Ela já se despedia do caloroso calor de seu quarto quando ouviu baterem em sua porta. O guardião, que permanecera todas as 23 noites em seu encalço, chamou-lhe pelo nome e pediu para que esta saisse. Ela pediu para que aguardasse e andou outra vez para frente do espelho. Visualizou pela ultima vez suas feições bem distintas e seu corpo tão curvilíneo e rosado. Vestiu sua túnica azul-clara, prendendo-a com seus apetrechos com ornamentos gregos. Virou-se e saiu de seu refugio. Olhou para seu guardião. Seus cabelos dourados presos em uma discreta trança que descansava no ombro. O peitoral largo e os músculos bem definidos ,sobressaltavam o quão potente guerreiro era. Caliel. Caminhavam os dois, lado a lado, rodeados por mais três guardas. Querubins. Caliel olhava ao redor e a sede estava completamente vazia. As ruas, vielas, tudo. O julgamento seria com certeza trágico. Olhou para a brilhante silhueta dela e suspirou pesaroso. Seria muito trágico.

- O que te aflige, meu Arcanjo ? – ela indagou, sem encará-lo

- Vossa sentença futura, minha Anja Superiora. – ele falou – devias ter evitado tal situação em vossa vida celeste.

Ela continuou calada. Pararam ao depararem com as portas abertas do Grande Salão. Os assentos estavam cheios, o lugar lembrava vagamente o Grande Coliseu de Roma. Mais a frente, diversos Arcanjos e no centro uma luz estava centralizada. A platéia já esperava pelo divertimento. Ela caminhava silenciosa, podia sentir os sussurros, lamentos e espanto, os olhares desaprovadores de todos. Caliel se mantia firme ao seu lado, o que lhe acalmava mais o espírito. Talvez não soubesse se conseguiria chegar até lá. Agradeceu-o mentalmente pelo irmão. No centro da luz, quatro algemas subiram do chão, prendendo-lhe os pés e mãos. Grunhiu um pouco ao apertarem. Dentre os Arcanjos, um subiu ao pedestal. Daniel.

- Hoje, neste momento, será julgada pela primeira vez um Arcanjo por sucumbir ao pecado da carne – ele declarou – Um dos pecados capitais perante a outro ser celeste é visto como Heresia. Alaxel, vosso corpo e espírito estão impregnados por tal ação e nada mais será feito para que salvemos vossa alma. Serás, de agora em diante, um ser Caído.

Alaxel fechou os olhos. Já esperava por aquilo. Por aquela sentença.

- Eu intercedo por esta – alguém gritara.

Os olhos de Daniel e Alaxel rolaram até a figura celeste que andava para o centro, imponente de passos firmes. O novo Arcanjo tocou o braço da julgada e sorriu.

- Ela não tem culpa, Daniel, sabes que rebaixá-la como decaída será um mal julgamento.

- Cala-te, Lúciel! – Daniel berrou – Por culpa desta, a Terceira esta suja. E o que fazes aqui? Por que intercede por esta decaída?

- Por tê-la como amante. – A voz vinda do desconhecido soou nos ouvidos dos presentes – Lúciel e Alaxel, serão meus julgados.

Logo, todos sabiam que aquela Magnífica voz pertencia ao Pai. Imediatamente, todos ajoelharam-se perante tal voz. Arcanjos, Querubins, Anjos. Alaxel já ia imitar o ato quando foi impedida pela mão de Lúciel que segurou-lhe o braço.

- Sinto que não precisamos mais disso – ele sorriu – nossa pena não diminuirá.

- Vossas decisões foram as menos irracionais, meu filhos – a voz falava – Seus atos sempre terão conseqüência e por esta, o preço será um dos maiores. Prontos?

Os dois acenaram em silencio. A Corte e a Platéia não era mais ouvida ou vista. Talvez estivessem em outro lugar.

- Lúciel por rebelar-se será rebaixado como um Anjo Caído, viverá nas profundezas daquilo que mais repugnou para nunca mais voltar. Vosso corpo material e espírito estarão sob controle do submundo – O anjo acenou em resposta - E Alaxel terá 100 vidas humanas, sob torturas, sofrimentos, nada mais nada menos, sob o julgamento humano. E ao fim de suas vidas, resultará ao pó. – A voz direcionou-se apenas à mente de Lúciel - E mesmo que corra atrás de vossa amante, terás o poder e coragem para protegê-la de minha sentença dada? Mesmo no Inferno, Lúciel?

E quase que imediatamente, a voz desapareceu e junto da voz, todo o Coliseu Celeste também. Permanecia apenas o casal pecador. Lúciel agarrou o corpo, ainda acorrentado de Alaxel. Ver aqueles olhos cinzentos de Alaxel tão chorosos e assustados para ele, o fazia querer protegê-la de todo o mal. De abraçá-la para nunca mais soltar. Ele sabia. Ela sabia. Lúciel precisava tanto dela quando ela dele.

- Lú..Lúciel, o que vai acontecer? – ela perguntava já com lagrimas escorrendo pelas bochechas.

- Calma, Meu Amor. – ele falava, incerto do que viria a seguir – Nada de mal vai lhe acontecer.

- Estou com medo.

- Não fique. – disse – Não temas por algo tão tosco, nosso amor será eterno.

Ao terminar, sentiu que o corpo de Alaxel tornava-se tão permeável. Tão flácido e fácil de romper-se. Seu corpo estava perdendo a textura. A agonia de Lúciel aumentava. Não sabia o que iria acontecer, estava com medo. Mas, não podia perder a cabeça com Alaxel escapando de seus braços como névoa. Abraçou-a mais forte.

-Nada vai nos separar – ele sussurrou em seu ouvido – não por muito tempo. Eu prometo.