O segundo baque foi bem mais forte que o primeiro. Caliel me atingiu com força, apenas chocando seu corpo contra o meu. A diferença de poderes entre nós era avassaladora. Senti o sangue escorrer na parte de trás de minha cabeça e uma dor aguda me cegava. Mas então percebi algo diferente no ar. Olhei pra frente e vi Caliel e os outros encararem a entrada da capela. Meu olhar encontrou o motivo de tanta incredulidade: Michaela estava ajoelhada, ante a Casa do Senhor, orando.

Não, eu não ouvi o que ela disse, nem mesmo sei se pronunciou as palavras em voz alta, mas eu não precisava ouvir, sempre sabia quando alguém conversava com Ele. As lágrimas escorriam silenciosas para o chão. Levantei devagar, sem piscar ou desviar o olhar daquela cena milagrosa. Minha vampira era capaz de amar, eu sabia disso, mas nunca pensei que pudesse, novamente, ter fé.

Meu coração batia tão rápido em meu peito, que machucava. Quis ir até ela, mas vacilei ao primeiro passo, pois meu corpo estava debilitado dos golpes de Caliel. Então ela se levantou, respirou fundo e deu um passo a frente. Nessa hora tudo parou. Ela entrou na capela e andou lentamente em minha direção. Todos ficaram parados, sem ação, enquanto eu sorria pra minha vampira. Era isso, se ela estava dentro, então era porque tinha conseguido a permissão de meu Pai.

- Gabriel? Você está bem?

A voz doce e suave dela me atingiu como um bálsamo. Senti seus braços finos e delicados me envolverem em seu abraço gelado. Ela tremia.

- Você entrou. – foi o que conseguir dizer.

- Entrei por você – ela respondeu enquanto me invadia com o verde intenso de seu olhar.

- Eu te disse que Ele não te abandonou.

Ela sorriu com as minhas palavras e me beijou suavemente os lábios. Vimos ao mesmo tempo Caliel se aproximar de nós. Ele era rápido e eu estava machucado, mas mesmo assim, tirei forças de onde não tinha. Meu corpo não podia permitir que nenhum deles se aproximasse dela. Posicionei-me entre os dois, de forma que ele interrompeu o ataque. O objetivo dele era ela, não eu.

- Saia da frente, Gabriel. Não me obrigue a fazer o que não quero. – ele disse, sem retirar os olhos dela.

Apertei firmemente minha Gladius na mão e ouvi o rugido de Michaela atrás de mim. Quando ela tentou se aproximar para ficar ao meu lado, estique a braço para impedi-la. Eu não iria permitir que a tocassem.

- Ela entrou aqui com a permissão de nosso Pai, Caliel, isso não significa nada pra vocês?

- Ela é uma Filha do Pecado, é nosso dever mata-la, Gabriel, dever que você não cumpriu!

Dizendo isso ele se adiantou e eu fiz o mesmo. Apesar da velocidade e força superiores dele, eu o confrontei. Nossas espadas giravam velozmente no ar e um som fino e alto de metal contra metal ressoou por todo o templo. Esquivei de um golpe direto e me desequilibrei. Nessa hora ele aproveitou para se aproximar de Michaela, que estava em guarda.

Como era de costume, os outros Filhos da Luz não intervinham nas batalhas uns dos outros. Caliel era o escolhido para cumprir a missão, eles apenas assistiam e oravam ao Senhor. Mas suas presenças eram imponentes e fortaleciam ainda mais meu adversário.

Sem pensar eu voei o mais rápido que pude e agarrei-o por trás, antes que pudesse alcança-la, mas ele se virou como um raio e apontou sua espada em minha direção. Foi por uma fração de segundo que não me atingiu. Pulei para o lado e voltei a me postar diante dela, protegendo-a. Esse era o objetivo de minha vida naquele momento. Ela estava assustada, eu podia sentir. Eu não sabia o quanto da luta ela podia acompanhar, vampiros não eram tão rápidos quanto nós.

Caliel voltou a investir contra mim e nossas Gladius voltaram a se encontrar.

- Gabriel, use o bem senso! Ela não ama você!  Ela é uma Filha do Pecado, não é humana, não pode amar!

Nós nos empurrávamos enquanto ele pronunciava as palavras em minha direção. A força estrondosa de seu corpo começava a vencer o meu.

- Está enganado! – eu disse – Eu sei que há esperança, nosso Pai não a abandonou e você também não deveria.

A luta continuau, veloz e sangrenta. Caliel era superior e logo começou a me acertar. Vi quando Michaela se adiantou, ela tentava impedir a luta, tentava me ajudar, mas se ela se aproximasse demais, seria atingida por ele. Eu apenas via o desespero em seus olhos e ouvia os grunhidos que saiam de seu peito. Então Caliel conseguiu me desarmar, com um golpe forte, fez minha Gladius sair de meu poder.  Joguei-me no chão, rolei para tentar alcança-la, mas já era tarde, ele estava voando sobre mim, apontando sua espada dourada em minha direção.

Tudo foi muito rápido. Não levou mais que dois minutos para chegarmos a este ponto desde que Michaela entrou na capela. Eu vi naquele momento, que Caliel não iria parar. Ele deveria me tirar de cena, se quisesse matar Michaela, e sabia que eu não deixaria fazê-lo se estivesse vivo. Vi nos olhos dele a decisão de me matar, matar meu corpo humano, e me enviar de volta ao Criador.

Eu estava no chão e senti dor. Senti por ter que deixa-la. Eu sabia que aquele rápido e suave beijo que demos, seria o último. Senti dor ao perceber que não a teria novamente. Era como se toda minha existência tivesse apenas uma razão e esta razão estava sendo arrancada de mim muito rapidamente.

O reflexo dourado veio até mim, em direção ao meu peito, e foi então que tudo parou mais uma vez. No último instante, ela estava lá. Minha Michaela, minha vida, estava deitada sobre mim, me protegendo do golpe fatal. Ela entrou na frente da espada dourada e eu senti a dor que explodia em seu peito quando Caliel a perfurou.

O frágil corpo dela estava deitado sobre o meu, de frente pra mim, e a espada dele entrou pelas suas costas e atingiu em cheio o coração. Minha voz ficou presa na garganta, não haviam lágrimas para sair. Vi um sorriso se formar muito rapidamente em seu rosto perfeito antes dela morrer em meus braços. Vi todo o amor que ela sentia transbordar de encontro a mim. E a vida dela, a minha vida, se foi.