quem terá um final trágico aqui. – ela se aproximou de Brooke e segurou com força seu maxilar, analisando seu rosto.

– O que quer dizer...? – virou o rosto para se livrar daquela mão pútrida, mas então esta desceu para seu pescoço, apertando-o até que ela conseguisse respirar.

– Você sabe quem eu sou, não sabe? – um sorriso doentio se espalhou no rosto da mulher, e aqueles olhos azuis claros pareciam quase atravessá-la. – Cassandra. Uma deusa presa num maldito receptáculo fraco. – disse ela entre dentes. – Pode ver o que está acontecendo, não pode?

– Está... caindo aos pedaços... – ofegou a ruiva, sem conseguir se livrar da mão em sua garganta. Mesmo tão ferida, aquela mulher tinha pelo menos o dobro de sua força.

– Exatamente. – o sorriso no rosto de Cassandra se alargou. – Sendo assim, o que eu preciso fazer?

– Encontrar um... – as palavras ficaram presas na garganta de Brooke assim que ela compreendeu. -... Um novo receptáculo.

Isso! – a deusa gargalhou, apertando ainda mais o pescoço da garota, como se isso servisse de comemoração. – Que garotinha inteligente você é. E também é bonita, e forte. – com a outra mão, ela agarrou o cabelo seu cabelo, batendo com sua cabeça na parede. – Vai me servir muito bem.

– P-Por que eu...?

– Por quê? – Cassandra cravou os olhos nela. – Porque você é como eu. Pude ver isso quando nos encontramos em Tortuga.

– Então era você... – concluiu a ruiva, e então franziu a testa. – O que você quer dizer com “ser como você”?

– Ah. – os cantos dos lábios da mulher se ergueram de forma desagradável. – Retiro o que eu disse. Você não é nada inteligente. Ou talvez apenas tenha uma péssima memória. – ela cravou as unhas na pele já roxa do pescoço de Brooke. – É uma pena eu não ter também.

Ela engasgou, lutando desesperadamente para respirar. Tateou a parede em busca de algo que pudesse usar como arma, mas não havia nada. Sua visão estava começando a escurecer quando aquela mão de aço subitamente a soltou, jogando-a no chão como se fosse lixo.

– Você não pode ter esquecido. – Cassandra puxou o vestido branco que usava e ajoelhou-se ao lado da garota, que gemia de dor. – Esses seus olhos ainda carregam muita dor. Muito ódio. É por isso que eu gosto tanto de você.

– Você... é louca...

– Não, eu não. – ela riu. – Mas talvez “aquele homem” seja.

A respiração ruidosa de Brooke parou por alguns segundos. Foi como se imagens que ela havia lutado a vida inteira para se livrar tivessem sido enfiadas em sua cabeça. Os rostos de duas pessoas que fizeram da sua vida um inferno.

– Você se lembrou, não é? – perguntou a deusa, contendo outra gargalhada.

– E-Eu...

– Sim. Você odeia piratas tanto quanto eu, não é mesmo Brooke Pepper?

Ela não pôde impedir que lágrimas grossas rolassem pelo seu rosto. Em menos de um minuto, já estava soluçando, o corpo tremendo descontroladamente. Não queria se lembrar daquilo, não podia...

Mas não havia como ignorar agora. A ruiva sentia-se presa numa espécie de câmara de tortura mental. Presa num cenário que havia abandonado há anos.

Mas ela nunca havia esquecido de fato.

Como poderia se esquecer... dele?

St. Lucius. Ou “ninho do demônio”, como às vezes era chamada aquela ilha.

Não estavam errados, pelo menos não para os pequenos e opacos olhos daquela órfã deveras maltratada que trabalhava em uma taverna apodrecida.

– Onde está a sua mãe, hã? – era o que sempre ouvia a menina depois que Sarah fora assassinada. E ela nada podia fazer além de engolir o choro, servi-los e rezar para que eles se contentassem com a bebida.

Porém, qualquer coisa que pudessem fazer com ela era melhor do que lidar com a fúria embriagada de seu pai.

– O que está olhando?! – ele berrou com a voz rouca, agarrando os pequenos cachos ruivos da menina e jogando-a contra uma mesa. – Esses malditos olhos... Se não me lembrassem tanto os de Sarah, eu já os teria arrancado!

Então, apenas por mencionar o nome da falecida garçonete, o homem desabava em lágrimas até dormir.

Deixando tudo para trás. Deixando Brooke sozinha... De novo.

Ela não passava de uma criança. Uma criança que não pôde salvar a mãe. Lidava com aquela culpa todos os dias. Não conseguia dormir e começava o dia com os olhos inchados de tanto chorar. Ela só precisava do apoio de alguém. Precisava de seu pai.

Mas ele não precisava dela.

Depois de ser espancada pela centésima vez, caída no chão com hematomas demais e sem forças para se mover, ela sentiu a verdadeira dor, uma dor que nenhum punho poderia causar.

O olhar frio de seu pai foi como uma flecha em seu peito. Ela pôde sentir-se sangrar. As palavras dele lhe tiraram o ar e lhe despedaçaram.

– Sua mãe morreu por sua causa. Você entende isso, não é Brooke? Ela trabalhou naquela espelunca até seu ultimo suspiro porque tínhamos que alimentar você, pequena parasita. A culpa é toda sua. – a mão calejada do homem agarrou seu maxilar, espremendo-o até quase quebrar. Mas, independente da dor, a garota não tinha mais lágrimas para chorar. – Mas eu ficarei bem. Sim, tudo vai ficar bem. Porque você vai desaparecer.

Os olhos sem vida de Brooke cintilaram de medo. O ar ficara parado em sua garganta, como se nunca fosse chegar aos pulmões, e as perninhas magras e feridas começaram a tremer.

Mas, no fundo, poderia até ter ficado grata por morrer.

Porém não foi o que aconteceu. Seu pai era um pirata cujo nome era conhecido, com o orgulho podre de um ladrão, mas era um bêbado covarde que não conseguiria matar ninguém.

Assim, ele arrumou alguém que o faria.

– Olá. – um homem alto e magro, com roupas pretas e cabelo grisalho, entrou na pequena residência. A luz que vinha da porta e iluminava a suas costas o fazia parecer um deus. Um deus cuja ira seria direcionada exclusivamente para Brooke. E ela sequer sabia o porquê.

Não tinha como esquecê-lo. Nem da voz baixa e sombria, nem dos olhos sem brilho que representavam perfeitamente sua personalidade psicopata. Ela nunca esqueceria aquele homem chamado Gregory.

Nem a dor que ele a fez passar.

“N-Não papai, por favor! Eu amo você, por favor não me mande embora!!”. Ela também não se esqueceria do reflexo daquela menina desesperada nos olhos desfocados de seu pai. Não se esqueceria de como se sentiu um objeto sem valor na mão daqueles homens.

Gregory conseguiu ser pior que seu pai. A menina passou a sofrer abusos sexuais, além de ser usada como empregada e apanhar até que seu “mestre” chegasse a exaustão, apenas por capricho. Desistira de fugir depois de duas ou três tentativas, com aproximadamente 13 anos. Os castigos que recebia pareciam dez vezes piores do que aceitar aquilo em silêncio.

Mas ela percebeu que não eram, quando, num dos atos, ele chamou pelo nome de sua mãe. Ele era um dos vermes que também a havia ferido. A repugnância instantânea lhe revirou o estômago a ponto de sumir com seu senso de perigo. Ela acertara o rosto do homem com um candelabro. Ele ficara cego de um olho, e por algum tempo a menina sentiu orgulho de si mesma. Até mesmo aceitou seu castigo com uma expressão diferente. As chicotadas em suas costas nuas já não pareciam doer tanto, e a ruiva tinha a esperança de vencer aquele velho e finalmente desaparecer daquele lugar.

E então, dez anos depois, ela finalmente conseguiu. Brooke não tinha qualquer lembrança exata desses dez anos, talvez porque... não sentia-se realmente viva. Ela era um conjunto de órgãos que surpreendentemente ainda funcionavam. Nesses dez anos, ela passou seus dias desejando, silenciosamente, o momento em que também viraria uma pirata. Mas não como seu pai ou Gregory. Ela prometeu a si mesma que se tornaria a última pirata, vingaria a mãe e faria com que aqueles homens que infestavam os mares sofressem o dobro do que ela sofreu.

Ela não esqueceu esta promessa também.

Porque, no fundo, seu peito ardia com um ódio que talvez nunca fosse superar.

A verdade é que ela odiava, sim, todos os piratas.

Como poderia ter esquecido?

– Não. – ela saiu de seu transe, a voz soando num baixíssimo sussurro estrangulado. – E-Eu não...

Aquela promessa já havia sido quebrada sem que ela sequer percebesse. Desde o dia em que fugira pra cumprir de fato aquela promessa. Quando fora salva por um bêbado de dreadlocks.

Como ela poderia odiar... Jack? Ou Barbossa, Catherine... Até mesmo Angélica...

– E-Eu não odeio... – mais lágrimas mancharam o rosto da garota. – Eu não odeio... piratas...

– O quê? – os olhos da deusa quase saltaram da face, e Brooke soltou um grito quando esta chutou seu estômago. – Como pode dizer algo assim, depois de tudo o que você sofreu?

– Eu não sou uma maldita vadia vingativa. – ela sorriu para a mulher com desprezo, lambendo um filete de sangue que escorria pelo lado direito de sua boca.

– Sua... – Cassandra trincou os dentes ruidosamente, agarrando os cabelos de Brooke novamente e erguendo-a tão facilmente como se fosse uma boneca de pano. – Eu preciso do seu ódio. Por que você ainda...

Os olhos azul-gelo da deusa analisaram o rosto da ruiva, como se estivessem lendo sua mente. Depois de alguns segundos, ela engoliu em seco e apertou os punhos pálidos e machucados.

– Você está apaixonada. – os olhos da mulher por um estante brilharam como o de uma adolescente traída pelo namorado. – Você se apaixonou por um maldito pirata.

Seu tom de voz fazia aquilo parecer um pecado, e, sem saber ao certo por que, Brooke manteve os olhos no chão, como uma criança sendo repreendida.

– Isso é um problema. Não posso permitir que algo assim me atrapalhe. – ela coçou um corte gangrenado em seu braço, nervosa. – Vamos, me diga quem é o infeliz.

Ela apenas olhou para a mulher com desprezo e depois desviou os olhos, tentando juntar forças para se levantar.

Diga.

– Não. – a voz dela saiu num sussurro fraco, mas ela se recusou a admitir o medo.

Cassandra suspirou. Novamente, pareceu que estava lidando com uma criança.

– Está bem. – ela ergueu Brooke pelos cabelos, posicionando o rosto a alguns centímetros dos dela. – Eu ia facilitar pra você, mas você é uma garotinha extremamente chata. Por isso vou fazê-la sentir um pouquinho de dor.

Algo pareceu sair dos olhos de Cassandra, uma fumaça espessa que rodopiou no ar e cravou-se nos olhos de Brooke. Por um momento, ela ficou apenas surpresa.

Até começar a queimar.

Soltou um grito esganiçado e colocou as mãos na cabeça, contorcendo-se. Seu cérebro parecia em chamas.

– O-o-o quê está fazendo... ?!

Mas a deusa não respondeu. Apenas continuou com os olhos fixos nos dela e um sorriso distorcido nos lábios apodrecidos.

Então, quando a ruiva achou que não aguentaria mais, a mulher fechou os olhos e respirou fundo, parecendo satisfeita. Empurrou-a de volta para a parede úmida com um chute, e então arrumou os longos e emaranhados cabelos negros numa trança folgada.

Jack. Sparrow. – ela cantarolou pausadamente, como se aquele som lhe desse prazer. – Ah, não poderia ser melhor.

Os olhos da garota se arregalaram e a pele toda se arrepiou. Foi tomada por um medo mais profundo do que quando achou que ela mesma morreria.

– N-Não... – ela ergueu-se e cambaleou até a mulher. Usando o que sobrara de sua força, ela enfiou as unhas num corte profundo de seu antebraço e puxou a pele até o pulso. Uma quantidade enorme de sangue e pus jorrou dali, sujando o vestido branco encardido e esfarrapado.

– Maldita! – ela acertou o cotovelo no peito de Brooke, tirando-lhe o ar. Chutou suas pernas e derrubou-a de cara no chão, para logo em seguida esmagar sua coluna com o calcanhar.

Os gemidos de dor escapavam por entre os dentes trincados da pirata. As imagens de dez anos atrás misturavam-se ao presente, lembrando-a daquela sensação de dor em cada centímetro do corpo.

– Jack... – suplicou inconscientemente, sem poder ver a felicidade no rosto da deusa quando o fez.

– Sim. Jack. – ela riu. – Venha cá.

Agarrou-a pelos braços e a arrastou até uma parte mais escura da caverna, prendendo-a em correntes grandes e extremamente pesadas.

– Eu não queria machucar este corpo tanto assim, mas você me obrigou a fazê-lo. – ela passou os dedos longos e finos pelo pescoço de Brooke, parando na clavícula. Segurou de leve o osso entre dois dedos, mas a ruiva tinha a sensação de que poderia quebra-lo apenas com aquilo. – Por isso fique aqui, quietinha. Isso vai lhe impedir de se machucar ainda mais quando... – ela sorriu por um momento, dando de ombros. – Bem. E não se preocupe. A morte de Sparrow será algo belíssimo.

Sem forças para mover o maxilar e sem fôlego para tentar dizer qualquer coisa, Brooke apenas observou enquanto Cassandra seguia saltitando pelo corredor iluminado da caverna, para depois desaparecer consumida pela luz. Levando qualquer esperança que ela poderia ter.

De repente, ela se lembrou. A voz do capitão pareceu clara em sua mente, e, entregando-se a escuridão da inconsciência, ela sorriu.

– Eu também te amo.





Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então... O que acharam? Estou aqui, sempre disponível para qualquer opinião de vocês. Sugestões, críticas, ameaças e etc.
Como eu disse, o próximo será o ultimo, MAS: se vocês tiveram paciência de me acompanhar até agora, e eu agradeço imensamente por isso, talvez gostem de saber que a fic terá uma continuação, chamada "Piratas do Caribe e o Olho da Fênix". Espero que continuem gostando.
Um milhão de beijos para todas as minhas leitoras. Vocês são a minha fonte de inspiração ♥