Licantropo - o Livro de évora escrita por Ithuriel


Capítulo 6
O Sacerdote




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VI

O Sacerdote

                João e Miguel olhavam horrorizados para o monte de sangue que Damarco havia se tornado. Como era possível para alguém, mesmo um licantropo, poder sequer andar naquele estado?

O licantropo parou na escadaria da igreja, olhou para a lua e uivou. Foi o uivo mais alto que João ou Miguel já haviam ouvido. Era agudo, mas muito tenebroso. João sentiu um frio na espinha e seu irmão, ao seu lado, deu um passo atrás.

                Enquanto uivava, Damarco abriu os braços, como a espera de um abraço. Então um feixe de luz saiu da lua e iluminou o corpo ensangüentado daquele licantropo, como se alguém houvesse ligado um holofote da lua e o mirasse em Damarco.

                Estando a exposição daquela luz, as feridas do licantropo começaram a fechar. O sangue pareceu ter evaporado. O rombo na lateral de sua cabeça que antes fora sua orelha tornou-se limpo, sem sangue, mas ainda assim continuava sem a cartilagem. A bolha de sangue que era seu olho tornou-se uma cicatriz, como se o corte houvesse sido feito há muitos anos.

                Quando todos seus ferimentos haviam sido curados, o corpo de Damarco começou a crescer. Seus braços e pernas ficaram maiores e mais musculosos. Suas presas ainda mais pontudas. Suas mãos e garras quase duplicaram de tamanho. Agora, Damarco tinha quase cinco metros de altura. Tornou-se ainda mais tenebroso, se é que isso fosse possível.

                - A luta está apenas começando. – disse ele, seu sorriso cínico ainda maior e mais assustador.

                Então ele desapareceu. João deduziu que ele havia se movimentado, mas foi tudo tão rápido que seus olhos não haviam visto. Aí veio a dor. As garras de Damarco estavam fincadas em suas costas. Ele sentiu seu pulmão ser perfurado e o sangue jorrar e escorrer até seus pés.

                - Não! – gritou Miguel, tentando pular em cima de Damarco, mas ele simplesmente sumiu de novo, reaparecendo ao lado do licantropo menor, e desferindo-lhe uma patada em seu rosto. O golpe arremessou Miguel mais de 5 metros no ar e ele bateu contra a torre da igreja com tanta força que criou uma rachadura na parede.

                Sentindo uma extrema falta de ar e uma dor alucinante, João tentou atingir seu inimigo mais uma vez com sua espada, brandindo-a loucamente na direção dele, mas Damarco apenas se esquivava com muita facilidade, rindo da cara do homem a sua frente.

                - Não deviam ter se metido comigo! – disse a fera, dando-lhe um tapa com a parte contrária à palma da sua mão.

                João caiu e sentia que não tinha mais forças para levantar. Seu irmão estava caído próximo à entrada da igreja, e Damarco se aproximava lentamente, ainda rindo. Quanto mais sangue jorrava de João, mais contente o outro parecia ficar.

                - Diga-me, Cronos. – começou o licantropo a dizer. – Acha mesmo que fugi na noite em que matei seus pais por causa do tiro que seu pai me deu? Quero dizer, acha mesmo que um mísero tiro de espingarda teria me feito fugir?

                Não era a primeira vez que João pensava sobre isso. Agora a pouco mesmo, ele, João, havia causado ferimentos muito mais sérios em Damarco e este, não só curou-os facilmente, como também tornou-se maior e mais forte. Então, por que ele teria fugido devido a um simples ferimento de bala?

                - Cronos... Por que escolheu esse para ser seu nome de Feiticeiro? – perguntou Damarco, como que iniciando uma conversa amigável. – Essa palavra deriva de que? “Cornos”? Não estou vendo nenhum chifre em você... Ou será que é por que sua namorada te traiu?

                Damarco riu da própria piada.

                - Acho que vou matar você primeiro. – continuou a dizer. – Depois seu irmão. Então vou procurar aquele idiota do seu mestre, Pelásio. Farei ele me dizer onde está o Livro de Évora, depois vou matá-lo também...

                - Você jamais será capaz de matá-lo! – exclamou João.

                O sorriso do licantropo desapareceu. Ele deu um chute nas costelas de João, que ardeu de dor.

                - Você acha que ele é páreo para mim, é? – disse ele, dando outros chutes no homem caído. – Vou lhe dizer uma coisa: Pelásio estará morto antes da próxima lua minguante!

                Então deu um chute tão forte em João, que o feiticeiro também foi arremessado na direção da igreja, mas deu sorte de atravessar o portal de entrada aberto e não bater em nenhum obstáculo.

                João estava quase inconsciente. Levantou ligeiramente a cabeça para olhar Damarco se aproximando. Ele vinha com seu sorriso canino, a malícia explícita em seus olhos. Era seu fim e ele sabia disso. Jamais seria capaz de se recuperar a tempo e voltar à luta.   

                Então a silhueta de um homem de batina virou a esquina da rua da igreja. Vinha caminhando lentamente com as mãos unidas na altura do peito, como que rezando. João pode ouvir o que ele dizia e não acreditou no que era. Damarco ouviu-o também e parou a meio caminho da escadaria da igreja. Seu olhar semi-humano demonstrou medo e seu sorriso escondeu-se.

                Damarco começou a andar para trás, sem conseguir acreditar no que ouvia. Seu corpo começou a tremer e a dor explodiu em sua cabeça e em seus músculos. Quanto mais próximo o homem de batinha ficava, mais dor ele sentia. Começou a andar mais rápido para trás. Então o padre reiniciou a prece:

                - Cabra Preta milagrosa que pelo monte subiu, levai daqui esta Fera, que em minha mão surgiu. Ó Fera, assim como o galo canta, o burro rincha, o sino toca e a cabra berra. Assim tu hás de fugir de mim. Assim como Caifaz, Satanás, Ferrabraz e o Maioral do Inferno que fazem todos se dominar, fazei esta fera se dominar, para me trazer cordeiro, preso debaixo de meu pé esquerdo. Meus inimigos não hão de me enxergar, pois nem com tiro ou faca tu há de me pegar. A luta vencerei com a oração da Cabra Preta milagrosa. Ó Fera, com dois eu te vejo, com três eu te prendo com Caifaz, Satanás, Ferrabraz!

                O fim da oração trouxe o auge da dor. Sua cabeça parecia que ia explodir. Seus músculos vibravam como se estivessem se atrofiando. Damarco então fugiu, correndo com as quatro patas para longe daquela cidade. Pra longe daquele padre.


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Notas finais do capítulo

Sobre São Cipriano e a Oração da Cabra Preta:

Antes de se converter ao catolicismo, Cipriano era um feiticeiro. Ele viveu por volta de 200 a 300 anos d. C.
Justina foi sua esposa. Era filha de pais pagãos que não gostavam da idéia dela ser católica. Justina dizia que queria manter-se virgem, além de muitas outras coisas que seus pais reprovavam. Por isso, eles chamaram Cipriano para enfeitiçá-la e faze-la esquecer o cristianismo, ou pelo menos seduzi-la.
Cipriano aceitou o desafio, mas ao invés de seduzir justina, ele foi seduzido. A fé da mulher o comoveu e ele aderiu também ao cristianismo.
Na época, os cristão estavam sendo perseguidos e os dois acabaram sofrendo diversas torturas e por fim tiveram a cabeça decepada.
A oração da cabra preta é uma de suas orações da época que ainda era feiticeiro. Ela realmente existe, mas de uma forma um pouco diferente da expressa na história, pois eu a adaptei para o contexto.



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