Anoitecia e a morena continuava sentada sobre aquela pedra, bem no meio do campo de treinamento, onde costumava treinar quando pequena. A chuva caía fraca, se espalhando com suavidade pela grama verde; esta mesma chuva se misturava com extrema delicadeza às lágrimas que rolavam pela pálida face da menina. Sua expressão era tão triste e desamparada, que faria até mesmo o mais duro e frio dos corações se comover com sua dor.

O coração do moreno, que crescera ao seu lado, também era incapaz de ser indiferente à cena que observava a horas, mesmo que sua consciência lhe mandasse agir de forma contrária. Soltou um pesado suspiro quando a chuva se tornou mais forte, juntamente com o vento, e a pequena permanecia lá, tendo como único sinal de vida as lágrimas incessantes e o leve tremor que o choro provocava em seu corpo. Sentiu alguma coisa gelada esfregar-se em sua mão; dirigiu o olhar para baixo e encontrou os enormes olhos tristes de seu companheiro canino. O cão soltou um resmungo e olhou na direção da pálida figura parada no meio da chuva.

- O que quer que eu faça? - Questionou ao animal, sua voz possuía um tom frustrado. Todos, inclusive Hinata, sabiam muito bem no que iria dar a paixão que ela sustentava.

Mesmo tendo decidido não interferir mais nas decisões da colega, principalmente por não querer mais se ferir com esta história, mesmo assim, o rapaz começou a caminhar à passos lentos na direção da garota e parando ao seu lado. Tirou a jaqueta e a colocou sobre os ombros da menina que se encolheu levemente, antes de erguer os olhos para a pessoa ao seu lado. Kiba encarava o horizonte, se recusando à encontrar o olhar de sua companheira de time.

A pequena suspirou, sabia que o amigo estava chateado com ela, e tinha toda a razão de estar assim. Havia deixado todos muito preocupados no dia que realizou seu heróico e ridículo ato de se atirar entre o seu amado Naruto e seu inimigo, Pain. Mas, ninguém havia ficado mais furioso com ela do que seu melhor amigo. Voltou a encarar a face do rapaz postado fielmente ao seu lado, mudo. Seu corpo estremeceu, mas não foi por causa do vento.

- Levante, se você ficar mais tempo debaixo dessa chuva, vai acabar pegando uma pneumonia.

A voz dele soou fria e indiferente, isso a machucou muito por dentro, porém, ela sabia que não tinha o direito de ficar magoada com ele. Levantou-se devagar e, de cabeça baixa, o acompanhou em silêncio de volta à vila. Por onde passavam, os sinais da destruição que a vila sofrera ainda eram visíveis, apesar de já terem se passado meses desde o ataque sofrido. Ver tal cena todos os dias a fazia se sentir mal; o lugar onde nascera e crescera fora quase completamente destruído e ela pouco pode fazer quanto a isso, e ainda não podia fazer quase nada. Estava se recuperando lentamente de sua quase morte, sendo assim, não podia ajudar as pessoas de Konoha a reconstruir o que fora perdido.

Kiba a espiou pelo canto do olho e foi impossível não reparar na angustia estampada no rosto dela ao observar os destroços que restavam. Sabia que ela havia ficado muito mal por não poder ser de grande utilidade, principalmente agora, quando toda a ajuda era bem vinda. Mesmo que ela não lhe dissesse nada a respeito, ele a conhecia bem demais para saber quais eram os sentimentos que predominavam no coração da garota. Quando Hinata finalmente se recuperara o bastante para receber alta, ela recebeu a notícia de que Naruto havia partido em uma missão, e ninguém, nem mesmo a companheira de equipe dele, Sakura, sabia ao certo para onde o loiro havia ido.

Naquele instante, o rapaz observou a amiga começar a demoronar por dentro, caindo em uma depressão que ela tentava esconder, inutilmente. Ele via como sua amada menina estava toda machucada por dentro, e isso lhe dava raiva; raiva por toda essa dor que ela sentia ser por causa de outro homem, por não poder fazer nada a respeito, por medo de magoá-la ainda mais, e, principalmente, raiva de si mesmo por não ser forte o bastante para protegê-la de suas tristezas.

Contudo, não se atreveu à quebrar o silêncio que se colocara entre eles nos últimos tempos. Simplesmente, se limitou à acompanhá-la de volta à sua casa e à segurança de seu clã. Mas, conforme eles se aproximavam dos portões do bairro Hyuuga, o rapaz sentiu que a pequena ao seu lado começava a diminuir o ritmo de suas passadas, até que parou completamente, com os belos olhos fixos à sua frente. O Inuzuka a encarou por alguns instantes, com o semblante preocupado, antes de se aproximar e tocá-la no ombro de forma discreta.

- Hinata... Está tudo bem?

Ela sacudiu a cabeça e apertou com força o casaco entre suas mãos; a menina estava nervosa com alguma coisa, mas Kiba sabia exatamente o que fazer para que ela se abrisse. Aproximou-se dela devagar e a abraçou pelos ombros com um braço, e começou a guiá-la de volta a vila. Hinata o encarou, indagando silenciosamente qual era a intenção dele.

O garoto lhe sorriu de forma despreocupada instantes antes de soltar um assobio agudo. Quase que imediatamente, o enorme cachorro branco apareceu, saindo do meio das árvores, latindo e pulando para cima dos dois adolescentes. Hinata abraçou o cão e começou a fazer-lhe carinho entre as orelhas. Ela adorava Akamaru, o cão ninja de seu companheiro de equipe; sempre que ela precisava de ajuda para treinar, sempre podia contar com a fiel ajuda dos dois membros do clã Inuzuka. O rapaz aproximou-se deles devagar, observando-os.

Ao perceber que o garoto a observava, Hinata se sentiu envergonhada pela atenção que o amigo lhe dispensava, fazendo com que sua face ficasse corada. Ela e Kiba sempre foram muito próximos, e ela sabia que esta proximidade poderia acabar confundindo os sentimentos que tinham um com o outro. Apesar do medo de que esta confusão de sentimentos acabasse por estragar a amizade que tinham, amizade esta que ambos prezavam muito, ela era covarde demais para se afastar dele; isto a fazia se sentir tremendamente egoísta.

O moreno percebeu quando a expressão de sua amiga começou a mudar, lentamente, de corada e feliz para o triste e preocupada. Aquilo o deixou intrigado, queria saber o que a deixava assim, tão preocupada; uma pena que ela nunca lhe contava tudo o que realmente se passava em sua mente. Por um instante, seus olhos se encontraram, mas foi o suficiente para que o rosto de Hinata voltasse a se avermelhar. Kiba soltou um pequeno sorriso, achando graça da vergonha da amiga; era raro que ela ficasse tão encabulada perto dele.

- Não vai entrar em casa? - Questionou-a.

- Hum... Na verdade... Acho que não estou muito bem para... Ir para casa agora. - Murmurou, gaguejando um pouco.

- Certo... Vem comigo! - Exclamou, agarrando a mão da menina e puxando-a de volta pelo caminha que haviam acabado de fazer.

- Espera... Para onde vamos?

- Fica calma, daqui a pouco você descobrir. - Falou virando a cabeça para ela e exibindo um sorriso largo.

- Não sei, não... - Sussurrou, sua voz demonstrava insegurança.

- Vamos... Não confia em mim?

- É claro que confio! - Exclamou, erguendo levemente o tom.

- Então não precisa se preocupar. - Afirmou, apressando o passo para uma corrida.

Hinata nada pode fazer, além de tentar acompanhar o ritmo dele, a cada passo ficando a cada passo mais ansiosa para saber aonde iam. Akamaru os seguia de perto, latindo e pulando de um lado para o outro, como se tudo não passasse de uma grande brincadeira. A morena tinha suas dúvidas sobre o rapaz à sua frente também estar levando a situação na brincadeira, isso a deixava um tanto irritada, mas também aumentava a sua curiosidade; eram essas e outras razões que tornavam a presença de Kiba praticamente indispensável em sua vida, ultimamente.

E isso a deixava extremamente confusa. Quando Kiba passara a ser tão importante em sua vida? Quando ele passara a ocupar um espaço maior do que o resto das pessoas ao seu redor? E, principalmente, quando ele deixara de ser apenas um amigo? A Hyuuga não conseguia entender o que eram esses sentimentos confusos, ou como o que sentia com relação à algumas pessoas e coisas puderam mudar de forma tão abrupta, tão repentinamente que nem ela mesma sabia o que deveria estar sentindo no momento.

Tais pensamentos a distraíram de tal forma, que ela só foi perceber que já haviam chegado na vila quando algumas pessoas que passavam pela rua a cumprimentaram. Kiba apertou de leve sua mão e diminuiu o ritmo da corrida para uma caminhada.

- Agora pode me dizer aonde está me levando? - Indagou-o.

- Você tem alguma coisa contra surpresas? Relaxa, já estamos chegando.

- Eu não tenho nada contra surpresas, apenas não gosto quando você fica fazendo esses mistérios. - Retrucou, fingindo-se de zangada.

Kiba começou a rir da tentativa falha da menina de fingir-se ofendida. Hinata teve de acompanhá-lo, pois, de fato, estava fazendo papel de boba. Novamente, Kiba apressou o ritmo da caminhada dos dois, pelo visto queria chegar logo ao destino deles e a tal “surpresa”. Logo Hinata pode ver aonde ele queria tanto levá-la; era a loja de sorvete onde eles, Shino e Kurenai costumavam dividir sorvetes de vários sabores após as missões, bem sucedidas ou não. A menina sorriu, deliciada, já antecipando o que o melhor amigo planejava fazer.

Soltando a mão de Kiba, Hinata correu na frente, sendo acompanhada por Akamaru. O moreno soltou uma exclamação de surpresa de surpresa ao se ver deixada para trás pelos dois, porém, não atardou a correr para alcançá-los. Rindo, os dois adentraram a sorveteria, enquanto o enorme cão aguardava do lado de fora. Pediram sorvetes de sabores diversos e os levaram para o lado de fora, onde se sentaram em em volta de uma mesinha redonda.

- Então, o que achou de surpresa? - Questionou Kiba, com a boca cheia de sorvete de limão.

- Adorei, Kiba. Adorei! - Exclamou, rindo da expressão do amigo. - Faz algum tempo que não vinhamos aqui, acho que eu estava precisando relaxar um pouco.

- Com certeza estava. Você estava tão para baixo ultimamente, que um depressivo se sentiria a pessoa mais feliz do mundo, compara a você. - Comentou, dando um pouco de sorvete ao cachorro.

- Kiba! - Exclamou ao lhe dar um tapa no ombro.

- O quê? Só disse a verdade...

- Eu sei... Mas não precisava ter dito... - Murmurou, baixando a cabeça.

- Eu sei, mas alguém tinha que dizer. Você não pode ficar assim, se lastimando e se culpando pelo Naruto ter ido embora da vila, Hinata! A culpa não é sua, aceite isso.

- Eu sei disso... Mas, eu sinto como se a culpa fosse minha, não entende? - Perguntou, seus olhos começavam a ficar marejados.

- Está bem, só não comece a chorar, por favor. Não posso mais ver você chorando por causa daquele loiro idiota. - Pediu, segurando a mão dela de forma delicada.

- Certo...

Os dois voltaram a degustar os sorvetes, em silêncio. Hinata não tinha coragem de encarar Kiba, pois sabia que o amigo só queria ajudá-la. Mas, não importa o que ele dissesse, nada a faria se sentir menos culpada pela partida do Uzumaki, ela sentia, em seu coração, que fora sua culpa. Algumas lágrimas começaram a escorrer por sua face, sem que ela conseguisse detê-las. Tentou enxugá-las com a manga do casaco, antes que Kiba percebesse que estava chorando.

Sentiu alguma coisa encostar-se em sua perna e ao virar a cabeça percebeu que era apenas o Akamaru. Ele resmungou um pouco e seus olhos estavam tristes; Hinata lhe fez um carinho e ofereceu um pouco de sorvete a ele, mas que ele recusou. O cão deitou a cabeça em sua coxa e voltou a resmungar enquanto a menina lhe acariciava as orelhas. Pelo visto, Akamaru também já havia percebido como ela estava triste nos últimos dias. Ergueu os olhos e encarou Kiba, ele também havia parado de comer o sorvete, que já começava a derreter.

- Me desculpe... - Sussurrou a menina.

- Não precisa se desculpar, apenas... Apenas me prometa que não vai mais se culpar assim pelas atitudes das outras pessoas. - Pediu, encarando-a diretamente nos olhos.

- Vou tentar...

- Bem, já é um começo. - Afirmou, sorrindo. - Agora, termine de comer seu sorvete antes que ele vire água.

- Você também, trate de comer o seu. - Retrucou, sorrindo de volta.

Ele mostrou a língua para ela e sorriu, voltando a encher a boca com sorvete, fazendo-a soltar uma risada de sua cara toda suja. Akamaru latiu, percebendo o clima entre os dois havia se suavizado.

Ao terminarem, voltaram a fazer todo o caminho rumo ao bairro Hyuuga, mas desta vez eles conversaram durante o caminho. Resolveram chamar o Shino para ir visitar Kurenai e bebê com eles no dia seguinte, sabiam que antiga sensei iria ficar muito feliz com a visita dos alunos. Talvez fossem treinar depois, fazia tempo que os três não treinavam juntos.

Hinata sabia que nada iria tirar dela a dor de ver seu amado partindo para, talvez, nunca mais voltar. Por outro lado, ela sabia que sempre poderia contar com o apoio de seus amigos... Irmãos, para ajudá-la em qualquer situação difícil, os dois rapazes jamais a abandonariam, principalmente Kiba. Ela tinha certeza que ele sempre estaria ao seu lado e que nunca a deixaria cair, por mais dolorosos que fossem os meios para isso, assim como ela sempre estaria ao lado dele. Kiba passou um braço entorno dos ombros da morena enquanto caminhavam, e ela sentiu que era aquele o seu lugar.