Muitas coisas acontecem sem serem esperadas.

E podem mudar todo o rumo da história.

Eshybáh não contou nada do ocorrido no mercado no dia anterior – também, contar para quem? Um escravo tosco, que não liga a mínima para outro escravo? Ou uma mulher gorda que acha que os demônios do Egito estão o perseguindo? Ou seu senhor, que bate nos escravos sem motivo? -, apenas fez seu papel de escravo. Descarregou o que comprou, devolveu o dinheiro que sobrou e perguntou pela próxima obrigação a fazer. Estava tão cansado, que dormiu logo que deitou em sua cama à noite.

Acordou cedo, comeu a comida reservada aos escravos – um tipo de massa assada acompanhada com alguma coisa melada, parecendo mel mas com cor mais alaranjado - e foi limpar o pátio da casa. Por causa do vento leve que soprou a noite toda , muitas folhas e grãos de areia cobriam o pátio e a primeira tarefa do dia foi limpá-lo.

De repente, um barulho baixo, difícil de entender, parecendo gritos de alguém desesperado vindo da rua prendeu sua atenção. Correu até o muro baixo que separava o pátio da rua e se pôs a procurar de onde vinha aquele grunhido, inteligível. Aos poucos o barulho foi tomando forma, algumas palavras passaram a fazer sentido, no que passaram a formar frases inteiras. Próximo da casa, o menino percebeu que não era apenas um barulho, mas eram duas fontes de barulho, desesperadas, que pareciam dois arautos dando notícias de guerra ou de paz.

O menino se debruçou sobre o muro, dois olhos negros, grandes, curiosos, querendo ver os mensageiros. Logo se decepcionou. Esperava cavaleiros, viu dois jovens esqualidos correndo e gritando, correndo de um lado para o outro da rua, falando o mais rápido que conseguiam.

- O Senhor, Deus do povo de Israel, vai libertá-los. Preparem-se, o dia do Senhor chegou. Preparem-se. Deus vai levá-los para o deserto para O adorar. Vistam suas capas, vejam o poder de Deus. Moisés disse que Deus vai nos libertar, vamos deixar o Egito e voltar para a terra dos nossos antepassados. Estejam prontos.

Eshibáh achou graça das figuras que serpenteavam pela rua, mas prestou atenção em algumas palavras. Dentre elas, algumas ficaram rodeando sua mente durante toda a manhã. Na hora do almoço, as palavras que estavam soltas formaram um elo, culminando em uma idéia, que não seria analisada melhor se seria a melhor coisa a fazer. Durante todo o resto do dia, o menino só pensou em como executar seu plano. Continuou a realizar suas tarefas normalmente, como se nada tivesse acontecido, apenas esperando o momento certo.