Uma Garota Sombria escrita por cessiuh


Capítulo 8
Um curioso rio cristalino


Notas iniciais do capítulo

Escrever é minha arte. É o que eu faço para viver. É o que eu sinto. É o que eu vivo. Não ganho dinheiro. Não sou reconhecida. Cobrada algumas vezes. Passo noites acordadas. Decido falas, paixões e tragédias. Chego atrasada. Não presto atenção. Tento entender, achar pedaços perdidos, lembro de fatos, detalhes e cenas. Escrevo. Escrevo até poder respirar aliviada.



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Eu já havia lido aquele livro trilhões de vezes, e por mais que eu adorasse relê-lo, hoje só uma coisa me interessava: a pétala branca que estava escondida entre suas paginas.

Bina havia trazido uma bandeja com meu almoço, pois disse estar indisposta para descer. Na verdade eu estava indisposta para ouvir minha tia. Ela não sabia falar de outra coisa além de Marcony, casamento, festa, convites e futilidades.

Eu não saí do quarto depois que voltei do jardim. Embora a minha mente ainda estivesse confusa, eu já havia tomado algumas decisões importantes. Eu iria voltar no cemitério. Após uma rápida batida, a porta se abriu quase que imediatamente. Era minha tia, que depois de guardar a chave no bolso, fechou novamente a porta. Eu fechei o livro rapidamente.

- Eu tranquei a porta. – falei seca.

- E eu a destranquei.

- Eu queria ficar sozinha.

- Então deve ter tido uma ótima tarde. Você não saiu desse quarto o dia inteiro. Já é final de tarde.

- Eu estava lendo. E eu dei um passeio pelo jardim de manhã.

- Esse livro de novo? – ela fez uma cara de desprezo e pegou o livro da minha mão. O meu coração disparou. E eu não sabia exatamente porque estava tão nervosa.

- Eu comprei livros novos. Não se cansa dessa história?

- Não. É uma das histórias mais bonitas que já li.

- É triste. Nostálgico. A vida de uma garota perturbada. Como pode gostar disso?

- Você não entende. É um amor profundo, que nem mesmo eu posso compreender completamente.

- Não, é uma menina desobediente que não sabe o que quer e tem o final que merece.

- Ela sabe! Mas Melissa tenta lutar contra seus sentimentos até o ultimo momento. Ela só não quer sofrer, não quer ser abandonada novamente.

- Eu odiei esse livro. Não faz o menor sentido para mim.

- Mas pra mim faz. – peguei o livro de sua mão e fiquei aliviada por isso.

- Bem... Não foi pra falar de livros que vim aqui. Você tem visita Anne.

- Visita?

-Se arrume e desça o mais rápido possível. Quantas vezes eu já lhe disse que uma moça deve sempre estar arrumada?

- Muitas vezes.

- Mas você nunca me escuta. É impressionante! – ela foi ate meu guarda roupa e pegou um vestido bege. – Vista esse.

- Quem veio me visitar?

- Por que ainda não está vestida?

- Eu não gosto de bege. Quem está lá em baixo?

- Então vista rosa. Acha necessário que eu fique aqui para lhe ajudar?

- Você não respondeu a minha pergunta.

- E você ainda não está pronta. O que está esperando?

- Tem razão. O que eu estou esperando?

Saí do quarto correndo. Eu não queria pensar em nada. Eu estava farta de tantas coisas inúteis. Tantas ordens, tantos bons modos.

- Anne! Anne, não faça...

Comecei a rir descontroladamente enquanto descia as escadas deixando minha tia para trás. Eu estava descalça, descabelada e vestida com trapos, enquanto minha tia, com suas regras e normas de boa educação estava furiosa e impotente no meu quarto. Sim, havia motivos para rir. Só por um momento eu não tive medo das conseqüências, simplesmente agi, por puro impulso e excitação. E eu senti uma sensação deliciosa.

- Anne?

Eu fui tomada pela surpresa. No final da escada, eu me deparei com algo inesperado.

Aquela sensação havia desaparecido em frações de segundos. Ele disse meu nome com igual surpresa. No final da escada, Marcony me esperava em pé, com um buquê de rosas brancas na mão. Um arrepio percorreu meu corpo. Era uma visão estranha.

- Marcony, que está fazendo aqui?

- Nenhuma suspeita?

- Ah, sim... Claro, as flores... Eu só fiquei... Surpresa.

- Eu também fiquei. Eu esperava ser recebido de uma forma bem diferente para lhe ser sincero.

- Desculpe-me Marcony. Não foi minha intenção.

- Parecia tão feliz, eu... Cheguei a achar que estava contente com minha visita. Mas a julgar pela sua decepção ao me ver, receio que tenha me enganado.

Eu nunca realmente me importei com a opinião dos outros sobre mim, mas naquele momento, as palavras de Marcony fizeram eu me sentir um monstro. Talvez eu devesse ter escutado minha tia. Não por ela, mas por aquele homem parado na minha frente com cara de bobo e flores nas mãos. Os seus sentimentos mereciam no mínimo o meu respeito.

- Eu não estou decepcionada, só não esperava lhe ver ainda hoje.

- Estava esperando alguém?

- Não. Eu juro.

- Então posso saber ao menos o motivo de sua euforia antes de me ver, ou seria muito atrevimento da minha parte?

- Você não iria entender.

- Talvez não tenha sido uma boa idéia eu ter vindo.

- Não é isso. É que...

- Tudo bem Anne. Você deve ter tido um dia cansativo. Eu planejava vir amanhã, mas no meio do caminho para casa, vi uma senhora vendendo flores e... Lembrei de você. Não vai recusar minhas flores, vai?

- Não. Claro que... – Eram rosas brancas. Uma estranha coincidência. Ele percebeu meu desconforto.

- Você não gosta.

- Não, eu gosto. Só que... Lembrei de uma coisa.

- Algo importante?

- Não. – Falei desviando o olhar.

- Já lhe disse que é uma garota muito misteriosa, senhorita Anne?

- Acho que não. – Peguei o buque de rosas brancas e dei um leve sorriso. – Devo encarar isso como um elogio?

- Gosto de mulheres misteriosas.

- Então eu agradeço as rosas e o elogio.

- Não vai mesmo me contar o que uma rosa branca lhe recorda?

- Porque pergunta isso? – Falei séria.

- Curiosidade.

- Talvez devêssemos mudar de assunto.

- Porque minha curiosidade lhe incomoda? O que quer esconder de mim, Anne?

- Flores em geral me fazem lembrar minha mãe. Ainda é um assunto muito delicado para mim. Eu gostaria que respeitasse isso.

- Desculpe-me. Eu não sabia.

- Há muitas coisas sobre mim que você não sabe.

- Talvez você não seja a única a guardar segredos.

- E é por isso que eu respeito os segredos alheios.

- Isso foi um conselho?

- Um conselho muito precioso.

- Eu entendo você.

- Então podemos conversar sobre literatura.

- É uma ótima idéia.

“Ela estava parada sob o luar, com seus olhos misteriosos. Seu vestido, longo e azul, se movimentava com o vento, assim como seus longos cabelos azuis, iluminados pela noite. Sua pele era pálida, e havia algo de familiar nela. Eu a observava, escondida entre as árvores, temendo ser descoberta.

Vozes sussurravam em meu ouvido. Alguns ruídos me desconcentravam. Um fraco chuvisco era quase imperceptível. E ela continuava a contemplar a lua. Os ruídos se transformaram em gritos ensurdecedores, eu não podia mais continuar ali. Fugi pela floresta atormentada, tentando escapar daqueles gritos infernais, mas eles ficavam cada vez mais altos. Era como se me perseguissem e só eu pudesse ouvi-los. A floresta era indiferente ao meu tormento. Gritos desesperados pediam ajuda e me afrontavam, eu podia ouvir e sentir suas correntes. Eu corria, mas ainda me sentia presa.

Eu estava atordoada, confusa demais para pensar. Seus vultos me intimidavam. Tropecei e caí na terra molhada. Minha face sangrava, e minha perna doía. A chuva ficou mais forte e minha cabeça latejava. Como eu queria que a chuva levasse embora minha insanidade. Levantei cambaleante e limpei as mãos sujas de terra em meu vestido. Havia alguém me esperando. Ela me olhava nos olhos, e seus cabelos azuis esvoaçantes me fizeram a reconhecer. Eram olhos famintos. Olhos doentios.

Em sua mão, uma faca, que lentamente ela levou a boca. Eu temia seus olhos. Ela lambeu a faca, que lhe arrancou o sangue. Seus olhos estavam fascinados. Ela era uma louca.

O sangue escorria da sua boca. E ela riu enquanto se aproximava.

- Com medo?

Ela levantou sua faca reluzente, sem tirar os olhos de mim. Então a deixou cair, como se por acidente. Eu estava assustada, dei um passo para trás. Ela me acompanhou, chegando ainda mais perto te mim.

- Não fuja garotinha.

 Colocando uma das mãos por trás de minha cabeça, ela segurou meus cabelos com força e encostou sua face na minha. Ela lambeu meu corte ensanguentado violentamente. Os gritos cessaram. E ela sussurrou no meu ouvido:

- Você é minha.”

Acordei enraivada. Com raiva de alguém que nem mesmo existia. Lavei o rosto, decidida a ir ao cemitério. Ainda era muito cedo e o sol não havia nascido. Eu iria logo.

Ninguém havia acordado ainda. Isso era ótimo. Saí pela porta dos fundos daquela casa silenciosa e caminhei por toda a fazenda, até chegar enfim no cemitério. Um percurso tão conhecido por mim. Sentei entre os túmulos de meus pais, e fiquei observando a floresta.

Talvez eu fosse uma exceção do mundo. Isso me fazia melhor ou pior que as outras pessoas? Eu não queria a vida que uma sociedade hipócrita escolheu para mim. Eu estava errada por isso? Se eu pudesse estudar poderia muito bem tomar conta da fazenda e dos negócios. Porque eu seria menos competente que Marcony? Eu sentia que minha felicidade não estava ali. Eu queria escolher por que caminho seguir. Queria liberdade! Liberdade! Levantei bruscamente de súbito. Liberdade!

Corri pelo cemitério e fui em direção a floresta. Corri sem me importar com nada, me batendo nas plantas e tropeçando nas pedras e galhos caídos. A floresta era densa. Meu vestido se prendia as árvores, mas eu não parava. Deixei meu vestido rasgar e meus braços e pernas sangrarem. Eu podia sentir o ardor dos arranhões e o sangue escorrendo. E algo me chamando. Não havia voz. Não havia som. Não havia palavras. Mas eu tinha certeza que algo me chamava. Algo me atraia. Algo que sempre me atraíra naquela floresta.

Eu não me lembrava de já ter entrado nela, mas senti uma sensação estranha ao ver um rio ao longe. Déjà vu. Corri até ele. E quanto mais me aproximava e ouvia aquele som de água corrente, o meu coração acelerava. Era como se eu soubesse que aquele rio estaria ali, antes mesmo de vê-lo. Eu já tinha estado naquele lugar. Mas como? Talvez há muitos anos.

Quando cheguei a margem do rio, minha visão ficou turva, e eu perdi o equilíbrio. Meus joelhos cederam. Estava tudo tão confuso! Aquela sensação me assustava. Eu não fazia idéia de como voltar. Eu simplesmente havia corrido em várias direções. Minha cabeça parecia girar. Eu estava arfando, estava exausta. Eu sabia que havia alguma coisa para lembrar. Aquele som. Aquela brisa leve. Aquele cheiro. Aquele rio! Eu estava louca?! Porque nada do que eu fazia ou pensava fazia sentido? O que eu estava fazendo ali?

Levantei o rosto e observei em volta. Talvez tenha sido apenas uma impressão. Eu me tranqüilizei e tentei aproveitar o momento. Ali era tranqüilo. Um lugar calmo. E eu me sentia estranhamente segura. Fiquei um tempo observando o rio e me perdi em pensamentos. Tantas pessoas, tantas opiniões. E a minha felicidade? Será que eu realmente poderia alcançá-la algum dia? Eu não conseguia nem mesmo imaginá-la. O mais próximo que eu chegava dela era em lembranças muito antigas, ou em histórias literárias. Talvez o mais certo fosse me casar com Marcony. Ele era sincero, educado e bom. Saberia me tirar desse buraco fundo e sombrio em que eu estava presa. Talvez fosse a melhor opção. E só tinha um jeito de descobrir. Eu iria me casar com ele. Quando ele viesse me visitar novamente, eu lhe demonstraria isso. Então ele me faria o pedido oficialmente. E eu diria sim.

As horas passaram, sem que eu percebesse. O rio cristalino continuava seu curso. E o meu corpo descansava sobre a relva. Minha tia ficaria furiosa ao perceber a minha ausência. E se ela já tivesse percebido?

Levantei para ir embora, e só então percebi. Havia um homem de capa preta, parado atrás de uma árvore. Ele me observava. Há quanto tempo? 


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora absurda. Mas eu não estava tendo tempo de organizar minhas idéias. Mas aqui está o cap. Os reviews do cap. anterior diminuíram, e eu acho que pode ter sido pelo tamanho. Bem... Mas eu posto a história super de boa vontade, é claro que os comentários motivam muitoooo, mas quem não quer colocar, nada posso fazer, depende da boa vontade de vocês.
Espero que tenham gostado. E se quiser opinar, perguntar, assinalar erros ou simplesmente dizer gostei, sinta-se a vontade. É por isso que estou aqui.



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