Meu Manda-sama escrita por NocturnalVacancy


Capítulo 1
Capítulo I - Doce início


Notas iniciais do capítulo

A ideia original pertence à Lollyta Sakura, o primeiro capítulo é de minha autoria. Se vocês souberem por onde ela anda, me avisem!!



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Dor

Esta era a palavra perfeita para descrever o que sentia. Sua cabeça latejava intensamente e os músculos doíam como se estivessem envoltos em faixas muito apertadas. A sensação era a de ser um adulto obrigado a vestir roupas de criança, uma vez que sua situação não fosse muito diferente disto, pois era um poderoso Deus do mundo espiritual... preso a uma frágil carcaça humana.

Abriu os olhos lentamente, a tarefa não se mostrava assim tão fácil, e a pouca luminosidade que entrava na Catedral corroída pelo tempo tocou as íris de rubi como duas agulhas muito finas. Malditos olhos humanos! Malditos, fracos e sensíveis olhos humanos! Esses cretinos eram exatamente um bando de raposas traiçoeiras. Como pôde deixar-se enganar por seres tão fracos e inferiores? Fechou os olhos novamente e respirou fundo em uma vã tentativa de controlar a raiva, mas sentiu todos os músculos do abdômen retesarem com o movimento, lembrando-o de todo o seu ódio e desprezo pela humanidade.

Manda apoiou-se nos pilares de mármore envelhecido e, ignorando o sofrimento, chegou até um pequeno lago próximo ao altar. Parte do teto da construção há muito cedera às investidas da chuva e a água teve longos anos para acumular-se no local. Seus olhos humanos não enxergavam metade das cores que via com os olhos de Deus Serpente, mas eram suficientes para captar o próprio reflexo.

Olhos vermelhos como o Sol Poente e uma pele branca e delicada como a Lua, bem diferente de suas grosseiras escamas índigo. O cabelo, prateado e liso, ia um pouco acima da linha dos ombros e caía levemente em uma franja sobre a tez juvenil. Apesar das feições claramente masculinas, o corpo delgado e lábios suaves poderiam atrair não só a mulheres como homens também. Era o tipo de beleza rara que não se vê em qualquer lugar e somente poucos privilegiados têm o direito de possuir.

O humano observou-se mais uma vez, descrente que aquela imagem odiável fosse seu reflexo, mas lembranças dolorosas vieram-lhe à mente, dando-lhe a certeza que negava. A água não mentia, o homem que residia naquele espelho natural era ele próprio e, quando chegou a essa constatação, apenas um pensamento continuou a povoar sua mente.

Céus, mataria Orochimaru.

— x - 

 A passos rápidos, um homem esguio como uma serpente atravessava o denso bosque até chegar ao templo do Trovão, um local há muito esquecido pelos habitantes do país, mas que em ocasiões passadas ocupava boa parte do tempo dos cidadãos. Era ali que as pessoas derramavam suas lágrimas, executavam suas preces e imploravam aos Deuses por proteção. Contudo, hoje o templo estava entregue à ação do tempo e apenas por milagre a construção ainda resistia, ou talvez aquela resistência fosse um presente dos espíritos por todos os bons momentos que presenciaram naquele lugar.

Orochimaru parou bruscamente e encarou a nobre porta de carvalho envelhecida. Outrora aquele guardião possuíra uma irmã igualmente elegante, mas hoje protegia solitário a entrada do templo, preso por uma única peça de metal enferrujado na parte superior. O mago, proveniente da Aldeia do Som, apreciou por alguns segundos os entalhes na madeira e dirigiu-se ao lado direito da peça de carvalho, onde a porta que deveria se opor à sua entrada não mais existia.

Seus passos leves ecoaram ruidosamente, corrompendo o silêncio harmônico. Sem remorso algum, o homem de pele acinzentada andou sobre as tulipas lilases e brancas que espalhavam-se sobre o chão, abaixo do rombo no teto. As flores eram tão lindas quanto o mármore claro que um dia já reinou absoluto na Catedral, mas isto não impediu que uma pequena parte delas fosse estilhaçada para os propósitos do feiticeiro.

 O homem de cabelos negros mordeu a própria carne e, após passar o dedo ensanguentado sobre o braço, realizou alguns movimentos e abriu a mão espalmada rente ao chão. Em uma nuvem de fumaça, Manda apareceu diante dos orbes amarelados e, instantaneamente, seu olhar dirigiu-se aos pés de seu invocador.

A enorme serpente observou as tulipas destruídas. Tão frágeis e inocentes... O Rei das Cobras podia ser caprichoso e temperamental, mas, como todo ser espiritual, tinha uma forte ligação com a natureza e odiava os humanos por destruí-la. Eles achavam-se tão superiores, julgando a tudo e a todos como se valessem alguma coisa. Cuidadosamente, a criatura índigo saiu de cima das flores, tentando causar o menor estrago possível, e alojou-se próximo aos bancos de mogno onde, um dia, humanos ofereceram suas preces a si.

— Espero que estejas aqui para honrar com tua palavra, Orochimaru. — a divindade não moveu um músculo da face, entretanto, isso não impediu que sua voz imponente preenchesse o templo do Trovão.

— Eu posso ser mentiroso, Manda-sama, mas não ousaria ludibriá-lo. — o humano aproximou-se de Manda, destruindo mais algumas tulipas no caminho e atraindo o olhar da serpente. Orochimaru olhou para os próprios pés e em seguida encarou o réptil. — Vejo que ainda tens um forte apreço por estas míseras flores.

— Tu é que não sabes respeitá-las. — o gigante falou, acariciando com a cauda uma das tulipas lilases, transmitindo uma delicadeza incomum. — Garanto que estas existências efêmeras valem mais do que tua vida pecadora.

— Se assim julga. — o mago respondeu, unindo as mãos e pousando-as junto ao peito, em um movimento cauteloso. — Não irei contestá-lo.

O dois seres altivos encararam-se mais uma vez. Há mais de cinquenta anos um jovem oriundo da Aldeia da Folha veio até Manda clamar por sua ajuda. “Seja meu escudo e minha espada, empresta-me tua força e sabedoria e protege a integridade de minha carne para que possa cumprir meus objetivos”. Juntos, contratante e contratado dominaram povos e países, formaram sua própria nação e, quando o discípulo das artes proibidas superou o próprio mestre, o contrato estava acabado e chegara o momento de pagar a dívida.

Orbes douradas e divinas observaram com atenção as orbes douradas e mundanas. A maioria dos homens entraria em desespero ao saber que teriam suas almas roubadas. Entretanto, não havia medo, tensão e nem receio no olhar de Orochimaru, tudo que Manda percebia era um brilho cínico e um sorriso descarado. Foi então que, tarde demais, o Rei Serpente percebeu que o humano de pele acinzentada não mantinha as mãos unidas rente ao corpo por acaso. Ele executara um selo.

Manda ainda tentou escapar, porém, faixas já surgiam do piso de mármore, envolvendo-o por completo e levando seu corpo rude e imenso ao chão e, somente neste momento, a divindade de olhos dourados percebeu os símbolos de sangue marcados no piso. Planejado, tudo havia sido planejado. Desde a invocação sobre as tulipas até a conversa fugaz, Orochimaru planejara tudo desde o início. O mago sabia da ligação do Deus Serpente com as flores, sabia que este se deslocaria rapidamente para além das tulipas e sabia que ele estaria irritado demais com a presença do humano para perceber os ideogramas no chão.

Aquele ser poderoso e cercado de mistérios ainda tentou reagir, entretanto, seu corpo estava inteiramente imobilizado e mesmo sua voz, tão imponente e profunda, estava impedida de soar no recinto e proferir qualquer palavra. Ao Deus pagão, agora subjugado, não restou outra opção senão dirigir seu olhar carregado de ódio ao seu algoz, enquanto sentia todo seu chakra sagrado esvair-se.

— Are, are, Manda-sama. — Orochimaru disse, apoiando o queixo sobre uma das mãos. — Acaso pensaste mesmo que eu entregaria minha alma tão facilmente depois de tudo o que conquistei?

— “Depois de tudo que EU conquistei para ti, ser ingrato!” — a serpente índigo contestou em pensamento.

— Não deverias olhar-me deste jeito, sabias? — o feiticeiro continuou andando sobre as tulipas, sem importar-se com o efeito de seus passos. — Eu poderia muito bem destruí-lo neste momento, mas creio que estou sendo piedoso ao utilizar-me deste feitiço, não achas, Manda-sama?

O réptil de tamanho descomunal lançou um olhar de dúvida para o homem de cabelos de negros, recebendo uma resposta carregada de ironia.

— Ora, não lhe disse, Manda-sama? — Orochimaru falou em meio a um sorriso hipócrita. — este feitiço há de transformá-lo em humano.

Ao ouvir aquela frase o corpo da serpente fremiu em desespero. Em uma última tentativa, Manda tentou desvencilhar-se das faixas que o envolviam, mas tudo que conseguira fora gastar o resto de seu precioso chakra e quebrar o restante dos móveis ao seu redor. Esgotado e respirando com dificuldade, a divindade não pôde fazer mais nada senão observar o mago afastar-se em direção à saída.

— Mas, não precisas ficar tão angustiado, Manda-sama. — Orochimaru ditou, agora próximo à porta. — Há um modo de remediar esta magia. — as faixas já envolviam também o rosto da cobra, de forma que ele apenas ouvia as palavras do homem. — Se te apaixonares por um humano, se fores capaz de amar um outro alguém tanto quanto a si mesmo, então, Manda-sama, serás capaz de voltar à tua forma verdadeira.

A risada cínica do humano espalhou-se por toda a Catedral, irritando ainda mais o ser divino. Inferno, poderia haver condição pior do que essa? Não era incomum a repulsa de seres espirituais para com os humanos, mas mesmo dentre os seres sagrados não havia ninguém que os odiava mais do que o Rei Serpente. Preferia mil vezes passar a sua vida como uma simples flor do que entregar seu coração a qualquer um daqueles seres sujos e inferiores. E Orochimaru sabia perfeitamente disto.

Antes que pudesse tentar cogitar uma solução, a escuridão domou por inteiro a mente de Manda. Dor, silêncio, escuridão, inconsciência. E quando acordou, o outrora Rei Serpente não passava de um conjunto imperfeito de carne, ossos e cabelo. O que antes era divino, agora não era nada além de um ser fraco e impuro: um humano.

— x - 

O reflexo tornou-se indefinido quando Manda socou a água, espalhando gotas cristalinas por seu corpo, fazendo-o sentir calafrios pelo contato com a água gelada e, neste momento, o homem de cabelos prateados percebeu que estava nu. Apesar de sua nova carne não possuir mais do que algumas horas de vida, o espírito que a residia já vivera tempo suficiente para compreender, pelo menos em parte, os hábitos dos humanos. E um desses hábitos era o de cobrir o próprio corpo.

Manda estava impaciente. Desejava voltar o mais rápido possível à sua antiga forma, desejava livrar-se daquela carcaça indigna de seu espírito, desejava encontrar uma maneira para livrar-se do tormento a que fora infringido e, acima de tudo, desejava matar Orochimaru. Porém, antes de sair em busca de uma solução que não envolvesse entregar-se a um humano, o antigo Deus Serpente cogitou se não seria melhor procurar algo para vestir...

 

 

Doce Início
02/06/2011
by Kelen yoru


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