Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 26
Ritual




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      Balthor permaneceu observando-me por um momento, permitindo que o silêncio recaísse no ambiente. Seus olhos castanhos analisavam-me com cautela, mas intensos. Parecia desejar penetrar minha mente e desvendar meus mistérios e todos os sentimentos que me percorriam naquele instante. Entretanto eu fui capaz de sustentar seu olhar, sem revelar as condições nas quais me encontrava e sem dizer uma palavra, apenas esperando a próxima ação de meu captor. Passado alguns minutos, os quais pareceram durar séculos, Balthor retomou sua fala:

      - Não gosto de vê-lo atrás das grades, meu caro irmão mais novo, mas tive de fazê-lo, pois, se você tivesse mais liberdade, você teria escapado antes mesmo de trocar palavras comigo. Peço-lhe desculpas por isso.

      - Vai pedir-me desculpas por todas as outras atrocidades também? Por tudo o que tive de passar? Pelas mortes? – perguntei. – Isso não fará com que eu recupere meu tempo ou todos os que pereceram. – Senti uma ira crescente em meu interior, mas sabia que tudo poderia piorar caso eu não a controlasse.

      - Não me julgue antes da hora, caro irmão. Quero convidá-lo a um jantar, no qual poderemos discutir a respeito desse assunto, afinal, este não é o local apropriado. – Ele fez uma pausa. – Você vem, certo?

      - Não – respondi. – Eu não vou jantar com meu captor, porra nenhuma!

      Meu captor deu de ombros.

      - Bem, você não tem escolha... Mas peço que tome um banho antes do jantar, afinal, temos de estar limpos para a refeição, você está impregnado com o cheiro de droga. – Balthor bateu as palmas das mãos uma contra a outra, fazendo o ruído ecoar pelos corredores. Logo, uma garota aproximou-se a passos sutis, porém ágeis. Ela era exuberantemente bela, a pele morena, cabelo preto e cacheado, olhos grandes e cinzentos. Trajava um vestido logo e verde sem mangas, o qual realçava com a cor de sua pele. – Dorah, leve nosso caro irmão, Jim, ao quarto de banhos.

      - Sim. – Sua voz soou como uma melodia.

      Após isso, Balthor afastou-se com o gato dourado acompanhando-o graciosamente. Sua silhueta tremeluzia de acordo com as chamas nas tochas, até desaparecer de vista. Então, encarei Dorah. Seu olhar suave irritava-me naquele momento, pois eu sabia que aquilo não passava de falsidade. Apenas naquele momento eu percebera que minha captora trazia em suas mãos correntes, uma chave e um revólver. Ela aproximou-se, abriu a prisão, apontando sua arma em minha direção, segurou meus pulsos e prendeu-os fortemente. Senti o local onde havia a marca da queimadura arder intensamente, mas consegui abafar o grito que se formava em minha garganta.

      Dorah guiou-me por um extenso corredor iluminado apenas pelas chamas dos archotes. Em nenhum momento ela desviou sua atenção de mim e permaneceu com a arma apontada em minha direção, o que me impedia de qualquer tentativa de fuga. Caminhamos até uma grande porta de madeira negra. Dorah abriu-a sem fazer esforço, obrigando-me a entrar. O aposento não era espaçoso e as paredes ainda eram compostas por grandes blocos de pedras escuras, assim como a pouca iluminação devido às tochas. Havia uma banheira, que continha águas limpas e cristalinas, no centro do ambiente e uma toalha branca depositada acima de um banco de madeira.

      - Pode banhar-se – disse Dorah.

      - Não, não com você me olhando dessa forma e com essas correntes em meu pulso...

      Ela revirou os olhos em suas órbitas.

      - Como se eu nunca tivesse visto o órgão sexual masculino... – Ela virou-se de costas e deixou-me sozinho, fechando a porta atrás de si.

      Permaneci observando aquele local atentamente, procurando por algum detalhe despercebido em minha primeira análise, alguma passagem secreta, a qual pudesse levar-me para longe desse lugar tenebroso, entretanto, como esperado, não havia nada ali.

      Sentia a queimadura arder intensamente, enquanto aquelas correntes pressionavam-se contra meus pulsos. Encostei o local na superfície da água e a dor aliviou-se. Então pensei que, naquele instante, não havia outra opção além de jogar de acordo com as regras daqueles maníacos. Desse modo, despi-me com dificuldade (era difícil fazê-lo com os membros presos) e adentrei na banheira. Meu primeiro contato com a água fez meu corpo estremecer devido à baixa temperatura, porém não demorou muito para eu acostumar-me e poder relaxar meus músculos contraídos.

      Permaneci mergulhado nas águas gélidas, porém reconfortantes durante um bom tempo e com a mente abarrotada de perguntas, as quais fervilhavam à procura de esclarecimento. Talvez no tal jantar eu descobrisse, no entanto, eu não estava com paciência para aquilo, era uma situação quase absurda, cear com meu captor. Talvez se eu continuasse em meu banho, meus inimigos esquecessem-se de mim, um fio tênue de esperança, no qual eu me agarrava, mas que foi destroçado quando a porta abriu-se revelando Dorah.

      - Não acredito que você nem ao menos saiu da banheira – disse ela.

      - Você acha que é fácil tomar banho com os pulsos presos... – Indiquei as correntes. – Além disso, você nunca ouviu falar de algo denominado privacidade?

      - Balthor espera-o no salão de jantar. – Ela ignorou meu comentário. – Vamos, apresse-se!

      - Não tem condições de eu sair do banho com você me encarando... Além disso, por que você obedece a esse Balthor?

      - Porque eu concordo com ele. – Dorah limitou-se a responder. – Agora, seque-se e troque-se!

      Dorah deixou o banheiro novamente, mas eu sabia que ela não demoraria a regressar. Desse modo, eu não possuía outra saída a não ser agir, por enquanto, de acordo com o jogo de meus captores, até eu encontrar uma maneira de escapar, teria de fazê-lo. Sai da banheira, enxuguei-me e troquei-me com certa dificuldade, mas pude fazê-lo antes que Dorah retornasse para importunar-me (seria muito desagradável se ela tivesse adentrado antes de eu terminar de vestir minhas roupas).

      Passado alguns minutos, Dorah adentrou no recinto a fim de guiar-me ao local de jantar. Ela estava com o revólver apontado em minha direção e sem dizer uma palavra, fez um gesto para que eu a seguisse. Não havia maneira de não obedecê-la, a situação não se apresentava propícia a mim. Seguimos pelo longo e tenebroso corredor mal iluminado. As chamas dos archotes pareciam dançar enquanto aqueciam e contribuíam com a luminosidade do local. Caminhamos até uma grande porta, muito semelhante àquela que dava acesso ao banheiro, composta de madeira negra. Dorah abriu-a com facilidade revelando um extenso salão. Havia uma comprida mesa com vários pratos depositados sobre sua superfície de mármore e com disponibilidade para dez pessoas assentarem-se. Os archotes ainda eram a única forma de iluminação, mas estes se apresentavam em maiores quantidades e suas chamas pareciam mais intensas, o que deixava com boa luminosidade. Balthor estava assentado em uma cadeira na extremidade da mesa, ainda trajava a túnica dos seguidores de Yasuo. Ao lado de meu captor, havia uma bela jovem, ela estava de olhos fechados e sua pele não parecia possuir cor. Seu cabelo era longo, ondulado e louro, feições leves, delicadas e bem traçadas, os lábios também muito pálidos. Ela trajava um longo vestido azul ao estilo medieval e com mangas. E, ao lado dos dois, estava o gato dourado assentado graciosamente com sua bela cauda remexendo-se levemente. Seu pêlo reluzia à luz das tochas.

      Minha captora fez com que eu adentrasse o salão, mas não se manteve no ambiente, deixou-a logo em seguida, fechando a porta atrás de mim. Observei ao redor novamente e percebi que Balthor analisava-me com cautela e seus lábios finos iluminaram-se ao avistar-me.

      - Ah, Jim Harris, fico feliz com a tua presença. – Sua voz ecoou por todo o salão. – Sente-se. – Fiz o que ele disse, assentando-me na extremidade contrária da mesa. – Deixe-me apresentá-lo à minha namorada, esta é Meredith. Querida, esse é Jim Harris, meu meio-irmão mais novo.

      Não houve resposta por parte da mulher e também nenhuma reação, ela permaneceu imóvel, o que me fez concluir que ela realmente estava morta, aquele era um cadáver bem conservado de uma garota. Louco, necrófilo, pensei, será que ele faz sexo utilizando essa defunta? (pensamentos estranhos começaram a invadir minha mente, porém tentei afastá-los, pois eram nojentos e aquele não era o momento).

      - Bem, por onde eu começo? – continuou Balthor. – Vou falar um pouco de mim. Tenho vinte e três anos, sou o filho mais velho de Yasuo e de uma prostituta qualquer, comecei a fazer curso de medicina, mas abandonei-o para seguir meus objetivos. Comecei a namorar Meredith quando eu estava com vinte e um anos. Possuo duas habilidades por ser o filho mais velho; elas não são muito relevantes em um combate, mas são úteis, posso transmitir minha “alma” ao corpo deste gato dourado e agir e enxergar através de seus olhos, enquanto estou meditando. Além disso, consigo manter cadáveres bem conservados para que nunca me abandonem, um exemplo disso é a Meredith ao meu lado. – Ele fez uma pausa. – Diga-me um pouco de você, Jim Harris.

      O silêncio fez-se presente no ambiente, pois eu não disse nada, permaneci apenas observando meu meio-irmão e sua namorada cadáver com estranheza. Balthor gargalhou, fazendo-a ecoar pelo ambiente e então voltou a fazer uso de sua tranquila voz:

      - É verdade, você não precisa dizer nada, afinal, eu já o espiei tanto... Bem, então vamos comer um pouco. Eu sei que você é vegetariano e eu também sou, por isso, mandei preparar pratos sem carne.

      Permaneci imóvel, sem tocar em minha refeição ou dizer alguma palavra.

      - Ah, vamos, Jimmy, coma ou diga alguma coisa, você veio ao jantar apenas para permanecer quieto?

      - Eu quero saber o motivo pelo qual você faz isso – rebati.

      - Porque quero ser teu amigo – respondeu -, eu preciso de ti.

      - Para, através de meus desenhos, você encontrar os filhos restantes de Yasuo, matá-los, e trazer o deus do caos de volta à vida, não é?

      - Sim e não. Realmente preciso de ti para poupar-me do trabalho de encontrar meus meios-irmãos restantes, mas não me compare a Ariadne, Roy ou Ares. Eles desejavam o retorno de Yasuo, eram egoístas, tolos e almejavam o poder acima de tudo. Pude utilizar desse desejo a meu favor e fingi que também o compartilhava para utilizar-me de suas habilidades. – Ele fez uma pausa. – Você e seus amigos pouparam-me tempo quando mataram esses estúpidos, pois já não preciso mais deles, servem-me mais mortos. Ares poderia estar vivo se ele não tivesse me desobedecido e não insistido em lutar contigo.

      - Se você não está a favor de ressuscitar Yasuo, então, por que você utiliza essa túnica e pede apoio aos seguidores? E o que você quer, afinal?

      - Eu apenas estava utilizando-os como marionetes e meu falso discurso adquiri mais força quando eu sigo os costumes de minhas marionetes. Como disse tua namorada a ti em um de teus momentos mais íntimos: “ninguém caminha sozinho”. – Seu rosto tornou-se sombrio por um momento. – Eu quero a morte total de Yasuo.

      Aquela resposta atingiu-me como uma pancada em meu estômago, deixando-me atordoado e, ao mesmo tempo, surpreso. Como meu inimigo possuía o mesmo objetivo que o meu? Acredito que eu não consegui esconder minhas sensações naquele momento, elas transpareciam em minha expressão, de modo que Balthor foi capaz de notá-las.

      - Ficou surpreso, não é? Vou contar-lhe uma história: Como já lhe disse antes, minha mãe era uma prostituta e quando eu nasci; Yasuo ainda não estava preocupado com a extinção de seu poder e eu havia nascido por acaso. Passado alguns anos, o deus do caos voltou a procurar por minha mãe, pois necessitava de seus filhos para sobreviver. No entanto, minha mãe utilizava-me como seu sustento, eu era obrigado a caminhar pelas ruas vendendo balas para conseguir o dinheiro necessário para ela. Eu vivia em condições precárias, mas para ela a situação não estava tão ruim, havia até deixado a prostituição vivendo às minhas custas. Então ela não decidiu trocar-me pelas promessas que ela sabia que não seriam cumpridas por Yasuo, ela sempre dizia que não confiava em homem algum. – Ele fez uma pausa. – Certa noite, Yasuo veio até a mim dizendo ser meu pai e fazendo-me muitas promessas de uma vida melhor, convencendo-me facilmente de fugir com ele. Mas, em um momento, eu consegui descobrir sua verdadeira intenção de manter-me em um ritual e então eu escapei. Fui morar em um orfanato e não demorou muito para eu ser adotado por uma boa família.

      “Tive uma vida mais ou menos comum, até o dia em que eu descobri a verdade a respeito de minhas origens. O poder de Yasuo cresce ou diminui de acordo com a quantidade de fiéis e como o culto estava sofrendo uma crise, ele necessitava tornar seu poder mais ‘concreto’, digamos assim, por isso, cada filho possui uma parcela de seu poder. Após descobrir essa informação, minha vida modificou-se, eu entrei em um jogo, onde sobreviver era a única regra. O caos formou-se ao meu redor e, indiretamente, eu contribuía com a morte de todos aqueles que eu amava, apenas por estarem próximos a mim. Enquanto sobrevivemos, mais pessoas morrem. Essa é a maldição de todos os filhos de Yasuo e em qualquer lugar que vamos, carregamos a tormenta conosco. Mais cedo ou mais tarde, as pessoas ao teu redor começarão a sofrer as consequências por conviverem contigo, acho que alguns já até sofreram, não é mesmo?”

      - Sofreram por sua culpa! – bradei, furioso. – Se você não tivesse atormentado minha vida, nada teria acontecido ao meu amigo ou às outras pessoas que pereceram.

      - É aí que tu enganas-se, Jim Harris. Não há forma de fugir desse jogo doentio, é uma maldição dos filhos de Yasuo. Seja por mim, por outros irmãos ou seguidores do caos, as pessoas, apenas por estarem ao seu redor, sofrem as consequências por isso. Você contribui para suas mortes. Eu sou a prova viva disso, vi todos aqueles que eu amava perecendo, um por um, até restar apenas à solidão. Seus cadáveres conservados são minhas únicas companhias, pois já não possuem vida para perderem. – Ele fez uma pausa para ingerir um pouco da refeição. – Nossa existência, assim como a de Yasuo é destruidora ao mundo e, por isso, eu quero destruir todos os resquícios de caos, ou seja, nós. Uma vez um filósofo disse: “Todo homem é culpado pelo bem que deixou de fazer”, eu sigo muito essa frase e o maior bem que posso fazer é destruir a tormenta, não importa quantos sacrifícios terei de fazer, eles são mínimos comparado ao bem maior que farei quando concluir meus planos. Após matar todas as outras “crianças”, prepararei um ritual que irá eliminá-lo e terminará também com a minha morte, destruindo todos os resquícios de caos no mundo. Pois, enquanto houver um filho da tormenta na terra, há esperança dele retornar, mas utilizando esse ritual, eu serei capaz de eliminar o caos do mundo!

      As palavras utilizadas por Balthor flutuavam em minha mente, atormentando-me. Eu não conseguia pensar, era como se eu não tivesse certeza de nada mais, como se minhas concepções caíssem por terra. Todas as informações atingiram-me como pancadas em meu estômago. Eu possuía uma falsa imagem de meu inimigo, mas ele estava certo a respeito do caos, ele estava certo, no entanto, eu não queria admitir, era doloroso demais.

      - Você vai me ajudar, não é, Jimmy? – perguntou Balthor. – Pelo bem das pessoas que você ama; você terá de ajudar por bem ou por mal.

      - Não... – disse com um fio de voz. Meu corpo tremia, podia sentir o medo crescente em meu interior. Eu teria de matar e depois morrer para agir por um bem maior? Isso não parecia lógico à minha mente.

      - Eu já disse que sou capaz de qualquer sacrifício para conseguir atingir esse bem maior. No fim, pagarei com meu próprio sangue, não gostaria de matar pessoas inocentes, mas sou capaz de fazê-lo, assassinar sua mãe e namorada se você não me ajudar. – Ele tomou um gole de vinho. – Você sabe que o certo é ajudar-me.

      - Não... – Senti meu corpo fraco e os tremores aumentaram a intensidade apenas por pensar em minha mãe e Amber frias aos meus braços, pois aquele perigo era real.

      - Você não me parece bem, acho melhor mandar Dorah levá-lo aos aposentos. – Ele retirou um celular do bolso e fez uma ligação. Em questão de alguns minutos, minha meio-irmã adentrou no local. – Querida Dorah, leve o caro Jim aos seus aposentos. Pode retirar as correntes de seus pulsos também.

      - Mas ele vai tentar fugir se soltá-lo – respondeu Dorah.

      - Não, ele não vai. Ele sabe muito bem as consequências caso o fizer.

      Dorah concordou com a cabeça, mas sem dizer uma palavra. Ela segurou meu braço, obrigando-me a levantar e arrastar-me pelos corredores até chegar a uma pequena porta, a qual dava acesso a um quarto pouco espaçoso com apenas uma cama de solteiro e uma escrivaninha. Fez-me adentrar e libertou-me das correntes, aliviando meus pulsos, após isso, deixou o local, fechando a porta atrás de si.

      Massageei meus pulsos doloridos e feridos e deixei meu corpo cair pesadamente na cama. Sentia-me atordoado, tonto, cansado e uma mistura de sentimentos como confusão, raiva, angústia. Balthor estava certo, os filhos de Yasuo carregam sempre o caos por onde quer que vão e isso prejudicava todos ao meu redor. Eu sempre fui uma criança estranha, sempre causei problemas à minha mãe e Luke faleceu prematuramente (e sem ter feito sexo) por ter se envolvido nesse jogo maldito. Éramos apenas os peões, enquanto os seguidores eram os bispos, as torres, os cavalos e, talvez, até mesmo a rainha e, por fim, Yasuo era o rei. Um elemento, por enquanto, bem frágil, mas era o que decidia o jogo, se ele será deposto ou não.

      Talvez minha morte seja propícia para o bem maior, talvez realmente não haja um lugar para os filhos da tormenta no mundo. Éramos o caos, carregávamos a desordem conosco, eu estava certo quando pensava que havia levado a tempestade à Sinéad. A cada dia, mais pessoas podem sofrer as consequências apenas por estarem à minha presença e, assim como aconteceu a Balthor, ocorrerá comigo. Verei as pessoas as quais gosto morrerem diante de meus olhos como aconteceu a Luke.

      Mas será a morte a resposta? Será que não havia outra forma de conseguir resolver esse problema? Por que falecer era o caminho mais fácil? Eu não queria ter de morrer com os meus dezoito anos, havia muito que eu gostaria de fazer, quero entrar na universidade, sair de carro viajando pelo mundo, ter mais noites de prazeres e beber muito uísque, absinto, cachaça entre outros (aprendi que não consigo parar com o álcool), adquirir novos conhecimentos, obter uma biblioteca, amadurecer, conhecer meu íntimo, ajudar os animais. Deveria haver outra forma de resolver esse problema, violência não poderia ser a resposta.

      Permaneci com a minha mente abarrotada de perguntas, as quais se confundiam e faziam-na um labirinto que nem mesmo eu conseguia descobrir o caminho. Eu estava cansado, as condições nas quais me encontrava não me permitiam refletir com precisão. O que eu poderia fazer com relação aos desenhos também? Caso não os fizesse, Balthor assassinará minha mãe e Amber. Eu sei que ele o fará, pois é capaz de tudo para obter êxito em seus objetivos.

      Senti meu estômago vazio e, pela primeira vez, fiquei arrependido por não ter nem mesmo tocado na refeição e ainda tinha vinho (desperdício!). Tive vontade de regressar ao salão de jantar, mas sabia que não poderia, pois me encontrava trancado naquele quarto. Ainda sou um prisioneiro, a única diferença é o local onde estava preso, passei de cela a aposento (minha situação melhorou um pouco).

      Pensei que fosse morrer de fome, mas minha salvação veio na forma de Dorah. Ela adentrou no recinto trazendo consigo uma bandeja e depositou-a sobre a escrivaninha.

      - Balthor pediu para trazer esse prato, já que você não comeu nada durante o jantar.

      - Dorah, por que você concorda com Balthor?

      - Porque eu também já vi muitos ao meu redor morrerem por estarem ligados a mim. Eu cheguei à conclusão que Yasuo e seus filhos são um mal na terra, devem ser eliminados, o que será uma boa ação para o mundo.

      - Mas você não acha que existem outras formas de resolver os problemas? – prossegui com meu questionário.

      - Que outras formas você sugeriria? – Ela parecia muito curiosa com a minha fala.

      - Talvez ideias... – Assumi uma expressão pensativa. – É muito fácil para um ser humano tentar resolver seus problemas através da violência, afinal, vivemos em uma sociedade em que uma de suas bases é essa. Estamos abarrotados de cenas como essas na televisão, nos livros; pais utilizam-na para educar seus filhos, jovens acham brigas essenciais para suas vidas. Gangues resolvem seus problemas com a violência, assim como boa parte dos casos de polícia entre muitos exemplos, mas por que fazemos uso da violência com tanta frequência? Pois facilita a resolução de muitos problemas, é muito fácil impor obediência através do medo a conquistar o respeito através dos méritos. – Fiz uma pausa. – Por que tem de ser assim? Nem sempre o caminho mais simples e curto nos conduz à estrada correta, às vezes necessitamos de fazer desvios e, desse modo, apreciarmos um percurso muito mais belo, mesmo que seja mais longo e demorado. Às vezes a paciência pode resultar os mais belos frutos.

      - Não adianta, Jim Harris, nós já estamos corrompidos. Além disso, uma criança só pode ser educada com boas palmadas, assim como muitas pessoas...

      - Por quê? – questionei. – Por que tem de ser assim? Será que por vivermos em uma sociedade violenta somos incapazes de criar novos meios para resolução dos problemas? Será que não há outra forma de criar uma criança sem fazer uso da violência? Por que temos de criar uma dominação através do medo desde nossos berços? Por que as pessoas dizem “não” antes de tentarem? Porque tudo isso é muito cômodo, estabelecer uma sociedade dominada dessa forma é muito mais cômodo.

      Dorah observou-me com a expressão repleta de curiosidade e intriga, mas permaneceu em silêncio. Pensei que minhas palavras pudessem estar produzindo um efeito reflexivo em minha meio-irmã e esperava por isso.

      - Você não acha que pode haver uma solução para nós, filhos de Yasuo, além da morte? Você não acha que nós, como humanos, também possuímos um lugar no mundo?

      - Não, eu não acho – ela limitou-se a responder.

      - Por quê? – perguntei, com uma crescente decepção em meu interior.

      - Pois nós, filhos de Yasuo, somos regidos por uma força superior, o caos. Mesmo sem desejar, acabamos agindo como tempestades. Atraímos muitos inimigos devido ao nosso poder e, por esse motivo, acabamos sendo os causadores indiretos do sofrimento das pessoas ao nosso redor, pois elas acabam entrando neste jogo doentio, mas sem possuírem as forças necessárias para resistirem até o fim. Perecem no meio do caminho. Nós somos os resquícios de Yasuo, carregamos parte de sua energia destrutiva e desordenada. Isso deve acabar, para alcançarmos esse objetivo, precisamos fazer sacrifícios. Assim como Balthor, penso que, se for por um bem maior, eu estou disposta a morrer.

      - Mas... – No entanto, Dorah não me permitiu prosseguir.

      Lançou-me um último olhar antes de dizer:

      - Se me der licença, ainda tenho muitos afazeres.

      Minha meio-irmã saiu do recinto, fechando a porta atrás de si. Pude escutar seus passos suaves ecoarem e afastarem-se gradativamente até eu não conseguir mais ouvir, mergulhando-me no profundo silêncio. Sentia a solidão, minha única companheira era a minha mente, a qual parecia fervilhar à procura de respostas e ideias, onde muitas questões formavam-se e flutuavam, formando assim, um labirinto.

      Consegui alimentar-me e retornei à cama. Acomodei-me e não demorou muito para sentir minhas pálpebras pesadas. Imaginei que era uma ótima ideia viajar ao mundo dos sonhos naquele momento, pelo menos lá eu estaria livre e distante daquele local tenebroso ou talvez conseguisse alguma resposta às perguntas que borbulhavam em minha mente. Desse modo, sem hesitar, entreguei-me ao meu subconsciente.

Eu estava em uma rua deserta, exceto por uma garotinha que corria pelo passeio em direção a uma casa. Ela possuía a pele morena, belos cachos negros e trajava um vestido. Ela carregava em suas mãos um envelope lilás adornado com muitas ilustrações de corações e flores (típicos trabalhos de criança). A menina chegou a uma morada e adentrou. A primeira cômoda era uma sala simples com um sofá, televisão e estantes abarrotadas de enfeites.

      A garota rumou escada acima e adentrou em um quarto, onde havia uma mulher muito bonita e parecida com a menina (provavelmente era sua geradora) e sentada em uma cadeira de balanço. A garota aproximou-se de sua mãe e entregou-lhe o cartão. A mulher olhou-a com irritação.

      - Mamãe, olha o que eu fiz para você na escola.

      Então, inesperadamente, a mulher acertou-a com a palma da mão na face da filha, deixando-a com uma marca vermelha na maçã de seu rosto. Lágrimas rolaram pelo frágil rosto da jovem, manchando-o.

      - Saia daqui, filha do demônio! – bradou a mulher com toda a sua força. – Não quero mais vê-la aqui!

      A garota não esperou mais, apressou-se para longe da mãe, para longe daquela casa. As lágrimas rolavam mais intensamente pelo seu rosto delicado, enquanto a quantidade de seus passos aumentava gradativamente. Ela nunca fora bem-vinda ali, ela sempre soube, mas não queria aceitar, desejava ser amada por alguém, pelo menos por sua mãe.

      Dorah agora estava como uma adulta. Ela estava manchada de sangue e as mesmas lágrimas rolavam de seus belos olhos cinzentos para o restante de seu rosto delicado, como no dia em que ela fugira de casa. Havia muitos cadáveres rodeando-a, assim como a destruição e o caos. Ela não possuía forças para reagir, pois todos aqueles que ela amava estavam mortos, pereceram devido ao jogo doentio. Seus inimigos também não apresentavam vida, no entanto, aquilo não traria os amigos de volta, a vingança pouco a importava, pois não mudaria sua situação de solidão. Passos começaram a ecoar pelo ambiente quebrando o silêncio.

      - Vejo que você também sofreu com o jogo, “criança”. – A voz de Balthor ecoou.

      - Quem é você? – perguntou ela com apenas um fio de voz.

      - Meu nome é Balthor, sou o filho mais velho de Yasuo. – Ele fez uma reverência. - Estive observando-a por um tempo e percebi que temos muito em comum, eu também sofri devido à minha herança, devido a esse jogo maldito, perdi meus amigos e minha namorada. Todos aqueles que tentaram ajudar-me conheceram seu rápido e triste fim. Eu já não aguento mais essa destruição e esse caos rodeando-me e fazendo o mundo doente. Entretanto eu tenho a cura para isso, eu sei o que fazer para solucionar nosso problema.

      - Como? O que você vai fazer?

      - Venha comigo e você descobrirá.

      Dorah seguiu-o em seu momento de maior fraqueza, na esperança de encontrar uma solução para sua abominável existência.

Os dias seguiram-se efêmeros. Permanecia em meu cativeiro fazendo os desenhos, eu não seria capaz de não fazê-los, eu tinha medo de que algo acontecesse à minha mãe ou à Amber. Eu possuía o conhecimento de que a maneira com a qual eu agia, poderia estar resultando na morte de meus meios-irmãos restantes, porém, como humano, eu também possuía meus erros, eu não queria ter de encarar mais pessoas, das quais eu muito gosto, abandonando-me. A partida de Luke já fora demasiadamente dolorosa e, mesmo após algum tempo, ainda era difícil falar a respeito.

      Eu esperava que nenhum de meus desenhos indicasse realmente os locais onde meus meios-irmãos pudessem ser encontrados. Enquanto isso, eu tentava encontrar alguma maneira de fuga, entretanto parecia impossível, pois todos os lugares estavam muito bem vigiados pelos tolos seguidores, os quais eram enganados pelo líder dos “Cinco”. Então, minha única alternativa era tentar convencer Balthor e Dorah com a ideia de haver outra forma de vencermos sem fazer uso da violência (eu realmente acreditava nessa ideia). Dorah parecia assumir uma expressão pensativa e transmitia-me a sensação de que, a qualquer momento, ela estará disposta a ceder. Mas Balthor parecia não modificar a opinião com facilidade, sua vontade era de ferro e ele fará de tudo para cumpri-la.

      Às vezes, quando Dorah guiava-me pelo corredor, eu avistava Balthor em presença de seus companheiros cadáveres, principalmente de sua namorada morta, discutindo como se estivesse conversando com pessoas vivas (eu não sabia quem era mais louco, Jan ou Balthor, mas, no fim, meu captor era um homem lunático e nojento por brincar com pessoas mortas como se fossem bonecas). Pensava a quão profunda era aquela tristeza e solidão a ponto de causar tamanhos danos mentais em uma pessoa, a ponto de deixá-la neste estado. Eu também sei que tenho problemas mentais relacionados à insanidade e depressão, não em altos níveis e lutava com todas as minhas forças com o intuito de evitar adoecer mais, porém será que um dia eu poderia atingir esses estágios supremos? Tenho de cuidar melhor da saúde de minha mente.

      Sentia também uma crescente angústia sempre quando a vertigem e a fraqueza tomavam conta de meu corpo, pois, de alguma forma, associava tais sensações com alguma morte de algum de meus meios-irmãos. Os pesadelos, os quais me assombravam durante meu sono profundo e enquanto estou mergulhado na escuridão também me indicavam tal notícia. Eu não apreciava pensar naquilo, pois me fazia acreditar ser um assassino, contribuía indiretamente com a morte das “crianças”. Desse modo, facilitava a penetração do medo e desespero em minha mente, caso eu não fizesse as ilustrações, minha mãe e Amber seriam assassinadas. Começava a gargalhar nesses momentos de fraqueza de minha consciência e, certo dia, enquanto Dorah trazia minha refeição, ela pegou-me no auge de minha insanidade, mas não pareceu importar-se, já se acostumara com as piores loucuras de Balthor. Talvez, o fato de eu não ter tentado persuadi-la impressionou-o mais que as minhas gargalhadas sem razão aparente.

      Em meio à escuridão completa de meus aposentos, eu permanecia por horas a fio refletindo antes de imergir diretamente aos pesadelos de meu subconsciente. Pensava na situação de Lisa, raramente conseguia recordar-me de sua herança semelhante à minha (o termo mais adequado talvez seja maldição), por algum motivo, tal informação ficava pouco evidente, talvez devido ao fato de minha irmã possuir uma mínima parcela de poder do deus do caos. Uma vez Raj dissera-me que a patricinha não chamava a atenção de nossos inimigos, nem mesmo habilidade ela parece ter desenvolvido ao longo de sua vida. A única coisa anormal da qual fui capaz de constatar em Lisa foram os pesadelos, mas acreditava que aquela era apenas a forma da qual Yasuo utilizava para comunicar-se conosco (esse detalhe pode permanecer omitido a minha irmã). Temia que um dia Balthor viesse a caçá-la e minha única esperança estava depositada justamente na insignificante parcela de poder do caos existente em Lisa, a ponto de não despertar a atenção de meu inimigo.

      Havia alguns dias que eu também não sentia os tímidos raios de sol refletindo em minha pele muito alva ou quando destinava algum tempo a fim de observar o belo céu nebuloso, o qual, muitas vezes, representava perfeitamente o estado de minha insana e melancólica consciência. Minha alma ansiava por essa visão e sensação de pertencer à imensidão de todo este universo, assim como meu corpo necessitava do caloroso abraço de Yuki e dos reconfortantes braços de Amber. No entanto, preso naquele calabouço, sentia-me alheio a tudo o que parece possuir vida, a escuridão estava sempre presente, mesmo com as tochas iluminando o ambiente e as paredes compostas de pedras negras transmitiam a frieza, a qual eu era capaz de sentir em minha pele e também parecia conseguir atingir meu interior. Apreciaria muito se alguém me revelasse minha localização no mundo, desse modo, contribuiria para que pensamentos mórbidos a respeito de eu estiver morto não me invadiriam minha mente com facilidade e a sensação de ainda pertencer a este universo encher-me-ia de esperanças.

      Esperança. Era o que eu mais necessitava naquele momento. Pessoas eram minhas fraquezas, pois, se não fosse meu medo de perdê-las, eu tentaria escapar a qualquer custo, no entanto, eu não poderia, Balthor descontaria sua fúria em minha mãe e em minha namorada e eu não sabia se seria capaz de protegê-las. “Jimmy, ninguém caminha sozinho”, “ao passo que serei tua fortaleza”, a voz de Amber ecoou em minha mente, permitindo-me refletir a respeito de suas palavras. Se eu vivesse sozinho, não teria de preocupar-me com pessoas ao meu redor, mas até onde eu seria capaz de caminhar sem possuir alguém para guiar meus passos em caminhos rochosos e sombrios? Eu necessitava daquelas pessoas, elas também ajudavam a compor o sentido de minha existência e faziam parte de minha história. Tentei chamar por Amber, por Yuki, mas tudo soou tão fraco, revelando o estado de minhas forças. Senti uma profunda dor em meu interior, fraqueza e vertigem, eu sabia o que essa sensação representava: a morte. Mais um de meus meios-irmãos encontrou seu fim. Yasuo estava cada vez mais próximo da ressurreição, embora ele também estivesse mais próximo da eterna escuridão.

      A dor era intensa e enlouquecedora, precisava esquecê-la, caso contrário, a loucura dominaria minha mente. Avistei um copo acima da escrivaninha, preenchido até a metade com água. Peguei-o e atirei-o ao chão. O líquido assim como os cacos de vidro espalhou-se pelo piso de pedras. Utilizei um dos maiores fragmentos do estrago para fazer um corte em minha mão direita. O sangue escorria pelo ferimento e a dor logo me invadiu, meu intuito era desviar a atenção de meu interior, mas percebi o que havia feito. Agira por impulso.

      - Desgraça! – bradei.

      Escutei um ruído estrondoso, percebi que a porta abriu-se bruscamente, revelando Balthor diante de mim. Ele trajava a mesma túnica pertencente aos seguidores de Yasuo. Seus olhos castanhos caíram sobre mim e revelavam surpresa com a cena que via. Eu estava assentado na cama e segurava minha mão ferida e manchada de sangue com a outra, a esquerda. Ele observou rapidamente o estrago no chão e depois voltou a analisar-me.

      - Por que você fez isso? – perguntou com a costumeira voz tranquila.

      - Eu não... Eu não sei... – respondi com um fio de voz; a dor ainda incomodava-me.

      Balthor pegou uma das longas mangas de sua túnica, rasgou um pedaço de tecido e atirou-i a mim. Utilizei-o para impedir que mais de meu sangue fosse derramado.

      - Você está pronto? – indagou meu captor. – Vamos dar início ao ritual, o longo ritual.

      - Eu não vou participar de porra nenhuma de ritual! – bradei, ainda irritado. – Eu sei que seu objetivo tem boa intenção, mas deve haver outra maneira de concluí-lo.

      - Ah, não, não há. Eu já fui como você, Jim Harris, jovem sonhador e esperançoso, mas o mundo apenas me mostrou céus escuros e profundos. Eu tentei, no entanto, apenas vi desgraças. Estou cansado desse mundo degradado, do caos e da solidão. Isso retirou tudo o que eu consegui construir, todos os frutos que colhi apodreceram. Eu não quero que isso aconteça a mais ninguém, nós, filhos de Yasuo, filhos da tormenta, nascemos para perecer, não pelo caos, mas para destruí-lo. Essa é a oportunidade para fazermos o bem maior, nosso sacrifício não será em vão.

      Meu captor retirou uma corrente de um dos bolsos da túnica e sem que eu conseguisse reagir, ele prendeu meus pulsos. Eu não sabia como faria para impedi-lo. Se tentar qualquer ato de violência, terei meus miolos estourados pelos seguidores de Yasuo, se tentasse escapar, ele matará minha mãe e minha namorada. Também não conseguia impedi-lo, meus argumentos pareciam ser incapazes de penetrar sua mente de ferro. Balthor fez-me arrastar-me pelos corredores extensos, estreitos e pouco iluminados. Nossos passos ecoavam por entre os blocos negros de pedra, como o único ruído ali existente.

      - Ainda resta tirar a vida de alguns dos filhos de Yasuo, mas creio que até o ritual ser concluído, eles estarão mortos – comentou Balthor.

      Não respondi, permaneci o percurso inteiro pensando no estado de Raj, Jan e Lisa e torcia para que meu inimigo tivesse se esquecido de minha irmã e sua insignificante parcela de poder do caos. Será que ele fará um ataque direto aos meus irmãos? Raj e Jan estavam bem protegidos e ainda possuíam a companhia dos falsos seguidores. Então, como ele iria matá-los? Esperava que meu captor não conseguisse.

      Meus pensamentos foram interrompidos quando paramos perante a um grandioso portal vermelho. Meu captor não fez muito esforço para abri-la, revelando um extenso salão. Ao centro do ambiente havia um pedestal com um grosso e antigo grimório depositado sobre sua superfície de mármore negro. Havia um altar, onde um trono negro localizava-se e a namorada cadáver de Balthor estava assentada. Ao redor do pedestal, grossas e altas colunas e vasos volumosos faziam-se presentes. Meu captor fez-me caminhar até uma das colunas e prendeu-me a ela.

      Observei Balthor carregar um recipiente preenchido por uma espécie de areia vermelha. Ele começou a jogar os grãos ao chão e prosseguiu com esse movimento até reproduzir a mesma complexa ilustração que se apresentava na túnica dos seguidores de Yasuo. Após isso, Balthor ateou fogo dentro dos vasos, fazendo as chamas crescerem intensamente. Meu captor aproximou-se de mim e disse:

      - Chame por seu irmão, Raj. Eu necessito dele em um momento do ritual. Preciso dele e de Jan, pois, para completar a cerimônia, necessito de quatro gotas de quatro filhos de Yasuo. Por isso, chame-o e ele virá, pois possui a habilidade de escutar muito bem.

      - Eu não o chamarei, não farei a sua vontade – retruquei.

      - Ah, você o fará ou sofrerá as consequências. Posso ligar agora para o meu companheiro seguidor de Yasuo e mandá-lo torturar ou até matar sua mãe ou sua namorada. Por favor, não me obrigue a isso, não desejo tirar a vida de pessoas desnecessariamente.

      - Você é um maldito! – bradei, tentando libertar-me das correntes. – Não fora Ares quem matou Luke, Susie e muitas outras pessoas!

      - Eu entendo sua dor, caro Jimmy, e admito que carrego esse fardo em minhas costas, Ares fora apenas um instrumento utilizado por mim para assassiná-los, pois a vontade era minha, apesar de saber que Ares também possuía essa vontade. É o que acontece com aqueles que se alimentam de carne. Os consumidores são os próprios responsáveis pela morte dos animais e utilizam os matadouros como seus instrumentos para cumprirem o trabalho sujo, as pessoas deveriam estar cientes disso tal como estou com as mortes que eu causei. – Ele fez uma pausa. – Agora, chame por nosso irmão.

      Senti uma fúria quase cega invadir-me, odiava aquele tipo de chantagem, por que ele tinha de envolver pessoas inocentes? Então, relembrei que eu sou parte do caos e isso se abrange e atinge as pessoas ao meu redor. Eu as arrastava para aquela loucura. Eu também sou um maldito! Precisava, a qualquer custo, proteger as pessoas que não deveriam estar em meio aquele jogo mórbido. Sem alternativa, chamei com um fio de voz:

      - Raj, por favor...

      Quando o fiz, Balthor gargalhou sonora e triunfantemente. O ruído ecoou por todo grandioso ambiente.

      - Que o ritual comece!


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