Fur Elena escrita por amarifm


Capítulo 2
Recordare




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Capítulo 2: Recordare

Elena não podia acreditar no que estava prestes a fazer.

Estava parada em frente à casa dos Salvatore e sua mão subiu até o sino que se entendia como uma campainha e tocou a corda para acionar a engenhosidade; recuou um passo, e sentiu seu coração martelar no peito.

Esperando inquieta, ela olhou para porta, que não era aberta por ninguém. Finalmente quando decidiu que não havia nenhuma pessoa ali, um vento soprou forte e a porta de madeira maciça que agora estava às suas costas, se desencostou e se escancarou.

Elena pareceu intrigada, mas recebeu aquilo como um convite. Voltando-se para a porta, ela adentrou a grande sala cautelosamente. “Damon?” Ela sussurrou o nome da pessoa que perdurou em seus sonhos a noite passada, num chamado que ela sabia que somente ele escutaria.

Mas não houve resposta, então ela andou um pouco mais para ter visão da sala ao lado, onde imaginava ter visto algo de seu interesse das vezes passadas que havia visitado a mansão. A teoria era especulação, pois ela nunca tinha visto a peça descoberta, mas talvez se ela pudesse levantar o pano preto que cobria o...

“Damon...”

“Olá.” Damon estava encostado num branquíssimo piano de cauda. A especulação acabara de se tornar verdadeira.

“Desculpe por entrar assim, a porta abriu sozinha.” Elena apontava consternada para o hall de entrada sem ousar dar outro passo.

“Deve ter sido o vento.” Ele falou de um jeito fazendo parecer que o vento não tinha nada a ver com a abertura da porta.

Damon andou em direção a ela com passos arrastados e olhar morteiro. “Stefan não chegou ainda.”

“Eu sei...”

Ele parou de andar a apenas alguns passos de distância dela; seu rosto perdendo as curvas de sarcasmo que geralmente apresentavam e a olhando com curiosidade sincera e até um pouco frustrada. “Então por que está aqui, Elena?”.

“Oh, sabe, é bem difícil saber o que você  está fazendo quando não está escondido na árvore em frente ao meu quarto.” Elena o imitou numa tentativa de humor.

Damon sorriu genuinamente. “Você não tem idéia de quanto.”

Ela sorriu e foi em direção ao belo piano, contornando Damon pelo outro lado da sala. Elena levou a mão até a madeira da cauda e escorregou um dedo para as teclas. O mi de uma oitava alta foi tocado, tirando um sorriso da boca dela e de Damon, que já estava atrás dela  observando-a. O piano tinha um som incisivo mesmo com a tampa da cauda abaixado.

“Gostou?”

“Sim,” Elena se virou e respondeu sem se alarmar com a proximidade de Damon. “é seu?”

Um sorriso crepitou seu rosto momentaneamente “Agora é seu...” ele soou sério.

“O quê? Você não pode me dar um piano, simplesmente.”  A moça falou com um tom de desconserto.

“Oh, mas eu já dei. Não tenho como voltar atrás agora, mas...” Damon passou a mão nas teclas e se sentou na banqueta. “já que você está tão relutante em aceitar meu presente, nós podemos fazer um acordo.”

Elena sabia que vinha algo por aí, mas decidiu ouvi-lo sem julgá-lo. “E que acordo seria esse?” ela perguntou se encostando de lado no piano, para olhá-lo melhor.

“Hmm, o piano já é seu,” ele começou, enquanto suavemente pressionava algumas teclas  pausadamente, soltando notas delicadas numa melodia desconhecida para ela. “mas você só pode tocá-lo aqui, na minha casa.” Damon terminou encarando-a com um sorriso malicioso nos lábios.

“Esses são seus termos?” Elena perguntou soando lasciva.

“Sim.”

“Termos aceitos, então. Mas quero perguntar uma coisa antes de balançarmos mãos.” Elena  andou para trás de Damon, ficando de costas para ele.

Damon esperou a pergunta, enquanto ainda brincava com as notas da música agradavelmente misteriosa.

“Por quê?”

Sem olhá-la, ele parou de tocar, e sorriu tristemente. “Ah, você sabe, tenho certeza que fará melhor uso dele do que eu. Afinal de contas, eu sou inconstante por natureza. Quem sabe quanto tempo vou demorar em voltar uma vez que eu deixar essa cidade de novo.” Ele tocou a nota si como um finalizante de sua sentença, e ela soou erroneamente adequada.

Elena não quis transparecer a ponta minúscula de desapontamento que sentiu no fundo de seu peito, mas descobriu que aquilo já não era mais possível para ela controlar. “Você está indo embora?” sua voz saiu num sussurro forçado e quando se virou, ela o viu ainda de costas.

“Não hoje.” Foi só o que ele disse, deixando incerteza no ar e receio dentro de Elena.

Damon, em movimentos sutis, abriu espaço na banqueta e bateu na almofada de camurça preta num pedido silencioso para Elena ir se sentar ao lado dele. Ela não precisou de um segundo chamado e já estava ali do lado do Salvatore mais velho.

“Então temos um trato?” ele a lembrou de que ainda falavam do acordo prévio que discutiam. Seus belos e brancos dedos se estenderam para ela, enquanto seus olhos pousavam nos dela.

“Sim”, Elena levou sua petit mão até a dele, e num contraste do quente e frio, eles selaram o acordo com um aperto de mãos.

Damon e Elena, lado a lado, ombros se tocando, encararam o piano imóvel por inúmeros minutos, esperando qual seria o primeiro a fazer um movimento ou quem sabe sair dali. Mas nenhum deles sequer se moveu.

“Então,” Elena esbarrou o ombro no de Damon, tentando se descontrair de todos os sentimentos que corriam dentro dela naquele momento de proximidade deles. “o que vai tocar para mim?”

“Oh, esse piano não é mais meu, se lembra?” ele se virou para ela com uma sobrancelha arqueada e um sorriso nos lábios, mostrando Damon voltar ao seu malicioso e inquietante gênio.

“Mas eu dou permissão para você tocar.”

“Hmm, não sei...” Ele fazia seu charme costumeiro.

“Ah, vamos lá Damon!” Elena o encorajou.

Ele virou os olhos nas órbitas, fingindo falta de apreço com o pedido, mas cedeu, “Tudo bem, tudo bem...”

Elena bateu palmas suavemente em comemoração e já ia se levantando para dar lugar a ele, quando uma mão pousou delicadamente em sua perna. “Não, fique.”

A mão que estava ali não usou nenhuma força física para mantê-la onde estava, mas no momento em que a tocou, mandou uma onda eletrizante de calor pelo seu corpo, comandando-a para não sair no lugar, e de fato, ela não saiu. Acenando a cabeça uma vez, Elena concordou com o pedido e o viu tirar a mão dela com muita relutância.

Os dedos longos e extremamente habilidosos pousaram nas teclas do piano, mas antes de pressionar qualquer uma delas e fazer com que a melodia enchesse a sala, Damon se virou uma última vez para encontrar os olhos de Elena e com expressão indecifrável ele correu com o rosto para falar na orelha da moça, mas foi impedido por ela, que o fez encará-la, narizes quase se tocando.

Ele entendeu que ela queria olhá-lo, e a permitiu por um momento. Mas antes que Damon traísse seus próprios bel-prazeres com a proximidade inesperada, ele sussurrou somente para ela ouvir, com um hálito gelado, o nome da música, fazendo-a fechar os olhos num piscar de olhos mais demorado.

Fur Elise.

As notas se apresentaram metódicas no início da música, do jeito que eram, mas havia algo diferente. A brandura com que Damon tocava fazia com que a música de Beethoven se tornasse outra completamente diferente. Ele dançava entre as oitavas fazendo com que a repetitividade calculada da composição ganhasse um toque especialmente pessoal. Elena se viu desviando os olhos das mãos de Damon e somente olhando para perfil de seu rosto, enquanto ele tocava absorto. Ele sorriu, sabendo que fazer isso também a faria sorrir.

As notas foram da melancolia da solidão para o júbilo do conhecimento e então para o peso da partida e por fim a revolta e o consentimento. Um ciclo que se fechava. O belo de tais melodias era que você poderia interpretá-las como bem quisesse. E Elena, apesar de pensar que sua interpretação fosse bastante peculiar, discorria também que a sua e a de Damon não eram muito diferentes.

A música terminou, trazendo-os de volta para a realidade tão não esperada.

Damon a olhou e viu luz brilhando dela. Uma aura de serenidade pairava ao seu redor. Elena ainda não havia desviado os olhos dele e vestia uma expressão de ambos surpresa e encantamento. “Lindo...”

Ele respondeu com um sorriso convencido e se levantou, deixando-a hipnotizada. “Está com sede?” Damon perguntou se afastando devagar sem olhar para trás, sabendo que ela o seguiria.

Ela balançou a cabeça afirmativamente sem nem ter ouvido a pergunta e se levantou para segui-lo aonde quer que ele fosse. Os dois entraram na ampla cozinha e Damon encheu um copo de cristal com água para Elena e entregou para ela, seus dedos se tocando no processo.

A moça não pode fazer nada senão olhá-lo com um sorriso suprimido nos lábios. Damon não deixava nada escapar de seus olhos; se ele somente quisesse e pudesse... mas não. Elena é diferente.

“Agora é sua vez.”

“Minha vez?” ela pareceu não seguir a linha de pensamento que ele tinha.

“Sua vez de tocar algo para mim.”

Elena riu fracamente. “Como se diz não em italiano?”

“Hm, essa é uma palavra que eu não vou te ensinar.” Ele balançou um dedo no ar negativamente. “Mas se quiser saber qualquer outra...” Damon sugeriu.

Elena pareceu ponderar a oferta e com um sorriso nos lábios continuou. “Tudo bem, então me ensine qualquer coisa que quiser e se eu achar que valeu a pena, eu toco o que você quiser.”

Ela sabia como afrontar Damon do jeito certo, e isso os tornavam mais próximos sem nem eles próprios realizarem. Ele precisava ser confrontado, desafiado, pois isso o tirava da rotina pegajosa que sua vida se tornava se ele ficasse no mesmo lugar por muito tempo. E ela, Elena, precisava de um desafio, algo que a fizesse esquecer-se de sua vida por algumas horas, e que a fizesse rir sem que fosse forçado, e não mentir...

Elena pousou o copo na mesa ali ao lado quando percebeu que Damon andava em sua direção com uma expressão no rosto que não se podia rotular como outra senão desejo. Ela não sabia o desejo pelo quê ele tinha, mas se contentava em reconhecê-lo lá presente.

Com olhos estreitados sob as grossas e negras linhas de cílios, pupilas dilatadas a ponto de suas iris quase desaparecerem, e rosto sensualmente sério, Damon deslizou até Elena e ali parou a apenas alguns centímetros antes de seus rostos se tocarem. Ela não se moveu, imaginava ter até parado de respirar, mas um suspiro escapou sua garganta traindo sua invulnerabilidade de fachada.

Elena sentia algo emanando de Damon, algo tão real que conseguia sentir o gosto. Era picante e com um toque açucarado, e por mais que ela tentasse negar, nunca sentira algo a atrair tanto quanto aquilo. Damon, com sentidos mais aguçados do que nunca, sabia o efeito que fazia em Elena. Então muito devagar e cuidadosamente, ele se abriu.

Damon levou um dedo até a bochecha de Elena e por uma, duas, três vezes acariciou a pele de cor oliva que ganhava tons rosados com o toque tão candente. “Colore vivace,” a voz dele não passava de um  sussurro, mas era tão clara e penetrante que ela tinha certeza que se tentasse, Elena conseguiria tocá-la “cor exuberante.”

Ele não parou, e a mesma mão subiu até o arco que circundava os olhos dela e num pedido silencioso embutido nos movimentos de suas mãos, Damon a comandou para fechar os olhos. Ela o fez sem hesitar sentiu e seu corpo responder ao ato com seus pelos eriçando; o perigo de fechar os olhos em frente a um predador. “Ad occhi chiusi,” ele encostou os lábios em cada uma das pálpebras, que permaneciam constantes mesmo com toda a situação, numa tentativa de selá-las debilmente “de olhos fechados.”

Elena sentiu a respiração de Damon contra a sua boca e num reflexo inevitável, abriu os olhos. Ele a olhava intensamente nos olhos, e a mão que perdurava no rosto de Elena foi coordenada para encontrar seu lábio inferior; o polegar de Damon dançou ali por segundos, ou talvez horas, a moça não sabia. Foi então que Damon levou a mesma mão para a nuca de Elena, e chegando seu rosto e lábios perigosamente perto dos dela, falou num último sussurro. “Labbro molto soperbo,” ela não soube se aquilo foi um beijo, mas ela sentiu algo passar por sobre seus lábios, muito, muito levemente “lábios muitíssimo magníficos.”

Elena estava num estado tão hipnótico que tinha certeza não estar usando o colar de Verbana, que naquele momento só lembrava remotamente. Damon não mais a tocava, mas sua proximidade só era por alguns centímetros menor. Eles ainda se olhavam intensamente, Elena com confusão e um toque de prazer estampado no rosto e Damon com agitação.

Ela pôde afirmar com toda a certeza que quando Damon se afastou dela para encostar-se a mesa ali ao lado, ela sentiu falta de algo, como se parte dela fosse arrancada à força e sob protestos.

Damon podia dizer o mesmo. Ele nunca sentiu falta de nada depois que ele fora introduzido para sua segunda vida. A propósito, ele acreditava ter nascido para isso, mas naquele momento em que ele esteve tão perto de Elena, o desejo de beijá-la foi tão grande que ele imaginou ter conseguido passar parte de seu pensamento para ela; Damon se sentiu como se estivesse dividindo seu sangue com Elena. Predadores e presas comumente dividem pensamentos e sentimentos quando trocam sangue, e por isso que Damon se encontrava intrigado; exatamente pelo fato de que os dois não chegaram nem perto de fazer tal troca.

Damon  sentiu a sede arder em sua garganta e seu estômago gritar em protesto. Mas eu cacei ontem! Ele não conseguia reprimir a vontade de seduzir Elena, que estava ali na sua frente, já abalada com o excesso de charme que ele havia lançado nela... Não! Ele tinha que se controlar. Sempre se controlava tão bem na frente de humanos, nunca sentira vontade de atacá-los se não fosse necessário... mas agora era necessário.

“Damon?” Elena perguntou com um pouco de receio na voz. “Seus olhos...”

“O quê?” ele falou retoricamente, levando as mãos para os olhos. A fome.

“É melhor você ir, Elena...” a respiração de Damon já era errática e ele tentou parar de respirar para não sentir o cheiro cativante que Elena liberava naquele momento.

Ele se virou de costas para ela, tentando se concentrar somente no vento que entrava pela janela aberta que estava ali na cozinha e levava sua fome matadora embora.

Uma mão posou no ombro largo de Damon, a mesma petit mão que ele balançara há pouco tempo para fechar um acordo. “Eu disse... que era melhor você ir...” ele já não suportava mais.

“Eu não posso...” ela soou triste.

“Por que... não pode?”

Elena, frustrada com o fato de Damon não se virar para ela, deu um passo para frente e contornou-o, ficando frente a frente com ele. “Porque eu tenho uma música para tocar para você.”

O que ela viu quando Damon levantou a cabeça para encará-la, não a abalou nem por um segundo. As veias protuberantes circundando os olhos e as órbitas vermelhas já eram características corriqueiras para ela. Enquanto eles conversavam sem palavras, o rosto de Damon ganhou uma sombra de derrota. Elena se sentiu mal por ver o quanto ele sofria para não atacá-la ali naquele momento.

Mas tão rapidamente que o olhar de derrota chegou, ele se foi e no lugar ficou a olhar calculista de sempre. “Eu preciso ir...” ele falou, se virando e começando a andar para a porta de entrada.

Elena sabia que ele iria caçar. “Não!”, ela o segurou pelo braço enquanto o seguia pela casa. Ele iria sair para caçar e provavelmente mataria a primeira vítima que conseguisse colocar as mãos. E seria culpa dela, pois se eles não tivessem ficado tão perto... se ela não fosse mais humana... ela não podia ficar pensando nisso.

“Tome o meu...”

Silencio pairou sobre eles, pelo que pareceu ser eras, até que Damon ser virou para ela, os olhos ainda sedentos, e andou em direção da moça. “Elena, eu não sou Stefan, se você me oferecer seu sangue, eu não vou dizer não.” Ele soava como o predador que era e pareceu estar tentando assustá-la com as palavras, mas ela sabia melhor que isso.

“Eu sei que você não vai me machucar, e também sei que você esteve caçando, então não vai precisar de muito para saciar sua sede...” ela soava mais firme do que realmente se sentia.

Sem receber resposta, Elena tirou seus cabelos compridos da frente de seu pescoço e o jogou para o outro lado, se aproximou de Damon muito devagar e perto o suficiente, levantou o queixo, batendo dois dedos na pele macia que fica ali.

Damon a olhou perplexo, não podia acreditar que ela se doaria assim tão facilmente, ele olhou para o pescoço esticado de Elena a menos de trinta centímetros de distância e viu suas veias pulsantes pedindo para serem sugadas. Ele nunca vira pele tão sedosa num humano quanto a dela, e o cheiro enchia suas narinas, Elena era sua droga.

Não havia mais como evitar.


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