Sombras da Noite escrita por Gabi


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Conto de mistério que tive que escrever para a aula de redação SDUIHAHID espero que gostem.



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Já haviam se passado das dez horas da noite e Alice não havia se mexido um centímetro para longe da mesa da cafeteria. Sentada o mais longe possível da entrada, por causa da corrente de vento frio que vinha das frestas da porta, olhava para a janela aborrecida. Tentava ver se conseguia enxergar no meio de todo aquele branco opaco, o negro da jaqueta de seu pai. Impaciente, mordia o lábio inferior e colocava suas mãos no vidro frio da janela, aproximando seu rosto para enxergar o fim da rua. Nenhum sinal dele.

A cafeteria estava quase fechando. A garçonete limpava as mesas e recolhia os menus para serem guardados. Apesar do tempo frio e todo aquele café e chocolate quente serem uma perdição nesse tempo, era feriado e a cidade toda parecia ter sido abandonada. Mas ela permanecia lá, batucando os dedos impacientemente perto de sua grande caneca de café já vazia. Em sua outra mão segurava seu celular, onde mostrava uma ultima mensagem recebida há muito tempo: “Me espere na cafeteria às nove horas. Beijos, papai.” Ele estava atrasado, mas isso não era nenhuma novidade.

A garota suspirou pesadamente e seus olhos vagaram lentamente por toda a extensão da cafeteria, até que eles pararam no jornal que um senhor – o único que ainda permanecia ali além dela – estava lendo. A notícia da primeira página foi a que lhe chamou a atenção. Algo sobre algumas meninas desaparecidas misteriosamente em menos de duas semanas, foi o que ela pode ler. Estreitou os olhos para identificar as fotos das tais meninas e o número de contato para qualquer sinal de aparecimento, mas o senhor dobrou o jornal naquele momento e o guardou.

Então a porta da cafeteria se abriu, deixando o ar frio da noite invadir o aposento e eriçar os fios finos da nuca de Alice, e um homem de casaco preto entrou. Ela se levantou já pronta para dar um sermão por ele ter se atrasado mais uma vez, que estava cansada de ter que esperar todos os dias por ele e que por mais que ele fosse ocupado, tinha que ter um pingo de consideração por ela. Mas antes que pudesse começar a falar, o homem se sentou na primeira mesa e ela percebeu que havia se enganado novamente. Suspirou aborrecida, agora ainda mais irritada e deu um ultimo olhar para a rua, acreditando na ultima esperança de que veria a cabeleira esvoaçante de seu pai perto da esquina, com aquele olhar de pedidos de desculpas e suas maletas do trabalho nas mãos. Mas o que via eram alguns carros atravessando com dificuldade o cruzamento, por causa de toda a neve acumulada no chão e as pouquíssimas pessoas se direcionando para suas casas aquecidas e confortáveis. E era isso que ela já devia ter feito há muito tempo.

Pegou sua bolsa e foi até a saída. Colocou suas luvas de couro antes de abrir a porta e ajeitou seu casaco. Lá dentro estava confortável, mas o frio que fazia do lado de fora era perceptível. Empurrou a porta de madeira e sentiu a brisa gélida soprar em seu rosto, fazendo todo seu corpo estremecer. Alice abraçou-se com força, tentando perder menos calor e começou a caminhar pelo passeio deslizante coberto de neve.

Nem mesmo a noite tranqüila e a beleza da paisagem esbranquiçada conseguiam acalmar seus nervos. Já estava completamente farta disso tudo. Desde que sua mãe morrera, não houve uma única vez que seu pai faltou aos compromissos, chegou atrasado ou simplesmente esqueceu-se das coisas. Tinha que fazer tudo sozinha, sem ter uma única ajuda. Mas dessa vez tinha sido demais, o ápice de tudo, o máximo para que sua paciência se esgotasse. Tinha o feito prometer que chegaria no horário certo e que seria sua ultima chance, e ele novamente faltara com sua palavra.

Suspirou profundamente, enquanto entrava na rua de sua casa, ainda mais deserta do que as outras e coberta de uma neblina densa. Por morar no subúrbio, tudo era um pouco longe. A parte mais comercial ficava há algumas quadras, o que dava uma boa caminhada até sua casa. Agora as ruas eram compridas e repletas de troncos de árvores retorcidos e grandes, as casas estavam todas fechadas e com as luzes desligadas. A única luz que iluminava o caminho era a dos poucos postes de luz e a própria claridade da lua. Deixando o clima sombrio, enquanto as ruas adentravam numa penumbra sem fim.

Estava atravessando para o outro passeio quando sentiu um arrepio lhe subir a espinha, o frio adentrando suas vestes até o dorso de seu pescoço e o vento uivar como um sussurro em seus ouvidos. Seus lábios ficam trêmulos e gélidos em poucos segundos, e suas pernas tiritaram por cima da neve fofa. Era como se a temperatura do ambiente tivesse caído vários graus em alguns segundos. Alice se abraça mais fortemente, passando as mãos por seus braços fazendo atrito e continua a caminhar.

Percebeu que não faltava muito para chegar em casa, ao passar pela loja de espelhos – a única que havia por ali. Sentiu seu corpo relaxar, pois logo estaria aquecida debaixo de suas cobertas, e olhou para a entrada da loja toda espelhada. Mas ao ver seu reflexo refletido nos espelhos espantou-se ao ver uma sombra projetada ao seu lado. Turva seus olhos, mas temerosa a seu ser. Num choque de adrenalina se virou de costas num pulo e abafou um grito com suas mãos, mas não havia nada atrás de si. Apenas metros e mais metros de mais neve. Com o corpo um pouco trêmulo, olhou de soslaio para os espelhos da loja novamente, mas só a sua imagem se refletiu.

Engoliu em seco e começou a caminhar novamente. Tranqüilizou sua respiração, enquanto pensava se deveria dar meia volta e mudar de caminho. Além do mais já era tarde, estava sozinha e não havia tirado da cabeça a notícia das meninas desaparecidas desde que saíra da cafeteria. Olha para traz novamente, vendo o quanto estava longe do outro quarteirão, quando novamente a brisa fria lhe sobe a espinha, agora ainda mais intensa, arrepiando-lhe os pelos finos do braço por baixo da grande camada de pano. Sente como se algo estivesse se aproximando bem devagar e junto com a brisa gélida, Alice escuta novamente o sussurro dissipado, mas agora um pouco mais nítido. Uma voz baixa e meio cavernosa, como uma respiração estertorante.

Seu coração começa a bater forte contra seu peito e num estímulo de medo, acelera o passo a fim de chegar o mais rápido em sua casa. Não olha para trás e nem pensa em parar. Em poucos segundos percebe que está correndo e o vento ficou mais forte e furioso, fazendo as janelas das outras casas baterem em baques repetitivos. Seus pés afundam na neve fofa, diminuindo a velocidade de seus passos, mas para sua felicidade seus olhos enxergam os grandes muros de sua casa não muito longe de si.

A névoa tampava todos os arredores da casa. Um vento furioso de inverno havia se lançado desde os campos, até a pequena cidade do subúrbio neste pouco tempo. Em alguns minutos Alice para de correr e se apóia na porta procurando fôlego. Com a garganta seca, retoma a respiração compulsiva e pega as chaves com as mãos trêmulas. Não havia mais motivos para ter medo. Havia chegado em casa e nada nem ninguém poderia lhe fazer mal ali. Talvez tivesse sido tudo obra de sua imaginação, mas não iria arriscar. Não sozinha, nessa rua desprovida de pessoas e sem nenhum meio de se defender. Adentra o hall e fecha a porta, encostando suas costas e respirando devagar. Agora estava tudo bem.

Quem olhasse pela janela poderia achar que estivesse no meio de uma tempestade de neve, mas nenhum floco cintilante caía do céu. A névoa esbranquiçada tomou conta de toda a paisagem em poucos minutos e se mesclou com o branco da neve amontoada no chão. O clima era frio. Os vidros das janelas das casas tinham um pouco de gelo nas bordas e as fachadas e telhados estavam completamente tomados pela neve. As árvores retorcidas, sem folha alguma, coloreavam a imagem preta e branca com seus troncos escuros.

Alice vai entrando pelo corredor, quando escuta um chiado vindo da sala. Engole e seco e caminha devagar até o outro aposento. Pelo que sabia seu pai não iria chegar tão cedo, então estava sozinha em casa. Vai chegando perto da sala e se aproxima devagar, quando percebe que o chiado vinha da televisão ligada. Não estava em nenhum canal específico, apenas soava o barulho irritante e vários pontos pretos e brancos brilhantes apareciam na tela, como se não houvesse sinal de satélite. Solta o ar de uma vez, percebendo que havia prendido a respiração pelo nervosismo e se senta no sofá, procurando o controle remoto.

Tateou todos os cantos do sofá, mas não encontrou o controle. Olhando para o resto da sala viu que ele se encontrava atrás da mesinha de canto, do lado da televisão. Suspirou preguiçosamente e se levantou com desânimo, desligou a televisão, deixando a sala ainda mais escura e já estava voltando para o sofá quando seu corpo paralisou e seu coração começou a bater freneticamente contra seu peito. Algo havia lhe chamado a atenção no fim do corredor. O aposento estava escuro e a única luz que iluminava o local era a que vinha do poste de luz na rua, então ela não conseguia enxergar muito bem, mas aquele vulto preto no fim do corredor não era sua imaginação. Disso ela tinha certeza.

Suas pernas começaram a tremer e Alice foi dando alguns passos para traz. Pensou em gritar, mas não sabia exatamente o que era aquilo à sua frente. Se fosse um ladrão já teria reagido contra ela, mas o vulto continuava imóvel e obscuro aos seus olhos. Engoliu em seco, divergindo contra sua própria mente se aquilo também era um engano e tudo era obra da escuridão traiçoeira.

 Deu mais um passo para traz, disposta a sair dali e procurar o interruptor de luz, mas no momento em que ela se moveu o vulto negro começou a se aproximar lentamente. O pânico foi subindo por seu corpo, fazendo suas mãos tremerem e seus olhos se arregalarem. Sua garganta ficou seca e a respiração descompassada.  O vulto foi saindo da escuridão total e entrando na penumbra feita pela pouca luz que vinha de fora. Então Alice pode ver um pouco do rosto da criatura. Uma menina; era o que parecia. Tinha a pele enrugada, coberta de queimaduras. O vulto ao redor dela se dava pelos seus cabelos, tão grandes que iam até o chão. A pela era de um branco puro em alguns lugares, mas fora quase completamente tomada pela manchas negras. Usava um vestido aos trapos que originalmente deveria ser branco, mas agora tinha uma cor marrom musgo, completamente sujo. A criatura mexeu a cabeça para trás e uma parte de seu cabelo se afastou de seu rosto e por traz de todos os grossos fios negros, algo brilhou na penumbra. O branco pastoso que vinha de seus olhos, bem no meio da íris.

Alice sentiu uma vertigem subir por seu corpo e suas pernas ficarem moles. Pensou em gritar por ajuda, mas sua voz não saía. Seus pulmões haviam se comprimido e o ar faltava.  Tinha vontade de correr, mas não conseguia se mexer. Não conseguia forçar seus pés a fazerem-na sair dali. Nem mesmo seus olhos se fechavam, pois sua mente havia se  fixado completamente na imagem destorcida da menina entranha e peculiar. E ela continuava a se aproximar, silenciosamente, como se flutuasse no chão. Seus braços estavam descobertos e caíam ao lado de seu corpo, onde se podiam ver as queimaduras com mais precisão. As unhas grandes, negras e afiadas se mexiam com o estalar de seus dedos em movimento, como se estivesse prestes a atacar.

Então o pânico passou a tomar conta da mente de Alice e ela vai se afastando com as pernas trêmulas bem devagar, sem tirar os olhos da criatura à sua frente. Seus pés se arrastam no chão até encontrarem a mesinha atrás de si. Seu coração para e o suor frio escorre por sua testa. Seus olhos vão devagar até seu lado, sem mover um centímetro de seu corpo, para ver para onde poderia ir.  Não estava muito longe da outra saída da sala, que ia para a cozinha, então havia chances de fugir. Trêmula, volta os olhos para onde estavam novamente, mas a surpresa faz eles se arregalarem em terror. A criatura havia desaparecido. O pânico se assola de seu corpo, que começa a tremer ainda mais. Uma náusea sobe por seu estômago e ela sente que irá desmaiar.

Sua boca se abre, pronta a gritar e seu corpo pega estímulo para se mexer, quando algo faz cócegas em seus ombros. Fios grossos e negros caíam por eles, mas não sabia de onde vinham. Seu corpo paralisa completamente e a única coisa que consegue ouvir são as batidas frenéticas de seu coração. Alice olha para cima hesitante e a vê; a criatura olhando para ela com o rosto pleno e sem expressões, os olhos brancos a mirá-la, tão frios e grandes. E antes que ela pudesse pensar em fugir dali a criatura largou o teto e veio em sua direção. O grito estridente soou por toda a casa, abafado pela ventania, então o silêncio ponderou na noite. E a luz do poste da rua se apagou.


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