Sol de Sangue escrita por Verooh-Grace


Capítulo 6
Cinza... Era Tudo Que Eu Menos Queria


Notas iniciais do capítulo

OIIIIIIII
Foi mal, depois de 4 meses sem postar o maldito capitulo 6 (capitulo 666, capitulo amaldiçoado segundo alguns dos meus amigos) Mas espero que ainda tenha alguém lendo isso e me perdoe por demorar taaaaaaaaaaanto. Mas agora eu vou mes esforçar mais, prometo.



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Capitulo 6

Annita

Cinza... Era Tudo Que Eu menos Queria

     Atena? Filha de Atena? Eu? Isso é impossível! Eu tinha que ser filha de Afrodite! Filhas de Afrodite são mais lindas, meigas, românticas e perfeitas! Filhos de Atena são um bando de nerds que usam roupas ridículas e não ligam pra rosa! 

     -Olá, seja bem-vinda ao Acampamento. Eu sou Annabeth Chase, representante do chalé de Atena. Considere-se uma garota de sorte, os filhos de Atena são os mais inteligentes e sempre ganham na captura da bandeira. – Disse a garota, com um certo brilho vitorioso nos olhos.

     -Não se eu estiver jogando no outro time, é claro. – Disse um garoto. Annabeth riu e empurrou o ombro dele. Ele riu também e abraçou a cintura dela por trás.

     -Ah, Percy, você é um convencido mesmo.

     Percy era um garoto bonito. Tinha cabelos pretos, braços fortes e maravilhosos olhos verde-mar. Deveria ter uns dezesseis anos no máximo. Seu sorriso era brilhante e divertido e ele tinha uma expressão de bravura no rosto, como se estivesse pronto para embarcar em uma aventura a qualquer momento, ou até mesmo morrer por um amigo.

     -Ah, vocês são os novatos que Annabeth falou. – Disse Percy.

     -Não, essas são outras. Acabaram de chegar. Os outros dois novatos estão na Casa Grande. – Explicou Annabeth.

     -Cinco novos campistas em um dia? Nossa, o que está acontecendo com os sátiros? Vou falar com Grover mais tarde... Mas enfim, olá, eu sou Percy Jackson, filho de Poseidon. Aliás, o único.

     -Então você seria... meu primo? – Perguntou Vanessa.

     -Sim, a maioria dos campistas daqui são primos uns dos outros. Mas meus primos mais próximos são Thalia e Nico, filhos de Hades e... Zeus... – Então ele percebeu o colar de raio no pescoço dela, sua expressão ficou pálida e seus olhos se arregalaram. – Ah! Você é filha de Zeus! Annabeth, você viu isso? Zeus descumpriu o juramento duas vezes! Precisamos chamar Quíron, precisamos...

     -Calma, Percy. Quíron já foi chamado. Eu já sabia que ela era filha de Zeus. Aliás, todo o Acampamento sabia... – Murmurou Annabeth.

     -Ah, como eu não suspeitei antes? Eu sou sempre o ultimo a saber das coisas! Não, melhor: você sempre é a primeira! – Annabeth riu e deu um beijo rápido em Percy. Ele se acalmou. Eu ri.

     Então um homem montado em um cavalo branco se aproximou. Não, ele não estava montado em um cavalo. Do abdômen para baixo ele era um cavalo! Ele tinha mais ou menos uns quarenta, no máximo quarenta e cinco anos. Os cabelos e olhos castanhos e uma barba desalinhada.

     -Olá! Sejam bem-vindas ao Acampamento. – Disse o homem-cavalo. - Desculpe demorar para dar as boas-vindas, eu estava conversando com outros campistas novos, mas enfim... Eu sou Quíron, o diretor de atividades do Acampamento. Perguntas?

     Susan levantou o braço. Quíron lhe deu a palavra.

     -O que viemos fazer aqui?

     -Acho melhor conversarmos na Casa Grande. Acompanhem-me.

     -Espere, eu também tenho uma pergunta. – Disse eu. Todos se viraram para mim.

     -Diga, minha querida.

     -Como eu posso ser filha de Atena? Eu sou bonita!

     -Eiiii! – Resmungaram os filhos de Atena.

     -É verdade. Ela não pode ser nossa irmã. – Disse Cody, o garoto que estava dando em cima de mim e depois descobriu que era meu irmão. – Nós somos inteligentes.

      -Eiiii! – Resmunguei. Os filhos de Atena riram. – Está insinuando que eu sou burra?

     -Não estou insinuando, estou afirmando.

     -Ah, é? Pois fique sabendo que eu sou a mais inteligente na minha turma. Me pergunte qualquer coisa e eu vou saber responder. Eu sei de tudo!

     -Ah, ta. Uma patricinha como você? Deve pensar que as estrelas são feitas de purpurina e gloss.

     Ah, aí eu explodi. Falei tudo o que eu sabia sobre estrelas, sem parar, como uma Wikipédia humana.

     -Nada disso! Sei que as estrelas são uma grande e luminosa esfera de plasma, mantida íntegra pela gravidade. Ao fim de sua vida, uma estrela pode conter também uma proporção de matéria degenerada. A estrela mais próxima da Terra é o Sol, que é a fonte da maior parte da energia do planeta. Outras estrelas são visíveis da Terra durante a noite, quando não são ofuscadas pela luz do Sol ou bloqueadas por fenômenos atmosféricos.

     Os filhos de Atena ficaram me encarando, pasmos.

     -C-como você sabe tudo isso? – Perguntou uma garota.

     -Sabendo. Eu nasci sabendo. Como eu disse antes, eu sei de tudo!

     -Fale tudo o que você sabe sobre George Washington. – Pediu Cody.

     -Haha, fácil. George Washington nasceu em 22 de fevereiro de 1732 e morreu dia 14 de dezembro de 1799. Foi o primeiro presidente constitucional dos Estados Unidos de 1789 a 1797, precedido por outros 14 presidentes que foram eleitos pelo Congresso dos Estados Unidos, conhecidos como "Os Presidentes Esquecidos", e também foi comandante do Exército Continental na Guerra da Independência dos Estados Unidos de 1775 a 1783. Seu papel na revolução e na subsequente independência e formação dos Estados Unidos foi significativo, e é visto pelos americanos como o "Pai da Pátria". – Tomei fôlego. - Era filho de Augustine Washington e de Mary Ball Washington. Originário de uma família tradicional, estável e abastada, família de agricultores proprietários de terras da Virgínia, tornou-se, em 1748, zelador das propriedades de Shenandoah Valley pertencentes a Lord Fairfax e mais tarde de todo o condado de Culpeper. Estudou agrimensura e de 1749 a 1751 ocupou-se do levantamento topogr...

     -Tá, chega! Já entendemos! – Interrompeu-me Cody.

     -E essas foram perguntas simples. Fatos tolos e idiotas. – Murmurei. – Nem foi preciso pensar de verdade para responder

     -Não é possível... – Disse uma garota. – Ela não pode ser nossa irmã... É uma desonra para o nosso chalé...

     -Sandy! Já chega! – Repreendeu Quíron. A garota assentiu e se calou. Beeem feeeito! Ninguém mexe com Annita Sparks! – Garotas, acompanhem-me.

     Então, Quíron olhou para Sean, que estava mais afastado, sentado em uma pedra, olhando para o mar.

     -Sean! Você veio até aqui! – Exclamou Quíron, surpreso.

     -Sim, Quíron. E a ideia não foi minha. Foi sua, lembra? – Respondeu Sean, levantando-se da pedra e vindo até nós.

     -Mas eu não pensei que você as acompanharia até aqui. Pensei que você só as deixaria com Butch até metade do caminho e depois fosse embora.

     -Mas houve alguns problemas durante a viagem e eu tive que vir.

     -Bem, já que você está aqui, venha até a Casa Grande conosco.

     -O que? Por que eu?

     -July!

     July estava distraída discutindo com suas irmãs. Elas estavam decidindo qual cor de gloss era melhor: vermelho, cor-de-boca ou rosa. É, July podia não querer ser patricinha mas ainda era filha de Afrodite.

     -Sim, Quíron? – Disse ela.

     -Acompanhe-nos até a Casa Grande também.

     -O que? Por que eu?

     -Quero que você e Sean me ajudem a explicar as coisas e depois mostrem o Acampamento para elas.

     -Por que nós? – Perguntaram os dois em uníssono.

     -Por que vocês são campistas experientes.

     -Eu nem sou campista daqui! Sou um nômade! – Protestou Sean.

     -E por que você não pede para Annabeth, Percy, Grover ou Nico para mostrar o Acampamento? Eles são mais experientes que nós! – Argumentou July.

     -Por que eles já me ajudaram bastante. Agora é a vez de vocês.

     July e Sean resmungaram alguma coisa mas nos seguiram, relutantes.

     Andamos um pouco até chegarmos em uma casa grande, chamada de Casa Grande. Oh, grande criatividade...

     Era uma casa azul-céu com branco, de quatro andares e rodeada por varandas grandes de madeira. Na varanda da frente estavam dois adolescentes sentados na escada, conversando, uma garota e um garoto. Pareciam assustados e... familiares.

     -Mary? – Exclamou Susan.

     -Michael? – Exclamei, surpresa.

     Isso mesmo. Mary e Michael. Eles levantaram e correram até nós.

     -Annie! Susan! Vanessa!– Exclamou Michael, confuso. – O... que estão fazendo aqui?

     -Eu que pergunto: o que vocês estão fazendo aqui? – Indaguei.

     -Não sabemos. – Admitiu Mary.

     -Também não explicaram pra vocês? – Perguntou Susan.

     -Sim, um homem com... corpo de cavalo falou um monte de coisas. Mas nós não entendemos nada.

     -Sim, sou eu, Mary. – Disse Quíron. Mary acenou para ele, encolhida, meio assustada com sua incrível forma de centauro.

    -Como vocês vieram para cá? – Perguntou Vanessa.

     -Sabe o Marcos, aquele garoto esquisito do primeiro ano? – Perguntou Michael.

     -Sim, sabemos. – Respondemos Vanessa e eu em uníssono, fazemos isso as vezes.

     -Pois é. Ele disse que tinha que nos levar urgentemente para um lugar. E que deveria levar vocês também, mas não as encontrava. É claro que nós nos recusamos a ir com ele, mas ele nos arrastou de metrô para cá.

     -Pelo menos vocês vieram de metrô. – Disse Susan. – Nós viemos de sol!

     Mary e Michael franziram o cenho.

     -Sol? – Perguntou Mary.

     -Ééé... –Afirmou Susan, com os olhos arregalados.

     -Desde quando Marcos sabe sobre essa doideira toda? – Perguntou Vanessa.

     -Há, ele faz parte dessa doideira toda. – Afirmou Michael.

     -O que você quis dizer com isso? – Perguntei.

     Michael não respondeu, apenas apontou para uma floresta atrás de nós. O Acampamento era rodeado de arvores e bosques.

     Foi quando eu vi. Saltitando e cantarolando feliz, estava um garoto com uma calça peluda estranha. Não, não era uma calça Eram as pernas dele! Ele tinha perna e pés de bode!

     -Ele é tipo... um fauno? – Perguntei, sem tirar os olhos arregalados da criatura estranha.

     -Um sátiro. – Corrigiu-me Quíron. – É um bom sátiro, mas um pouco atrapalhado, o faro dele não é muito bom quanto os outros. Por isso demorou um tempo para perceber o que vocês eram. Mas agora, vamos entrando. Temos muito o que conversar, e vocês tem que conhecer nosso diretor, o Sr. D.

     -Sintam medo. – Disse Mary, com a mão no meu ombro.

     -É, o Sr. D. é muito do mal... – Concordou Michael.

     -Ahn... ok. – Disse Susan.

     Entramos na Casa Grande, o lugar era lindo por dentro. E era realmente grande, espaçoso, amplo. Com chão, teto e escadas de madeira. Mas o teto era baixo, então Quíron teve de se abaixar para passar pela porta.

     Na sala que parecia ser a principal, tinha uma lareira em chamas, apesar do calor lá fora. O crepitar do fogo, tornava o ambiente mais agradável e aconchegante. Acima da lareira, havia pendurada a cabeça de um leopardo de boca aberta, mostrando os dentes afiados. No chão haviam tapetes de peles de animais. Mas o que não podia se deixar de notar era o forte aroma de uvas.

     Bem no centro da sala, havia uma mesa grande de madeira escura, com umas cartas jogadas sobre ela. Ali estava um homem sentado. O homem tinha cabelos escuros, tão pretos, tão pretos que chegavam a ser roxos. Seus olhos eram assim também, e continham um brilho especial. Ele usava uma camisa com estampa de leopardo e bebia uma Diet Coke.

     Ele não olhava para nós, estava ocupado lendo uma revista sobre vinícolas.

     -Sr. D. – Chamou Quíron. O homem gordo se virou.

     -Quíron. – Ele cumprimentou. - Vejo que temos mais campistas novos. Como se os duzentos que temos aprontando e irritando por aí já não fossem o bastante. Bem, o que temos aqui? Indeterminadas? Ah não, posso ver claramente que aí temos mais uma filha de Afrodite. Que maravilha...

     -Sr. D, essas são Vanessa, Susan e Annita. E não, ela não é filha de Afrodite. E Vanessa é um caso... especial.

     -Caso especial? O que eu tenho de mais? – Perguntou Vannie. – Todos se surpreendem quando digo que sou filha de Zeus. O que tem de tão horrível e surreal nisso? Olhem, Annie é uma filha de Atena! Por que vocês não ficam surpresos também?

     -Filha de Zeus? Você disse Zeus? – Indagou Sr. D, largando a revista e começando a prestar atenção em nós.

     -Sim. Ela já foi reclamada. Eu vi. – Disse Sean. – Esse colar que ela está usando é um presente do próprio Zeus.

     Sr. D franziu os lábios e uniu as sobrancelhas, pensativo.

     -Uuu... juramento quebrado mais uma vez. Isso vai ser bem complicado para Zeus. Poseidon e Hades vão provavelmente ficar contra ele. Teremos sorte se eles não começarem uma briga feia... de novo. O pior é que dessa vez, Hera não vai apoiá-lo. É bem provável que ela queira matar a filha dele.

     Vanessa arregalou os olhos. O Sr. D sorriu com a expressão dela.

     -Isso seria... me matar? Eu mal descobri toda essa historia e já querem me matar? Isso é um absurdo! Eu nem tenho culpa de nada! – Protestou Vannie.

     -Sim, sim. Deuses querem matar o tempo todo. Isso é tão divertido! É só simplesmente estalar os dedos e a vida mortal se extingue para o Mundo Inferior. – Murmurou o Sr. D.

     -Divertido? Acabar com uma vida mortal é divertido? – Indagou Susan, pasma. – Como você se sentiria se alguém extinguisse a sua vida mortal para esse tal de Mundo Inferior?

     O Sr. D ergueu uma sobrancelha e dirigiu seu olhar a Susan, com uma expressão indignada.

     -Minha vida mortal? Ora, garota, você já se perguntou quem eu sou? – Susan não respondeu. Era estranho pensar que estávamos falando com alguém imortal.

     Franzi o cenho e comecei a raciocinar: D, Sr. D... Camisa de leopardo... Aroma de uvas... reportagem sobre vinícolas...

     -Você... você é Dionísio! – Exclamei, apontando para o Sr. D. – Deus do Vinho!

     Ele sorriu, orgulhoso de si mesmo.

     -Exatamente. Como todos sempre demoram para perceber? O que eu tenho de não-divino? Mas enfim... vocês são novatos no Acampamento, devem estar esperando que eu dê as boas-vindas. Mas, eu não costumo dizer isso a nenhum dos campistas novos, isso é tão desgastante! E pensar que eu tenho mais décadas aqui nesse mundinho de semideuses insignificantes.

     -Ora, como você ousa me chamar de semideusa insignificante? – Indaguei. Hunf, quem aquele cara é para falar assim comigo? O Deusinho do Vinho? Haha, precisa de um título muito maior para enfrentar Annita Sparks.

     -Como eu ouso? – Repetiu ele.

     Então ele cravou seus olhos divinos e mortíferos em mim. Naquele momento, entendi o que Mary quis dizer com “sintam medo”. Aquele olhar era poderoso demais, era tão ameaçador, tão... enlouquecedor... me fez até esquecer do quanto perigoso poderia ser olhar para ele, já que Dionísio também era um especialista em loucura.

     -Pare! – Gritou Vannie, preocupada, percebendo o meu estado. Eu estava começando a ficar tonta e pálida. – Você... você não tem direito de fazer isso com ela!

     -E Desde quando você tem direito de falar assim comigo? Só por que descobriu que é filha de Zeus fica achando que é a poderosa, que pode mandar em todos. Mas aqui é diferente, garota. Aqui quem manda sou eu! – Grunhiu Sr. D.

     -Sr. D, vamos com calma. – Murmurou Quíron, tranquilo. – Elas são novas nessa realidade. Ainda não têm noção do perigo.

     -E nem do respeito! Eu poderia muito bem ter as incinerado ou as deixado em um terrível estado de loucura, mas foi sorte delas eu estar de bom humor hoje. Eu só queria dar uma lição.

     -Então... é só isso? Elas estão dispensadas? – Perguntou Quíron.

     -Sim, sim. Vão, quanto antes se acomodarem, melhor. – Disse Sr. D, com os olhos na sua revista.

     -Muito bem. – Disse Quíron voltando-se para nós. – Agora que já conheceram o nosso diretor, July e Sean vão mostrá-las o Acampamento. Ah, tem mais dois campistas ali do lado de fora, eles já são determinados. Levem-nos aos seus respectivos chalés.

      -Certo. – Murmurou July. – Bem, vamos.

     Andamos até o vão da porta, July virou-se para Quíron.

     -Você não vem?

     -Não, querida, vou jogar uma partidinha de pinochle com Sr. D.

     -Ah. Até mais tarde então. – Ela acenou e abriu um enorme e brilhante sorriso, digno de uma filha de... Afrodite. Ai, que inveja!

     Do lado de fora, Mary e Michael ainda estavam sentados na sacada, meio perturbados. Mas quando aparecemos, eles se alegraram, meio que aliviados.

     -Ah, o Sr. D não matou vocês... que bom. – Disse Michael.

     -É, vocês tiveram sorte, ele foi muito duro conosco. – Comentou Mary.

     -Sorte? Ele quase me deixou louca! Literalmente! – Gritei.

     -E quase nos incinerou. Pelo menos, foi o que ele disse. – Lembrou Susan.

     -O Sr. D é sempre assim, depois vocês se acostumam. – Tranquilizou-nos July.

     -Agora venham, temos muito o que mostrar a vocês. – Chamou Sean, fazendo sinal para que nós o seguíssemos.

     -O que mesmo Quíron falou sobre Mary e Michael? Que eles eram determinados? – Perguntou Susan.

     -Ah, sim. Determinados quer dizer que seus olimpianos já os reclamaram. – Explicou July.

     -Até eles? Então todos já foram reclamados menos eu?

     -Calma, Susan! Sua hora vai chegar. – Disse Vanessa. Ela se voltou para Mary e Michael. - Quais são os pais de vocês?

     -Eu sou um... filho de Hefesto. – Disse Michael, meio perturbado. – Eu ainda não me acostumei com isso. Mas bem que eu podia ser de Afrodite, não é garotas? – Perguntou ele, com um sorriso maroto e uma piscadela. Todas nós rimos, menos Sean.

     -Aí você seria meu irmão. – Observou July.

     -Você é filha de Afrodite? Então você é irmã da Annie!

     -Ela não é filha de Afrodite. É filha de Atena.

     -É sério, Annie? Nossa, eu nunca imaginei. – Então a expressão dele mudou, como se ele tivesse cometido um erro terrível. - Não que você não seja inteligente, é claro. É só que eu jurei que fosse de Afrodite...

     -É, eu também. – Disse Vannie.

     -Ah, que coisa, será que não dá pra vocês pararem de repetir isso? Eu já entendi! Sou filha de Atena, não Afrodite! – Eles riram. Mas Sean não. Ele realmente parecia não gostar daquele lugar.

     -Ok, ok. Depois vocês conversam. Agora, vamos logo com isso. – Pediu Sean

     -Ah, Mary, de quem você é filha? – Perguntou Susan.

     -Ahn... Ele está nos chamando, não ouviram? Vamos logo! – Apressou-se Mary, um pouco nervosa.

     Voltamos a andar, e a cada passo que dávamos, July nos fazia parar para explicar alguma coisa ou fazer algum comentário. Agora eu pude prestar mais atenção no Acampamento, e em como aquele lugar era incrível. O sol já havia se posto, mas o céu ainda estava azul e claro. Além disso, algumas tochas com incrível fogo verde flutuante iluminavam o ambiente.

     Passamos por um campo enorme, onde eram plantados morangos grandes e vermelhos, espalhando seu aroma no ar.

     -Aqui são os Campos de Morangos. É daqui que sai toda a renda do Acampamento, vendemos o ano inteiro no mundo mortal. – Explicou July.

     -Mundo mortal... é, eu vou demorar para me acostumar com isso. – Murmurou Vannie.

     -Sátiros, dríades e filhos de Deméter cuidam dos morangos, fazendo-os crescer mais rápido e mais saborosos.

     -Sátiros e dríades? – Perguntei. Mas antes de July me responder, olhei melhor para as criaturas que cuidavam dos morangos.

     Eram garotos com corpo humano e pernas de bode, iguais a Marcos. Eles tocavam flauta de bambu e dançavam ao redor das mudas. Além deles, tinham garotas também. Elas podiam passar-se por normais, se não fosse pelas orelhas pontudas, os olhos um pouco maiores e a pele esverdeada. Suas roupas eram vestidos esvoaçantes, enfeitados com flores, que lembravam fadas de livros infantis. Elas estavam ajoelhadas ao lado dos morangos e murmuravam algumas palavras para eles, acariciando suas folhas delicadamente.

     -Que... criaturas encantadoras... – Comentou Michael, sonhador.

     -Desista, filho de Hefesto, elas raramente se apaixonam, e quando o fazem, é por sátiros. – Disse July. Michael virou-se para ela, um tanto perplexo.

     -Eu... não disse que queria uma chance com elas...

     -Não disse, mas desejou. Algumas filhas de Afrodite podem sentir quando alguém está apaixonado ou atraído por alguém.

     Michael ficou vermelho. July riu.

     -Tudo bem, você não é o único que se interessa pelas dríades. Vários semideuses já tentaram flertar com elas. Todos eles se deram mal, as dríades gostam de brincar com seus pretendentes.

     -Ahn... ok. – Disse Michael, ainda vermelho.

     Olhei para o lado e vi sentada em uma pedra, aquela garota com cabelo comprido e roupa grega, que vimos logo que chegamos. Ela apoiava a cabeça em uma das mãos, entediada, enquanto algumas dríades enfeitavam sua roupa e arrumavam seu cabelo, que agora não estava mais tão dourada, parecia mais cor de cobre.

     -Ei, aquela ali não é aquela garota que discutiu com Apolo? – Perguntei, apontando para ela.

     -Ah, é. Seu nome é Calisto. Ela veio para o Acampamento esse ano, nunca fala com ninguém, a menos nos treinos de esgrima, quando ela dá as aulas.

     -Ela é bem forte, arremessou uma pedra enorme sem esforço nenhum. – Lembrou Vannie.

     -Sim, a força dela é incomparável com a de qualquer um de nós.

     -Quem se atreveria a treinar com ela? – Perguntou Mary.

     -Alguns valentões do chalé de Ares e os filhos dos Três Grandes. Garotos que realmente se acham os fortões... e que realmente são os fortões. – July mordeu o lábio, sonhadora. - Como Nico e Percy.

     -Bem, vamos, temos que ver o Arsenal. – Chamou Sean.

     Andamos mais um pouco, vários campistas com camiseta laranja escrita “Acampamento Meio-Sangue”, passavam por nós. Alguns acenavam e desejavam as boas-vindas, outros nos encaravam, como se viéssemos de outro mundo.

     -Bem, aqui é o arsenal. – Anunciou July, apontando o braço, num gesto de “tchans”.

     Era uma construção de pedra e madeira. O lugar era escuro e vazio, July não quis nos mostrar por dentro, ela disse que era chato e sem graça. Sean revirou os olhos e murmurou algo como “justo a parte legal...”.

     -E ali ao lado, ficam os estábulos dos pégasos. Agora, vamos até a arena... – Começou July.

     -Finalmente, um pouco de ação! – Interrompeu Sean, erguendo os braços para o céu.

     -Garotos...

     Fomos até a arena, não tinha nada de mais, era só uma tradicional arena grega antiga e alguns bonecos de madeira, para treinar, acho.

     -Bem, essa é a arena. É aqui que vocês treinam e aprendem a ser bons de verdade. – Disse Sean.

     -Vamos treinar o que? – Perguntou Susan.

     -Ai, ignorância. Esgrima, é claro!

     -Eu? Esgrimindo? – Indaguei.

     -Com espadas de verdade? – Perguntou Michael.

     -Sim! E como você é filho de Hefesto, você mesmo vai forjá-las.

     -Mas... eu nunca vi uma espada de verdade antes, não tem como eu construir algo assim.

     -Eu também vou ter que lutar com espada? Eu não sirvo pra isso! – Protestou Mary.

     Sean revirou os olhos e sacou uma espada preta de mais ou menos um metro, o que nos fez arquejar. Ele se afastou e fez uns movimentos com ela, cortando o ar com a velocidade.

     -Isso que eu estou fazendo, vocês também são capazes de fazer. – Ele subiu na arquibancada aos pulos, voltou para o chão, deu um salto mortal e parou de pé, apontando a espada para nós. - Está no seu sangue.

     Então ele se dirigiu até um boneco de madeira, e arrancou-lhe a cabeça com um só golpe. Sean virou-se para nós outra vez.

     -Isso tudo vocês vão adquirir com treino. Muito, muito treino. Mas cada um de vocês vai ter mais facilidade em uma coisa, conforme o seu pai olimpiano.

     -Quando vamos começar a aprender a fazer isso? – Perguntou Michael. Ele parecia ser o único começando a ficar empolgado.

     -Amanhã. Ainda temos muito o que ver. July, qual a próxima parada? – Sean começou a ficar mais animado, parecia que tudo o que realmente importava para ele era lutar.

     -Vamos ao pavilhão. – Ela respondeu.

     O pavilhão era um lugar bem amplo, de construção grega, com escadas e chão de mármore branco. Quatro pilares enormes decoravam as extremidades do lugar. Haviam várias mesas grandes com toalhas brancas e detalhes em roxo. No centro delas, estava uma grande pira de mármore, como uma banheira, onde queimava um fogo ardente, que agora iluminava o céu já escuro.

     -Aqui é onde fazemos as refeições. Café da manhã, almoço, jantar, é sempre no pavilhão. – Explicou July.

     -Esse lugar não tem teto. – Observou Susan.

     -Não. Assim a fumaça encontra o caminho para o Olimpo mais fácil.

     -Ah, ta. – Disse Vanessa, irônica.

     -Como nós ficamos quando chove? – Perguntou Michael.

     -Ora, que pergunta. Ficamos molhados, ué! – Exclamou July.

     -Isso eu sei! Mas como vamos ficar aqui na chuva, como vamos comer?

     -É, eu não posso molhar meu cabelo na chuva! – Protestei.

     -Ah, isso não é problema. Aqui no Acampamento nunca chove. A menos que nós queiramos, claro.

     -Então... já vimos tudo? – Perguntei.

     -Falta só o anfiteatro e a parede de escalada, mas já está ficando muito escuro, é melhor vocês irem logo para seus chalés, daqui a pouco teremos a janta.

     -Esperem. Vocês têm celulares? – Perguntou Sean, como se isso precisasse ser explicado.

     -Sim! – Respondemos todos ao mesmo tempo, exceto July, que ficou em silêncio.

     -Me alcancem aqui.

     -Por que? Desde quando você tem direito sobre as minhas coisas? – Indaguei.

     -Annie, qual é, até parece que ele vai explodir seu celular. – Disse Vannie.

     Eu entreguei meu celular para Sean, relutante, assim como os outros. Ele encarou nossos celulares por alguns segundos. Eles começaram a flutuar e tremer, até que viraram pó.

     -Argh! Olhe o que você fez! Meu celular! – Gritou Vanessa.

     -Não vai explodir, hein, Vannie? – Grunhi.

     -Eu nunca imaginei que ele fosse!

     -Ah, por favor, depois da nossa experiência com ele, você duvidou mesmo que ele não explodisse celulares?

     -Tecnicamente, eu não explodi os celulares, eu os reduzi a pó. – Corrigiu Sean.

     -Dá no mesmo! Eu estou sem celular!

     -Fique feliz por isso, celulares são perigosos.

     -Claro que não são! – Eu já estava começando a me irritar com ele.

     -Sim, são. Para um humano comum, um celular é apenas um meio de comunicação e entretenimento. Para os meio-sangues, celulares são um meio  para os monstros nos encontrarem. É quase pior que mandar um pisca-alerta em vermelho e gritar em um megafone.

     -Da onde você tirou essa ideia ridic...

     -Ouçam o que ele diz. – Interrompeu-me July. – Celulares são perigosos. Vocês terão que se acostumar se comunicar por Mensagens de Íris. Agora vamos aos chalés.

     July nos conduziu a um grupo de chalés, em forma de U. Mas eles não cabiam no meu conceito de chalé. Eram construções enormes e personalizadas. Bem no meio deles, havia uma fogueira queimando, e uma garota de uns dez anos estava sentada esquentando as mãos, olhando fixamente para as chamas que dançavam a sua frente.

     -Bem-vindos, heróis. Eu os estava aguardando. – Disse ela, sorrindo para nós. Apesar de sua aparência jovial, seus olhos e sua voz apresentavam muito mais experiência, muito mais sabedoria.

     July e Sean nem pareceram percebê-la, mas meus amigos e eu começamos a nos entreolhar, confusos, como quem diz “você também ouviu?”

     -Bem, primeiro vamos deixar a indeterminada no chalé 11. – Disse July.

     -Ou seja, eu. – Murmurou Susan, emburrada.

     July a ignorou e bateu a porta do único chalé que podia ser chamado de chalé! Era um dos maiores, tinha a pintura marrom e telhado de madeira. A única coisa anormal é que a escultura de um caduceu decorava a parede da frente.

     Um garoto abriu a porta e colocou a cabeça para fora. Eu o reconheci, era o mesmo que July tinha enviado para falar com Quíron. O garoto de sorriso maroto e sobrancelhas arqueadas.

     -Olá? – Disse ele.

     -Olá, Travis. Temos uma campista indeterminada aqui. – Disse July.

     -Ah... claro. – Ele parecia cabisbaixo e preocupado.

     July hesitou, mas por fim perguntou:

     -Alguma notícia do seu irmão?

     O rosto de Travis escureceu, rendendo-se a angústia.

     -Não, nenhuma. Quíron já mandou alguns campistas atrás dele, mas não tiveram nenhuma pista.

     -Eu lamento, de verdade. Connor era um cara legal.

     -Valeu... Mas enfim, você disse que temos um campista indeterminado aqui?

     -Ah, sim. Susan, esse é Travis, representante do chalé de Hermes.

     -Prazer. Sou Susan Cold. – Disse Susan, Travis esboçou um sorriso.

     -O prazer é meu. Sou Travis Stoll. O chalé de Hermes está meio vazio por causa das novas regras, então temos um bom beliche para você.

     -Ahn, ok. Até quanto tempo eu vou ficar aqui?

     -Até que você seja reclamada, todos campistas que ainda não sabem sobre seus pais ficam por aqui. Mas não esquenta, o chalé de Hermes é legal. Bem... costumava ser mais divertido com o meu irmão...

     -Chega de se lamuriar. Tenho certeza de que o encontrarão em breve. – Assegurou July, mas eu não senti firmeza nenhuma na voz dela. – Bem, eu tenho que levar os outros para seus chalés. Você acomoda ela aí, Travis?

     -Sim, sim. Pode deixar comigo. – Disse o garoto. Susan acenou para nós, ela estava meio nervosa, ia dormir pela primeira vez em um chalé estranho depois de descobrir que era filha de um deus grego.

      Embora eu não conhecesse Travis, fiquei triste por ele. Ele parecia realmente abalado pelo sumiço do irmão, como se eles não pudessem se desgrudar nunca.

     July foi andando até chegar no meu chalé. Era branco por fora, cercado por oliveiras, com janelas grandes e uma coruja cinza na parede da frente. Não era muito diferente do estilo adotado por minha mãe... adotiva. Exceto pela coruja na parede, claro.

     -Bem, esse é o chalé de Atena. – Disse July.

     Então ela bateu na porta. Uma garota abriu, eu a reconheci, era aquela loira que estava por perto quando fui reclamada. Qual era mesmo seu nome? Eu acho que era...

     -Annabeth. – Disse July. – Trouxe a campista nova. Preciso acomodar os outros, você mostra o chalé para ela?

     -Claro. – Annabeth dirigiu seu olhar a mim. - Olá, já nos vimos antes. Eu sou Annabeth Chase. Qual é o seu nome?

     -Sou Annita Sparks. – Respondi, sorrindo. – Mas todos me chamam de Annie!

     -Bem, nós vamos indo. – Exclamou July, com seu sorriso lindo. - Boa-noite, garotas. Até amanhã.

     -Tchau, Annie. – Murmurou Vannie. Ela me lançou um olhar nervoso. Eu a respondi com a mesma expressão. Ouve um entendimento entre nós. Ela estava com medo e eu também, afinal, estávamos em um acampamento para semideuses, sabendo que existem monstros que estão atrás de nós.

     -Tchau, Vannie. – Respondi, por fim. Então olhei para meus outros amigos. – Tchau Mary, tchau Michael.

     Eles se afastaram e eu entrei no meu chalé. Annabeth fechou a porta atrás de nós. Eu quase tive um enfarte.

     Aquela porcaria de chalé era completamente CINZA!

     As camas eram cinza, as paredes eram cinza, o teto era cinza, o chão era cinza, os armários eram cinza, as escrivaninhas eram cinza... TUDO ERA CINZA!!

     Meus novos irmãos me encaravam meio confusos, deviam estar sem entender minha expressão.

     -Ahn... tudo bem? – Perguntou um deles.

     -Annie? – Murmurou Annabeth. – Algum problema?

     -“Algum problema?” – Repeti. - É claro que tem um problema! Vários problemas! Esse chalé é todo cinza! – Gritei alto, erguendo os braços e sacudindo os cabelos. Todos ficaram em silêncio por um momento, estudando minha reação.

     -E? – Perguntou Cody, por fim.

     -“E” que cinza é ridículo! Quem foi que teve essa ideia idiota?

     -Atena! Sua mãe!

     -Se ela é deusa da sabedoria por que escolheu uma cor tão horrorosa?

     -Não é uma cor horrorosa. É a cor do cérebro humano. – Disse uma garota, parecendo ofendida.

     -O meu cérebro não é cinza, é rosa com brilhos. Hunf. – Grunhi, cruzando os braços e empinando o nariz.

     -O que? Isso é totalmente impossível! – Gritaram vários filhos de Atena ao mesmo tempo.

     -Nada é impossível para Annita Sparks. – Murmurei, ainda de braços cruzados.

     -Argh! – Fizeram meus irmãos. Alguns colocaram as mãos na cabeça, puxando os cabelos. Outros viraram de costas, erguendo as mãos em rendição.

     -Annie... – Disse Annabeth, tentando ser paciente. Ela não estava conseguindo. – Como você pode odiar cinza? Seu olho é cinza!

     -É cinza com brilhos, ta?

     -Annie. – Disse Cody, raivoso. – Rosa com brilhos não é uma cor. Cinza com brilhos não é uma cor. “Com brilhos” não é uma cor!

     -Então eu criei uma nova cor. Sou superior a vocês. – Eu sorri e saltitei até um canto do chalé, ali coloquei minhas malas. – Onde eu posso guardar minhas roupas?

     -No seu baú. – Disse um garoto. – Annabeth, você já separou um baú para ela?

     -Sim, Josh. É este aqui. – Annabeth apontou para um baú grande de madeira, pintado com tinta cinza. Eu ia ter que guardar minhas roupas naquilo? Apesar de ser feio e cinza, minhas roupas não iriam caber lá dentro.

     -Vocês todos guardam suas roupas nessa coisa? – Perguntei.

     -Sim. – Respondeu Josh. – E não morremos por isso.

     -E como você tem certeza de que eu não vou? – Retruquei. Ele revirou os olhos. Annabeth fez sinal para que ele deixasse com ela.

     -Annie, tente colaborar, por favor. Esse baú é tudo o que nós temos para você guardar as roupas.

     -Mas minhas roupas todas não vão caber aí.

     -Amanhã você pede para um dos filhos de Hefesto construir um maior para você. Agora, guarde suas coisas, já está quase na hora do jantar. – Ela se afastou e sorriu. Consegui sorrir de volta. Ela era a única que não estava sendo dura comigo. Ta que eu também não estava ajudando...

     Tirei algumas roupas das malas e as guardei, não estava com cabeça para arrumar tudo. Percebi que havia uma gosma verde nas rodinhas da minha maior mala. Lembrei da mulher com pernas de cobra que eu havia esmagado. Estremeci de nojo.

     Tentei tirar a cena asquerosa e perturbadora da minha cabeça. Respirei fundo e comecei a analisar o chalé, ajoelhada no chão.

     Agora que estava mais calma, pude prestar mais atenção nos detalhes. Toda a parede da esquerda era atravancada com livros e mais livros. Na direita estavam os beliches, com alguns mapas colados na parede. No fundo, haviam três escrivaninhas cinzas, com alguns livros jogados por cima, mapas desenrolados e notebooks abertos. Alguns dos meus irmãos estavam amontoados ali, estudando e discutindo sobre algo.

     Estavam praticamente todos mergulhados nos livros ou nos notebooks, exceto Annabeth, estava sentada na sua cama, organizando uma pilha de fotos. Ela pegava uma, olhava, ria e guardava em uma caixinha azul. Ela separou algumas e começou a colar na parede. Fui até ela, meio sem jeito.

     -Quer ajuda? – Perguntei, tentando me socializar. Afinal, ela era minha irmã.

     -Pode ser. – Ela respondeu. – Pegue as fotos dessa pilha e coloque fita adesiva na parte de trás.

     Olhei para uma foto e não pude deixar de rir também.

     -Essa é você? – Perguntei.

     -Sim. E esse é Percy, meu namorado.

     -É, eu sei. Eu vi vocês dois juntos quando eu cheguei.

     Ela pegou a foto na mão e a observou, sorrindo com a lembrança da imagem. Ela e Percy, estavam com roupa de banho, sentados na areia em um dia ensolarado. Annabeth estava beijando-o, de olhos fechados, enquanto ele olhava vermelho e preocupado para a câmera. Dava pra perceber que eles estavam pousando para a foto e bem na hora do flash ela o surpreendeu com um beijo.

     Eu sorria, mas meu sorriso foi destruído por uma lembrança de Lian. Ele e eu tivemos vários momentos como esse durante o período que estávamos juntos. Mas agora ele... simplesmente...

     Meus olhos se encheram de lágrimas, tive de lutar para não chorar.

     -Está tudo bem? – Annabeth perguntou.

     -Sim. Claro. Não é nada. – Respondi. Ela pareceu perceber minha expressão, mas resolveu não comentar.

     Enxuguei os olhos e colei a foto na parede. Olhei para as costas da minha mão, havia um borrão preto. Percebi o que era. Minha maquiagem estava escorrendo com as lágrimas.

     Droga.

     Fui até a porta que parecia ser de um banheiro. Por sorte, nenhum dos meus irmãos prestou atenção em mim, estavam ocupados demais estudando. Entrei e me olhei no espelho. Realmente, minha maquiagem estava toda borrada ao redor dos meus olhos.

     Abri a torneira e comecei a lavar o rosto. Quando olhei de novo para o espelho, meu rosto estava pior do que antes. EU ESTAVA SEM MAQUIAGEM! Isso é inaceitável! Corri até minhas malas e peguei meu estojo rosa com brilhos cheio de gloss, batons, sombras, delineadores...

     Voltei ao banheiro, mas quando estava no meio do caminho, tombei com alguém, fazendo folhas e maquiagens caírem no chão.

     -Ai! – Disse Cody. – Olhe por onde anda! Não tem mais o que fazer, não? – Eu já estava começando a odiá-lo. O que ele tinha contra mim?

     -Claro que tenho. Tenho que me maquiar. E você? O que tem de tão importante para fazer? – Debochei.

     -Estudar. Precisamos encontrar um jeit...

     -Estudar! O que tem de mais nisso? Somos filhos de Atena, não somos? Se somos tããão inteligentes, pra que estudar?

     -Olhe aqui, você pode ser infeliz sendo filha de Atena, mas eu não, me orgulho disso e vou fazer o que o Acampamento espera de mim em situações difíceis: Pensar. Estamos passando por bilhões de problemas, não sabia? A cada dia a coisa fica pior, e você aparecer por aqui foi a gota d'água!

     Fiquei sem palavras, e olha que é difícil isso acontecer. Por um segundo, senti arrependimento e até um pouco de pena dos meus irmãos.

     Todos do chalé estava em silêncio, apenas encaravam Cody e eu. Meus olhos estavam arregalados, uma expressão meio que de surpresa. Cody estava com os dentes cerrados e as mãos em punho, enfurecido e ofegante.

     O silêncio permaneceu até que Annabeth interveio.

     -Cody, acalme-se. Ela é nova por aqui. Está claro que está sendo tudo difícil para ela. Lembra-se de como foi para você? Lembra-se como foi quando você descobriu que...

     -Eu sei! – Interrompeu Cody. Então sua expressão mudou, arrependendo-se. Seus olhos ficaram tristes e ele abaixou a cabeça, pensativo. Annabeth colocou a mão em seu ombro.

     -Cody... – Sussurrou Annabeth. – Não fique assim, ok? Já passou...

     -O... o que foi? – Perguntei, tentando ser solidária. – Aconteceu algo de errado com você?

     -Fique quieta! – Gritou uma garota. Eu já havia a visto antes. Era Sandy. – Já não causou problemas o bastante? Conseguiu o que queria? Você o fez chorar. Pode não ligar para isso, mas ele é seu irmão. Sua família. Mas alguém como você, não deve saber o que isso significa.

     Fiquei sem palavras outra vez. Mas não era de surpresa, era de tristeza mesmo. Meus olhos se encheram de lagrimas, mas o que eu faria? Para onde correria? Tudo o que eu fazia quando chorava era me esconder no meu quarto ou ligar para Vannie, mas agora eu estava presa em um chalé cinza ridículo, cheio de irmãos que me odiavam.

     -Olha, você... você... – Comecei. – Quem você pensa... eu...

     Não consegui terminar a frase, as lágrimas engoliram minhas palavras. Virei de costas, era pior ter que encarar meus irmãos. Fiquei ali, chorando. O único som no chalé eram meus soluços. Isso já estava ficando insuportavelmente desconfortável.

     Então a porta da frente se abriu, uma garota entrou. Estava na esperança de que fosse Vannie, Susan, Mary ou até mesmo July. Eu precisava de um ombro amigo. Um ombro amigo feminino. Mas não eram elas. Era Calisto, a garota estranha de vestes gregas. Mas novamente, seu cabelo trocara de cor, estava prateado e brilhante como a lua.

     -Algum problema? – Perguntou ela.

     Ninguém respondeu. Ela analisou minha expressão e a dos meus irmãos. Ela franziu o cenho, tentando entender.

     -O que aconteceu aqui? – Ela perguntou.

     -Nós tivemos... Alguns conflitos. – Confessou Annabeth. – Mas está tudo bem.

     -Não. Não está. Posso sentir a tensão no ar. O que houve?

     -Só alguns desentendimentos. – Annabeth e Calisto trocaram olhares, pude perceber que ela estava avisando-a que contaria tudo depois.

     -Certo. Vim chamá-los para o jantar. Já estão todos os chalés lá.

     -Nos atrasamos? – Perguntou Sandy. – Nunca nos atrasamos para o jantar. Como não ouvimos o soar da concha? Ah, deve ter sido tudo por culp... – Annabeth a cortou com um olhar assassino.

     -Venham logo. – Insistiu a garota. Por algum motivo, eu não fui com a cara dela.

     Adentramos na noite, Annabeth nos ordenou em fila, ela ficava na frente de todos.

     Todos meus irmãos lançavam um olhar mau para mim, me fazendo sentir mais culpada e deslocada. Pelo menos Cody não olhava para mim, eu não suportaria ver o olhar dele.

     Marchamos até o pavilhão, que ficava em uma colina, de frente para o mar. Alguns sátiros atrasados foram saltitando ao nosso encontro.

     Entramos no pavilhão. Realmente, todos os chalés estavam lá. Susan estava sentada com os campistas do chalé onze. Eles conversavam alegremente e pregavam peças uns nos outros, exceto Travis, que estava pensativo, olhando para a mesa. Susan não prestava atenção neles, ela olhava(de um jeito muito interessado) para uma mesa no canto do pavilhão, onde um único garoto solitário estava sentado.

      Ele tinha os cabelos pretos caindo nos olhos, a pele pálida e usava roupas escuras. Apesar do casaco grande, eu podia ver que ele era forte e musculoso. Mas tinha algo sombrio nele, assustador até. Ele parecia estar rodeado de sombras, como se sugasse toda a escuridão do pavilhão para ele.

     Haviam outras duas mesas com apenas um campista. Eu reconheci os dois. Em uma das mesas, sentava Percy Jackson, namorado da minha irmã. E na outra, estava Vanessa, solitária e amedrontada. Quando ela me viu, acenou e tentou sorrir. Pelo menos seu sorriso saiu melhor do que o meu.

     Avistei Michael, ele estava sentado com seus irmãos, conversando e rindo alto. Ele parecia ser o único feliz de nós. Encontrei Mary também, ela estava sentada em uma mesa um pouco maior, com Sean, alguns sátiros, um garoto loiro gorducho e Sr. D. Ela com certeza estava no pior lugar.

     Annabeth dirigiu a fila para a única mesa vazia. Sentamos todos ali. Nesse momento, pude perceber a semelhança entre meus irmãos e eu. Éramos todos loiros, os cabelos claros cor de areia, com olhos cinza e o físico atlético. Analisei os rostos deles, o olhar perdido e pensativo, como se estivessem planejando milhares de coisas ao mesmo tempo. Perguntei-me se eu ficava assim também quando estava distraída.

     Quíron ergueu uma taça dourada e exclamou:

     -Aos deuses!

     -Aos deuses! – Todos repetiram com alegria.

     Apareceram algumas garotas verdes, carregando bandejas de comida. Pelo que eu me lembre, eram dríades. Elas foram saltitando alegremente até cada mesa. Traziam uvas, maçãs, queijo, pão fresco e frango.

     Meu prato era branco, eu esquecera de trazer meu kit almoço, mas nem liguei para isso. A comida era saudável, frutas e saladas, o que eu costumava comer em casa, a não ser por frango, Vera dizia que era mal educado comer frango. Mas eu não estava em casa, e Vera não estava aqui para me dizer o que comer. Servi-me de uma coxa de frango, queijo e uvas. Eu teria me servido mais, mas também não podia perder a classe.

     Quando me servi, lembrei-me do quanto estava com fome. Eu não havia nem almoçado aquele dia, e não tomei meu chá das três da tarde. Peguei meu garfo e estava prestes a comer quando Annabeth me chamou:

     -Annie. Agora nós vamos para a fogueira, fazer oferenda aos deuses.

     -O que? – Perguntei.

     -É fácil, você pega um pouco da sua comida e joga no fogo, dizendo o nome de seu progenitor olimpiano.

     -Ah, por favor! Pra que fazer isso?

     -Eles gostam da fumaça. Venha logo.

     Todos os campistas estavam em fila, esperando para jogar parte do seu jantar aos deuses. Hunf, como se eles precisassem de fumaça de comida queimada para sobreviver. Que coisa ridícula!

     Annabeth se aproximou do fogo, atirou seu maior pedaço de pão amanteigado e murmurou:

     -Atena.

     Chegou a minha vez, me aproximei do fogo e não pude deixar de sentir o cheiro, bem diferente do que eu imaginei. Era um agradável aroma de brownie de chocolate recém tirado do forno, hambúrgueres grelhados e flores silvestres. Coisas que não deveriam combinar, mas combinavam.

     Peguei o queijo com o garfo e joguei no fogo. O olimpiano que eu disse deixou meus irmãos um pouco surpresos.

     -Afrodite.

     Estava voltando para minha mesa, com Annabeth logo a minha frente. Ela parou, um campista que estava sentado a sua mesa, havia puxado seu braço.

     -Alguma pista? – Ele perguntou, com os olhos dourados afogados em mágoa. Annabeth suspirou.

     -Não. Não conseguimos pensar em nada. Desculpe-me.

     -Não, está tudo bem. É só que... estamos um pouco ansiosos. Sabe, estamos tendo sonhos e...

     Ela afagou seu ombro, confortando-o.

     -Vamos continuar tentando, Oliver, eu prometo.

     -Obrigado. – Ele virou-se para seus irmãos, que esperavam boas notícias.

     -Quem era ele? – Perguntei, quando nos afastamos.

     -Oliver Sunshine, filho de Apolo. É, eu sei, o sobrenome não podia ser mais óbvio. – Eu dei uma risadinha.

     -E o que ele queria? – Annabeth suspirou outra vez.

     -Há alguns dias, dois filhos de Apolo, Dan e Morgan, desapareceram.

     -Como assim?

     -Eles simplesmente sumiram, ninguém sabe onde estão. Todo o Acampamento está confuso e aflito, com esperança em nós, filhos de Atena. Somos os encarregados de solucionar casos.

     Sentamos à mesa, Annabeth tinha pouca comida em seu prato, e nem parecia interessada em comê-la.

     -E não há nada que possam fazer? Tipo, consultar algum deus, quem sabe o próprio Apolo. – Perguntei.

     -Apolo não sabe nada sobre seus filhos desaparecidos. E ele não gosta de falar sobre isso, então evitamos fazer perguntas. Nunca é bom ter um deus frustrado. Não temos nenhuma ideia, estamos procurando no escuro.

     -Eu... sinto muito.

     -É... E hoje tivemos outro desaparecimento. Connor Stoll, filho de Hermes.

     -Sim, eu ouvi Travis falar sobre ele.

     -Pobre Travis, está arrasado. Ele e Connor eram simplesmente grudados. Como irmãos gêmeos. Eram muito confundidos com gêmeos mesmo, praticamente idênticos, a única diferença é que Connor é mais alto. – Annabeth calou-se, pensativa com a lembrança do amigo.

     Fiquei em silêncio também, com pena de todos os campistas. Eu sabia como era a sensação de perder alguém, senti isso o tempo todo. Mas mais do que nunca agora. Louis havia desaparecido. E segundo Susan, Vivian também.

     Eu nem tivera tempo para pensar sobre isso, esse fora o dia mais agitado e confuso de toda a minha vida. O pior é que eu nem tinha uma questão para pensar a respeito. De que adiantaria? Eu nem sabia o que acontecera com Louis, muito menos onde ele estava. E Vivian? Nem sei ao certo se ela realmente sumiu.

     Era muita coisa pra minha cabeça, mesmo sendo supostamente uma filha de Atena. Eu descobrira que deuses gregos existiam em menos de vinte quatro horas, e nem tinha certeza se estava sonhando ou não! E tudo o mais que acontecera comigo? Bem, era melhor nem pensar, se não poderia correr o risco de chorar em público. Péssima ideia.

     -Annie. – Disse Annabeth. – Por que está aí parada? Coma algo.

     Fiz o que ela pediu. Acho que me distraí pensando e esqueci que estava com fome. Peguei a coxa de frango com as mãos e dei uma bela mordida. Estava delicioso, fazia séculos que eu não comia nada além de salada. Se Vera me visse comendo desse jeito, provavelmente me proibiria de comprar meu terceiro iPad.

     Olhei para o meu copo, era um cálice de bronze e estava vazio. Mas os copos dos meus irmãos estavam cheios, embora não houvesse nenhuma garrafa de refrigerante ou jarra de suco na mesa.

     -Annabeth. – Chamei. Ela dirigiu seu olhar a mim. – Onde eu me sirvo de bebida?

     -Ah, como eu pude esquecer? – Ela se perguntou. – Peça ao copo. Diga a ele o que quer beber.

     Eu franzi o cenho.

     -O que?

     -Vá em frente. É só pedir, qualquer coisa.

     Hesitei, mas olhei pra o copo e disse:

     -Ahn... Champanhe.

     Nada aconteceu.

     -Qualquer coisa sem álcool. – Annabeth me censurou.

     -Owww... – Gemi, mas até que era uma boa. – Champanhe sem álcool.

     O cálice se encheu de um liquido transparente e borbulhante. Então tive uma ideia.

     -Champanhe sem álcool rosa!

     Funcionou, a bebida assumiu um tom suave e delicado de rosa claro.

     -EEE! Viva a mim! – Comemorei, batendo palmas.

     Annabeth me encarou, depois olhou para o meu copo. Ela revirou os olhos e bateu na testa com a mão. Sandy perguntou a ela o que havia acontecido, Annabeth a contou e Sandy murmurou algo como “ela não toma jeito...”.

     Eu a ignorei, bebi do meu champanhe rosa e sorri para Vannie, que me encarava com um olhar solitário. Ela sorriu para mim e fez um gesto com as mãos, que queria dizer “tenho que falar com você depois”. Eu assenti e segui comendo.

     Ao fim da ceia, Quíron bateu com o casco no chão de mármore para chamar nossa atenção.

     -Semideuses! – Anunciou ele. – Temos alguns avisos. E algumas perguntas também. Annabeth...

     Annabeth se levantou, interrompendo Quíron.

     -Já sei o que todos esperam. Não. Não temos ideia do que aconteceu a Morgan e Dan. Estamos tentando de tudo, mas sem pistas é quase impossível... – Ela hesitou. - Acho que a melhor solução é consultarmos o oráculo...

     Annabeth nem bem terminou a frase e Josh interrompeu:

     -Não! Você sabe que não é a melhor solução! Você mesma estava lá quando a maldição aconteceu!

     -Mas não há mais nada que possamos fazer. Não podemos procurar no escuro! Não fazemos ideia do que aconteceu! O oráculo é nossa única saída.

     -Não é uma saída, mexer com coisas amaldiçoadas nunca é bom.

     -Você fala como se já não fizéssemos isso o tempo todo...

     -Basta! – Quíron exclamou, fazendo sua voz ecoar. - Discussão não leva a nada. Mas Josh tem razão, querida. É melhor esperarmos que o oráculo volte ao normal.

     Annabeth suspirou.

     -Sim, Quíron.

     -Bem... acho que todos já sabem sobre Connor Stoll. Ele desapareceu essa tarde. Travis, alguma pista?

     -Não... Nada... – Lamentou Travis. Um de seus irmãos deu um tapinha nas costas dele.

     -Eu lamento. – Disse Quíron. - Mas logo os encontraremos, eu tenho certeza. Bem, eu queria dar as boas-vindas aos cinco novos campistas que recebemos hoje. Annita, Vanessa. Mary, Susan e Michael, por favor, fiquem de pé.

     Levantei, meus amigos fizeram o mesmo, meio hesitantes.

     -Venham até aqui, não tenham medo. – Chamou Quíron.

     Fomos até ele. Eu podia sentir os olhos dos calouros grudados em nós, novatos deslocados.

     -Campistas, saúdem seus novos companheiros com uma salva de palmas. – Todos aplaudiram, não pude deixar de sorrir. – Temos apenas uma indeterminada entre nós, Susan Cold. – Ela mostrou seu rosto de frustração. Olhei para o garoto sombrio, pude perceber que ele estava um tanto interessado nela... - Pode voltar para seu lugar, querida. Este é Michael Evans, do chalé de Hefesto. – Os filhos de Hefesto aplaudiram e gritaram algo como “aê Michael, nóis detona com tudo!”. Eu ri. – Essa é Annita Sparks, do chalé de Atena. – Alguns campistas que ainda não haviam me visto, arquejaram, surpresos. Eu revirei os olhos e voltei para minha mesa. – E aqui temos dois casos especiais. – Espere, dois casos especiais? Não era apenas Vanessa a “toda importante filha de Zeus”?

     Olhei para Mary, ela tentou esconder seu rosto com o cabelo. Quíron sorriu e a chamou mais para o centro.

     -Essa é Mary Fleurs. Ela é a primeira semideusa filha de Perséfone que se tem conhecimento. – Alguns campistas sufocaram um grito. Eu fiquei sem entender, era nova nessa historia toda. Mas que eu me lembre, Perséfone era Deusa da Primavera, filha de Deméter, Deusa das Estações e da Agricultura. – Infelizmente, não temos um chalé para você, querida. Mas enquanto o construímos você pode ficar no chalé de Hermes.

     -Deixe conosco, Quíron. – Disse uma garota, se pondo de pé. – Ela pode ficar no chalé de Deméter.

     Ela era bem baixinha, mas tinha claramente a minha idade. Seus olhos eram de um castanho avermelhado intenso e caloroso, como o verão. Seus cabelos eram castanho-escuro, lisos com cachos da metade para baixo e iam até o meio das costas. Ela tinha as bochechas fofas e rosadas, que a deixava quase tão adorável quanto July.

     -Bem, realmente acho que é uma escolha melhor. O que você acha, Sr. D? – Perguntou Quíron. O Sr. D assentiu e abanou a mão, com um gesto de “que seja”. – E você Mary? Aceita?

     -Ahn... por mim tudo bem. – Respondeu Mary, envergonhada.

     -Excelente. Já pode sentar-se com seus... tios. – Mary franziu o cenho, os filhos de Deméter riram.

     -Olá, Mary. Eu sou Maggie Campbell, seja bem-vinda ao chalé de Deméter. – A garota sorriu e ela e Mary sentaram-se à mesa e começaram a conversar.

     -Bem... – Continuou Quíron. – O segundo caso especial é Vanessa. Filha de Zeus.

     Houve um longo momento de silêncio. Todos encaravam Vannie de um jeito que chegava a ser assustador. Ela não sabia como reagir, isso estava claro em seu rosto. Ela olhava de um lado para o outro, mexendo no cabelo, esperando que os campistas parassem de observá-la daquele jeito.

     -Bem, – Disse Quíron, quebrando o silêncio. – Agora que já foram todos apresentados, vamos começar com o jantar. – Ele se virou para Vannie e sorriu para ela. - Pode voltar para o seu lugar, querida.

     Ela sentou a sua mesa solitária, um pouco constrangida, detestava ser o centro das atenções. No mesmo instante, os campistas voltaram a encarar Quíron, como se nada tivesse acontecido. Mas eu podia perceber um ou outro olhando para Vanessa ou Mary pelo canto do olho, enquanto cochichavam com alguém.

     Quíron bateu com o casco, pedindo silêncio. Sr. D. Ele se pôs de pé e anunciou:

     -Vão logo para a sua fogueira idiota, estão dispensados. Vão, vão. – Ele fez gestos com as mãos, como que nos enxotando. Os campistas levantaram, apressados.

     Hunf, rude como antes.

     -Annabeth. – Chamei. – que fogueira é essa?

     -Ah, sempre depois do jantar, nos reunimos no Anfiteatro, em volta da fogueira para cantar as musicas do Acampamento. Aliás, isso vai ser uma grande besteira, já que os filhos de Apolo, que comandam a cantoria, estão desaparecidos.

     -Mas não sumiram só dois? Os outros não sabem cantar?

     -Claro que sim. Mas como vão cantar nesse clima? Como vão animar os outros se estão todos desanimados?

     -Mas então por que não cancelam a cantoria?

     -Quíron tentou, mas o Sr. D disse que tradições são feitas para ser mantidas, está escrito no Livro dos Regulamentos do Acampamento. Hunf, como se o Sr. D tivesse se dado ao trabalho de ler as regras do Acampamento.

     Depois disso, Annabeth ficou em silêncio e eu deixei assim. Chegamos no Anfiteatro, era um típico teatro grego antigo. Eu me sentia retrocedendo no tempo.

     Sentamos a volta de uma fogueira e os filhos de Apolo começaram a cantar, meio sem jeito. A melodia era linda, por serem filhos do Deus da Música, mas mesmo assim podia notar-se a melancolia na voz deles. A cor das chamas era azulada e triste.

     Annabeth começou a cantar, tentando animar a si mesma. Eu a acompanhei, cantarolando o refrão. Outros campistas que estavam contentes, como os filhos de Hefesto, começaram a cantar alegremente. Logo, outros também se animaram a sorrir. As chamas passaram do azul para o amarelo, e do amarelo para o laranja. Por algum motivo eu soube que a cor do fogo tinha a ver com o nosso estado de espírito.

     Os filhos de Apolo estavam se alegrando afinal, cantaram com mais emoção e alguns até sorriam. Depois da musica, comemos doces e mais outras coisas gostosas. Contamos historias e rimos um pouco. Até que eu estava gostando do Acampamento, embora alguns de meus irmãos ainda me evitassem.

     Por fim, a hora da fogueira acabou, não consegui falar com Vannie, afinal. Annabeth nos ordenou em fila e voltamos para nosso chalé. Meu beliche já estava com os lençóis dobrados e limpos. Eu sentei na cama e suspirei. Annabeth me alcançou um travesseiro.

     -Obrigada. – Murmurei, de cabeça baixa. Era estranho dormir em um lugar que não era a sua casa. Eu me sentia como uma garotinha de sete anos que ia passar a noite pela primeira vez na casa de uma amiga.

     Annabeth sentou na minha cama e afagou minhas costas. Embora todos meus outros irmãos me ignorassem, ela já me tratava como irmã caçula. SE não fosse por ela, não sei como eu me sentiria.

     -Não vai ser assim pra sempre. – Ela disse.

     Eu franzi o cenho.

     -O que?

     -Josh, Sandy, Cody... Eles não vão tratá-la assim todos os dias. São boas pessoas, só estão estressados.

     -Hunf, eles estão deixando uma péssima primeira impressão.

     Ela ficou em silêncio, tentando escolher as palavras.

     -Você... – Ela bufou. –Você fugiu de casa?

     Era incrível como era difícil ouvir a verdade. Mas por fim, admiti.

     -Sim. Eu fugi. Eu não sei o que deu em mim, eu... eu não suportava mais as mentiras da minha mãe... eu...

     -Sua mãe? Atena a visitava?

     -Não... é que... bem, eu tenho uma mãe adotiva. Eu só descobri hoje, quando fugi.

     -Eu... sinto muito. Sei como é difícil, eu também fugi.

     -Mesmo? Faz muito tempo?

     Annabeth deu uma risadinha.

     -Eu fugi quando tinha sete anos.

     -Wow... como você se virou? Quer dizer, se existem mesmo monstros rondando por aí, como você não foi atacada?

     -Eu fui sim atacada, várias vezes. Foi muita sorte eu não ter morrido. Se não fosse por Thalia e Luke, eu provavelmente não estaria aqui agora.

     -Quem são esses?

     -Thalia é minha best friend forever! – Ela sorriu ao lembrar da amiga. – E Luke... bem... – Sua expressão foi tomada pela dor. Embora a curiosidade me tentasse, eu não a pressionei.

     -Quem é Thalia? Ela é do Acampamento?

     -Mais ou menos. Já foi um dia, mas agora ela faz parte das caçadoras de Ártemis.

     -De quem ela é filha?

     -Zeus. Ela e sua amiga Vanessa são as únicas.

     -Por que? A maioria dos chalés está cheio de campistas.

     -Desde a Segunda Guerra Mundial, os Três Grandes, Zeus, Poseidon e Hades juraram pelo Rio Estige que nunca mais teriam filhos. Eles causavam problemas demais, por serem muito poderosos e brigarem entre si.

     -Mas... seu namorado, ele não é filho de Poseidon?

     -Sim, os deuses quebraram as regras. Quatro vezes. – Ela suspirou. – Bem, é melhor você dormir, amanhã será um dia puxado.

     Eu assenti. Annabeth já estava de pijama, então deitou em sua cama e logo adormeceu. Vasculhei uma das minhas malas até encontrar uma camisola. Era a minha favorita, seda pink e barra emplumada.

     Fui até o banheiro, me vesti e escovei os dentes. Precisava de um  bom banho, mas como não tinha chuveiro no banheiro e eu estava muito cansada, voltei para  cama.

     O chalé já estava com as luzes apagadas, apenas a luz de cabeceira de Josh iluminava de leve o ambiente. Ele estava deitado em seu beliche, lendo um livro.

     Deitei na cama e tentei não me sentir deslocada. Costumava mandar uma mensagem de boa noite para Lian sempre que ia dormir, mas ele me traiu, não faria sentido eu mandar uma mensagem para ele. Além disso, Sean explodira meu celular. Agora, além de tristeza eu sentia raiva. Ora, que direitos Sean tinha para com as minhas coisas? Amanhã eu iria falar melhor com ele. Bem, se é que ele ainda está no Acampamento.

     Cobri-me com o lençol e concentrei-me em esvaziar a mente. Estava preocupando-me demais com coisas que eu não podia resolver. Graças a Deus o dia estava acabando, por um momento cheguei a pensar que ele nunca fosse acabar. Parecia haver uma eternidade que eu não estava em meu quarto. Parecia que tudo era surreal. Parecia que nada mais que eu acreditava existia.

     Por fim, fechei os olhos e adormeci.

     Eu não via nada além da escuridão que me cercava. Era como se a luz do mundo fora apagada. Dei um passo a frente, só então percebi que eu estava consciente dentro do sonho, e que eu estava consciente de que se tratava de um sonho!

     Dei outro passo e colidi contra um muro. Tateei as mãos pela parede e encontrei algo como uma maçaneta enorme. Percebi que se tratava de um porta. Girei a maçaneta e empurrei a porta.

     A escuridão foi substituída por uma luz tão imensa que me fez fechar os olhos e cobrir o rosto. Tentei dar outro passo a frente, mas cambaleei e quase caí, aturdida pela claridade.

     Minha visão se acostumou, finalmente pude abrir os olhos. E o que vi, não me agradou nem um pouco.

     Havia uma garota amarrada pelos tornozelos, os pulsos e o pescoço, por correntes douradas e reluzentes. Ela se contorcia e se debatia, tentando se soltar. Parecia perceber que era inútil lutar, mas o desespero a levava a isso. Tentava gritar, mas algo cobria sua boca e a obrigava a ficar em silêncio.

     O único som no imenso salão branco eram as correntes colidindo umas com as outras e com o chão.

     A garota virou-se para mim, e me mandou um olhar de socorro com os olhos dourados cobertos de lágrimas. Nesse momento apavorante, percebi quem era a garota.

     Vivian.

     Queria gritar, mas minha voz não saía. Tentei correr até ela, mas era como se alguma força invisível me mantivesse imóvel. Era como andar contra uma correnteza muito forte.

     Uma risada estrondosa soou, debochando da minha cara. Era tão maligna e ameaçadora que eu sentia como se penetrasse pelos meus ouvidos e embaralhasse meu cérebro.

     Uma voz familiar murmurou em tom de deboche:

     -Você não pode tudo, Annita Sparks? Então vá em frente, liberte sua amiga, mostre que você é capaz!

     Era o que eu tentava fazer, embora soubesse que era um sonho, sentia que Vivian precisava da minha ajuda. Ela se lançava para frente, lutando para se soltar. Usava tanta força que as correntes causavam ferimentos em sua pele.

     A risada soou outra vez, e tudo ficou escuro.

     Acordei com um pulo e sentei na cama. Minha respiração devia estar tão acelerada quanto meus batimentos cardíacos. Minhas mãos ainda tremiam, em choque. Eu estava consciente de que fora tudo um sonho, mas aquela sensação de que Vivian estava em perigo, continuava a afligir meu coração.

     Eu não tinha a mínima vontade de dormir, e nem conseguiria se tentasse. Levantei da cama, calcei minhas pantufas e fui até o relógio enorme que pendia na parede ao lado da porta. Eram duas da manhã. O sonho ainda aturdia a minha cabeça, então decidi dar uma volta pelo Acampamento para tomar um ar.

     Abri a porta, tentando fazer o mínimo de barulho possível. A brisa quente do verão entrou no chalé e fez meus cabelos flutuarem levemente. Fechei a porta atrás de mim e avancei na noite.

     Eu fiquei alguns minutos apenas vagando, tentando entender o por que de eu sair a passear no meio da madrugada. Eu só conseguia enxergar por causa de algumas tochas com estranho fogo verde flutuante iluminarem a escuridão.

     Já estava ficando cansada quando ouvi uma voz familiar dizer:

     -...Eu não sei. Não me deixaram sair. – Houve uma pausa. – Como eu vou saber? Não, não. Eles só acham que eu seria útil para alguma coisa. – Outra pausa. – Com certeza eu seria bem mais útil que você. – Uma terceira pausa. – Não, eu não me sentiria melhor se você estivesse aqui. Sim, é verdade. Ah, olhe, eu tenho que desligar. Tchau.

     Andei mais alguns passos a frente para entrar no campo de visão de Sean. Quando ele me viu, sua expressão não mudou. Ele apenas perguntou:

     -Você é sonâmbula ou apenas suicida e espera que alguma harpia a devore?

     Eu não respondi, tinha apenas uma coisa em mente:

     -Por que você estava falando no celular? Não era “extremamente perigoso”?

     -É, mas eu sei me virar. Além disso, semideuses mais experientes podem usar celular em emergências.

     -Mas eu preciso do meu iLuv! Você não tinha direito de explodi-lo! Você não direito algum com as minhas coisas! Eu só quero que você fique longe de mim!

     -Ok, da próxima vez que você estiver em perigo, lembre-me de não ajudá-la.

     -Ora seu... seu... Grrr!

     Trinquei os dentes, tentando conter o impulso de socar Sean. Eu sabia que poderia derrotá-lo, se ele fosse um ser humano normal. Mas sendo um semideus com poderes explosivos... era melhor não arriscar.

     Ele riu com a minha expressão assassina. Saí pisando forte no chão, tentando ignorar a risada dele.

     -Cuidado com as harpias! Se elas a atacarem eu não vou poder ajudá-la! – Ele gritou, debochando.

     Eu estava determinada a voltar para cama, passei pela arena a caminho do chalé 6 e senti uma mão segurando meu ombro por trás. Eu me virei, ainda com os dentes trincados, grunhi:

     -Sean, já disse para me deixar em paz!

     -Annie? O que houve? – Perguntou Vanessa.

     -Ah, Vannie. Pensei que fosse Sean. O que está fazendo aqui?

     -Eu é que pergunto. Eu andar sozinha no meio da noite é normal. Agora você? Não tem medo que insetos noturnos a ataquem?

     -Ha, ha. – Retruquei. – Acontece que eu estava a fim de exibir minha camisola pink para os insetos noturnos.

     -Ah, falando sério Annie. O que esta fazendo?

     -Só dando uma volta. Mas acabei tombando com Sean e me estressado. Acho melhor eu voltar a dormir.

     -Boa sorte. Eu estou tentando dormir já faz um tempo. Mas o sonho que tive...

     -Eu também tive um sonho estranho. Sonhei que Vivian...

     -Estava em perigo! Eu também!

     -Wow... assustador.

     -Será que Susan também sonhou o mesmo? Será que podemos ir até o chalé dela e...

     -Mas é claro que não! – Uma voz feminina gritou.

     Nos viramos e nos deparamos com a ponta afiada de uma espada. Engoli em seco.

     Era Calisto. Ela estava acordada também. Seu cabelo longo e prateado estava preso em um rabo de cavalo imenso enfeitado com trancinhas de fio dourado.

     -O que fazem perambulando a essa hora da noite? – Ela perguntou, abaixando a espada.

     -Nós... ahn... – Gaguejou Vannie.

     -Hunf, foi o que pensei. Estão tramando tolices.

     -Não estamos não! – Protestei. – Se nós estamos “tramando tolices”, o que você está fazendo?

     -Eu estou treinando.

     -Você não dorme, não?

     -Não. Mas vocês sim. Tratem de voltar para seus chalés antes que as harpias as devorem.

     -O que são essas coisas?

     -São aves de rapina em tamanho humano e rosto de mulher. Elas servem ao Acampamento, têm permissão para devorar qualquer um que estiver acordado depois da hora. Exceto eu, é claro, já que não durmo.

     -Então o que faz a noite?

     -Treino. Treino para defender vocês de qualquer monstro que possa um dia atacar o Acampamento.

     -Então você não é semideusa? – Vannie perguntou.

     Ela deu uma risada graciosa.

     -Você ainda não tinha percebido? É claro que não. Que semideusa pode ver a forma divina de um deus? Bem, nem tem como vocês saberem dessas coisas já que são novatas.

     -Então o que você é? – Perguntei. – Uma deusa menor, ou coisa assim?

     -Não. Não tenho tanto poder. Sou uma Arma Divina, criada pelos deuses, a fim de protegê-los. Mas eu tive alguns... conflitos com Zeus e ele decidiu que eu seria mais útil aqui.

     -Em outras palavras, ele a expulsou do Olimpo.

     Calisto trincou os dentes.

     -Olhe, eu nem tenho por que dar explicações a vocês, já está tarde e amanhã eu vou treiná-las.

     -Mas July disse que só Nico e Percy treinam com você... – Lembrou Vannie.

     Ela deu um sorriso cínico.

     -A primeira aula de esgrima é sempre por minha conta. Vão para seus chalés de uma vez, se Sr. D souber que vocês estão acordadas...

     -Sim, eu sei. – Murmurei. – Ele vai nos incinerar.

     -Exatamente. Boa noite.

     Vannie voltou para seu chalé e eu para o meu. Meu passeio noturno me deixara cansada então logo adormeci. E felizmente, meus sonhos não voltaram a me perturbar.

     Acordei com o som de uma concha de caça sendo soprada. Pelo menos, era algo bem próximo disso. Abri os olhos, já era de manhã. Vi Annabeth levantar e chamar os campistas que ainda dormiam.

     Olhei para o relógio, eram sete e meia da manhã. Eu estava acabada, morrendo de sono, e carente de um bom banho. Peguei uma roupa e minhas maquiagens, fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes e me vesti.

     Olhei-me no espelho, eu estava vestindo uma blusa rosa com brilhos de alcinhas, um short cinza de cetim e sapatos pink de salto alto e dedos de fora. Coloquei meus acessórios de diamantes e fiz minha maquiagem básica.

     Ouvi batidas fortes na porta, abri e me deparei com Sandy.

     -Annita, o que a faz pensar que pode se trancar no banheiro? – Ela gritou.

     -O que a faz pensar que pode gritar comigo desse jeito? – Retruquei.

     -Olhe, caso você não saiba...

     -Sandy. – Annabeth interrompeu. – Você sabe que Annie não conhece nenhuma das nossas regras. Pare de agir como se ela devesse saber de tudo. – Ela se voltou para mim. – Annie, o banheiro é bastante grande, nos dividimos em turnos para nos vestir. Primeiro as garotas, depois os garotos. O que Sandy quis dizer é que...

     -Você está nos atrasando! O chalé de Atena tem que ser um exemplo de organização, já chegamos tarde para o jantar ontem, não podemos chegar tarde para o café da manhã também.

     -Ta, ta, eu já estou pronta. –Me defendi. - Podem se vestir.

     Sandy bufou, mas por fim entrou no banheiro.

     Depois que todos estavam prontos, fizemos uma fila e fomos até o pavilhão. Sandy estava exagerando, chegamos bem no horário. O café da manhã foi como o jantar de ontem. Erguemos as taças aos deuses, queimamos parte da comida e ao fim da refeição, Quíron deu os avisos.

     -Semideuses. – Ele exclamou. – Como vocês sabem, temos cinco campistas novos. Hoje será a primeira aula de esgrima deles, então, Calisto irá treiná-los. Quem quiser assistir e ajudá-los, fique a vontade. O restante terá aula normal com Clarisse.

     Ótimo, agora temos um público!

     Ouvi alguns campistas murmurarem coisas do tipo “ah, essa eu não posso perder” ou “nossa, eles estão mortos” ou ainda “você viu aquela filha de Atena? Ela é a maior gata, pena que vai pro Hades hoje.” Grrr...

     Levantei da mesa, Annabeth veio atrás de mim.

     -Eu vou assistir o treino, se você não se importar.

     -Não, tudo bem.

     -Não tenha medo. Calisto é forte, mas não vai pegar pesado, ela sabe que vocês ainda são fracos. De qualquer modo vou estar lá para ajudar.

    Eu parei.

     -Eu não sou fraca. Não preciso de ajuda. – Grunhi. Annabeth pareceu ficar desconfortável. – Ehr... eu não quis...

     -Tudo bem. Eu entendo.

     Nós e os outros campistas nos dirigimos para a mesma arena que July e o insuportável do Sean haviam nos mostrado há apenas algumas horas atrás. Estava fazendo o maior sol, só de pensar que eu iria suar lutando, ficava com nojo de mim mesma.

     Calisto estava ali, com um vestido grego rosado esvoaçante e o cabelo tão dourado quanto ontem. Usava vários adornos de ouro e prata. Perguntei-me de onde ela tirava tantos mantos e acessórios.

     Ela sacou a espada, embora eu não vira de onde exatamente ela tirou, parecia estar de mãos vazias quando eu cheguei. A espada era de fio duplo, tinha quase um metro de comprimento e parecia feita de bronze.

     Os campistas sentaram nos bancos, com expectativa, loucos para dar boas risadas.  Agora meus amigos e eu, éramos o centro das atenções.

     -Calouros. – Calisto apontou a espada para nós. – Como é seu primeiro treino, vou tentar não matá-los tão facilmente. – Ela nos lançou um sorriso maldoso. Nossa, ela realmente sabe como tranqüilizar alguém.

     Calisto começou a gargalhar. Michael engoliu em seco, Susan e Mary trocaram olhares assustados.

     -Eu estava brincando! – Disse ela entre risadas, ninguém a acompanhou. Então voltou a ficar séria, e apontou para uma mesa de madeira no canto da arena. – Podem pegar suas espadas.

     -Mas não temos espadas. – Disse Vannie.

     -Temos um estoque de espadas no arsenal para quem precise. Escolha uma que seja equilibrada em sua mão.

     Fui até a mesa de madeira e comecei a manusear as espadas, eram todas de bronze com cabo envolto em couro. Peguei uma delas, era pesada demais, difícil de manejar. Tentei outra, leve demais. E assim foi indo até que Calisto exclamou:

     -Muito bem, agora que todos estão armados, vamos começar com o treino.

     -Espere. – Pedi. – Ainda não encontrei uma para mim.

     Calisto suspirou.

     -Qual é o problema?

     -As espadas são pesadas demais ou leves demais.

     -Demora um tempo até que você encontre a arma certa. Agora pegue qualquer uma e vamos logo com isso.

     Fiz o que ela pediu, relutante e fui até onde todos esperavam por mim.

     -Não vamos usar proteção? – Susan Perguntou. – Tipo uma armadura?

     -Não. – Respondeu Calisto.

     -E se nos machucarmos?

     -Temos uma enfermaria no Acampamento.

     -E se morrermos? – Mary perguntou.

     -Talvez Hades tenha pena de suas almas.

     Silêncio mortal.

     Calisto gargalhou outra vez.

     -Por favor, vocês não sabem rir? – Ela pigarreou e endireitou o corpo. – Bem, ensinarei para vocês o básico, mas não pensem que será fácil. Por isso é bom que estejam com roupas confortáveis e adequadas... – Ela encarou os meus pés. – Annita, que calçado é esse?

     -Ai, ignorância. – Resmunguei. - É um salto pink da Gucc...

     -Não quero saber. Será que seu cérebro não consegue perceber que usar salto alto no primeiro dia de treino é ridículo?

     -Não, é glamoroso.

     -Eu vou lhe dar quinze segundos para calçar um tênis.

     -Haha, eu não trouxe tênis.

     -Annie, você deve ter uns trinta pares de tênis! – Vanessa exclamou.

     -Quarenta e sete se você quer saber.

     -Então por que não trouxe nenhum?

     -Por que eu não sabia que iria estar aqui! Eu pensei que nesse momento eu estaria no loft da Sarah(N/A: Eu to reescrevendo os capitulos, vendo o que poderia ficar melhor, e decidi que a fuga da Annie pra Los Angeles tava meio sem sentido. Aí eu coloquei que ela foi pra la porque a prima dela, Sarah, mora lá.), assistindo a desfiles de moda em uma tevê de plasma, comendo trufas de licor e bebendo chá inglês em xícaras de porcelana com formato de coração! – Berrei.

     Algumas pessoas da platéia tentaram abafar o riso.

     -Sinto muito em ser estraga-prazeres, mas isso não aconteceu. – Calisto exclamou. – Agora você está na minha arena, no meu treino, e você vai obedecer as minhas ordens sem reclamar!

     Eu ri de nervosa.

     -Como se eu obedecesse a alguém.

     -Olhe aqui, garota, se você não trocar de calçado agora, eu vou arrancá-lo dos seus pés e você vai treinar descalça!

     -Pode esquecer. Por que os meus pés feitos apenas para calçar Gucci e Chanel, não vão tocar essa areia imunda.

     Os olhos de Calisto começaram a brilhar mais intensamente, era quase perturbador. Então lembrei-me que Sean dissera sobre ela hipnotizar meio-sangues sem intenção. Hunf, ela não me parecia sem intenção agora. Se eu não desviasse o olhar, não seria surpreendente se ela fizesse com que eu batesse com a cara na parede até meu cérebro derreter.

     -Quer saber? – Resmunguei. – Isso é de uma estupidez abominável. Eu vou lutar do meu jeito. Em cima de um salto alto, com meus brincos de diamantes e sem essa espada idiota.

     Joguei a lâmina no chão, peguei as luvinhas de luta do meu bolso e as vesti.

     Calisto cerrou os punhos.

     -Como você ousa...

     -Não se estresse com ela. – Murmurou Sean. – Não vai adiantar. Se ela prefere lutar com as mãos, deixe-a tentar. Vai ser divertido vê-la apanhar de alguns filhos de Ares.

     Oh, pobres filhos de Ares, além de ser humilhados, terão que fazer uma visitinha à enfermaria. Estalei os dedos e sorri para os garotos que se aproximavam de nós, pensando que teriam diversão.

     Vanessa se aproximou de mim.

     -Annie, você é louca? Viu o tamanho daqueles caras?

     -Ai, Vannie, até parece que você nunca me viu lutar.

     -Hellooo, filha de Atena, caso seu cérebro rosa com brilhos não tenha se ligado, eles são filhos de Ares, Deus da Guerra!

     -E...?

     -“E ”que você está prestes a ser morta por eles!

     -Eles não são nada comparados a Annita Sparks!

     Ela bateu na testa com a mão.

     -Bem, já que Annita está empolgada, vamos começar com ela. – Anunciou Calisto. – Como você vai lutar sem arma nem poder, é bom você estar bem atenta aos movimentos deles, nunca baixar a guarda e...

     -Eu sei como fazer. – Olhei para os três garotos a minha frente, com espadas enormes e caras de mau. Dei um meio sorriso. – Podem vir.

     Pelo canto do olho pude ver a platéia rindo histericamente, e a expressão de medo dos meus amigos.

     O primeiro cara nem hesitou, veio pra cima de mim e tentou acertar minha cabeça com a espada. Ele estava tão confiante, que desviei dele facilmente, com a velocidade e o charme de uma pantera. Passei por baixo do braço dele e metralhei três socos nas costas, ouvindo sua costela quebrar. Ele se contorceu e caiu no chão. Detonei com ele em menos de trinta segundos.

     O segundo cara encarou seu parceiro no chão e depois olhou para mim, um pouco intimidado. O outro que estava em pé ao lado dele, o mandou ir em frente. Ele veio na minha direção com a espada na diagonal, tentando acertar minha barriga. Segurei seu braço com a ponta da lâmina a centímetros da minha pele, dei um soco em seu cotovelo, o som dos ossos quebrando fez a platéia arquejar. Meu adversário estava imobilizado pela dor, foi fácil girá-lo e atira-lo contra seu outro parceiro. Ele caiu no chão, segurando seu braço.

     O terceiro estava desorientado por causa da trombada e não me viu chegando. Dei um soco com tudo em seu rosto. Ele caiu duro no chão, acho que o nocauteei. Atravessei a arena em direção a Calisto, pisando nas costas dos filhos de Ares.

     Agora ninguém mais estava rindo além de mim.

     Chequei as unhas e sorri para os olhares perplexos de Calisto e Sean. Virei as costas para eles e andei até a saída.

     -Muito bem. – Calisto murmurou.

     -Hunf. – Resmunguei.

     -Annita.

     Estremeci, não admito ser chamada assim. Virei para ela, que me jogou uma espada, quase me cortei com a lâmina, mas consegui pegá-la.

     -Agora, volte e esgrime.

     -Eu já venci essa luta.

     -Não do jeito certo.

     -Você só não quer admitir que eu sou muito melhor do que qualquer um aqui. No meu primeiro dia de treino, detonei com os seus “bravos lutadores” apenas com minhas mãos. E ainda por cima, de salto alto, o que não me atrapalhou nem um pouco.

     Calisto suspirou, impaciente.

     -Será que você não entende? Não a treinamos para combater filhos de Ares, e sim monstros. Você não pode enfrentar monstros usando sapatos de marca.

     -Eu posso tudo, sou Annita Sparks!

     -Você não tem noção do perigo?

     -Calisto, por favor. – Interveio Percy, pulando da arquibancada. – Admita que ela foi incrível. Nenhum de nós consegue fazer nada disso.

     -Não banque o heroizinho do bem. – Murmurou Sean. – Ela pode até ter nos surpreendido, mas ainda não é o bastante. A única coisa que mata monstros é bronze celestial.

     -Não é verdade. Podemos matá-los com nossos poderes.

     -Mas ela é uma filha de Atena! Não tem poder nenhum!

     O chalé seis ficou tenso, tenho que admitir que também me senti ofendida.

     -Como é que é? – Indagou Percy. – Isso foi um insulto para com a minha namorada? Repita isso na minha cara!

     Sean sorriu.

     -Filhos de Atena não têm poder nenhum.

     -Você não sabe com quem está lidando.

     -Hahaha, você é que não sabe com quem está lidando.

     -Você fala como se pudesse me derrotar.

     -Hunf, eu posso derrotá-lo.

     -Então tente.

     Sean sorriu e deu um belo soco no rosto de Percy. Pensei que ele quebraria seu nariz, mas o garoto nem pestanejou. Ao invés disso, lançou uma expressão de escárnio e murmurou:

     -Tente de novo.

     Foi a vez de Sean sorrir.

     -Se você insiste.

     Ele tomou impulso com o braço e deu um murro tão forte que lançaria qualquer lutador de sumo ao chão. Mas aconteceu algo mais impressionante. Faíscas brancas saltaram do rosto de Percy, e sua expressão ficou perplexa. Em sua bochecha havia uma marca vermelha, como um esfolão.

     -Como você...

     Não entendi direito o que acontecera, todos da platéia murmuravam coisas como “ele machucou Percy...” ou “como isso é possível? Ele nem usou poder nenhum!”

     Percy se irritou e tentou um soco também, Sean desviou rapidamente, mas não conseguiu escapar quando seu adversário girou e chutou seu peito, fazendo-o recuar alguns passos.

     Percy não perdeu tempo, foi pra cima com tudo, tentando mais um golpe. Quase levou um chute na cabeça, mas conseguiu bloquear. Sean era rápido e flexível, parecia ter experiência em artes marciais. Desceu a perna e acertou as costelas de Percy, que recuou e pareceu meio tonto.

     Sean aproveitou para avançar e se preparou para acertar Percy na cabeça com o joelho. Não, não era bem isso, ele esticou a perna rapidamente, como um chicote e golpeou com força e velocidade o rosto do oponente. Uma vez, duas, três vezes. Depois desceu para as costelas outra vez e tentou outro chute. Percy pareceu entrar em pânico, defendeu o golpe com o braço, tentando derrubar Sean no chão. Não conseguiu, mas o empurrou com força e o esmurrou no rosto. Pude ouvir alguns campistas arquejar.

     Achei que Percy poderia vencê-lo facilmente, era um lutador forte e resistente, nada parecia afetá-lo, mas logo ficou claro que estava mais acostumado a esgrimir, e que Sean se dava bem nas artes marciais. Ele sabia que tinha vantagem no mano a mano desde o momento em que o desafiou. Tudo saia como ele planejara. Até que Percy percebeu que seria logo derrotado e sacou a espada, embora eu não vira exatamente da onde ele a tirou.

     Sean parecia saber da habilidade em esgrima do seu adversário. No momento em que viu Percy com a lâmina, pareceu um pouco desconfortável. Pensei que pegaria sua arma do mesmo jeito, mas ao invés disso, parou no meio da arena, inspirou fundo e gritou.

     Raios luminosos em um tom de violeta emitiram dele e formaram um tornado ao seu redor, enquanto ele continuava a gritar. Toda aquela força e energia se reuniu a sua frente e voou na direção de Percy, atirando-o com violência contra a mesa de armas, que se partiu ao meio fazendo espadas caírem no chão jogando poeira e areia para todos os lados.

     Algumas pessoas se levantaram, espantados. Annabeth saiu correndo de algum lugar da arquibancada e se ajoelhou ao lado do seu amado. Ela o levantou com cuidado, ele entregou-se ao chão, gemendo. Annabeth o virou de bruços delicadamente e analisou suas costas, com o rosto em pânico. Encarou Sean, que estava parado no mesmo lugar, ofegante e inexpressivo.

     -Você sabia, não é? – Ela perguntou, com a voz falhando.

     Sean não respondeu, apenas encarou o chão.

     -SEU MONSTRO! – Annabeth gritou. Lágrimas caíram de seus olhos.

     Campistas se aproximaram para analisar um Percy inconsciente. Ele estava pálido, mal respirava e suava frio.

     Alguns filhos de Apolo vieram com uma maca e o levaram para Casa Grande, Annabeth correndo atrás deles, chorando. Logo apenas Sean, Calisto e meus amigos estávamos na arena.

     Eu não entendia o que havia de errado, ele apenas bateu as costas no chão, deveria estar com dor, claro, mas não era possível que estivesse prestes a morrer. E era exatamente com essa sensação que todos os outros pareciam estar: que Percy estava por um fio.

     Olhei para Sean, procurando algum sinal de arrependimento. Pensei que ele estaria envergonhado, mas sua expressão era fria e satisfeita. Foi quando percebi. Sean sabia que as costas de Percy era seu ponto fraco, tentava acertar ali e o tempo todo, sabia que era a melhor maneira de derrotá-lo, sabia que o deixaria naquele estado. Não consegui acreditar que alguém que fora bom comigo e Vanessa antes, apesar de se mostrar rude, pudesse fazer algo como aquilo.

     -Você é esperto, garoto. – Disse Calisto, encarando Sean com uma expressão amarga. – Mas não pense que eu não percebi seu plano.

     Sean bufou.

     -Qualquer um sabe que eu não estou satisfeito aqui. Detonar com Percy era o jeito mais fácil de convencer a Quíron de que eu sou uma ameaça.

     -Você... – Murmurei, andando lentamente na direção de Sean. – Quem você pensa que é para fazer aquilo? O que Percy fez para você? Detonar com alguém inocente só para satisfazer sua vontade é completamente arrogant...

     -E quem você pensa que é para falar sobre arrogância? – Interrompeu-me Sean. – O que você mais sabe fazer é ser arrogante. Não é nada além de uma patricinha idiota que vive esnobando os outros e dando ordens para conseguir o que quer, só sabe pensar em uma cor fútil que não passa de vermelho misturado com branco, acha que manda em todos porque é famosa e multimilionária, pensa que pode sobreviver se tem dinheiro e sapatos de marca. Pois vou contar uma novidade para você: dinheiro não compra experiência em batalha e nem passagem para o Elíseo. Ou você aprende a lutar, ou você morre, essa é a regra. Mas você nunca será uma guerreira de verdade.

     Fiquei paralisada. Era como se Sean tivesse me dado um tapa. Ele esfregara toda a verdade sobre mim na minha cara, sem dó nem piedade. E o pior é que ele sabia tudo isso com apenas dois dias de convivência comigo. Será que meu defeitos estavam tão evidentes assim?

     Vannie andou até Sean, as mãos em punho.

     -Ora, seu...

     Eu a segurei.

     -Não. Ele tem razão. Ele não falou nada mais que a verdade.

     Lágrimas encheram meus olhos. Não, eu não podia deixar que me vissem chorar, não podia demonstrar fraqueza.

     Saí correndo, mas antes olhei para trás, e por apenas um milésimo de segundo, pude ver uma pontinha de arrependimento no rosto de Sean.

     Do banco onde eu estava sentada podia enxergar a todos. Vanessa, Mary, Susan, Michael. Eles respeitaram meu pedido de ficar sozinha. Eles estavam conversando com seus companheiros de chalés ou testando seus poderes, mas de cinco em cinco minutos um deles se aproximava para se certificar se eu não estava chorando. Isso era irritante. E não era de se surpreender que o único que me desobedeceu foi Sean, o último que eu queria ver.

     -Posso sentar? – Ele perguntou. Eu o encarei, com a melhor expressão de ressentimento que pude lançar. Ele ignorou e se acomodou ao meu lado.

     Por um minuto, Sean ficou em silêncio, apenas observando os pássaros da árvore que fazia sombra no banco onde estávamos.

     -É, Sean. – Ele murmurou consigo mesmo. – Você perdeu o controle... de novo.

     Eu não queria, mas tive que olhar pra ele.

     -Do que está falando?

     Sean suspirou.

     -Todas as pessoas têm dois lados, o lado bom, e o lado... não tão bom. Você já deve saber, sendo filha de Atena. – Ele usou ironia na voz, quase tomei como insulto, mas decidi ignorar. - Um ser-humano deve aprender a esquecer o lado indesejado e conviver apenas com o lado bom. Um herói precisa manter esses dois lados em equilíbrio, para seu próprio bem, para sua sobrevivência. Mas, para um meio-sangue como eu, isso é bem mais complicado.

     -Onde está querendo chegar?

     -Acho melhor não compartilhar isso com você agora, já que ainda estou meio, hã, perturbado. – Ele começou a falar mais rápido. – Mas o ponto é que ás vezes deixo o meu lado rude tomar conta. Não faço por mal, eu simplesmente não consigo controlar, é só que...

     -Tudo bem, já entendi.

     Ele suspirou novamente, então se calou.

     -Você pode ir agora. – Eu disse, depois de um tempo.

     -Acho que você não entendeu.

     -O que eu não entendi?

     -Que eu estou tentando pedir... des... desculpas. – Ele disparou, como se nunca tivesse pronunciado aquelas palavras antes.

     -Está desculpado. Mas eu não vou voltar a falar com você. Você me magoou Sean, bem lá no fundo.

     Ele tentou abafar o riso.

     -O que foi? – Perguntei, com raiva. Como ele pode ser tão insensível?

     -Nada, é que você falou como Apolo: você me magoou Sean, bem lá no fundo. – Ele imitou, com o mesmo tom dramático do deus. Apesar de estar de mal com ele, tive que rir. - Viu, você está rindo.

     -Cale a boca, você está estragando. – Eu disse entre risadas.

     -Então... amigos?

     Eu bufei.

     -Tudo bem. Amigos. Mas se você for idiota de novo eu nunca mais olho para sua cara.

     -Não precisa se incomodar, vou dar o fora daqui em breve.

     -Você não é o único desconfortável aqui. Estou me sentindo deslocada.

     -Você se acostuma com o tempo, você é uma filha de Atena, eu sou um filho de... Bem, não importa.

     -Hã-hã, faz tempo que você está evitando, mas agora você vai me falar. Quem é o seu pai?

     Ele me encarou, firme, decidido a ficar calado. Até que enfim suspirou.

     -Está bem. Eu sou filho de...

     -NÃO PODE SER! – Gritei, com os olhos fixos no garoto loiro a alguns metros  de mim, conversando com uma garota.

     Sean pulou do assento.

     -O que foi?

          Andei na sua direção, atordoada demais para perceber que alguns campistas se assustaram com meu grito. Não podia ser ele. Ele não podia estar aqui. Não era possível que ele fosse como eu.

     Aproximei-me por trás, ele ainda não havia percebido minha presença. Fazia tanto tempo que eu não o via, será que lembraria de mim?

     Com um gesto tímido, e o coração quase explodindo no peito de tanta ansiedade, cutuquei seu ombro.

     Ele virou, os olhos cor de mel brilharam surpresos ao me ver, e abriu um sorriso enorme e incrédulo. Seu rosto angelical de criança de oito anos ainda era o mesmo que eu lembrava. Incrível, só ver seu sorriso, esqueci os problemas, me senti mais feliz, mais em casa, apesar de essa ser exatamente a única coisa que eu não queria sentir.

     -Annie!?!?

     -Peter! Pensei que você estava desaparecido! O que você está fazendo aqui?

     -Não, o que você está fazendo aqui? Não vai me dizer que era um dos novatos que ouvi falar.

     -Você não me reconheceu no jantar?

     -É que eu estava limpando os estábulos dos pégasos...

     -Nossa, não esperava isso de você. Desde quando faz trabalho voluntário?

     -É claro que não faço! Isso foi um castigo por ter desrespeitado o Sr. D. – Ele revirou os olhos, dando a entender que isso não era nem metade do que aprontava no Acampamento.

     -Ah, Peter, você não muda! – Abri os braços e o garoto meio metro mais baixo (porém apenas um mês mais velho) que eu, envolveu minha cintura em um abraço saudoso.

     -Você conhece esse garoto? – Perguntou Vanessa, que já se aproximara.

     -Isso eu é que pergunto. – Interveio Maggie, a garota com quem Peter conversava. Ela parecia meio possessiva em relação a ele. – De onde você o conhece?

     -Bem... eu o conheço desde sempre. – Comecei. - Peter é um amigo de infância, e meio que meu... – Fiquei procurando a palavra certa.

     -Noivo? – Peter sugeriu. Eu ri, mas era verdade.

     -É, mais ou menos isso.

     -O que? – Indagou Maggie. – Isso é brincadeira, não é? Peter Harrison, como você pode sair comigo tendo uma noiva?

     Susan, que veio seguida de Mary, olhava-me com uma expressão tão ridiculamente perplexa, que quase ganhei um ataque de riso.

     -Você tem um noivo? Desde quando?

     -Desde que nasci. –Respondi, tentando lembrar de uma época quase apagada da minha memória. - É uma história bem antiga.

     -E coloca antiga nisso! – Peter emendou. – Esse tipo de coisa acontecia no século sei lá o que X!

     -Como assim? – Maggie perguntou.

     -Eu estou prometida para Peter. – Continuei. - Quando nasci, nossas mães decidiram de que assim que completássemos dezoito anos, nos casaríamos.

     -É como um casamento arranjado! – Exclamou Mary.

     -É um casamento arranjado.

     -Mas prometemos a nós mesmos que nosso futuro não seria decidido. – Lembrou Peter. Então olhou para Maggie. – Gosto de Annie como amiga, não tenho a menor intenção de casar com ela.

     -Que bom saber que ainda pensa como eu. – Murmurei.

     -Mas, ainda me sinto no dever de mostrá-la o Acampamento. Ah, antes que me esqueça, sou do chalé de Apolo, é meio obvio, né? – EL mostrou um sorriso audacioso. - Venha, você precisa ver como eu faço uma arvore entrar em chamas em menos de um segundo!

     Eu ri e Peter me puxou pela mão em direção a floresta.

     É, foi exatamente esse o resto do meu dia. Peter incendeia uma arvore, Sr. D. fica bravo. Peter incendeia uma toalha de mesa, Sr. D. fica bravo. Peter incendeia a grama, Sr. D. fica bravo. Peter quase incendeia o cabelo do Sr. D., Sr. D. quase o afoga em um jorro de vinho. Iupi, que diversão.

     Além disso, tive minha primeira aula de canoagem. Peter quis ser minha dupla, e para a minha sorte ele não conseguia incendiar o rio. E acredite se quiser, ele tentou. Antes do jantar, tomamos banho em chuveiros baratos, imundos e difíceis de regular a água. July disse que desde que Percy explodiu o banheiro, o encanamento nunca mais foi o mesmo. A ceia foi como a anterior, porém mais triste e desanimada.

      Percy ainda estava em estado grave na enfermaria, e Annabeth não desgrudava dele. Portanto, senti-me ainda mais sozinha na mesa de Atena. Sean não conseguira o que queria, Quíron entendeu seu plano para fugir do acampamento, e disse que estava até pensando em deixá-lo sair, mas depois do que fez com Percy, ele merecia aprender a lição. Claro que Sean não gostou nada, ficou ainda mais nervoso, mal-humorado e deixou transparecer mais do que nunca o seu lado “não tão bom”. Não compareceu ao almoço nem ao jantar, e ouvi alguns comentários maldosos dos campistas: “tomara que morra de fome”.

     Ao fim do dia, deitei em minha cama. Annabeth já voltara da enfermaria, disse que Percy estava melhorando e amanhã já poderia voltar as atividades normais. Assim que todos se acomodaram, as luzes foram apagadas.

     Deixei minha mente vagar, pensei sobre minha infância com Peter, como eu me sentia muito melhor com ele por perto. Acho que agora morar no Acampamento será bem mais suportável.

     Estava quase fechando os olhos quando batidas fortes na porta quebraram o silêncio.

     Josh e Annabeth levantaram-se com um salto quase ao mesmo tempo e foram em direção a porta. Sentei na cama e observei enquanto uma garota perturbada, de olhos arregalados entrava no chalé de Atena. Josh arquejou.

     -Profecia. – Anunciou Annabeth. Não entendi significado disso, mas meus irmãos levantaram-se e amontoaram-se ao redor da garota, esperando o que ela tinha a dizer.

     Ela afastou a todos e andou em transe até o meio do chalé. Seus olhos brilharam em um tom de verde fluorescente que chegava a assustar. Então fez algo mais impressionante: abriu a boca, como se fosse vomitar, e uma fumaça esverdeada em forma de cobra saiu de dentro de sua garganta e enroscou-se a sua volta.

     Uma voz assustadora e triplicada, falou dentro da minha cabeça:

Eu sou o Espírito de Delfos,

porta-voz das profecias de Febo Apolo,

assassino da poderosa Píton. Aproxime-se,

meio-sangue, o Deus Sol deseja vos falar.

     Todos nos entreolhamos, imaginando qual de nós seria o meio-sangue que o deus chamava.

     Então a voz rouca mudou, reconheci a voz de Apolo, porém, ainda triplicada.

Esta mensagem que envio,

É na esperança de encontrar meus filhos perdidos,

 E impedir que mais outros sofram o mesmo destino.

A pista mais concreta que consegui,

Aquilo que irá levá-los à resposta,

Está entre um de vocês,

Mais perto que imaginam.

É você que a tem,

     Então a garota de estranhos olhos brilhantes voltou-se para mim:

Annita.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Reviewwwwwwwwwwws, please!!!!!!!!!



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