Nora desliza a parte afiada da faca sobre o seu pulso, traçando uma linha vertical até pouco abaixo da dobra do seu braço. Com menos força e bastante dor, ela tenta fazer o mesmo no outro braço e por fim larga a faca. O seu sangue se espalha sobre o chão a uma velocidade assustadora e ela sente seus sentidos a abandonando gradativamente.

–Eu. Te. Amo. Patch. - Nora sussurra, como se soubesse que ele iria escutar e por fim fecha os olhos se entregando numa escuridão calmante.

        ***

A imagem de Patch de olhos arregalados, largando o punhal no chão ao mesmo tempo em que as suas magníficas asas de Anjo se abrem no céu, assustam Rixon. Ele sabe que algo está errado.

Sente um alívio pelo amigo ainda estar vivo, mas dentro de si ele sente que algo deu realmente errado!

-Nora! - Patch sussurra sentindo o manto protetor, que ele havia posto sobre ela, sumir lentamente.

O Sacrifício havia sido feito e agora o escudo que envolvia a montanha sagrada e que impedia o mundo sobrenatural de descobrir aquele lugar, ruiu.

Imediatamente todos os Seres malignos, juntamente com os Nefilins, seguidos dos Anjos Caídos, dos Rebeldes e de outros Anjos Negros, que ainda lutavam entre si para conseguir levar a alma de Nora embora, se teletransportaram até o cimo da montanha. A essência de Nora estava nas mãos de quem chegasse primeiro e quando alguém a pegasse para si, tudo estaria arruinado.

Patch foi sugado até o local onde Nora jazia quase morta no chão, banhada em sangue, sem cor e quase sem vida. Vee clamava pela amiga, chorando aos prantos, pegando-a nos seus braços e embalando-a como uma criança.

-Salve ela! - Vee implorou, sufocando no seu choro, assim que viu Patch.

Este olhava incrédulo aquela cena. Seu coração se rasgava em mil pedaços, ele sangrava de dor. 

A alma de Nora flutuava no ar, ainda presa a seu corpo por milhares de fios finos e quase transparentes, que iam se desprendendo um por um... Aquela cena o deixou paralisado... Nora estava partindo...

-FAÇA ALGUMA COISA! - A loira gritou para um Patch petrificado, que piscou duas vezes os olhos em direção a Vee e se movimentou até o corpo inerte de Nora.

Lá fora a maior batalha de todos os tempos ocorria avassaladoramente. Todos contra todos. Quase todos querendo a Alma de Nora! Os Nefilins lutavam contra os Caídos, que lutavam contra os Demônios, que se defendiam dos Rebeldes, que atacavam os Anjos Negros, que golpeavam os Nefilins. O caos estava instalado e só terminaria até que apenas um sobrevivesse ou todos estivessem mortos.

Rixon preferia assim. A questão não estava mais em salvar Nora. Estava em impedir que as Dimensões fossem dominadas por algum louco e todos virassem seus escravos. Ele odiava a Democracia fajuta das Dimensões, mas ainda conseguia lidar bem melhor do que uma Anarquia pura!

O Anjo Rebelde, companheiro de todas as horas de Patch, disferia golpes e mais golpes, sem tempo sequer para poder respirar. Se desviava de ataques com precisão, tentando passar por entre todos e montar guarda junto com os Rebeldes, para impedir que alguém entrasse na casa. Vee estava lá dentro ainda, indefesa e se alguém tentasse encostar um dedo nela, iria se arrepender amargamente.

-Nós não vamos conseguir impedir! Alguém vai acabar por entrar! - DEV gritava por sobre os gritos de guerra proferidos nas vozes eloquentes dos guerrilheiros.

-Me cubra! Eu vou entrar. - Rixon gritou de volta. -Preciso tirar Vee daqui.

Dentro da casa, Patch tentava estancar o sangue de Nora, mas era inútil, ela estava perdendo muito sangue e nada do que ele fazia melhorava a situação... Ele precisava usar seus poderes para salvá-la. Não havia outros meios. Ele teria que quebrar uma das principais regras dos Anjos da Guarda. Não interferir com o livre-arbítrio dos Humanos. Mas quebrar a regra pouco o importava naquele momento, Nora era sua prioridade e ele faria qualquer coisa para salvá-la... Respirando fundo Patch deposita suas mãos sobre as feridas abertas de Nora e com uma luz Divina ele sela as feridas como se elas nunca tivessem existido, ainda assim, sobre os seus olhos astutos, dava para ver uma ténue linha de onde jorravam litros de sangue. Patch ficou observando atentamente a alma de Nora, esperava que sua interferência depositasse a alma dentro do corpo, mas, ao contrário disso, a alma de Nora continua se desprendendo do seu corpo. Ele lacrou as feridas, mas ela ainda havia perdido imenso sangue.

Patch se desespera e segura Nora em seus braços. O silêncio habita em sua mente. Não importava que todos estivessem se matando lá fora. Ele apenas queria Nora de volta.

Cada vez mais apavorado e sem ter o que fazer Patch aperta Nora com mais força em seus braços e beija seus lábios demoradamente...

-Volta pra mim, Anjo... – ele sussurra com os lábios ainda roçando nos dela. –Eu te amo tanto... Volta pra mim, por favor!

Em meio a toda sua dor suas asas de Anjo se abrem e envolve os dois... Uma cena que fez Vee ofegar, apesar de toda sua preocupação com a amiga, aquilo era tão mágico que a deixou extasiada por alguns instantes observando as asas envolvendo Patch e Nora num casulo.

Lá fora a batalha estava cada vez pior e já parecia perdida quando de repente uma luz ofuscante surgiu fazendo todos ficarem paralisados e num piscar de olhos todos os Demônios simplesmente desapareceram. E ao lado dos Rebeldes surgiram os Sete Arcanjos e outros Anjos de castas altas, em frente à cabana eles olhavam os Nefilins, Caídos e Ceifadores.

Rixon, que estava a ponto de entrar na cabana, olha para trás e rapidamente coloca a mão nos olhos para se proteger daquela luz ofuscante, mas assim que consegue identificar as figuras que surgiram ali seus olhos se arregalam surpreso, aliviado, confuso e maravilhado com o que vê.

O local que antes era o cenário de uma terrível batalha de repente se silencia e numa cena de arrepiar todos os Caídos se curvam diante dos Arcanjos, mesmo não devendo mais nenhum tipo de obediência a eles, demonstrando profundo respeito aos Grandes Sete do Céu, e logo em seguida, assim como os demônios, também desparecem.

Rixon observa tudo completamente paralisado, ele vê por último os Anjos Negros, que não têm nenhum poder diante dos Arcanjos, também sumirem.

Suspirando profundamente Rixon olha ao redor sem conseguir compreender exatamente o que tinha acabado de acontecer, onde antes ocorria uma infernal batalha agora o silêncio reinava... E os Arcanjos permaneciam ali parados, o que ele não sabia dizer se o deixava aliviado ou nervoso.

Uma batalha tinha sido vencida, mas ainda não era o fim!