To Die, To Love escrita por Blue Dammerung


Capítulo 2
Capítulo 2




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Mozart estava indo com sua cadeira de rodas até outro lugar. Não queria passar sequer nem mais um segundo ao lado daquele medíocre, mas o mesmo segurou sua cadeira e tomou sua frente, parando-o e o oferecendo os remédios, lhes estendendo com a mão.

-Você precisa tomar os seus remédios, Mozart.-Disse o rapaz.

-Saia de perto de mim!-Exclamou, empurrando o outro para longe. Ninguém deveria chegar perto dele, ninguém deveria sequer se aproximar dos seus muros.

O rapaz fitou o loiro sem entender por alguns instantes, mas acabou por demonstrar uma face mais conformada enquanto ia lentamente até a cadeira de rodas e a empurrava até debaixo da árvore aonde estivera. Puxou uma cadeira e se sentou ao lado do ex-pianista, cruzando os braços.

-Fazer cara feia não vai ajudar.-Comentou, fitando o outro.

-Não é problema seu, de qualquer forma. Por que está aqui mesmo? Não tem mais ninguém para incomodar?-Mozart perguntou, os cabelos loiros cobrindo parte de seu rosto enquanto ele fitava uma folha cair lentamente no chão. Morrer.

-Bem, eles disseram que você não estava mais querendo tomar os remédios e que parecia sozinho, então me mandaram aqui para...

-Ficar de olho em mim porque provavelmente eu tentarei me matar novamente. Ah, desculpe, não estou a fim de me matar esta noite.-Deu de ombros, as mãos cruzadas sobre o colo.-Então você pode ir embora.

-O que há com você?! Não sei porque não gosta de mim, eu nem...

-E você já viu eu gostar de alguém? Acho que você sabe o bastante sobre mim, o jovem Mozart, o prodígio, mas que nunca foi encontrado com mulher alguma. Não tente ser meu amiguinho, não preciso disso. Agora, mais uma vez, eu lhe convido a se retirar.

-Vou recusar seu convite e vou ficar com você durante os próximos meses porque senão meu chefe vai brigar comigo, então não tenho escolha também... Ande, tome logo os seus remédios.

O rapaz voltou a estender a mão com os remédios e a outra com o copinho d'água, mas antes que pudesse prever o que o outro faria, Mozart deu um tapa em ambas as suas mãos e derrubou o copo e as pílulas no chão, dizendo:

-Não quero nada que venha de você.

-Oras, seu...!-Se levantou da cadeira pronto para brigar com o outro quando notou o olhar das demais pessoas sobre si. Brigar com um paraplégico não lhe daria uma boa fama, afinal.-Não pense que vou ser um capacho só porque você tentou se matar e porque não pode andar.

-E isso deveria me afetar de alguma forma?-Perguntou, erguendo o rosto para o rapaz e o fitando nos olhos.-Você acha que algo ainda pode me afetar?

-Er... Eu acho sim.-Disse, se sentando na cadeira de novo e apoiando os cotovelos nos joelhos.-As pessoas não são assim tão intocáveis... Ah, mas de qualquer forma, vou pegar de novo os seus remédios... Não saia daí.

O rapaz se levantou e foi correndo até a saída do jardim, entrando no prédio principal da clínica enquanto Mozart o via desaparecer. Não tão intocáveis, é? Duvidava. Ninguém jamais seria capaz de tocá-lo.

Não demorou muito para que a manhã agradável acabasse e a temperatura subisse até estar calor. Claro que o rapaz tentou fazer com que Mozart tomasse os remédios, mas este último negou e mesmo quando o outro tentou abrir sua boca para obrigá-lo, o ex-pianista o mordeu e ele desistiu.

Na hora do almoço, o rapaz levou Mozart até a área de alimentação, aonde sempre serviam a mesma comida desde que chegara ali: Sopa. Comeu com tanta animação quanto respirava, e quando terminou, até tentou sair antes do seu enfermeiro particular, mas este o viu e o impediu, e logo o estava levando de volta pra debaixo da árvore.

-É bem parado aqui...-Comentou, a cabeça apoiada nas mãos e os cotovelos nos joelhos, ao lado do ex-pianista.-O que vocês fazem no final de semana?

-Sexo é que não é, antes que pense.-Disse Mozart, a mesma postura de sempre.

-E-Eu n-não pensei nisso!-Exclamou o outro, pulando na cadeira e quase caindo.-Quero dizer, sei lá, achei que vocês jogassem um bingo ou...

-Alguns jogam. A maioria fica trancada nos quartos. Eu fico aqui, não que isso mude muita coisa.-Deu de ombros, sem realmente se importar.

-Hmm... Ah, ainda não te disse meu nome.

-Não precisa dizer, ele não faz falta.

-E você não precisa ser tão insuportável...

-Tem razão, não preciso, o sou porque gosto de ser.

-Mas vou falar meu nome mesmo assim. É Shiro...

-Chega, só o primeiro nome basta então. Não quero saber de que família você vem, me poupe dessa tortura tão infinitamente medíocre.

-Kamiya.-O outro completou com o propósito apenas de irritar o loiro, que bufou como se falasse com uma criança teimosa de 5 cinco anos de idade.

-Por que é sempre tão desgastante..?-Mozart perguntou, mas sem dirigir-se diretamente ao outro, levando uma de suas mãos até a cabeça e suspirando.-Não tenho mais paciência para tanta infantilidade.

-Como se você fosse tão adulto. Vejamos... Deve ser só uns 2 ou 3 anos mais velho que eu.

-Pelo menos ajo como tal.

-Não, você age como se tivesse 60 anos.-Shiro comentou, se levantando da cadeira e esticando os braços. Ficar parado por muito tempo não lhe agradava.-Ah, os médicos me disseram para eu ler isso para você... Não me pergunte porque, eles simplesmente me mandaram.

-Deve ser apenas outro livro de auto-ajuda.-Deu de ombros, fitando ao longe.

Shiro se sentou na grama e começou a folhear o pequeno livro, um tanto desgastado pelo tempo, as páginas amareladas e frágeis. Limpou a garganta e começou, falando em voz alta:

- “Mas o que chamas de paz se pressinto em ti essa coisa mansa que se faz nos outros se em cada momento que te olho inúmeras coisas escuras escorrem dentro de mim pois se a paz não é uma coisa escura pois senão não continuarei não te farei nenhuma pergunta embora preci... preci...


-Precisasse.

-É, isso mesmo, “precisasse não para te definir ou para te compreender não preciso saber de onde vens assim como para me definires ou me compreenderes não precisas de nenhum dado concreto mas eu não te defino nem te compreendo apenas sei que chegaste e que esta sua chegada modificará em mim todas as coisas que se tornaram suaves todas essas cordialidades ou amenidades que construí nesse tempo de absoluta sede...”. Esse texto é engraçado, não tem vírgulas nem pontos...

-É porque é como se a pessoa estivesse falando sem pausas, como se falasse tudo numa única inspirada porque ela sabe que não tem muito tempo e que precisa dizer tudo que quer antes que o tempo acabe.-Mozart comentou, agora o queixo apoiado numa das mãos. Ah, já conhecia aquele texto, na verdade, o sabia de cor e salteado.-Mas claro que alguém como você não iria compreender mesmo.

-O que quer dizer como “alguém como eu”?!

-Bem, se nem isso você entendeu, não serei capaz de explicar mais nada a você. Sua inteligência é de níveis alarmantes.

E passou-se assim a primeira semana de Shiro naquela clínica tão estranha, sempre ao lado de Mozart, que por sua vez sempre o mandava embora, nunca tendo sucesso. Claro que o ex-pianista não gostava de ter o outro por perto, aliás, qualquer pessoa próxima a si lhe era algo desagradável, alguém que queria destruir seu muro, lhe destruir.

Por isso, nunca tratava bem o rapaz. Fazia piadas com ele, zombava das coisas que fazia, lhe ignorava por horas a fio apenas para depois dizer que estava pensando em algo mais importante do que dar atenção ao enfermeiro estagiário, mas Shiro estava se acostumando ao loiro, e por mais que Mozart tentasse lhe afastar, o efeito era totalmente contrário.

Eram pouco mais das 7 da noite de sexta-feira, ou seja, Shiro não viria por dois dias, já que tinha folga nos finais de semana. Mozart estava em seu quarto, sentado na cadeira-de-rodas e vendo televisão com uma empáfia tão grande que chegava a quase ser palpável. Shiro estava ao seu lado, sentado na cama, mas escrevendo alguma coisa num pedaço de papel que estava amassado de tanto escrever e apagar seguidamente.

- “Alejandro, Justiniano é seu filho”.-Mozart murmurou, tentando adivinhar a fala da atriz da novela.


-Alejandro, Justiniano é seu filho!-A atriz exclamou, caindo em prantos diante do marido.

-Tão terrivelmente previsível...-Mozart suspirou, olhando o outro rapaz pelo canto do olho azul.-Tudo bem, você conseguiu tirar a minha atenção da novela e agora estou espumando curiosidade pela boca. O que seria isso em suas mãos?

Shiro ergueu o olhar para o loiro que o fitava diretamente, corando um pouco enquanto escondia rapidamente o pedaço de papel atrás de si.

-N-Não é na-nada!-Exclamou, desajeitado.

-Se não é nada, por que o nervosismo?

-Não estou nervoso! É só um pedaço de papel, apenas isso!

-Tudo bem então.-Mozart deu de ombros, voltando a prestar atenção na televisão e ignorando totalmente o outro rapaz.

-Não vai insistir?-Shiro perguntou, xingando-se por ter estragado uma das poucas vezes que Mozart, e não ele, começava uma conversa.

-Não, se você não vai dizer, de que adianta perguntar?

-Se eu disser, você vai rir.

-Se for engraçado, eu irei.

Mozart voltou a fitar o outro com aquele ar de superioridade, vendo quando ele tirou o papel de trás de si e o estendeu lentamente, num pedido mudo para que lesse. Oras, o outro estava ingressando na carreira de escritor agora?

Tomou o papel, lendo rapidamente. Era uma carta de amor, tão cheia de clichês como poderia ser, mas ainda assim, de certa forma, adorável. Claro que Mozart não diria isso.

-Para quem é?-Perguntou apenas, estreitando os olhos, ainda segurando a carta obviamente incompleta.

-Para uma amiga minha de infância.-Shiro sorriu, fitando o teto apaixonadamente.-Ela é muito bonita.

-Nome?

-Marie Curie...

“Um nome tão deplorável”, Mozart pensou, sentindo raiva, sentindo uma raiva tão forte e súbita que engoliu em seco, nem pensando direito quando rasgou a carta do outro em pedaços. Por que aquele mero rapaz podia ter uma vida e ele não?!

Mas, espere, ele tinha escolhido em não ter uma vida! Tinha escolhido respirar e apenas esperar pelo fim dos seus dias, mas, então, por que Shiro podia ter amigos e uma possível namorada quando ele, Mozart, o prodígio, nunca teve nada disso? Nem quando ele ainda queria viver?

Por que essa tal de “Marie Curie” podia ter alguém de quem receber uma carta de amor e ele não? Por quê? Eles não mereciam! Eram apenas meros adolescentes burros e comuns, sem nenhum diferencial, sem muito dinheiro, sem nenhuma beleza extraordinária, então por que eles podiam ser tão felizes enquanto Mozart, aquele que sempre foi perfeito, nunca sentiu ser realmente feliz?

Era inveja, não era, aquilo? Sim, só podia ser inveja, muita inveja tanto de Shiro quanto daquela tal de Marie, mas por que sentir isso só agora? Nunca sentira inveja dos poucos idosos cujo toda semana a família vinha visitar-lhe, nem dos médicos que se agarravam nos fundos nem de nada.

Sempre estivera muito certo sobre o que queria, e quando seu suicídio foi interrompido e ele sobreviveu, teve certeza de que não iria se matar novamente, mas também não iria fazer nada para viver como qualquer pessoa normal teria tentado.

Porque tudo tinha deixado de valer a pena. Ter dinheiro para quê? Ter amigos para quê? Ter um amor para quê? Tudo ia terminar em dor e pó no final. Por isso, mais uma vez Mozart se perguntava o porquê daquela súbita inveja e raiva, a carta de amor rasgada em seu colo e um Shiro de pé ao lado da cama o fitando, exasperado.

-Por que você fez isso?! Se estava ruim, bastava me dizer!-O rapaz de cabelos pretos exclamou, gesticulando no ar.

-Ah, mas estava tão ruim que cegaria qualquer pessoa normal que o lesse. Eu apenas fiz um favor a essa tal de Marie da qual falou.-Mentiu, dando um sorriso esnobe completamente falso. Queria pedir desculpas, quer dizer, não, não queria nem um pouco, para quê desculpas?

-Por que sempre faz essas coisas?! Mas que droga, Mozart! Eu demorei horas só para escrever metade da carta! Você não faz ideia do quanto foi difícil escrever isso!

-E você não faz ideia do prazer que me deu rasgar esse papel amaldiçoado. Quer saber, nem tente de novo, é impossível você conseguir. Qualquer coisa que você tente fazer não irá funcionar, não irá se encaixar nem que passe mil anos tentando. Desista.

-Seu...!-Shiro exclamou, se calando em seguida enquanto engolia em seco e apertava as mãos em punho com tanta força que suas unhas quase lhe rasgavam a carne.-Você... Você me dá pena, Mozart! É isso, você é digno de pena! Fica sempre dizendo que nada mais vale a pena, mas na verdade você sente é inveja das pessoas!

-Você acha que eu, Mozart, o mais jovem orquestrante do mundo, um dos mais famosos pianistas da atualidade, sentiria inveja de alguém?! E ainda mais de você ou dessa sua amiguinha?! Nunca eu iria me rebaixar desta forma!

-Não fale mal dela! Ela não tem nada a ver com isso!

-Dessa Marie Curie?! Deve ser tão burra quanto você, tão entediante e vergonhosa quanto, ou melhor, acho que até é mais! Dois imbecis namorando, o casal perfeito, olha que...

-Cale a boca!

E diante disso, Shiro acabou por dar um tapa em Mozart, calando-o imediatamente. Ouvir aquele tipo de coisa feria. E muito.

-Você não é melhor do que ninguém! É só um cara que cansou de viver e que é fraco demais pra se levantar! Você me dá nojo!

Shiro pegou as coisas e saiu do quarto do ex-pianista, batendo a porta com força enquanto um Mozart boquiaberto fitava o vazio, a mão pousada na bochecha já rubra pelo tapa. Bem, ele tinha pedido por aquilo, não tinha?

Era tudo culpa da súbita inveja que sentira, e mesmo que Shiro passasse dias sem falar com ele ou até pedisse para ser transferido, nada na sua rotina iria mudar. Apenas inspirar e expirar até o fim dos seus dias, não era?

Ou talvez, agora que a dor acalmava sua cabeça, fosse apenas sua forma de chamar atenção. Um psiquiatra, por exemplo, diria que a única forma de Mozart chamar atenção seria machucando as pessoas, uma vez que já não mais confiava na sua capacidade de se relacionar com ninguém. Ou seja, ele não sabia amar, mas para que alguém falasse com ele, ele a maltratava.

Foi até a cama com a cadeira-de-rodas e se jogou na mesma, desligando a televisão pelo controle e apagando as luzes do quarto (graças ao interruptor convenientemente localizado acima da cama), deparando-se com o silêncio então.

Sentia-se estranhamente triste, e debaixo das cobertas, sentiu também os olhos marejarem e a garganta apertar. O quê? Depois de tanto tempo iria chorar por nada? Sim, sim, por nada porque nada de grande tinha acontecido ali. Nada de grande nunca acontecia.

Quem sabe as palavras do outro tivessem cravado fundo nele. E quem sabe Shiro tivesse um pouco de razão.

-Merda...

E talvez, apenas talvez, uma probabilidade mínima de 1% diante dos 99%, aquela inveja não fosse inveja, e sim ciúmes daquela tal de Marie Curie.


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Notas finais do capítulo

Próximo e último chap sai amanhã ~~

Reviews?

Kisses ~~



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