Era estranho estar tão perto da morte. Era a minha sensação favorita.
Alguma coisa sempre ficava me instigando a pular na água, a me jogar contra as rochas escuras daqueles paredões e encontrar um destino menos doloroso que este. Outra parte minha ficava me puxando pra vida, pra esta vida miserável que eu levo todo dia, e que parece não ter fim...
Mas hoje eu decidi ignorar a voz que me puxa de volta... Decidi que ia voar pela primeira e única vez na vida, e depois deixar os braços da morte me enlaçarem pra sempre...
A morte... Parece uma amiga, a meu ver... Ela vai finalmente arrancar essa dor de mim, essa dor que nem Naruto, meu melhor amigo, nem Kakashi, meu professor e quase um pai, nem Sakura, a garota que eu pensei que conseguiria amar, conseguiram cessar...
Meu irmão tinha matado toda a minha família, e agora tinha se matado, eu tinha visto tudo de camarote... Tudo por culpa de política, coisa que eu nunca fui fã... Coisa que não devia ser preterida às vidas, vidas de pessoas que amavam e eram amadas... Amavam e eram amadas por mim.
Agora...
Agora não me restava mais nada!
Só mais um passo...
Só mais um passo pra tudo isso acabar!
Avancei meu pé... Aquele era meu sapato preferido, e único, totalmente desgastado. Lembrei de todas as disputas com Naruto, todas as corridas que Kakashi nos obrigou a fazer, todos os exercícios, e sorri. Lembrei dos poucos presentes de aniversário que o sensei conseguia nos dar depois que nos adotou... Se tivesse um além, e se eu fosse pra um lugar bom, seria um lugar com os poucos segundos em que eu me senti quase humano, quase curado da dor...
Meu pé descia para o vazio do penhasco, e como nos filmes toda a minha vida passava diante dos meus olhos, até que de repente me faltou ar, algo me enforcava e me puxava pra cima...
Alguém... Alguém que estava gemendo pelo esforço.
- Eu estou quase conseguindo! Pronto! Você está bem?
Uma garota... Uma bela garota de olhos claros, quase brancos, cabelos escuros como o ébano... Tinha me puxado de volta.
- Você está bem?
Eu não conseguia responder nada... Ela parecia um anjo com aquele vestido branco solto, claro como a pele alva dela... Tirando-me da morte certa...
- Eu sei pelo que está passando...
Será que ela era um anjo mesmo? E podia ler meus pensamentos, meus segredos?
- Mas isso não resolve nada... – Ela olhou o chão triste.
- Resolveria... Resolveria tudo... – Finalmente eu tinha achado a coragem pra falar. – Essa dor aqui dentro... Só quero que pare! – Lágrimas desciam pelo meu rosto.
Eu esperava que ela me olhasse com pena, mas ela sorriu... O sorriso mais lindo que eu já tinha visto. Um sorriso amigo, sincero e cheio de carinho.
- Eu também tentei sabe? Faz muito tempo...
O que poderia ter feito aquela garota tão doce, tão perfeita, sentir vontade de tirar sua vida?
- Por quê? – Ela sorriu tristemente... Como se uma piada de mau-gosto tivesse sido contada.
- Minha família... Minha mãe morreu quando eu era nova demais para entender sobre morte... Meu pai acha que eu sou uma desonra... Ele ama apenas minha irmã caçula... Meu primo me odiava por motivos que desconhecia...
Família.
Nós éramos sozinhos...
Ela me sorriu.
- Mas agora percebo que a vida é meu presente, que cada dia que vivo ganho algo, e essa dor que sinto é um pouco apaziguada... Mas me conte a sua história.
- Meu irmão matou toda a minha família e me deixou sozinho no mundo...
- Sozinho? Não há ninguém que te ame?
- Amigos, meu professor...
- Já é bastante, não acha? Mais do que eu já tive algum dia... Muitos motivos para não... Você poderia magoá-los de alguma forma? Você poderia deixar pessoas que te amam?
Como alguém não podia amá-la? Ela era tão doce e gentil. Tão inocente e desprotegida...
Algo nela, uma luz dentro de seus olhos, lembrou-me de uma parte minha que eu havia esquecido que estava lá. Um sorriso perdido que eu encontrei. Ela me dava felicidade e me tirava a dor que eu sentia. Ela me entendia.
Ela me sorriu de volta e não conseguia mais pensar em nada a não ser em sua mão delicada no meu braço, seu vestido leve colado em seu corpo pela força do vento, seus cabelos pretos ao sabor das rajadas fortes...
- Qual seu nome?
- Hyuuga Hinata.
- Lindo nome pra uma linda garota...
Seu rosto ficou vermelho, tentou cobri-lo com sua franja e tirar sua mão do meu braço. Eu toquei seus dedos e levantei seu rosto.
- Muito obrigada, Hinata. Perdoe-me se te assustei...
- De jeito algum. Apenas tive medo por você... Deve estar se sentindo sozinho, quer tomar um chocolate quente e conversar?
Fui com ela... Aonde ela quisesse que eu fosse, eu iria. Ela me tirava a dor e me dava um sentido pra viver, eu vivia para protegê-la. Meu anjo, minha vida...
Conversamos por horas sobre coisas que ela gostava... Livros, filmes, músicas. Nós éramos parecidos. Ela era tão triste e solitária quanto eu, ela conhecia Naruto, ela gostava de se perder em pensamentos sozinha no penhasco todo dia, o incrível era como eu nunca a tinha visto! Acho que foi o destino que a trouxe na hora certa para a minha vida.
À medida que conversávamos eu me perdia mais em seus jeitos. Descobri que quando ela baixava os olhos logo ficava vermelha e brincava com os dedos por baixo da mesa, descobri que não sabia o quanto era linda e desejável, descobri que ela era o tipo de garota boa que nunca desiste de seus sonhos. Já estava quase amanhecendo e ainda estávamos naquele restaurante...
Num momento de distração enquanto eu ia pegar um biscoito no meio da mesa nossas mãos se tocaram. Um choque subiu por minha espinha e eu a segurei e beijei sua palma. Ela ficou vermelha.
- Preciso ir, está ficando tarde...
Ela ia me deixar... Eu podia perdê-la para sempre...
Puxei seu braço, e enquanto ela caía a segurei perto de mim e a beijei com todo o meu carinho, logo nossas línguas se encontraram e foi como o céu... Como se eu tivesse realmente morrido àquela tarde e agora tivesse nascido novamente.
- Quando eu fui para aquele penhasco esta tarde, eu estava perdido... Não tinha pelo que viver e esta dor imensa me consumia como um fogo negro... Mas você foi minha luz, meu dia ensolarado, meu anjo... A cada minuto que passava hoje me envolvia mais com você, e agora simplesmente não posso mais viver sem você...
Senti sua pele macia esquentar na minha, seu rosto ficando vermelho e toda a minha vontade de soltá-la foi embora.
- S-as-suke-kun? D-diga-me o que fez comigo que também não tenho vontade de ir? O que você fez pra tirar essa dor de mim?
Ouvir aquilo... Nunca tinha sentido aquilo na minha vida... Era como se explosões acontecessem por todo o meu corpo... Milhões delas... Que deixavam meu corpo todo aceso e relaxado ao mesmo tempo...
Puxei-a pra outro beijo. Eu jamais a deixaria ir... Nenhum de nós ia a canto algum.