Salvation escrita por MilaBravomila


Capítulo 3
Capítulo 3




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Quando se é um vampiro, você tem que aprender a sobreviver por si só. Apesar de nossa natureza ser andar em gangues, ou famílias, somos dominados pelo instinto primário da autopreservação. Aprendi que é preciso grana para sobreviver no mundo real e que além de grana, você precisa ser esperto.

Com a morte da minha mãe, eu herdei a casa e um fundo de reserva que ela possuía. Nas primeiras semanas eu não queria nada daquilo. Eu estava totalmente perdida, tentando me adaptar a minha nova condição, sem entender o que tinha acontecido, além de me culpar a todo o instante pela morte dela.

Não que eu não me culpe hoje em dia, mas acho que me tornei tão inumana, que já não dói tanto assim. No fim, vendi a casa e comprei uma menor. Juntei o dinheiro restante com as economias da poupança e investi na bolsa de valores. Sorte minha ter um bom conhecimento na área. Devo ser agradecida pelo único ano que consegui cursar na faculdade de economia antes de morrer, ou, ser transformada. Dá no mesmo.

Eu só precisava de um computador e algumas horas por dia e contava com minha sorte e intuição. Em pouco tempo consegui juntar dinheiro o suficiente e comprei alguns outros imóveis dos quais tenho uma renda fixa provida pelos aluguéis. Dez anos. Já faziam dez anos desde minha transformação e eu me olho no espelho todos os dias imaginando quando seria o último, ou se teria um fim.

Essa noite o clima estava estranho na cidade. Eu captei um cheiro estranho de apreensão pairando no ar. O movimento noturno estava reduzido e um alarme interno soou em mim. Eu soube o motivo por acaso, quando ouvi a conversa entre duas vampiras no banheiro de uma boate. Soxx, o delegado e chefe dos vampiros da região, tinha sido morto noite passada, aparentemente numa emboscada. Muitos humanos morreram, mas ninguém sabe quem foi o responsável pela morte do vampiro.

A insegurança estava instalada. Se Soxx foi morto, só poderia haver um motivo: havia um Anjo na cidade. Merda, isso não era uma coisa boa. Se eu fosse criança estaria feliz, certamente. Mas hoje, não tenho este privilégio. Anjos existem, sim, mas apenas para matar vampiros e isso definitivamente não é bom pra mim. Certo que eu não sou feliz com a vida, ou semivida, que tenho, mas como disse antes, o instinto da autopreservação fala mais alto. Se Soxx foi morto, o Anjo responsável deveria ser muito bom.

Agora estamos todos em perigo duplo. Primeiro porque a morte do delegado vai culminar em uma guerra interna pelo poder. Vários surgirão para pegar seu lugar e quando isso acontece, os interessados recrutam vampiros para seu bando, para ganhar força, embora recrutar não seja a palavra mais exata para o que eles fazem. Segundo, porque o tal Anjo vai se aproveitar desse momento para exterminar o máximo de nós possível.

Eu já tinha me decidido, ia deixar a cidade por uns tempos. Era a coisa mais prudente a se fazer. Entretanto essa noite eu tinha umas coisas para resolver. Tomei outro rumo e voltei para o clube da noite anterior: La Fontera. Eu precisava falar com uma pessoa que me devia antes de deixar a cidade e eu era uma credora implacável.

O lugar não estava tão cheio como de costume, mas eu pude ver as mesmas pessoas de sempre. Havia humanos, e música, e álcool e drogas, como todas as noites. Eu tinha marcado com Carly ali, mas pretendia fazer tudo ser o mais rápido possível. Fui ao banheiro imundo rapidamente e enquanto lavava as mãos, uma olhada no espelho.

Minhas roupas estavam em ordem. Uma calça jeans escura e um vestido preto ultracurto que eu fazia de blusa, levantando-o sobre os quadris. Gostava de como ficava bem nele. Meus cabelos estavam particularmente bonitos, efeito da recente alimentação e do pouco tempo de tingimento – fazia frequentemente devido ao tom vermelho vivo. Passei um gloss claro por causa do fúnebre tom da minha pele e sai.

Vi que Carly já havia chegado. Ela estava no bar e estava se insinuando para um homem que estava sentado. Uma das desvantagens em ser um vampiro era a libido exacerbada. Isso as vezes era um problema. Vampiras não engravidavam como humanas, pois não eram férteis, mas isso não inibia nossa vontade em ter sexo, muito sexo. Eu não fazia com muita frequência, é verdade, mas eu preferia esperar até aparecer um homem que valesse a pena. Infelizmente, geralmente eu me atraía por humanos e os infelizes nunca me ligavam no dia seguinte. O interurbano do Além deve ser um absurdo mesmo.

Fui passando pelas pessoas, ignorando as gracinhas rotineiras que os machos falavam pra mim no caminho. Percebi que Carly estava empenhada em conseguir uma transa para a noite, pois estava jogando todo o seu charme para o pobre coitado: apoiada no balcão com o corpo muito próximo ao dele, que parecia querer não estar tão perto dela assim. Mesmo de costas eu percebi o porte do rapaz. Tinha os ombros largos, o cabelo negro era curto e levemente bagunçado.

Ela viu minha aproximação e sorriu. Não foi um sorriso amigável, mas sim um alerta. Sua atitude me dizia para não chegar próximo a sua vítima, ele era exclusivo dela. Eu a ignorei e me aproximei. Queria apenas pegar o meu dinheiro e sair logo da cidade.

- Boa noite, Carly.

- Mika. – ela respondeu secamente, ante a violação de seu território.

- Desculpe, mas precisamos conversar. – eu fui enfática.

Ela olhou de mim para o cara, que permaneceu parado sem me encarar. Ele levou a mão para o bar e alcançou a garrafa de cerveja. Levou-a à boca e nesse movimento rápido eu percebi os riscos negros em seus pulsos, que pude ver quando a manga de sua camisa desceu um pouco. Eu respirei fundo, inalando a fragrância que ele transmitia. Era diferente. Eu não sabia explicar, mas momentaneamente fiquei inebriada pelo cheiro.

Carly voltou a mostrar os dentes.

- Pode me dar um minuto, já vou ter com você Mika. – ela falou claramente tentando me afastar do rapaz.

- Um minuto. Te espero lá fora.

Eu me forcei a sair de perto daquele estranho e instigante odor. Passei pelas pessoas do clube e sai. O ar frio da noite me ajudou a limpar as vias aéreas. Dez minutos mais tarde, Carly foi me encontrar. Como eu previ, ela me pagou apenas dois terços do que me devia. Disse que eram tempos difíceis e que precisava manter algum para caso precisasse fugir.

Não era mais da minha natureza ser amigável ou benevolente, essa parte de mim tinha sido enterrada junto com minha mãe, mas eu senti o desespero dela tão forte em meu nariz, que simplesmente não neguei.

- OK, mas que isso não se repita. – falei grave e decidida para ela – Mas saiba que vou cobrar juros quando vier me pegar o restante, Carly, e que você não terá um novo prazo.

Ela assentiu e voltou para o bar. Era óbvio que ela não tinha conseguido fisgar o cara misterioso, então certamente procuraria outro para se aliviar esta noite. Eu pus o dinheiro no bolso da calça e caminhei pela rua, em direção a minha casa. Estava decidida a deixar a cidade no dia seguinte, até que as coisas se acalmassem um pouco ou que um novo delegado se impusesse e acabasse com a ameaça alada que surgiu.

Andei dois quarteirões para o sul e ouvi um barulho alto quando dobrei a esquina. Olhei na direção do barulho, já me pondo em posição de ataque. Havia um beco próximo e fui me esconder ali. O barulho estava próximo demais para eu tentar correr. Ouvi grunhidos de vampiros e eram grunhidos de advertência, de batalha. De repente avistei um vulto sendo arremessado pelo beco e me encolhi atrás da enorme caçapa de lixo. Patético, eu sei, mas meus instintos mandavam e meu corpo apenas obedecia.

O vulto negro era o corpo de um vampiro que tinha sido arremessado para o beco e ele alcançou a parede do fundo, fazendo um barulho seco quando a atingiu. O vampiro levantou rapidamente e grunhidos frenéticos saíam de seu peito. Ele era alto, negro e careca e eu já o tinha visto no La Fontera em companhia do Soxx. Era o segundo no comando da região.

O vampiro negro tinha um corte fundo no rosto e no peito e seu sangue escorria pelo chão. Ele encarava alguém que o encurralou no beco. Estava literalmente apavorado e obviamente em desvantagem. Eu estava encolhida atrás da caçamba, mas eu precisava ver o que o vampiro tanto temia. Olhei timidamente, ainda me mantendo fora da vista do atacante. E eu soube, era o mesmo homem que Carly estava tentando seduzir na boate.

Era alto e imponente. O corpo não era tão exagerado quanto pensei que fosse. Na verdade, era apenas atlético. Os olhos refletiam um azul incomumente escuros e eu jurava que estavam brilhando. Mas o que o homem tinha nas mãos foi o que me chamou a atenção: era uma espada. Não muito grande, não muito comum – como se espadas fossem comuns - e certamente bastante afiada. Ele a mirava na direção do peito do vampiro e quando ele o atacou, a verdade me veio como um raio: era ele. O Anjo que matou Soxx, era ele. Eu estava fodidamente ferrada.


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Notas finais do capítulo

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