Avessas escrita por Cheiadevazia


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Este primeiro capitulo ficou um pouco longo. Eu imagino que se houverem outros (e eu quero muito que tenha!rs) serão mais breves.De qualquer forma, aqui fica a apresentação geral da estória e eu espero, sinceramente, que gostem e comentem.Críticas serão muito bem-vindas!Bjos e boa leitura!



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O filho da puta que inventou a merda do salto alto era um infeliz desocupado incapaz de pensar em algo realmente útil para a sociedade.

O meu pé está acabado.

Eu não aguento dar um passo, mas mesmo assim tenho que continuar.

“Se você não gosta, por que, então, você usa?”, você deve estar se perguntando. Simples: Entrevista de emprego!

Eu sou formada em música. Pianista. Falida, devo acrescentar.

Sabe toda essa história de fazer o que gosta e você vai ser reconhecida por isso? Balela.

A verdade é que você gasta alguns anos na faculdade, se diverte, porque afinal você está fazendo o que você gosta, para depois acabar em um trabalho que não te paga o suficiente para você estar com o aluguel em dia.

O que mais você pode fazer nesse caso senão ir atrás daquela vaga de assistente de biblioteca em uma escola no outro lado da cidade que sua vizinha mencionou por acaso?

A resposta é obvia. Você se arruma, se veste com a roupa mais desconfortável que encontra e encara o metrô mais cheio que existe em todo o planeta, para ver se afinal, você consegue o emprego que, você sabe muito bem está longe de ser o dos seus sonhos e com um salario nem tão bom assim.

Pegar o metro lotado já é bem ruim. Fazer isso de salto alto então nem se fala.

Agora imagine a seguinte situação: Estou eu na plataforma, lotada, esperando o próximo metrô. Estou usando a única calça social que eu tenho (que minha mãe me deu, então, se acrescente a isto o incômodo de uma calça extremamente alta e um pouco larga) um sapato de salto que eu por um feliz (dessa parte agora eu já duvido) acaso do destino encontrei no meu guarda-roupa, mas o qual eu não me lembro de ter comprado, uma blusa de botões e manga cumprida que já foi da minha irmã e por isso mesmo está um pouco apertada. O calor é escaldante. E o número de pessoas na plataforma chega perto de um milhão. Talvez não. Mas fato é que essa é a minha impressão exata da situação.

O metrô chega e pára com uma de suas portas perto do lugar onde eu estava. Não é como se eu tivesse, então, a opção de não entrar e esperar outro mais vazio. Sou empurrada por um mundo de pessoas desesperadas e apressadas.

Dentro do vagão, sei que encontrar lugar bom onde eu pudesse me segurar é um sonho distante, muito distante mesmo, da realidade. Todos já estavam tão cheios de mãos que só sobraram os mais altos. Eu, baixinha, como eu tenho que admitir que sou, fiquei meio que pendurada na barra de cima. Meus pés mal tocando o chão.

Mas são só algumas estações. Não é nada demais. Eu aguento.

Acontece que na minha vez de sair do metrô não existia lugar possível para que eu pudesse passar. E eu tenho que me enfiar no meio das pessoas para chegar até a porta. O que eu consigo fazer. Mas não a tempo. A porta se fecha bem a minha frente e o metrô entra em movimento, novamente.

Eu saí na estação seguinte, mas quando olhei para a plataforma do trem oposto, o que eu teria que tomar para voltar uma estação... Lembra que eu falei que devia ter um milhão de pessoas na outra estação, então, aqui provavelmente tem dois.

A verdade é que se eu entrasse junto com todas essas pessoas no metrô eu nunca conseguiria sair na próxima estação...

Eu nunca chegaria a escola. Eu resolvo ficar por aqui mesmo e ir andando para minha entrevista. Como ainda é cedo, embora o calor seja intenso, não tenho que encarar um sol de rachar ou algo assim.

De qualquer forma, quando eu consigo finalmente chegar, estou completamente suada e minha maquiagem, derretida.

Eu simplesmente finjo que não percebi. Me apresento para o porteiro que liga lá pra dentro e confirma que a diretora está me esperando.

A mulher é simpática e faz perguntas simples. O de praxe, eu acho. Ela me pergunta porque eu, formada em música, estava procurando este emprego. Eu sou sincera.

Bem, pelo menos o máximo possível para ainda ter alguma chance de pegar o emprego. Digo, que a área musical tem um mercado restrito (Fato), que eu poderia deixa-lo em segundo plano no momento sem deixa-lo de lado completamente (O que também é verdade. Eu na verdade tenho o plano de seguir tocando mesmo no barzinho onde eu toco a noite.), por fim ressaltei que o trabalho em biblioteca me parecia bastante interessante e que o fato de atender o público da escola, uma das tarefas que eu teria como auxiliar, seria muito bom já que eu sempre fui muito boa em interagir com as crianças (Esta parte é que não é tão verdade assim. Nenhum pouco verdade, se você quer saber. Para ser precisa: nem fodendo que isso é verdade).

Ela me pergunta se eu conseguiria me apresentar todo dia a tempo, visto que eu moro longe. Nessa parte eu digo que a linha de metrô facilita muito, portanto sim. Omito todo o resto e não penso nem sequer em mencionar toda a minha jornada até aqui.

Ela pergunta sobre minhas qualidades, defeitos e pede exemplo de situações em que já passei por dificuldades e superei. Enfim, era uma entrevista de emprego.

Eu, sinceramente, não sei se devo ficar esperançosa já que eu não tenho muita experiência na área. Mas fiz o que pude para convencer a mulher que eu era uma boa opção. Mostrei-me disposta a dar o melhor de mim e tal.

Eu sei que embora eu tenha gastado algo em torno de uma hora pra chegar aqui (o tempo que gastei andando, mais o tempo de metrô) eu só passei dentro da escola uns vinte minutos. E devo dizer que isso foi o suficiente para que uma pequena parte de mim (talvez nem tão pequena assim) desejasse não pegar o emprego.

O que mais me assustou foi uma mulher, que eu suponho ser a professora do jardim da infância passando com uma criança no colo e ao mesmo tempo segurando as mãos de outra. A criança do colo aos prantos gritava que queria a mãe. Enquanto a que caminhava ao lado, de mãos dadas (na minha, humilde opinião, causadora do choro do primeiro moleque...) não parava de tentar chamar a atenção da professora, e por isso mesmo repetia sem parar: “Oh, tia. Oh, tia, Oh tia...”.

Não fosse a necessidade desse emprego, eu teria voltado na mesma hora a sala da diretora e deixado claro que eu não tenho qualquer interesse nesse tipo de experiência.

Mas a necessidade nos modifica. Nos torna seres melhores.

Ou não. Vai saber...

O que ela definitivamente faz é que você ature calado no trabalho, certas situações que não toleraria nem a pau na sua vida pessoal. E quem nunca passou por isso, por favor, me avisa... Aproveita e vê se descobre o que eu fiz para merecer.

A pobre mulher com as duas crianças olhou, então na minha direção, sorriu e me chamou.

“Você poderia me ajudar um pouquinho?”

Eu respirei fundo. Coloquei meu melhor sorriso (forçado) no rosto, e pensei nos meus alugueis atrasados.

“Claro. Do que você precisa?”

“Você poderia ficar um pouquinho com o Mateus?” Ela olhou para a criança em pé a seu lado. “É só enquanto eu levo ele a enfermaria. Vai ser rápido eu prometo” .

Eu olhei pra ela, sorri e assenti. Não seria capaz de pronunciar nenhuma palavra.

“Obrigada.” Ela disse enquanto saiu caminhando as pressas só com a criança do colo. Eu fiquei olhando.

“Por que eu?” Eu sussurrei. Mulher irresponsável deixar o menino assim com uma pessoa desconhecida.

Não que fosse isso que me incomodava, é claro.

E pra ser sincera, nem tão irresponsável assim é ela, quer dizer ela supôs que eu trabalhasse na escola. O que tem uma certa lógica, já que não é qualquer um que pode sair entrando assim. Além disso, há que se considerar que da mesma forma que a gente tem que se identificar pra entrar também deve ter que o fazê-lo para sair, se tentarmos fazer isso levando uma criança.

“Então...” Eu disse baixando os olhos para o menininho. Ele me olhou e esperou que eu terminasse a frase. Só que eu não tinha nada para dizer. “...Então.”

Ele me olhou por mais alguns segundos. Deu um pulo, colocou as mãos ao alto como se fossem garras, com os dedos meio dobrados. “Haaaa...” Ele gritou.

Isso faz sentido.

Não na minha cabeça, mas na dele... Como deve fazer!

“Tá. O que você quer dizer com isso eu não sei...”.

Ele me olhou mais um pouco. E fez a mesma coisa. Me controlei para não virar o olhos demonstrando irritação. Nunca tive muita paciência com criança. Esse tipo de atitude me estressa. “Agora eu sou um monstro. Agora eu tenho medo de monstro”. Além de bipolar, acaba com a nossa paciência. Algo do tipo: “Puta que pariu. Um milhão de problemas na minha cabeça e eu ainda tenho que passar por esse tipo de coisa. E, porque mesmo que eu tenho que aturar isso? Ah é. Lembrei. Porque é bonitinho. E se você for a única no mundo a achar (Em minha opinião “perceber” é um verbo mais adequado) que não é, você é que é uma maluca com tendências psicopatas segundo a opinião geral que é ratificada inclusive pelo teste super confiável da revista feminina/adolescente (porque na pratica as duas são a mesma porcaria a única diferença entre elas é que uma trata de sexo pra iniciantes e a outra pra iniciadas) mais vendida das bancas.” Haja paciência.

Que mal faz um pouco de lógica? Quer dizer, se todo mundo se transformasse ou fingisse ser o que mais tem medo, a sociedade estaria acabada.

Mais do que já está.

Então, porque não mostrar isso pro menino. Explicar que esse tipo de palhaçada além de inútil, irrita os outros que não são personagens fictícios de romance de banca de jornal ou de novela das oitos e que por isso mesmo não vão apenas segurar o riso e fazer “milhares de coceguinhas” nele e perceber que não pode esperar até a hora de ter um filho só seu. Ou sei lá o que essas personagens ultrarromânticas fazem hoje em dia.

Mas é fato que regras sociais não se aplicam as crianças. Motivo pelo qual, aliás, ninguém gosta muito de ficar perto delas por mais de dez minutos. Embora, é claro, ninguém admita isso. Afinal, não pega muito bem, né?

Olhei para traz. Tinha um banco bem perto de nós.

“Vamos sentar ali, pra esperar”. Eu falei.

“Eu não quero sentar”, ele disse cruzando os braços.

“Eu quero.” Fui até o banco e me sentei. “Mas se você quiser pode ficar aí até sua professora chegar, eu consigo te vigiar daqui.”

Ele descruzou o braço, e andou até parar na minha frente.

“Eu não preciso de você pra me vigiar”. Ele disse do alto dos seus três anos de idade, ou algo parecido.

“Então... Eu posso te fazer companhia daqui... Melhorou?” Eu falei. Ele assentiu com a cabeça. Tão simples resolver esse problema que eu nem esperava. Na verdade eu falei mais pra ser irônica, mas eu acho que eles ainda não entendem ironia nessa idade. “Você que fez o outro menino chorar?”. Perguntei.

Ele assentiu.

“Por que?” Eu perguntei.

“Ele estragou meu desenho. Eu joguei meu lápis de cor nele”. Eu olhei pra ele.

“Um lápis de cor e ele estava chorando daquele jeito?”. Perguntei. Eu sei que crianças são mais sensíveis, mas isso é um exagero.

“A caixa”. Ele falou baixando o olhar.

Isso faz mais sentido.

Eu olhei pro menino. Ele, com certeza, estava esperando levar uma bronca.

“E sua professora já falou que isso é errado, né?”. Ele assentiu. “E você não vai fazer mais isso, né?”, pelo menos não mais na frente da professora. Mas essa parte eu não acrescentei.

Ele agora só olhava pra mim esperando que eu completasse a frase. Mas de novo eu não sabia o que falar. “Então...” Foi o que eu disse a final.

Ele começou a rir. E ria cada vez mais. Começou a gargalhar loucamente.

Eu olhei para os dois lados para ver se tinha alguém que pudesse me acudir com aquela criança. Como é que a gente desliga eles?

“Shiii”, Eu falei. “Quietinho... As outras crianças estão tendo aula. Shiiii”. Ele não calava a boca. Minha vontade, meu desejo de verdade foi de gritar um grande cala a boca. Coisa que, é claro, eu não fiz.

“Um acho que você gostou de mais de eu ter aliviado sua barra e não ter te dado aquela bronca, porque você jogou a caixa de lápis de cor no menino... Mas eu posso começar agora se você quiser”. Falei por fim. Eu sei que a gente não deve ameaçar crianças. Racionalmente eu sei. Mas naquela hora eu fui incapaz de me controlar.

Para a minha felicidade funcionou. E ele em um instante estava me olhando assustado de novo, o que, eu acho que acabei de descobrir, é uma boa coisa, afinal.

Eu assumi minha postura de novo. Me segurei para não sorrir.

“É só, que... você sempre fala ‘então’...”. Eu olhei pra ele. Fiz uma cara de incrédula. Quer dizer, que motivo pra rir. Ainda mais rir tanto. Mas eu acho que eles são assim mesmo. Espécie estranha são as crianças.

“Tudo bem, então.” Eu falei. Ele deu uma risadinha, mas logo parou quando viu minha cara.

Ele sentou do meu lado.

Ficamos os dois calados por alguns segundos.

“Era um desenho pra mamãe.” Ele falou.

“E você não pode fazer outro?” Perguntei olhando séria pra ele, como se a pergunta fosse legitima e a resposta não fosse óbvia.

“Posso.” Ele respondeu. “Mas aquele estava muito bonito. Eu não sei se consigo fazer outro igual.”

“Eu sei que consegue.” Falei. “Olha, depois que você terminar o outro, pergunta sua mãe se não está lindo o desenho.”. E qual vai ser a resposta ninguém sabe. Por que mãe é sempre uma julgadora imparcial.

“Mas você nem viu meus desenhos...” Ele falou me olhando incrédulo.

“Ah, mas você tem cara de bom desenhista”. Falei séria. “Aposto que todo mundo sempre te diz isso.”. Ele assentiu. “E...” Eu parei antes de completar o enésimo ‘Então’. Eu não quero perder minha moral com o moleque. “Viu só? Taí uma boa razão pra você nunca mais bater em outra criança por causa de um desenho...”. Ele me olhou sério. “... Pode deixar? Você parou de rir quando eu pedi, eu não vou te dar a bronca...”

“Ah...” A professora voltou da enfermaria. “Muito obrigada”.

Peraí.

Eu me virei pra criança a meu lado. “Se você só jogou a caixa nele porque ele foi a enfermaria?”

“Porque...” A professora me respondeu me olhando como se eu fosse maluca por estar perguntando aquilo ao menino. Provavelmente eu sou maluca mesmo. “O Gabriel começou a chorar por isso, e porque estava chorando e correndo do Mateus é que caiu e ralou o joelho.”

“Ah!” Foi tudo que eu fiz.

Ela sorriu. Agarrou a mão do menininho ao meu lado. “Me desculpe perguntar... Funcionária nova? Não me lembro de você...”

“Na verdade, só vim pra uma entrevista de emprego”. Eu sorri.

“Ah... Me desculpe, então. Me desculpe. Eu realmente pensei... Desculpe ter tomado seu tempo...”

“Tudo bem eu falei”, sorrindo. Segurei minha bolsa com firmeza e já ia indo quando ela falou.

“Espera. Me diz seu nome, talvez contando a diretora o que aconteceu aqui e como você me ajudou, isso sirva de alguma coisa pra você afinal...”

Eu sorri. Eu realmente preciso do emprego.

“Você realmente faria isso por mim?” Ela assentiu. “Cristina.” Eu falei estendendo-lhe a mão.

Ela arrumou a criança no colo dela e apertou minha mão. “Isabel. Se conseguir a vaga, e precisar de alguma coisa, pode contar comigo. Bem agora eu realmente tenho que voltar pra sala.”

Nós nos despedimos e eu fui embora um pouco mais esperançosa, devo admitir. E por isso mesmo foi grande a expectativa, foi grande a ansiedade. E durante o resto a semana sempre que o telefone tocava eu controlava minha voz, e atendia num tom até formal. Até que finalmente veio a resposta.

A diretora me ligou, falou que achava que eu seria uma boa contratação, me passou uma lista de documentos que eu deveria apresentar caso tivesse interesse ainda, mas antes que eu pudesse responder um gigantesco ‘Claro que eu tenho’, veio a bomba.

“Cristina, para a biblioteca nós encontramos alguém mais adequado. Mas depois que Isabel me falou sobre você, eu decidi que, se lhe interessar, você poderá ser auxiliar de uma das nossas professoras de jardins da infância. Você tem interesse?”

Eu engoli em seco. Qual era a resposta para aquela pergunta? Eu olhei para o lado. Sobre minha mesinha de centro as contas se acumulavam.

“É claro”. Respondi em uma voz controlada.


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Notas finais do capítulo

Comentem, por favor!Bjosss