Linha Pontilhada escrita por ferfa


Capítulo 1
Linha pontilhada




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Autora: Ferfa

Título: Linha pontilhada

Gênero: Romance

Classificação: PG-13

Casal: Reita/Ruki

Disclaimer: the GazettE © PS Company

Sinopse: Eles olham um para o outro, meio distantes, meio juntos, o mesmo sorriso cansado nos lábios, quase imperceptível com a pouca luz.

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— notas: ridiculamente fofa e extremamente bobinha. Escrita meio experimental. Qualquer dado absurdo sobre a banda, considere realidade alternativa/liberdade poética/preguiça da autora de averiguar informações.

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1.

Com os olhos fechados ou abertos, a escuridão do quarto é quase a mesma. As cortinas fecham a janela, e a pouca luz que entra faz sombras tremulantes dançarem na parede oposta à cama. Mas seus olhos continuam abertos, atentos, ora encarando o teto, ora voltando a ver a dança na parede; os dedos correm o lençol, agarram-se ao travesseiro ao mesmo tempo em que os olhos se fecham. Vira de costas sem ver mais nada, sua respiração se cortando no colchão.

A dor em seu pescoço continua, parecendo correr pelo corpo todo. A garganta ainda queima, do mesmo jeito que queimou mais cedo, quando beber água parecia ser o mesmo que ingerir fogo. Mesmo seu corpo gritando por descanso, a mente não atende ao pedido dele e continua. A repassar tudo o que aconteceu naquela noite, e os gritos que ainda ecoam em seus ouvidos, e as palavras que saíram de sua boca atingindo tantos que estavam ali só para vê-los, só para ouvi-los, só para dar vida à música.

Takanori está cansado e não consegue dormir, mas não sente raiva de si mesmo por isso. Não sente raiva de sua mente por não lhe obedecer. Ele está acostumado. Acostumado às noites insones, às noites insones após shows, às noites insones onde tudo o que ele quer é dormir e não acordar por três dias.

Às vezes noites como essa o faz escrever duas, três músicas inteiras; às vezes ele apenas pensa demais, e começa a se lembrar de ontem, e de mais, e do passado, e de tantas pessoas que passaram por sua vida como passageiros de um vagão em um trem que ele nunca poderá andar, indo ao longe, distantes, sumindo para sempre, deixando apenas traços que logo serão esquecidos.

Às vezes ele pensa no que vai acontecer. Essas vezes o perturbam. Ele não gosta de pensar que às oito da manhã a banda terá uma entrevista, e depois ele terá uma sessão de fotos sozinho, que daqui há dez anos, quem se lembrará deles?, que ele ainda tem que terminar de ouvir aquela história que Kouyou estava contando, que existe tanto a se fazer, e tão pouco tempo...

Nessa noite, ele está pensando na dor em seu corpo, tentando se concentrar o suficiente para que seu cérebro se desligue para algumas poucas horas de descanso. A única coisa que consegue ouvir é o som calmo e ritmado da sua respiração; até mesmo os carros lá fora estão distantes demais para serem ouvidos, e ele se sente bem por isso.

Takanori deita de lado, puxando a coberta mais para si, e só se lembra que não está sozinho quando sente sua cama afundar um pouco com o peso de outra pessoa, perto o suficiente dele para que dividam suas respirações. Ele sente uma mão carinhosa acariciar seu braço, por cima da coberta, e não diz nada, só fecha os olhos com mais força.

"Não consegue dormir?", ele ouve a pergunta colada em seu ouvido e acena a cabeça rapidamente. Consegue quase sentir o sorriso leve do outro contra sua pele. "Tudo bem, Taka. Amanhã a gente vai para casa", o sussurro continua, e Takanori se sente mais acordado do que se sentiu a noite toda.

Akira, ao contrário dele, sempre dorme no instante em que entra no carro, no caminho até o hotel, e depois de novo no instante em que se deita na cama. Ele não se importa com barulho, ou luz, ou Takanori tomando banho logo ao lado, e parece não se importar também com os pensamentos que correm em sua mente. Talvez consiga controlar o fluxo deles, que parecem vir sempre tão incontroláveis para o mais novo.

Ele tira uma mão debaixo da coberta para procurar a de Akira, a que não está em seu braço. Sua pele quente roça a dele, mais gelada, em um toque suave. "Mmm", ele murmura em resposta, quase inconscientemente se aproximando mais do outro. Akira ri e entrelaça seus dedos ao dele, enquanto a outra mão continua a acariciá-lo. Uma onda de calor percorre o corpo todo do vocalista e ele controla a vontade de jogar a coberta no chão.

Eles estão acostumados a dividir os quartos de hotéis, mesmo agora que não há mais necessidade; é um consentimento mútuo de que é melhor, mais confortável assim: uma cama ao lado da outra em um lugar desconhecido, e um pouco de casa, do cotidiano, logo ali, quase ao alcance dos dedos.

Takanori gosta das luzes e gosta dos gritos, gosta dos fãs gritando por mais um encore com toda a força em seus pulmões, gosta de ouvir suas palavras sendo cantadas nos lábios deles. Mas não há nada que possa substituir toda aquela familiaridade, aqueles toques que valem mais do que qualquer palavra, os olhares de entendimento. É assim com Akira, e é por isso que ele se sente bem, verdadeiramente bem e completo ao lado do baixista.

Seu bocejo se mistura ao do outro e eles riem. "Bom", Akira murmura antes de quebrar o contato e se levantar. Takanori abre os olhos e o vê se espreguiçando e entrando novamente embaixo dos cobertores de sua própria cama. Eles olham um para o outro, meio distantes, meio juntos, o mesmo sorriso cansado nos lábios, quase imperceptível com a pouca luz.

Takanori agora sente sua mente tão cansada quanto seu corpo, sente todos os pensamentos escaparem dela sem controle, e aquele vazio aconchegante de idéias. Seu meio sorriso continua mesmo quando ele adormece, ainda quase podendo sentir Akira sentado ao seu lado na cama e suas mãos juntas e as palavras que, mesmo sem serem ditas, eram compreendidas inteiramente pelos dois.

*****

2.

É natural os três viajarem juntos de Yokohama de volta a Tóquio, pelo menos na mente de Kouyou. Só nós três viajando por aí, como nos velhos tempos. Ele faz questão de dirigir seu próprio carro e de contar que a terceira palavra que sua sobrinha aprendeu a falar foi titio (ele mesmo ensinou, completa inflado de orgulho) e que talvez esteja na hora de começar a procurar sua alma gêmea, certamente perdida em algum lugar — de preferência não tão longe, de preferência fácil de encontrar, de preferência uma garota com peitos grandes. Takanori ri e concorda, e sabe que Akira também riria e concordaria se não estivesse dormindo no banco de trás do carro.

Mas os dois sabem, também, que aquilo é mentira. Aquela é a hora errada e talvez seja por ainda muito tempo. Internamente, Takanori quase quer que demore até a hora certa chegar, até Kouyou poder despreocupadamente sair em busca de sua tal alma gêmea. Porque a banda está finalmente alcançando o sucesso pelo qual eles tanto lutaram, e eles estão trabalhando em um álbum novo, e a turnê continua em dois dias, e eles vendem sua música junto de sonhos para as garotas, que gritam as letras e gritam seus nomes.

Existe um pacto entre os cinco, algo que nenhum deles precisou pôr em palavras (mas que Takanori sabia que Yutaka poria, se algum dia fosse necessário). Uma promessa de não destruírem esses sonhos, mesmo que sejam inúteis. Pelo menos não publicamente, e isso até mesmo o empresário deles faz questão de frisar. São tais sonhos que permitem que a banda continue a crescer, e que eles continuem a espalhar sua música por todo Japão e, quem sabe, até outros países.

Kouyou poderia procurar sua alma gêmea em silêncio, tomando sempre cuidado com algum fotógrafo escondido, dizendo respostas prontas às perguntas de "Qual sua garota ideal?", como Yuu faz, mas Kouyou odeia esconder as coisas. Principalmente o que sente. Ele continua a dirigir, agora em um silêncio anormal para ele, e Takanori volta a colocar os fones nos ouvidos.

*****

Também é natural, quando estão em Tóquio, que Takanori quase sempre dê carona para Akira. O prédio de um fica a menos de dez quarteirões do prédio do outro, e por que não irem juntos até o estúdio? Akira até comprou seu próprio capacete e o decorou com a animação de uma criança de cinco anos que ganha um livro de pintura.

Eles trocam um "Bom dia" sonolento, e Akira sobe na garupa da moto ("Cuidado com o escapamento", Takanori avisa todas as vezes, mesmo sem necessidade, mas o outro nunca se irrita). Ele não se importa com os braços que envolvem sua cintura e o corpo mais próximo ao seu do que o necessário. Às vezes Akira começa a dizer alguma coisa, e os lábios deles roçariam sua orelha se não fosse o capacete, e mesmo com a proximidade ele consegue ouvir apenas metade das coisas, a outra metade atrapalhada pelo vento.

Naquela manhã, Akira parece mais falante que o normal. Aquele show foi incrível, não foi... deveria ter visto a cara do Kai... devesse ir em um médico, o que você acha? ... não são freqüentes? ... pelo menos agora nós... Takanori se esforça para ouvir, mas só consegue responder com monossilábicos que também acabam perdidos no vento.

Ele estaciona no lugar de sempre, no canto mais ao fundo do estacionamento e mais perto do elevador. Akira desce da moto e tira o capacete, passa as mãos pelos fios desarrumados, desarrumando-os ainda mais. Takanori repete os gestos, e os dois andam juntos até a porta do elevador, e os dois esperam juntos até que o elevador desça e eles possam entrar.

O elevador está vazio, mas mesmo assim eles continuam próximos um ao outro, seus corpos quase se encostando. Takanori gosta daquela proximidade, gosta de estar sempre junto de Akira. Talvez ele seja o único que realmente sinta falta disso, de estar perto do baixista e da banda toda, quando eles estão de férias, quando eles têm uma folga maior. Talvez ele seja o único que realmente se importe em tocar com amigos, não só com colegas de trabalho. Mas ele sabe que Akira sente falta dele e isso, por enquanto, é o suficiente.

No décimo terceiro andar, o elevador pára e eles descem. O corredor ainda está vazio, e é quase com surpresa que ele sente a mão de Akira procurar a sua. Seus dedos se encaixam com naturalidade. Algumas perguntas passam por sua mente, mas ele não procura os olhos do outro em busca das respostas.

Aquilo é o suficiente.

*****

3.

Takanori sabe que não é o melhor vocalista do mundo. Ele está longe de ser, tão longe que é quase impossível algum dia chegar perto disso. Também não é o pior e, apesar de sua mania de perfeição, ele está quase satisfeito com isso. Ele treina, ele melhora o quanto pode, ele dá o seu melhor para sempre deixar uma parte de si nas letras que escreve e nas músicas que canta.

Seus companheiros de banda parecem concordar com o pensamento, e isso o deixa ainda mais satisfeito. Agora os cinco estão juntos trabalhando na mesma música, tentando achar o encaixe perfeito das palavras com a melodia. O relógio na parede marca uma e meia da manhã e nenhum deles parece notar, compenetrados no trabalho.

Kouyou e Yuu continuam com seus violões no colo, mudando acordes e passando o tom que melhor encaixa na voz de Takanori. Akira, ao lado dele, solta um bocejo e é o primeiro a se dar conta de que estão trabalhando há mais de dez horas. "Vamos continuar isso amanhã, okay?", ele sugere esperançoso em meio a outro bocejo, a sugestão sendo prontamente ignorada pelos outros quatro.

O baixista solta um resmungo sonolento, espremendo-se no sofá e fazendo do colo de Takanori seu travesseiro.

*****

Como qualquer pessoa que escreve, a inspiração do vocalista vem de diversos e dos mais improváveis lugares. Não só filmes, e músicas, e coisas do passado, e suas próprias idéias de como elas poderiam ter sido, como elas vão ser... Mas também de pessoas atravessando a rua, apressadas antes que o sinal volte a ficar verde, aquele mar de gente nas pequenas listras brancas; da garotinha que segura forte a mão da mãe, prendendo-se com sua inocência e fragilidade infantil ao único porto seguro que conhece; dos casais de mãos dadas, dos casais que brigam em uma sorveteria, dos casais que trocam beijos rápidos como se tivessem vergonha que alguém os visse.

Takanori gosta de pessoas de modo geral, pessoas reais, possíveis ao seu toque, pessoas respirando o mesmo ar que ele; gosta de observá-las e de tentar captar a essência de cada uma com seu olhar, gosta de fabricar as histórias delas em sua mente e de, às vezes, passá-las para o papel.

E Takanori gosta de Akira.

Os fios loiros e negros estão espalhados em seu colo, macios embaixo dos seus dedos. O peito do outro sobe e desce com tanta leveza que é quase imperceptível, tal como o som de sua respiração. Mas ele a ouve, porque ele está próximo o suficiente para isso. O relógio agora está mudando seus ponteiros para três da manhã, mas mais uma vez ele perdeu a noção do tempo.

Os outros já foram embora (Kouyou e Yuu sendo praticamente arrastados por Yutaka, que passara os últimos dez minutos insistindo em quão tarde estava e que amanhã eles teriam outro ensaio e que ele queria seus colegas de banda despertos e dispostos), apenas ele continuou ali, parte por não ter coragem de acordar Akira de seu sono, parte porque a visão dele ali, tão próximo e parecendo tão falsamente frágil, como aquela criança agarrada à mãe, é algo que Takanori quer admirar o máximo de tempo possível.

Ele beija levemente a testa do outro, apóia sua cabeça no peito dele. A posição é desconfortável, mas ele consegue ouvir as batidas ritmadas do coração do outro, e aquela som parece ser o mais lindo e puro que existe, e ele simplesmente gosta daquela proximidade. Ele sempre gosta da proximidade.

"Hey", a voz sonolenta murmura, atingindo-o de surpresa e fazendo seu próprio coração disparar. Ele se levanta, meio à contra-gosto, meio irritado com a palavra repentina em meio ao silêncio quase absoluto.

"Eu estava tentando não te acordar", se justifica sem necessidade. Akira se levanta, com seu cabelo apontando para todas as direções, a expressão ainda meio perdida. Ele se espreguiça longamente e pergunta pelos outros e aí percebe que horas são.

"Ah, droga. Aposto que eles saíram faz tempo, mas você continuou aqui porque não queria me acordar e...", Akira começa, e ele está certo porque conhece Takanori quase tão bem quanto o próprio Takanori. O mais novo concorda brevemente, e depois diz que não se importa, não se importa mesmo, e eles sorriem um para o outro.

*****

As ruas estão quase vazias de pessoas e de carros. O vento está mais gelado e atinge com força as peles desprotegidas deles, e talvez essa seja uma boa desculpa para Akira abraçar com ainda mais força o corpo de Takanori, sua cabeça apoiada no ombro do outro e a respiração quente em seu pescoço. O baixista não sente vontade de dizer nada, mesmo que milhões de coisas tenham passado por sua cabeça.

Takanori estaciona a moto e o espera descer, sem nem se importar em subir a viseira do capacete. Mas Akira não desce; continua ali, com os braços envolvendo sua cintura e a boca quase roçando sua pele. A cada segundo parece ficar mais insuportavelmente frio e ainda assim os dois continuam parados, sentados na moto, no meio da rua deserta.

Depois de tantos anos, eles aprenderam a entender o silêncio um do outro, e Takanori é esperto o suficiente para saber o que aquilo significa. Suas mãos tocam as duas de Akira, as acariciando levemente. "Se importa se eu ficar aqui?", ele pergunta em tom baixo, quase com medo de estar errado, de que, daquela vez, ele entendeu tudo errado.

Mas Akira beija levemente sua nuca, beija levemente a curva do seu pescoço, e ele sabe que aquela é a resposta dele. Ele desce da moto, tira o capacete, e espera Takanori fazer o mesmo, antes que suas mãos voltem à cintura dele.

Dessa vez, porém, eles estão um de frente ao outro e são os lábios de Akira que encontram os de Takanori em um beijo rápido, uma última confirmação para tudo aquilo. "Vamos?", o tom do mais novo é quase urgente, pelo frio e por outras coisas, e Akira não demora nem mais um segundo para envolver os dedos dele aos seus e responder com um sorriso, começando a andar em direção ao prédio.


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