No Canto da Página escrita por fernanda cardoso


Capítulo 3
Capítulo II: (Sem) tempo para a vida


Notas iniciais do capítulo

DESCULPEM A DEMORA! >_



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            O despertador tocou, indicando que mais um dia começava. Ainda que fosse madrugada. Acordou acompanhado de uma dor de cabeça enorme, mas não tinha tempo para essa coisa de ficar doente, sabe?

            E nem tempo para ficar pensando, pois seus olhos caíram no relógio e já eram cinco e trinta e um da madrugada. Estava tarde, muito tarde! É que horário de rush é aquela coisa, você se atrasa cinco minutos e já cai numa selva de pessoas mal-humoradas e prontas para pisotear um adolescente de dezoito anos sendo adulto antes da hora. Mas é que a vida é assim também: você faz uma burrada e ela lhe tira uns dez anos de juventude.

            Ou mais...

            O fato é que não tinha tempo para pensar, e ainda assim, estava há uns cinco minutos sentado na cama, com os pés nos chinelos pretos, o cabelo bagunçado e aquela cara de quem acabou de acordar. E, convenhamos que ninguém compraria nada de um “vendedor que acabou de acordar”. Precisava estar no mínimo apresentável.

            Ai, meu Deus, eram cinco e quarenta da madrugada e ele ainda estava no banho! E mais uma vez naqueles pensamentos sobre vida. Ele acreditava que sempre que a vida tirava algo, outra coisa viria em troca. Por exemplo, se você ficar internado, levará um monte de picadas, mas passará alguns dias sem ir ao trabalho e seus pais demonstrarão algum sentimento que não seja ódio ou raiva. Algo nessa linha de pensamento. Acontece que a vida andava tirando-lhe muitas coisas ultimamente, mas nada a vida trazia em troca. Bem, pensou consigo, então o “presente final” terá de ser muito bom para compensar tudo isso.

            E isso desencadearia uma outra linha de pensamentos sobre como as pessoas culpam a vida e jogam crenças de lado por coisas que elas mesmas fizeram, mas já era cinco e cinqüenta da madrugada. Pelo menos, tomado banho, trocado, cheiroso, moreno, lindo e sensual ele estava. Cortemos essa parte, já que tudo que Yuu via mesmo no espelho era um idiota cansado bancando o adulto, sem tempo pra si mesmo. E procurava resquícios da época em que ele era realmente moreno, alto, bonito e sensual – acredite, essa época existiu.

            Mas daí, já eram seis horas da manhã e começava a amanhecer. Tinha conseguido tomar café da manhã e aquilo era um avanço. Agora era hora da luta.

            Entrou em um dos quartos e acordou a menininha que dormia que só deu uma resmungada. Ele, então, trocou-a, ouvindo alguns muxoxos de reclamação. Mas só riu. Riu de dó mesmo, ter que tirar a coitadinha da cama as seis e pouco da manhã no inverno. E não foi humilde nas roupas, já que a menininha parecia um esquimó. É que ela também não podia ficar doente.

            E aí, finalmente, as seis e vinte em ponto, ele estava a caminho da estação de trem, com uma mochila nas costas, a menina dormindo no ombro e uma bolsa rosa com ursinhos noutro braço. Era meio complicado andar assim.

            As seis e trinta ele já estava no metrô, para dez minutos depois descer uma estação antes do seu trabalho. No caminho, deixou a menininha na escolinha – ou creche ou lugar que cuidavam da sua filha enquanto ele bancava o pai trabalhador – e andou mais uns quinze minutos até chegar ao trabalho, exatamente as sete e dez.

            E aí, bem, o tempo ia passando entre um cliente e outro.

XXX

            Ok, já podia ficar desesperado? Acontece que aconteceu um acidente muito, muito grande. Ele e aquela sua mania, hora essa!

            — Você está me deixando nervoso, Kouyou. — disse Takanori. — O que você tanto procura? Você vai se atrasar para o trabalho, e você sabe que o velho vai descontar do teu salário.

            — Mas é que eu deixei cair! — respondeu, alheio. — E se alguém jogou fora? E, pior, se alguém leu?

            Takanori continuou insistindo, mas Kouyou parou de ouvir quando viu um papelzinho de caderno enfiado no roda-pé com uma letra estranha escrito “P/ K.”.

            — Taka, faz um favor? — perguntou, ainda olhando para o papelzinho.

            — Mais um? O que você quer agora? Que eu distraia a turma da noite inteira enquanto você procura uma coisa invisível? — respondeu o outro, áspero.

            — Não. Compra um refrigerante pra mim, vai? To com vontade.

            — Se você quiser que eu saia, é só falar.

            Kouyou riu e Takanori revirou os olhos. Mas mal Takanori tinha saído, Kouyou já sentou-se na cadeira e desdobrou o papelzinho as pressas. E ali, havia uma resposta. Eram palavras lindas, numa caligrafia meio encurvada e rabiscada. Mas conforme ia lendo, cada palavrinha, sentia alguma coisa diferente dentro de si. Como se fosse importante. Mas, tudo o que tinha na assinatura, era um “Y”.

“Sei bem como é sentir;

Sentir tanto, até cansar.

E desistir.

Sei também como é a dor

E sei que não importa o que eu fale,

Nada vai acalentar o seu rancor.

Poderia falar de sonhos e de amor,

De persistência e felicidade depois da dor.

Mas como eu falar isso se meu amor virou dor?

Mas posso te falar de esperança,

Não precisa de persistência e faz conviver com a dor.

Além de anestesiar o seu rancor.

Não é esperança que as coisas vão ser como sonhas,

É esperança que as coisas vão melhorar.

E esperança de conseguir agüentar sem que desistas.

Sem que desistas de sentir.

Pois bem ou mal,

O que está escrito está.

E o que for pra ser, será.

Y.”

XXX

Já estava preparado para dormir, quando o celular tocou. Procurou-o no criado-mudo, quase o derrubando no chão. Aquele número... Já era a segunda vez que ligava e aquilo era estranho – ninguém além de Akira, seus pais, seu irmão, o seu chefe, a moça da escolinha ou a babá tinham o seu número.

“Alô?”, chamou. Mas mais uma vez ninguém respondeu. “Alô?”, tentou de novo. Ninguém. Ia tentar uma terceira vez, mas ouviu algo diferente. E a outra pessoa desligou. Parecia bobagem, porque tudo que ouvira era uma respiração. Mas das duas uma: ou tinha alguém ligando só pra ouvir a sua voz ou tinha alguém curtindo com a sua cara. E ele acreditava mais na segunda.


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Notas finais do capítulo

Obrigada e não se esqueçam das reviews, ok? Beijos, beijos!