Think Twice escrita por Nuvenzinha


Capítulo 17
C17. "Peace"


Notas iniciais do capítulo

O porquê das aspas vocês descobrem o/
EAE GALERA, FIRMEZA?!
Como vão de carnaval, tudo bem? Eu pessoalmente estou curtindo bastante o feriado, por mais que carnaval pra mim seja um bando de gente vestindo fantasia estranha e ouvindo música esquisita. Fico feliz apenas porque é mais uma semana que você tem pra não fazer nada, e normalmente nessas semanas eu me torno bastante produtiva.
A prova disso é que estou atualizando pela segunda vez neste mesmo mês o/
Agora que os capítulos estão rumando ao final, vou mostrar um pouco mais dos dilemas mentais da Tsugumi e algumas coisas do emocional do Shizuo, que começa a entender um pouco mais as coisas... (ou não). Darei um pouco de alegria pra ela antes de começar a derrubar tudo de novo, yay )o) QQQ
Espero que gostem!



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Acordou sentindo o cheiro de ovos fritos entrando por suas narinas.

Preguiçosamente, Tsugumi sentou-se em sua cama, fazendo com que algumas de suas pelúcias caíssem no que erguera os braços para esfregar seus olhos e empinando o nariz, a fim de saber se estava mesmo sentindo aquele cheiro ou se era apenas sua imaginação. Deu uma boa fungada até perceber que aquilo era real. Abriu um pequeno sorriso, ainda de olhos fechados.

-Tsugumi, hora de acordar!

Ouviu sua mãe gritando da cozinha. Ah, se sentia em Osaka outra vez, mas sem sair de seu apartamento. Que sensação agradável. Pela primeira vez desde o início do ano letivo, pôs os pés para fora da cama com gosto, abrindo os olhos com um sorriso no rosto. Já havia acordado de muitíssimo bom humor e tinha a sensação de que as coisas iriam melhorar no passar do dia – por mais que não acreditasse muito em suas “sensações matinais”, já que elas a enganaram antes.

Estava de bom humor aquela manhã por várias coisas – havia dormido bem e o clima estava agradável -, mas o que a estava deixando mais contente fora o sonho que tivera naquela noite; um dos poucos sonhos que tivera em vários dias em que não havia morte ou sangue ou qualquer coisa ruim do gênero. Havia sido um sonho bastante simples, porem agradável. Um dos poucos sonhos de que se lembrava em cores. Não havia exageros ou as usuais loucuras que aconteciam durante as noites; tinha durado pouco por ser bastante enxuto. Era quase que uma foto tirada das costas dela e de Shizuo, enquanto andavam de mãos dadas por uma rua qualquer, como se estivessem voltando de uma noite qualquer que haviam treinado. Como uma lembrança feliz. Aquilo estava tão fixado em sua mente que quase poderia sentir sua mão tocar a dele, o que a deixava um tanto feliz. Ah, aquela sensação era tão boa... Quem dera se fosse real. Mas sua imaginação ainda a contentava.

Vestiu-se e saiu de seu quarto com passos mansos, tentando ir sem utilizar muito suas muletas. Estas eram mais como brinquedos do que como objetos médicos a seu ver; gostava de ficar batucando elas no chão. Queria poder ter paciência para ficar mais quatro dias sem ir à escola, mas já estava ficando muito ansiosa. Queria ver os amigos, queria sentir a brisa em seu rosto outra vez, queria poder andar pelas ruas e admirar suas cores. Queria seu gostinho diário de liberdade de volta. Não importava quantos animes ela poderia assistir, quantos mangás ela poderia ler ou quantos jogos ela poderia jogar, ela queria sua liberdade de volta, custe o que custar.

Foi até a sala e cumprimentou a mãe, que lhe cumprimentou de volta com um sorriso, levando a comida toda até a mesa. O café da manhã estava farto aquela manhã, tanto para seu estômago quanto para sua vista. Estava cansada de apenas tomar uma caixinha de leite de morango e uma fatia de pão todos os dias, e levar marmita comprada do supermercado pra escola. Também foi colocado na mesa bem diante de seus olhos o seu obento, que estava cuidadosamente embrulhado. Não sabia nem como agradecer à mãe, mas apenas começou a comer e comer, engolindo pedaços inteiros de comida. Seu estômago roncava e estava louca para sair dali e reencontrar as pessoas.

-Vejo que está animada. – Haruko constou, sentando-se na outra ponta da mesa, mirando-a com um sorriso – Só não coma rápido demais, senão vai ficar com soluço.

-Uhum! – nem sequer havia prestado atenção naquilo que a mãe dizia, apenas continuando a engolir as coisas que via pela frente.


Termino de tomar seu café da manhã num pulo, logo agarrando a comida que levaria ao colégio, colocando dentro de sua bolsa, pondo a mala em seu ombro e logo saindo de casa, tão ansiosa ao ponto de querer descer os andares de escada, mas não o fez, pois o esforço havia feito suas feridas doerem e estas a forçaram a parar. Calma, calma. O colégio não sairia andando e estava até adiantada, se fosse levar em consideração o horário. Sabia disso porque estava a olhar o horário no celular, tirando-o constantemente do bolso do sobretudo azul do uniforme, também sempre ajeitando o laço vermelho na gola da camisa branca. Ajeitava, também, os cabelos, na espera impaciente do elevador, e continuou a fazê-lo enquanto estava a descer.

Saiu do prédio despedindo-se alegre do porteiro, tomando seu caminho andando devagar , aproveitando a brisa. Por mais que o dia não estivesse lá muito bonito – estava nublado, ameaçando chuva, por isso levava na bolsa um mini guarda-chuva -,olhava ao redor apreciando tudo na paisagem ao seu redor. Soltou um suspiro. Ah, era tão boa a sensação de liberdade outra vez... A única coisa que estranhava era o fato de que, quanto mais perto da Raira chegava, mais as pessoas iam olhando-a, a maioria alunos e colegas de classe, inclusive. Todos com o foco em suas feridas. Normalmente, teria olhado feio para os demais, como se perguntasse “Perdeu alguma coisa na minha cara?!”; mas, daquela vez, apenas sorriu. Era bom ver outras pessoas, por mais ou menos agradáveis que fossem.

Passou pelo portão da escola observando tudo e todos, de fato um pouco nervosa. Aquela euforia tinha passado. Seus colegas iriam todos olhá-la e julgá-la. Será que tinha feito a decisão certa em vir? Poderia ter esperado até segunda e combinado de vir junto de Misaki, por mais que quisesse era lhe fazer uma surpresa. Era como se aquele fosse seu primeiro dia de aula outra vez. Sentia um pouco que não conhecia mais as pessoas que a cercavam, principalmente depois das surpresas que algumas das pessoas mais próximas de si haviam lhe pregado. Mas tudo bem, ninguém a conhecia direito também. Estavam todos no mesmo barco, apenas. Não havia uma real necessidade de se conhecerem, mas enfim.

Os corredores estavam meio vazios ainda, pois estava bastante adiantada, por isso não se surpreendeu em não encontrar muita gente na sala de aula. Estavam lá apenas Sonohara Anri e outros dois alunos que ainda não gravara o nome por mais que fossem seus colegas de classe desde o início das aulas. Cumprimentou a todos num cumprimento geral e foi logo sentar-se na carteira em que se acostumara a sentar: a última carteira da segunda fileira perto da janela, o mesmo lugar desde o primeiro dia de aula. Não que fosse o lugar que mais gostasse entre todos os lugares na sala, mas já era um hábito. Não só seu hábito, como de seus amigos, que se sentavam nas carteiras ao redor.

Por falar neles, onde estavam? Olhava no relógio do celular e o tempo passava, a sala ia ficando mais cheia, mas as pessoas que queria ver ainda não haviam aparecido. Claro que o padrão do grupo todo era chegar mais tarde, mas estava ficando impaciente. Apoiou um dos cotovelos na mesa e apoiou o rosto nessa mão, estufando as bochechas, olhando birrenta para frente. As ataduras em seus braços coçavam, assim como o curativo em sua face direita, cuja gaze nova não estava tão bem acomodada em seu rosto com o outro. O que mais incomodava era o de sua perna. Não estaria nem pensando neles se estivesse junto dos amigos, mas estava a ver navios. Com a mão desocupada, mexia numa mecha de seu cabelo, nervosa. Tinha de se distrair com algo enquanto eles não vinham, então. Mas o que faria?

Olhava de um lado ao outro de leve. Os colegas presentes olhavam diretamente para seu curativo, o que a deixou constrangida. Entre as poucas opções que tinha – isso se existisse outras -, decidiu ficar olhando na direção da janela, vendo o ambiente lá fora. Era tão parado... Dava sono. O inexistente movimento das nuvens fazia com que piscasse cada vez mais devagar, com os olhos adquirindo certo peso, mas sem adormecer. Sua mente continuava ativa, mesmo que pensando em coisas bem distantes da realidade dentro da sala de aula.

Suspirou. Estava a lembrar de seu sonho. Tinha sido mesmo muito agradável. Poderia muito bem ser a razão pela qual havia vindo para a escola com tanta boa disposição, então agradecia por não ter acordado nem um minuto antes ou depois, pois se não tivesse acordado naquele mesmo momento, poderia tê-lo esquecido, o que seria uma lástima. Deixou seus olhos fechados um pouco, abrindo um leve sorriso. Será que se ela dormisse pensando naquilo, seria capaz de sonhar com uma continuação...? Poderia tentar...

-Amano-san? – tornou a abrir seu solhos ao ouvir seu nome; logo à sua frente estava Mikado, olhando para ela com surpresa, mas deram alguns segundos e o garoto abriu um sorriso de certo aliviado – Bom te ver aqui! – sentou-se na carteira da frente.

-Ryuugamine-kun... Ohayo. – sorriu de volta, pondo-se sentada voltada para frente.

-Você estava faltando tanto que algumas pessoas começaram a achar que você tinha morrido. – pareceu meio aflito em dizer – Tava até acreditando, mas daí a Misaki-san me contou... Você já tá melhor, né?

-Estou sim, obrigada... – passou a mirar a própria carteira.

-Ah, ainda bem... – soltou um breve sorriso – Ficamos todos meio preocupados.

-T-Todos...?

-Uhm. Os Lenços Amarelos tem atacado muita gente. O fato de terem machucado tanto você em especial fez todo mundo se assustar...

-Por que ‘eu em especial’?... – uma gota de suor escorreu por sua testa.

-B-Bom, você sabe... – riu meio constrangido, também suando – Um tempo atrás... B-Bom... Ééé....

-... Porque agora todo mundo sabe que eu sou aprendiz do Shi- se interrompeu -... Heiwajima-san, não é?

-É...

O assunto acabou ali.  Os dois ficaram a se olhar no silêncio constrangedor, dando agora tempo de Tsugumi perceber que mais alunos estavam na sala, consequentemente mais pessoas a olhando. Suas faltas, de uma forma ou outra, criaram uma atmosfera de medo em seus colegas com relação às gangues, o que já deveria ser presente havia tempos – afinal, as gangues estavam bem ativas havia bastante tempo. Não era um fato incomum alguém ser machucado por um grupo de arruaceiros desses, mas não tão machucado assim, presumiu.  Mas não precisavam ficar olhando-a tanto! Sentia-se como um cadáver num velório (não que cadáver sinta, mas enfim).  Perguntava-se mais uma vez se tinha tomado a decisão correta ao não falar com Misaki antes de vir. Foi quando a própria aparecera na porta, escancarando-a.

Foram necessários poucos segundos até que a ruiva notasse sua presença e cruzasse os corredores de cadeiras numa correria danada, logo se jogando por cima da franzina num espalhafatoso abraço, empurrando Mikado e sua carteira para trás. Apertou-a, cutucou-a em vários lugares, apertou-lhe as bochechas e chamou-a de vários apelidos que nunca havia usado, num tom exageradamente e emocionado e alto. Uma pessoa com um pingo de normalidade iria pedir que parasse, mas a pequena apenas sorria, retribuindo o abraço apenas com menos intensidade. Era boa a sensação de ser bem-vinda e sentia-se muito mais leve ao sentir na pele que não havia sido a única a sentir saudades.

Deu alguns minutos e foi Kida Masaomi o próximo a chegar, sendo o mais espantado com a presença da menina na sala. Ficou ao lado da porta aberta como quem congelasse, ainda com o sorriso que abrigava no rosto para cumprimentar seus amigos de infância, mirando a menor em choque. Tentou dizer alguma coisa, mas não conseguiu de imediato. Seu sorriso se apagou dando espaço apenas para que ficasse de queixo caído. Tsugumi deixou a cabeça pender um pouco para a esquerda, confusa, mirando-o de volta. O loiro abaixou a cabeça alguns instantes, massageou as têmporas e, quando ergueu o rosto novamente, tinha uma expressão boba alegre no rosto de novo, como a que tinha antes, agora começando a falar.

-Ora ora, olha só quem resolveu nos brindar com sua iluminante presença~ - disse, se aproximando com passos abobados – Achamos que nossa cara amiga havia ido explorar os campos santos!

-Como é? – a morena riu, confusa.

-Que você tinha morrido, menina! Morrido! – Fez bico, que nem uma criança emburrada – Ninguém mais é capaz de entender falas bonitas?

-Você é que fala como se estivesse em um texto literário britânico do século XVIII. –a de cabelos rubros zombou, com uma expressão alegre – Baaaka.

-Waae, não precisa ser tão rude assim comigo, Misaki-chan~ - deu uma leve apontadinha para a amiga – Só estou querendo dizer que estou feliz em ver nossa pequena Polegarzinha de volta~~

-POLEGARZINHA?! – ergueu-se num ímpeto de sua fúria.

-Maa maa, Amano-san, se acalme... – Mikado mantinha as mãos à frente do corpo, nervoso por estar bem entre seu amigo e a menina que estava estupidamente nervosa.

-Isso foi um elogio, criança!~ -deu leves tapinhas nas bochechas da mais baixa – Nossa, você tem uma cara linda, parece até uma bonequinha de porcelana, mas um temperamentozinho difícil... Acho que deveria ter te dado o mesmo conselho que dei ao Mikado... Mas você não os seguiria mesmo assim! ~

-Você que é bobo... – cruzou os braços e estufou as bochechas, corando – e do que você tá falando?

-Deveria ter sido o primeiro a te explicar que tem algumas pessoas aqui com que não se deve se meter, minha amiguinha~ - olhou para cima mexendo a cabeça, como se a julgasse boba – Mas adivinha só? Você foi logo falar com elas.

-Do que você tá falando? – deu uma encarada feia.

-Pessoas perigosas, meu bebê. Pessoas perigosas. – mais uma vez, deu-lhe alguns tapinhas na bochecha – Heiwajima Shizuo, Orihara Izaya, os Lenços Amarelos... Daqui a pouco você vai estar tão dentro do grupo que vou ter de dizer aos novatos pra ficar longe de você! – fez bico outra vez, olhando-a como se a julgasse.

-Oe, Kida... – Misaki rosnou – Não a incomode.

-Desculpa, desculpa. – coçou a nuca.

Tsugumi soltou uma risada entusiasmada; ria com gosto, como uma criança, enquanto os dois amigos discutiam, por mais que aquilo que o loiro lhe dissera não fosse lá muito agradável. Nenhum dos companheiros entendia, mas não era necessário. Ela tampouco entendia, mas era uma das mais fáceis maneiras de manifestar a alegria que sentia de ver o grupo reunido outra vez, como no começo do ano. Memórias de um tempo em que as coisas estavam mais simples e divertidas, sem gangues, sem segredos obscuros, sem tragédias. A Academia Raira era um lugar bem mais divertido na presença dos dois garotos, cada um marcando sua presença de maneira diferente. Tinham uma aura alegre que fazia com que ela fosse capaz de esquecer um pouco de seu sofrimento e confusão mental; que transformava os barulhos altíssimos que tinham em sua cabeça em baixos zumbidos. Podia ter certeza de que em algum lugar teria alguma paz.

A discussão poderia ter ficado pior se o sinal não tivesse tocado. Todos os alunos tomaram seus lugares assim que o professor entrou na classe, reinando o silêncio a partir dali. Poxa, até o silêncio ali dentro era mais agradável que o silêncio de sua casa.  Talvez porque não estava sozinha, nem fisicamente nem emocionalmente. A escola era um lugar divertido. Tinha seus amigos ao seu redor, seus cadernos nos quais desenhar, tinha a vista da janela e às vezes uma brisa vinda dela, quando seus vidros estão erguidos. De fato, agradável.  Mas o único problema daquilo tudo foi que, assim que o silêncio tomou, algo surgiu em sua mente: e se, como da primeira vez, tudo aquilo acabar?

~x~

Andava pela rua levando a bolsa na mão, ao lado de sua amiga. As duas, rindo. Haviam se separado dos dois amigos na sala de aula, quando eles resolveram ficar para esperar Sonohara Anri e as duas avoadas seguiram seu caminho sem perceberem, mas continuavam a achar graça naquilo que haviam dito, por mais que não lembrassem com exatidão o que era. Era tão bobo que não haviam guardado a frase, apenas captado o humor. Era incrível como aqueles dois se tornavam palhaços quando queriam.

Botavam o papo em dia. Era a primeira vez em alguns dias que conseguiam conversar, pois Misaki não conseguira mais fazer visitas ao hospital depois de um tempo. Não era de se admirar, considerando que ela teve de repor todas as aulas que perdera. Talvez tenha sido até melhor terem passado alguns dias sem terem contato, senão o assunto acabaria rápido demais, mas agora, saindo da escola, parecia que jamais parariam de falar. Riam, sorriam e falavam tanto que as bochechas de Tsugumi já doíam, mas não se incomodava. Era bom estar de volta à sua vida normal de colegial; não tinha tanto tempo sem nada pra fazer pra começar a pensar em tantas coisas outra vez. Ter tempo demais para pensar nas bobagens que fez na vida e no quão miserável ela é era a única desvantagem de faltar na escola.

Discutiam a ideia de saírem à noite para comemorar sua recuperação. Não se sentia completamente bem tanto psicologicamente quanto fisicamente para festejar, ainda se sentia muito machucada apesar de tudo, mas a amiga insistia. Dizia que faria muito mais bem à ela se saísse e se divertisse do que ficando em casa com sua mãe só pra lembrar ainda mais da tristeza e depressão que sentia. Em parte, concordava. Seus olhos durante aqueles dias doíam muito do choro, pois toda vez que pensava não era mais capaz de se controlar. Mas mesmo assim não queria muito sair de casa.  Tinha desenvolvido certo... Medo de andar na rua. Temia ser atacada de novo, por mais forte que fosse.

-Ora vamos, Tsu-chiin! –Misaki insistiu – Não seja paranoica! Sem falar que nem precisa. A gente faz algo perto da sua casa, se quiser!

-M-Mas... – hesitou mais uma vez.

-Se divirta um pouco! – deu um tapinha no ombro de sua amiga.

-... Se quiser ir em casa... – ficou a tocar os indicadores, como se brincasse com seus dedos, constrangida.

-Tsugumi... – deu uma olhada torta.

-Hai hai... – acabou cedendo – Onde quer ir...?

-Que tal irmos num restaurante na avenida? Tem uns lugares legais lá!

-Okay... Mas são tantos lugares... Qual deles prefere?

-Não sei, vou perguntar aos outros...

-O-Outros?! – se assustou.

-Tá achando que vamos só nós?! Chegando em casa vou chamar o Kida e o Mikado também! – pareceu até assustar-se com a ingenuidade da amiga – Boba, acha que vou fazer uma festa de comemoração só a gente?

-B-Bom...

-Bobinha! – deu uma risada e em seguida jogou-se dando um abraço em Tsugumi, dando-lhe também um cascudo – Comemoração é comemoração!

Riu, meio sem graça, por fim concordando que fizessem algo em grupo pra comemorar. Claro que deixou por conta da amiga que chamasse os outros por ter sido ideia dela, além de que tinha certa vergonha de ligar no celular de pessoas com as quais não tinha intimidade. Isso também acabou dessa maneira pois em seguida tiveram que cada uma seguir seu caminho para suas casas onde passariam a tarde e a ruiva se ofereceu para tal papel.

Despediram-se e cada uma seguiu numa direção, Tsugumi sendo aquela a dobrar a esquina. Soltou um longo suspiro, abrindo um pequeno sorriso em seguida.  Era bem aquele jeito insistente e até petulante da ruiva que às vezes a tornava tão legal. Mas... Não estava com vontade de sair. Não mesmo. Estava com mais vontade era de ficar em casa e jogar seu videogame. Era menos agitado. Não tinha ainda a energia para sair de casa e festejar. Porém conhecia muito bem o quão cabeça dura era sua amiga, então não quis discutir. De qualquer jeito, não tinha do que reclamar. Por mais que brigassem – o que em todo aquele tempo de convivência não havia acontecido – nada a faria gostar menos da amiga, a qual considerava uma irmã. Uma irmã que teimava em não contar de seus problemas, mas era uma irmã. Houveram momentos em que ela era mais sua irmã do que seu irmão, mas preferiu não pensar muito naquilo e seguiu seu caminho apenas prestando atenção no mp3 de seu celular, que acabara de ligar.

Chegou ao seu prédio em pouco tempo. Não cumprimentou ao porteiro pois este dormia, indo direto ao elevador, logo apertando o botão de seu andar e abrindo o paletó azul de seu uniforme. Aquilo era sufocante, por mais que o tempo estivesse frio. Nunca havia entendido porque os uniformes de colegial, todos os que já vira, tinham tantas camadas. Não bastava uma blusa só? Mas, bom, era a tradição, então não havia nada que pudesse fazer além de suportar o calor enquanto estivesse na escola.  O elevador se abriu e logo foi à porta, que estava aberta. Tirou seus sapatos ao lado da porta, cumprimentou sua mãe e foi direto ao seu quarto, largando a bolsa escolar do lado do pé do sofá no caminho.

Tirou sua gravata de laço, o paletó azul do uniforme e também sua saia, largando-os no chão do quarto e jogando-se sobre a cama, usando apenas a camisa branca e as meias 7/8 negras. Estufou as bochechas e soltou o ar pesadamente. Como é que ela ia convencer sua mãe de sair? Muito provavelmente, Haruko não deixaria ela ir, nem mesmo aquela sendo a própria festa de boas-vindas. Se bem que nem quando quebrou a perna aos 10 anos a mãe a impediu... Mas tinha certo medo de pedir. As circunstâncias eram diferentes e ela não conhecia nenhum de seus amigos. O que fazer? Apenas perguntar ou tentar criar toda uma história falsa pra poder sair de casa? Não era de seu feitio mentir para seus pais, mas estava achando que seria necessário... Deu-se um soco ao perceber o que estava pensando. Nem queria tanto ir assim e estava pensando em mentir?!

Ficou mirando o teto. Agora que estava meio combinado, por mais que não quisesse teria de comparecer. Que tipo de festa se faz para alguém e esse alguém não comparece? Não poderia fazer uma coisa dessas com seus colegas, seria muita falta de educação. Se esticou preguiçosamente em sua cama até alcançar seu uniforme e tirar seu celular do bolso, passando a mirar sua tela. Pretendia mandar uma mensagem para Misaki e perguntar se eles iriam, mas não havia nem quinze minutos que haviam se visto... Provavelmente ainda não havia falado com os outros. Pensar assim a deixava ansiosa. Queria saber logo se eles iriam, pois poderia já começar a bolar um jeito de chegar e perguntar para sua mãe de modo que ela a permitisse sair, mas se não fosse, tudo seria em vão.

Fechou os olhos, bufando. Deixou os braços, erguidos até então segurando o celular, caírem sobre a cama, frustrada. Queria que a amiga mandasse-lhe logo uma mensagem ou ligasse em seu telefone para poder saber se iriam ou não, mas não tinha paciência para esperar e tampouco coragem de mandar uma mensagem perguntando, o que lhe criava uma sensação muito confusa. Mas, afinal, queria ou não queria ir? Uma parte sua dizia que sim e a outra dizia que não, quase que se atacando. Estava em guerra consigo mesma. Chamava aqueles dois lados de si de sua consciência, mas não sabia se aquele era o termo correto. Ah, que raiva! Mal voltou para casa e todas as suas dúvidas e dualidades estavam de volta, como se a tivessem esperado  na porta da frente. Que ódio!

O pior é que não havia nada o que fazer fora dali. Não tinha deveres escolares a fazer ou tarefas domésticas, pois sua mãe a proibiu de se esforçar demais. Já conhecia bem a programação da TV para dizer que não passava nada, seu jogo estava numa parte muito entediante e o tempo não favorecia sua conexão com a internet, como indicava o sensor de wi-fi de seu celular. Só lhe restava ficar ali, deitada, se perguntando coisas e respondendo duas respostas, sempre opostas e que se anulam. Como odiava aquela dualidade. Aquilo só a fazia cada vez mais próxima de romper a tênue linha entre a sanidade e a insanidade.

Olhava ao redor, mirando as paredes e móveis de seu quarto. Via os bonecos, os mangás, os DVDs, os pôsteres. Tentava transformar aquilo no novo foco de sua mente, sem sucesso. Não prendiam sua atenção por serem plenamente conhecidos, o que não a desviava nenhum pouco dos nós de sua mente. Decidiu tentar dormir. Levantou-se, fechou a janela e voltou a se deitar, contemplando o breu, o escuro, o preto, o vazio. Vendo nada, pensaria nada, e logo adormeceria. Mas, pensando no “nada”, ele não se tornava alguma coisa? Tentava associar o nada a “não existência”, mas sempre acabava por se lembrar de quando lhe diziam que não havia nada no vácuo do espaço e, assim, começava a pensar no nada como o vácuo entre os planetas – O que obviamente não era compatível com o significado desejado, pois no vácuo existem partículas.

Começava a pensar no Universo e nas coisas presentes nele. Cada coisa é formada por partículas, que são formadas por átomos, cada coisa tendo um padrão diferente de aglomeração de átomos. Será que, em algum lugar bem distante, não existe uma repetição de um padrão? Se existisse, haveriam outros universos, outras Tsugumis e também outros Shizuos. Se essa outra Tsugumi fosse exatamente igual à primeira, muito provavelmente já teria conhecido outro Shizuo e se apaixonado por ele – afinal, ainda é ela-. Claro que poderiam ser mais ou menos próximos, mas seriam ao menos conhecidos. Mas, se considerasse que eles poderiam ser bastante próximos... Poderia ela ter visto uma cena de outro universo enquanto dormia?

Sentou-se em sua cama, acendeu seu abajur e deu risada. Que maluquice era aquela? Onde queria chegar? Mesmo que aquilo vivesse acontecido num universo alternativo, paralelo ou qualquer que fosse que não aquele em que se situava, o que aquilo mudaria em sua vida? Nada. Teria a mesma relevância se fosse um simples sonho, não uma visão de outro mundo. Seria apenas um doce sonho, longe de sua realidade, então por que se importar?

Sua mente finalmente saiu daquilo ao sentir seu celular vibrar ao lado de sua perna. Tinha até se esquecido que estava ali e não no bolso de seu uniforme, mas logo o atendeu. Era Misaki, que combinava de se encontrarem numa cafeteria da rua principal, perto da loja de anime em que se lembrava de ver Erika trabalhando, numa determinada hora da noite. Abriu um pequeno sorriso, enquanto seus olhos brilhavam um pouco. Era um lugar que conhecia e fácil de achar, além de que, na saída, poderia passar lá e conversar com a moça. Aquele parecia um bom plano e soava divertido de verdade. Precisava animar um pouco seu dia, afinal de contas. Ele estava... pacífico demais, por mais que não tivesse certeza que essa seria a palavra certa. Talvez parado fosse melhor.

Mas ainda tinha de convencer sua mãe a deixa-la sair. 


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