Fronteiras da Alma escrita por By Mandora


Capítulo 10
Tortuosas São As Águas; Cruel É O Destino




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Shippou desceu as escadas da casa meio desconfiado. Estava tudo às escuras, mas sua visão de youkai lhe revelou o que mais temia. O alçapão do porão onde estava guardada a Jóia Shikon estava aberto. Rapidamente desceu por ele, apenas para constatar que o lacre fora removido e a Jóia, roubada. Pensou em ir chamar Houjou em seu quarto até notar que duas das quatro espadas haviam desaparecido. Estavam sobre o altar apenas a Toukijin e a katana de Sango. A Tessaiga e a Tenseiga tinham sido levadas. “Mas o que ele...?”

Àquela hora da noite, qualquer ruído, por menor que fosse, não se passaria desapercebido por ele. Mas então como não percebeu? Como pôde permitir que aquelas espadas e a Jóia fossem levadas? “Ele está fora de si... Tão impetuoso quanto Inu-Yasha...” Ele tinha certeza de que tinha sido Houjou quem havia pego a Jóia e as duas espadas, talvez para ir a outra era atrás de Kagome.

Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho proveniente do lado de fora da casa. Subiu correndo e, ao chegar do lado de fora, paralisou diante do ser que se revelou diante dele.

– Não pode ser... – Sussurrou o youkai raposa.

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A neve caía forte, acompanhada de uma brisa gelada como a morte. Mas o que o preocupava agora era o outro youkai diante dele. Aqueles longos cabelos prateados, aquele olhar frio como a neve que caía naquele momento... Não o via há muitos anos, mas não tinha dúvidas, era ele mesmo.

– Sesshoumaru... – Manteve um ar irônico em sua voz. – Achei que estivesse morto.

– Às vezes, a melhor maneira de ficar vivo é fazer-se de morto. Onde elas estão? Minhas espadas, eu as quero de volta.

– Suas espadas? Que eu saiba a Tessaiga pertencia a Inu-Yasha.

– Não pense que, por causa do que aconteceu no passado, eu serei paciente com você agora.

– É assim? Nem vai agradecer por eu as ter guardado por tanto tempo?

– Não me aborreça, seu moleque... Perto de mim, você ainda é uma criança...

Ele ergueu um pouco mais o rosto e só então Shippou pôde notar as marcas do tempo e das lutas que Sesshoumaru enfrentara. Havia uma enorme cicatriz atravessando o belo rosto dele, começando na altura do símbolo de meia-lua em sua testa e seguindo até quase o queixo, passando pelo o que um dia fora seu olho esquerdo. “Preciso ganhar tempo, não posso entregar apenas a Toukijin para ele.”

– Nossa, você apanhou para valer dessa vez, não foi? Quem foi que te...

Antes que pudesse terminar a frase, Sesshoumaru avançou rapidamente como o vento e o agarrou pela garganta.

– Vou ter que repetir o que eu perguntei?

Seu jeito não havia mudado. A cruel frieza ainda era parte da personalidade de Sesshoumaru, apesar da forma como ele e Shippou lutaram juntos no passado, dois séculos atrás. E lembrando-se disso, Shippou deixou escapar algumas palavras espremidas.

– Não vai perguntar sobre o seu irmão?

Lentamente, sentiu a pressão sobre sua garganta afrouxar e pôde respirar novamente. Sesshoumaru retirou sua mão do pescoço de Shippou e ficou a fitá-lo.

– Meu irmão está morto.

– E quanto ao Houjou?

– Esse humano não é nada meu.

– Não é o que a Tessaiga diz.

– Deixe de bobagens. Onde as espadas estão?

– Elas não estão comigo agora e...

– Onde elas estão? – Cada vez mais o tom de impaciência na voz de Sesshoumaru se fazia notar.

“Que droga! Se eu contar que Houjou levou a Tenseiga e a Tessaiga, com certeza Sesshoumaru o matará quando ele voltar. Se ele voltar...” Uma voz feminina muito suave e delicada interrompeu a conversa.

– Senhor Sesshoumaru, não seja assim tão indelicado com o nosso amigo...

De detrás de uma das laterais da casa, bem atrás de Sesshoumaru, surgiu uma linda moça. Vestia um quimono branco, com faixas azuis diagonais nas mangas. Seus longos cabelos brancos estavam presos em um rabo de cavalo por uma faixa de seda branca. Seus grandes olhos dourados fitavam Shippou descaradamente, o que não agradou Sesshoumaru.

– Eu lhe disse para não vir até aqui, não foi? – Perguntou Sesshoumaru, aborrecido.

Ela fez-se de desentendida e deu mais alguns passos na direção de Shippou, ficando entre os dois youkais. Fazia muito tempo que não a via, mas Shippou não havia esquecido dela.

– Hikari... Não esperava vê-la por aqui.

– Quanto tempo, Shippou. Uns dois séculos, eu acho... – Foi interrompida pela mão de Sesshoumaru em seu ombro. – Papai, eu...

– Eu disse para não vir até aqui, Hikari.

O tom rude na voz dele ela já conhecia bem. Não queria ter outra discussão com seu pai e, apesar de muito se interessar por Shippou, Hikari recuou, permanecendo atrás de Sesshoumaru. Ele, por sua vez, olhou de lado para Shippou, que se fingiu de inocente.

– O que foi, Sesshoumaru?

– Hunfh! Voltarei pela manhã e espero encontrar o que vim buscar... Caso contrário, aquele humano que você tanto protege vai pagar pelo seu equívoco.

Sem dar chance a Shippou de retrucar, virou-se e saiu, levando Hikari pela mão, meio que contra a vontade. Na verdade, ela queria fica um pouco mais. Shippou também gostaria que ela ficasse, mas agora tinha mais com o que se preocupar. E com certeza, se meter com a filha de Sesshoumaru seria uma encrenca da qual ele não estava precisando. Não naquele momento. “Preciso achar Houjou... Mas como? A essa altura, ele já deve ter passado pelo poço. E eu não posso passar sem a Jóia...”

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– Shippou?

– Hã?... Mas... 

Ele parecia ter sido acordado de um pesadelo. Ainda estava diante da casa, no meio da noite, sob a neve que caía. A mulher diante dele lhe direcionava um olhar carinhoso e ao mesmo tempo curioso. “Hikari...” Meio que incrédulo, olhou ao redor e atrás de si, como que procurando por alguém. A moça continuava cada vez mais confusa com a atitude dele.

– É assim que você me recebe depois de tantos anos? Como essa indiferença?

– Indiferença? Do que você está falando? E aonde foi o Sesshoumaru?

– Do que está falando, Shippou? Ele não está aqui, seria impossível...

Neste momento, a tristeza se apossou do rosto da jovem e Shippou então percebeu o que havia acontecido. “Eu estava sonhando acordado? Foi isso? Mas pareceu tão real...” Ficou admirando o belo rosto daquela mulher. As marcas naquele rosto eram as mesmas de seu pai e só então ele se lembrou do porquê da tristeza dela. “Droga! Eu sou um idiota! Como pude me esquecer disso?”

– Eu sinto muito, Hikari, mas acho que estive vendo coisas.

Tentou se aproximar dela, mas na medida que ele avançava, ela recuava. Ele ficou confuso com a atitude dela. “Será que ela ficou zangada comigo?” Ela então o encarou com tanta determinação que o fez lembrar-se novamente do pai dela.

– Não me importa as coisas que tenha visto. Não foi para isso que vim até aqui. Vim buscar o que pertenceu ao meu pai, eu prometi.

– Isso faz tanto tempo...

– Shippou, eu nunca quis ser uma lutadora, você sabe disso. E eu não estava preparada para tudo o que aconteceu. Por isso pedi a você que guardasse aquelas espadas, pois eu tinha alguém mais importante que precisava de mim naquele momento. – A voz da moça tornou-se saudosa e embargada pelo nó na garganta e pelas lágrimas que ela lutava para reter em seus olhos. – Mas antes que ele partisse, me fez jurar que eu seguiria forte. Eu fiz uma promessa que não tinha condições de cumprir na época, mas agora eu sei que posso...

Ele cerrou o punho e mordeu o lábio. Estava feliz por vê-la, mas algo o incomodava por dentro.

– Se esconder do jeito que você fez...

– Eu não me escondi... – Interrompeu ela. – Por mais que não quisesse admitir, meu pai precisava de mim. E, por isso, eu não podia mais ficar com você...

– Não, você não podia... – Respirou fundo e olhou para o alto. Delicados flocos de neve caíam sobre seu rosto. “Lamentar o passado não vai mudar o que aconteceu...” Voltou a fitá-la nos olhos, mas dessa vez, seu intuito havia mudado, estava pensando novamente no seu problema atual. – Hikari, não posso lhe devolver as espadas de seu pai porque a Tenseiga foi levada, juntamente com a Tessaiga e a Jóia Shikon.

– O quê?

Ela ficou incrédula, olhando para ele, esperando pela explicação que ele certamente teria que lhe dar. Não só pela perda das relíquias que pertenceram a seu pai, mas também pela perda do amuleto responsável pela morte dele.

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Naraku lançava seus tentáculos contra Miroku, Sango e Kirara na tentativa de atingi-los. Estes, por sua vez, desviavam dos ataques, mas sua atenção estava voltada para a direção abaixo do penhasco por onde Inu-Yasha e Kagome haviam caído.

– Não consigo mais vê-los, Sango! – Disse Miroku, desviando de um tentáculo.

– Mas não podemos deixa-los, Miroku! Eles vão congelar!

Sango esgueirou-se pelo lado de Naraku, enquanto Kirara e Miroku o mantinham distraído. Ela pôde alcançar a beira do penhasco, mas não via nenhum sinal de Kagome e Inu-Yasha. A única coisa que distinguia no fluxo do rio eram os vários pedaços de gelo que nele flutuavam.

– Kagome! Inu-Yasha! – Gritou ela para as águas tortuosas.

– Sango! Cuidado! – Alertou o monge.

Um dos tentáculos de Naraku foi lançado na direção dela e só também não lhe deu o mesmo destino que seus dois amigos porque Miroku a protegeu com seu Shakujou. Mas agora estavam os dois encurralados na beirada do penhasco e Kirara já estava envolta pelos tentáculos de Naraku.

– Bem, já que não pude ter Inu-Yasha, posso me contentar com essa gatinha... Assim a viagem não foi em vão.

– Não! Kirara! – Sango avançou com ira, tentando alcançar sua parceira, utilizando-se do Hirai Kotsu para abrir caminho.

“Isso não está nada bom...” pensou o monge. Olhou para a palma de sua. “Seria tão fácil sugá-lo agora, mas também poderia sugar Sango e Kirara. O que eu faço?”

Um facho luminoso que cruzou o ar interrompeu seus pensamentos. Passou bem ao lado da cabeça de Kirara e acertou Naraku no ombro esquerdo, desfazendo-o e libertando-a. A energia daquele facho ele já conhecia bem.

– Uma flecha hama? – Perguntou-se o monge.

E enquanto centelhas remanescentes daquela energia que atingira Naraku dançavam diante dos olhos do youkai, pôde ver Kikyou encostada em uma árvore, no mesmo lugar que ela estivera antes.

– Kikyou? Pensei que tivesse ido embora depois de ter sido trocada por aquela garota... – Disse Naraku, com um sorriso sarcástico.

– Hunfh! Inu-Yasha não pode me trocar por ninguém porque ele já é meu. Ele me pertence há muitos anos, Naraku. – Puxou outra flecha e mirou contra o youkai. – Muito antes de você invadir nossas vidas e transformá-las em um inferno!

– Humm... Eu só vim porque pude sentir uma energia muito forte vindo de Inu-Yasha. Mas agora a maior parte dela já se dispersou, não tenho mais porque permanecer aqui. Vou deixar vocês viverem um pouco mais.

E, tão repentinamente quanto surgira, Naraku sumiu pelos ares, com o cínico sorriso de quem havia ganho uma luta. Miroku e Sango olharam meio que incrédulos para Kikyou. E, enquanto Sango corria até Kirara para ver como estava sua parceira, Miroku aproximou-se um pouco da sacerdotisa.

– Senhorita Kikyou, obrigado pela ajuda.

– Não perca seu tempo me agradecendo, monge. O tempo está passando...

Ele apenas assentiu com a cabeça e, junto com Sango, subiu em Kirara para partir em busca dos amigos levados pela correnteza. Kikyou ficou observando-os com certa curiosidade e depois voltou seu olhar para as águas geladas. “Você ainda não pode morrer, Inu-Yasha...”

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Pedaços de gelo, troncos podres e galhos mortos eram arrastados pelo selvagem rio. Algumas pedras apontavam para fora do leito, acima das águas, tornando-se um perigo à parte.

– Inu-Yasha! Inu-Yasha!

Kagome, agarrada às vestes do hanyou, tentava trazê-lo de volta à realidade, enquanto ambos eram arrastados pelas águas. Ele ainda não havia recuperado a razão, o vermelho de seu olhar era perdido e distante. Acabaram por esbarrar em uma das várias pedras e, meio que por instinto, Inu-Yasha agarrou-se a ela com o braço esquerdo. Foi quando encarou a jovem consigo novamente, olhando profundamente naqueles olhos castanhos, como que procurando a si mesmo. O corpo dela tremia por causa do frio e, com o outro braço que tinha disponível, ele a enlaçou pela cintura e a apertou contra seu peito. Ela pôde então notar como o coração dele batia forte e que o corpo dele também tremia. Mas ele sabia que o tremor de seu corpo era diferente do dela. Seu sangue desperto de youkai ainda fervia em suas veias, ansiando por mais luta, por mais sangue. E ele lutava contra si mesmo para que não derramasse o dela. Ela, ali tão perto, sua pele, seu cheiro, seu calor. O som do rio batendo e castigando seu corpo desapareceu. Parecia haver apenas o som do coração dela, pulsando acelerado, tanto quanto o dele. Tão perto, ao alcance de suas garras...

Foi quando percebeu que ela o fitava nos olhos novamente. Aquele doce olhar. Ele não suportava mais lutar. Afasta-la de si era tudo o que podia fazer. Era o que devia fazer.

– Não!!! – Gritou ele, com ira.

E, em um ímpeto de fúria, ele a empurrou violentamente, fazendo-a soltá-lo e ser arrastada pela águas. Ela não teve muito tempo para entender o que se passava com ele. Bateu de costas contra uma das pedras e a confusão deu lugar a uma dor lancinante. Curvou-se um pouco e, enquanto tentava manter a cabeça fora d’água, não pôde perceber o que vinha mais a frente, outra pedra em seu caminho. Dessa vez, bateu forte com a cabeça e perdeu os sentidos. As águas foram tingidas de vermelho, o vermelho do sangue dela.

Ele, ainda agarrado à pedra, observava o corpo dela ser levado, inerte. Seus olhos, ainda rubros por causa da transformação, tremiam diante daquela visão. “Ka... Kagome..” Titubeante, ele ergueu sua mão na direção em que o rio a arrastava impiedosamente. Foi quando parou para notar suas garras eriçadas, que ceifaram vidas, manchadas eternamente de um sangue que ele não queria ter nas mãos. O dela. Lágrimas lhe vieram aos olhos pela lembrança da vida dela se esvaindo em suas mãos, por sua vontade.

Subitamente, um baque em suas costas o fez voltar a notar o ambiente hostil ao seu redor. Um tronco batera em seu corpo, fazendo-o soltar-se. Ele deixou-se afundar nas águas geladas, desejando que a boa sorte o levasse.

“Eu não mereço viver... A deixei morrer...” Sufocava com as águas, que castigavam seu corpo como que com chicotadas. Resignou-se e entregou-se àquela força da natureza. Sua vontade se perdeu naquele turbilhão de sentimentos e, tão ardente quanto veio, a sede de sangue se foi. O dourado de seus olhos retornou-lhe à face. Mas agora era tarde demais, ela havia se perdido. Cerrou seus olhos, apenas esperando pelo certo destino.


Continua no próximo cap...

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