The First Tale escrita por Nicholasthebard


Capítulo 2
Capítulo 1 The Beginning




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Naquela tarde em Korg, eu estava sentado na mesa mais próxima do balcão, ao lado da janela de onde eu pude ver o sol se por no dia anterior. Estava quente então eu só usava uma blusa velha, as calças surradas e minhas botas de viagem (são as únicas que tenho), os cabelos presos por uma tira de couro velha, sim o tédio me destrói. Já fazia uma hora que eu e Grabb estávamos numa conversa interessante sobre “ratazanas roubando pão” , quando coloquei os pés sobre a mesa e disse:

-Quando algo irá acontecer, hein? – falei antes que o bocejo me interrompesse.

O velho me olhou sério, o topo da cabeça careca, os olhos castanhos e pequenos somados ao bigode lhe davam um ar severo. Pegou alguns copos e começou a secá-los com um pano limpo.

-Você ainda me pergunta? – disse olhando para o copo – faça como sempre, suba essas escadas – insinuou com a cabeça o caminho – pegue aquele seu instrumento e vá logo tocar na praça! Assim você arranja algo para fazer e já me traz algum dinheiro, afinal já fazem duas semanas que eu não vejo a cor do seu ouro!

Esse velho me conhece... Ele não precisou falar mais nada, a soma do tédio e o fato de que eu lhe devia dezesseis diárias me inspiraram. É  eu não gosto de dever nada, mas não tenho "trabalho" como um hobby, sabe? Saltei da cadeira e atirei ao velho uma bolsa de couro que sempre carrego comigo, lá estavam todas as minhas três moedas de ouro. Subi as escadas, vesti uma blusa melhor, uma que não estivesse encardida e furada.

Peguei meu Alaúde, meu instrumento favorito e também única lembrança que tenho de meu pai, não passa de madeira polida com algumas cordas velhas, uma velharia, mas é a coisa mais valiosa que possuo. Minhas melhores composições foram nele, e não posso descartar que Melissa também estima muito a peça.

 Dirigi-me à praça, tocar sempre me anima, gosto de movimentações, ver pessoas, ouvir coisas. Nesse mundo não há alguém que eu ame mais que Melissa, mas se existe um amor que seja tão grande quanto esse é por ela, a magnífica dama de várias faces, aquela que sempre aprecia meu talento, me ouve até o final e sempre me aplaude: a dama chamada platéia. Era com ela que iria me encontrar.

-Até mais Grabb, não me espere para o almoço! – falei quando passei pela porta amarrando os cabelos com uma fita vermelha, decente desta vez.

- Eu nunca espero! – ele levantou a mão em despedida.

A Taverna não ficava muito longe da praça, não levou dez minutos para que eu estivesse de frente para as fontes. A maior delas ficava no centro, uma bela imagem da Rainha Geil esculpida em mármore branco, ela erguia uma bela espada na mão direita, jorrava água cristalina das pontas da coroa. A “coroa chafariz” era um tanto ridícula, mas ninguém ousava dizer, não que nossa Rainha fosse algum tipo de tirana, não. Geil sempre foi muito amada e respeitada por seus súditos, por isso ninguém comentava.

Depois de apreciar a fonte, senti o calor do sol e a brisa levou algumas gotas d’água ao meu rosto. Despertei. Quando passei os dedos pela primeira corda do meu Alaúde já sabia o que iria cantar. Comecei com uma melodia suave quando dei inicio a balada que contava a saga de uma menina, destemida e alegre que viu seu futuro mudado por uma coroa, a medida que o conto ficava mais emocionante mais rápida e animada se tornava minha música. Em segundos vi a primeira criança ser atraída, e depois de minutos já havia cerca de vinte pessoas ao meu redor, e foi ai que, sem parar de tocar, coloquei um saco de couro, aberto, a meus pés. Precisava ganhar a vida não?

Mas não eram pelas moedas que eu esperava, eram os aplausos. O som dos aplausos encheram meus ouvidos, isso me deu  ânimo, um novo ar. “Aplausos” essa palavra é boa, então agradeci ao som da ultima nota, e quando o público se dissipou eu ouvi alguém chorando, aparentemente uma garotinha que logo encontrei sentada na beirada da fonte mais distante, à esquerda. Recolhi meu saco de moedas, estava pesado, e fui até ela.

- O que uma garotinha tão linda faz chorando em um dia como este? – falei ao mesmo tempo em que pousei meu Alaúde ao meu lado, para consolá-la.

A parte boa é que a menina parou de chorar, a ruim era que a mão que roubou meu instrumento foi mais rápida do que pude acompanhar. Mais tarde notei que as pernas do ladrão tinham esse mesmo dom, serem mais rápidas do que eu.

Eu corri pela praça, atravessando toda sua extensão, passando pelas escadarias do castelo, depois pelas ruas da cidade, passando por bares, residências, a ”Coruja” e estalagens, enquanto esbarrava na população atrás do rapaz que já tinha uns quinze metros de vantagem sobre mim. Ele tinha aproximadamente 1,70 de altura, as calças surradas iam até as canelas presas por suspensórios sobre a camisa branca encardida, a cabeça coberta por uma boina preta, corria descalço, e diabos como corria!

-Volte aqui seu miserável! Devolva meu Alaúde! – gritei enquanto perseguia o infeliz.

Eu já ofegava quando notei que tínhamos atravessado os limites da cidade e estávamos na orla da floresta. O ladrão sumiu pelas arvores e eu o segui, ele havia diminuído o ritmo e eu pude perceber que era jovem, um rapaz, dezesseis ou dezessete anos. O garoto continuou avançando pela floresta, eu no seu encalço. De repente ele parou.

Eu já estava confuso o suficiente quando ele escorou meu instrumento numa árvore ao seu lado. Cruzou os braços e me encarou.

-Ei garoto, no que está pensando? – falei quando recuperei o ar, as mãos apoiadas nos joelhos – Como pôde roubar meu Alaúde e sair correndo desse jeito?

-Geralmente quando se rouba alguma coisa, não ficamos parados esperando o dono voltar... – ele tinha um ponto.

Eu estava a uns três metros do ladrãozinho, pude avaliar melhor sua aparência. Era magricela, cabelos pretos despenteados, olhos castanho escuros, desarmado, nada ameaçador, mas eu não ia esquecer de como corria. A situação não era tão ruim, apesar de eu também estar desprovido de armas, tenho certeza de que o venceria a base de força se fosse necessário.

- Preciso de ajuda – disse de repente.

- O que? – se o que ele queria era me confundir, estava fazendo um ótimo trabalho.

- Preciso de sua ajuda, tome – ele catou meu Alaúde e o estendeu a mim – minha amiga está em perigo.

- Por que eu? – peguei meu instrumento de volta – Poderia ter pedido a um guarda ou vigilante da cidade!

- Eu tentei, mas nenhum deles me levou a sério – falou o garoto olhando para os pés, o tom de voz mais baixo.

- Certo mas, por que eu?! – perguntei intrigado.

- Eu ouvi você cantando aquela música, se o que disse é mesmo verdade, então você era minha última chance. Foi uma aposta.

O garoto parecia aflito, um tanto desesperado e isso estava começando a despertar meus sentidos. Eu estava prestes a conseguir o que queria.

- Certo... o que deu àquela garotinha pra que chorasse? – perguntei ao deduzir o que tinha acontecido.

- É... – começou – você vai me ajudar? Ela está em perigo, pode morrer a qualquer momento!

- Certo, me leve até essa garota, vá me explicando no caminho! – falei colocando o instrumento nas costas, preso a bandoleira.

O menino sorriu com minha decisão, virou-se e voltou a correr, aprofundando-se na floresta. Eu não tinha me esquecido da velocidade do menino, mas a euforia que eu sentia me deu a força que eu precisava para acompanhá-lo. Então correndo lado a lado, falei:

- Para começar, qual é seu nome? E quem estamos indo salvar?

- Meu nome é Elliot, minha amiga se chama Arghen, uma elfa dos Druidas das Florestas Iluminadas dos arredores de Evel, sou de lá – falou sem vacilar, enquanto corria – ela é filha do líder da tribo, Findan, e minha melhor amiga...

-Certo, mas qual é o problema? – falei tentando não ofende-lo com minha empolgação.

- Ela foi seqüestrada por traidores, seu pai está sendo chantageado, e parece que eles não pretendem deixá-la viva mesmo que Findan concorde com um plano, ou seja lá o que for! – eu olhava para os olhos determinados do garoto acompanhado essas palavras, talvez ele não soubesse, mas aquilo parecia ser bem maior que um simples seqüestro.

- Donzela elfa em perigo? Por que não disse antes, eu teria concordado mais cedo! Não se preocupe garoto, salvaremos essa moça! – falei quando aumentei a velocidade.

O que foi inútil, Elliot pôs a mão na minha frente quando parou, me impedindo de prosseguir. Ele olhou para mim pondo o dedo indicador na frente da boca. Silêncio.

- Vamos nos aproximar devagar, estamos perto – falou num sussurro.

Assenti com a cabeça, quieto, e então o segui. O garoto foi avançando rapidamente por entre as árvores, saltando de uma para outra numa velocidade incrível, mas mais incrível era que não fosse o fato de eu o estar vendo, seria impossível notá-lo tamanha sua destreza. Então fiz o mesmo caminho que ele, não com a mesma eficiência, mas o suficiente para não fazer barulho. Escondi-me na árvore próxima a Elliot, ao seu lado. Desde a praça até aqui não havia passado muito tempo, mas a densidade da floresta fazia parecer que estávamos no fim da tarde, exceto pelos pequenos filetes de luz que insistiam em passar pelo emaranhado de folhas e galhos das copas das árvores.

Então ao nos aproximarmos sorrateiros pudemos ver uma garota elfa sentada no chão com os pés e mãos amarrados. Dois elfos a vigiavam de distancias diferentes.

Ela parecia ter a idade de Elliot, dezesseis ou dezessete, mas pelo o que eu conhecia do povo élfico podia apostar que tinha pelo menos o triplo da idade que aparentava. A menina vestia algo como um colete confeccionado com folhas, galhos e ramos de diversos tipos de plantas, seu equipamento era feito de cascas de arvores secas, alguns com desenhos de runas. Os cabelos loiros tocavam o chão numa bela trança decorada com flores e ramos, dando a jovem um ar elegante apesar das vestes rústicas. Havia um arco de madeira ao seu lado, inútil, pois não havia sinal de flechas. Ela chorava.

Os dois seqüestradores eram os elfos mais corpulentos que eu já havia visto. Eles usavam o mesmo tipo de vestes que a garota, plantas, galhos, folhas e madeira. O mais distante tinha cabelos pretos, presos num rabo de cavalo, ele empunhava uma espada feia e velha. Mais próximo a garota estava um elfo de cabelos acinzentados e longos, segurava uma espada larga, apontada para a refém.

O elfo próximo à menina falava algo enquanto ela chorava. E foi essa a conversa que ouvimos:

-...Seu pai irá ceder, não se preocupe florzinha, você não vai morrer ainda – falou enquanto passava a lâmina rente ao pescoço da garota.

-Meu pai nunca, nunca abandonará o nosso povo! – a voz dela era determinada – Ele não vai trocar uma única vida pela paz de todo o reino! Posso morrer, mas vou passar o meu castigo no inferno rindo do fracasso de seus planos! – Ela olhava enfurecida nos olhos do homem a sua frente.

Elliot cerrava os dentes ao meu lado, não ia demorar para que sua raiva lhe tomasse o controle, então precisávamos agir enquanto ainda tínhamos o elemento surpresa, afinal era só o que tínhamos. Então toquei seu ombro para que voltasse a si e disse:

- Acalme-se eu tenho um plano – me aproximei e cochichei em seu ouvido minha idéia.

- Não vai funcionar! – retrucou logo que finalizei meu raciocínio – Você deveria saber que elfos não são afetados por esse tipo de coisa!

Olhei para o garoto com todo o sarcasmo que eu pude acumular nos olhos. Estava me subestimando. Meu plano era tocar uma canção de ninar (mágica) e fazer com que todos dormissem. Perfeito. E claro que eu sabia que elfos não são afetados por esse tipo de encantamento, mas não fazia  parte do meu plano colocar elfos para dormir.

Peguei meu Alaúde e comecei a tocar as cordas, mas antes que a música fizesse algum efeito Elliot pulou sobre mim esquecendo que tentávamos ser discretos. Aquele pirralho tinha nos metido em apuros.

- O que foi isso? – falou a voz do elfo de cabelos cinza, que discutia com a garota.

-Olha o que você fez arruinou nossa única chance! – falei sem moderar a voz.

- Eu?! Você ia começar a tocar! Queria o que, me fazer dormir? – falou indiguinado.

Antes que eu pudesse me explicar um deles, o de cabelos pretos, surgiu do meio das árvores, apontando a espada pra nós. O inimigo olhou para Elliot com cara de espanto e disse:

- Há! É o pirralho que nós deixamos escapar!

Não levou dois minutos para estarmos amarrados junto à garota elfa que a pouco iríamos salvar. Ela olhava para Elliot fazendo cara de incrédula.

- Estou te seguindo há dois dias! Vim te salvar! – falou o garoto.

- Uau! Pode começar meu “herói”! – disse a garota com toda a ironia que pôde colocar na palavra “herói”.

Enquanto os dois discutiam e se alfinetavam entre “era pra você ter fugido” e “mas você ia morrer”, a atenção do inimigo estava voltada para mim. O elfo de cabelos longos e cinza me interrogava enquanto o outro me vigiava com sua espada velha de prontidão.

- Aquele pirralho eu já tinha visto, mas você... O que tem a ver com esses dois?

- Eu? Bem, nada, na verdade. Eu sou apenas um músico, sabe? Saio por aí agradando o público, tocando e cantando, nada de mais... Nunca vi esses dois.

-Um músico hã? Olhem pirralhos vocês já têm alguém pra tocar no seu enterro! – disse o elfo na minha frente, gargalhando.

-Não é uma maravilha? – falei camuflando minha aflição com um sorriso alegre e falso.

Nós estávamos no meio de uma confusão ridícula e eu nem estou falando das antas disfarçadas de elfos. Se Elliot não tivesse arruinado meu plano com aquele ceticismo idiota a essa altura estaríamos correndo pela floresta indo até a Taverna.

-Mas Ckroig, tem algo errado no nosso plano – falou o elfo de cabelos pretos interrompendo nosso dialogo “promissor”.

- O que tem de errado? É simples, recebemos o sinal, damos um fim na garota e nesses dois – apontou – e pronto, agente leva uma orelha dela pro pai ter o que enterrar... – respondeu o outro.

-Viu, é ai que está a falha! – retrucou – Se nós matarmos o musico quem vai tocar no funeral...? – disse o elfo de cabelos pretos num tom óbvio.

O elfo que antes me interrogava  se afastou de mim indo na direção de seu comparsa, suas feições tinham mudado de “brilhante” para “intrigado”. Os dois começaram a falar em sussurros e cochichos, até que finalmente terminaram e voltaram-se a mim.

Meu nariz tinha começado a coçar, geralmente quando isso acontece é porque vou ter um acesso de espirros ou uma repentina onda de sorte. Eu não ouvi um “atchim”.

- Bem, eu e meu amigo Horrok, fomos incumbidos de realizar essa matança, quer dizer, tarefa, sem falhas – começou a falar o tal de Ckroig – portanto nós tivemos uma idéia, “Hor” – acho que era um apelido – conte a eles nosso plano.

-Certo - começou “Hor” – como seria uma terrível falha matar o músico antes de ele poder tocar no enterro de vocês, – ele apontou para todos nós – tivemos a seguinte idéia: ele vai tocar antes! Não é brilhante?

 Os garotos estavam pasmos, a menina boquiaberta não dizia uma palavra sequer. Elliot parecia estar se aproveitando da mordaça para conter uma gargalhada.

-Incrível! – menti– Eu jamais teria tido tal idéia! – isso era verdade.

-Sim, então – começou a falar Ckroig – você pode começar a tocar, quando recebermos o sinal, não quero perder tempo!

Eu fiz que sim com a cabeça e mostrei as cordas que me amarravam. O elfo de cabelos pretos veio e me soltou, ele sorria fascinado com sua própria genialidade.

                Levantei-me e peguei meu precioso Alaúde. Olhei mais uma vez para Elliot e a garota, ela me olhou sem entender no que isso tudo nos levaria, Elliot ainda não acreditava no meu plano, pude notar pela cara que fazia.

                - Bem rapazes, donzela – falei enquanto dedilhava as cordas – preparem-se, vou tocar uma cação de cair de costas!

                Eu não gosto muito dessa música, é calma demais, mas eu não estava tentando animar meus inimigos, na verdade era o contrário. Continuei tocando até que cheguei no ápice da canção e finalmente disse:

                - Orpheus Melodiea! – não foi preciso dois segundos para eu ver os três caindo no sono.

                Ah, sim, Elliot também ouviu a música. Naturalmente eu não sou afetado pelo meu próprio encantamento, a não ser quando me convém, claro. A menina também se manteve acordada já que é uma elfa de verdade, diferente dos idiotas que coloquei para dormir, quando falo “idiotas” conto o garoto também, antes de estarmos presos eu tinha a intenção de fazê-los dormir sem sermos vistos. Era perfeito, nada disso teria acontecido, não haveriam riscos, mas ele teve de vir com aquela história de “ eles são elfos blá blá blá”, parece que eu enxerguei mais longe que ele não? Quem sabe em outro momento eu explique como descobri isso...

                Os dois “elfos” estavam caídos no chão a nossa frente, agora em suas verdadeiras formas, dois orcs grandes e fedorentos, adormecidos. Ter dois orcs como inimigos geralmente não é muito legal, eles são fortes. Tivemos sorte que desta vez eles tentaram usar o cérebro e não os músculos.

                -É uma bela manhã não é mocinha? – falei indo até a garota e desamarrando-a – Acho que você é muito sortuda, não? – a garota sorriu ao olhar para Elliot adormecido ao seu lado.

                Ela parecia aliviada. Talvez aquela jovem elfa não soubesse, mas naquele dia ela pode chamar a sua sorte de “amizade”.


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Notas finais do capítulo

Agora atualizado e corrigido!(pelo menos eu acho)