Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 19
Mansão




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Desviei meu olhar e fechei a cortina. Provavelmente aquela mulher sabia a meu respeito, o que não parece ser nada bom. Aquela garota não possuía uma expressão amigável e possivelmente tentará matar-me. Necessitava falar com Raj imediatamente, mas antes, precisava sair daquela casa. Voltei minha atenção à cama e fiquei imaginando quanto tempo demorará até Dayane despertar. Estava a ponto de acordá-la, no entanto, não serei tão desagradável assim. 

      Desse modo, deitei-me novamente no local onde estava na cama e fiquei aguardando o despertar de Dayane. Não consegui adormecer, pois sempre que fechava as pálpebras, imaginava os sinistros olhos amendoados e gélidos daquela mulher, espantando-me. Então permaneci ali sem nada a fazer. Não sei quanto tempo demorou até a garota abrir seus olhos e, quando ela o fez, eu disse:

      - Buh!

      Dayane sorriu, beijou-me no rosto e disse:

      - Bobinho. Bom dia.

      - Bom dia – retribuí. – Desculpe ser apressado, mas eu preciso ir embora...

      - Já? Não quer ficar mais comigo? – Ela assumiu uma expressão triste.

      - Eu não posso, sinto muito.

      - Mas...

      - Day, meu plano nunca foi restaurar nosso antigo relacionamento amoroso, eu não deveria estar aqui ou ter bebido demais. Foi um erro, um grande erro – expliquei. – Falando nisso, nós fizemos sexo? Eu não me recordo de quase nada de nossa noite...

      A garota não respondeu, no entanto, assumiu uma expressão travessa e, ao mesmo tempo, misteriosa, como se dissesse: “é melhor manter como um segredo”. O que me fez imaginar o pior, então tentei afastar tais pensamentos de minha mente e focar em minha fuga daquele lugar.

      - Gostarei muito de sua amizade, mas não posso mais ficar contigo – disse.

      - Por quê? Ainda nos damos tão bem...

      - Porque não, permaneça apenas com essa resposta. Eu sinto muito, contudo eu não posso falar mais do que isso – respondi. – Bem, agora eu preciso ir.

      Dayane não respondeu, apenas fitou o chão por um momento antes de concordar silenciosamente. Ela arrastou-se, desanimada, até a porta, abriu-a lentamente deixando uma fresta pela qual ela espiou o corredor, observando-o de um lado ao outro. Após isso, Day voltou-se em minha direção e quebrou a quietude.

      - Acho que minha tia ainda está dormindo, então podemos ir.

      - Certo.

      Peguei meu casaco, calcei meu All Star e segui Dayane pelo comprido corredor. Ela tomava cuidado para não fazer barulho, eu fazia o mesmo. Aproximamo-nos da porta de entrada, Day abriu-a, permitindo minha passagem.

      - Bem, então é isso. – Ela suspirou. – Caso você mude de ideia, sabe onde me encontrar durante as férias. – Lançou-me um olhar provocativo. – Até mais.

      - Até mais.

      Esperei Dayane fechar a passagem para que eu pudesse prosseguir em meu caminho. Observei atentamente ao redor com o intuito de ter certeza que aquela mulher com o olhar gélido ou qualquer outra pessoa suspeita estivesse seguindo-me. Suspirei aliviado pelo fato de não haver ninguém ali, provavelmente era bem cedo, pois as avenidas estavam silenciosas e desertas, na medida em que eu caminhava a passos largos, conseguia escutar os ecos por entre as casas. A neblina matinal também se fazia presente, atribuindo um aspecto misterioso ao ambiente.

      Não demorei muito para chegar à floresta e quando observei as árvores secas presentes na entrada, imaginei o olhar gélido daquela mulher novamente, causando-me arrepios. Tentei afastar os pensamentos ruins, respirei fundo e adentrei a mata fechada, ainda receoso. A terrível sensação de estar sendo vigiado parecia mais intensa naquele momento, o que me deixou ainda mais hesitante.

     Apesar disso, não tive dificuldades para atravessá-la e chegar à casa de Raj. Abri a porta fazendo considerável esforço e adentrei ao local. Logo no primeiro recinto da morada avistei meu irmão assentado em uma das cadeiras de madeira, comendo dos meus biscoitos e lendo um de meus livros de história da arte. Eu odiava quando mexiam em minhas coisas e consumiam meus lanches que faze mal à saúde, mas, eram bons e, de vez em quando, não causariam tantos danos.

      - Raj! Por que mexeu em minhas coisas? – reclamei.

      - Bom dia, caro irmão – disse ele ironicamente. – Bem, já que veio morar aqui sem avisar, eu acho que também tenho o direito de mexer em suas coisas sem avisar também...

      - Droga... – suspirei. – Desde quando você se tornou um intelectual? – Indiquei o livro em suas mãos.

      - Eu gosto disso – respondeu ele. – Arte é fascinante e não tem fronteiras.

      - Sim. Eu também gosto bastante e acho que é bom você gostar também.

      Após isso, Raj depositou o livro acima da mesa e retirou um papel amassado de dentro do bolso de seu casaco.

      - Veja isto. – Jogou-o para mim.

      Desamassei o pedaço de papel e visualizei-o com atenção. Tratava-se de um cartaz de procurado, no qual havia uma fotografia minha e informações como número de telefone e celular de minha mãe. Meu primeiro pensamento foi: agora estou realmente ferrado. Imaginei que dona Marisa fosse capaz de medidas extremas para encontrar-me e pensar em seu desespero fazia-me sentir sufocado e uma dor em meu coração, no entanto, aquele cartaz era péssimo, pois será fácil de meus inimigos identificarem-me e, até mesmo, localizarem-me.

      - Você terá de tomar cuidado, não deve ir a qualquer lugar – comentou Raj. – E você ficou a noite inteira, sabe-se lá onde, pode ter sido muito imprudente...

      - Foi muito imprudente – afirmei. – Não deveria ter saído para beber... – Suspirei. – Enfim, minha mãe deveria ter escolhido uma fotografia melhor para colocar neste cartaz, eu estou com cara de drogado nesta.

      - Você sempre tem cara de drogado. – Raj deu um risinho irônico.

      - Ah, vá à merda, Raj! – Apontei o dedo do meio em sua direção.

      Pensei que o assunto estava encerrado quando relembrei da mulher e achei que aquele era um detalhe importante do qual eu deveria relatar a Raj. Meu irmão assumiu uma expressão intrigada enquanto escutava o que eu possuía para dizer. Ele permaneceu em silêncio e comentou apenas quando eu terminei.

      - Você está ficando esperto... – comentou ele. – Acha que essa mulher tem relação com os “Cinco”?

      - Não sei, mas vale à pena averiguar.

      - Sim.

      Raj levantou-se, retirou algumas de suas armas do armário de madeira e deixou a casa, possivelmente a fim de iniciar suas investigações. Enquanto eu retornei à minha toca. Meu estômago estava péssimo e parecia revirar-se a todo o momento (a famosa ressaca). Deveria permanecer quieto para não piorar minha situação. Então, retirei meu notebook da bolsa com o intuito de jogar “Plants VS Zombies”, no qual podemos criar um exército de plantas com diversas funções e destruir zumbis. Eu gostava quando arrancava a cabeça desses mortos-vivos (parece um pensamento psicótico, mas era bem divertido). O bom é que eu não precisava passar muito tempo jogando (não tinha de preocupar-me em “zerar” o jogo), pois era de passar de níveis para ver até onde você é capaz de chegar e ele também não era pesado, desse modo, não ocupava tanto espaço em meu notebook.

      Permaneci um tempo jogando até perceber que meu estômago ainda revirava-se, desse modo, desliguei meu notebook, guardei-o e fui beber mais água (era o melhor remédio para ressaca). Após isso, deitei-me na maldita cama velha que rangia e fiquei um bom tempo tentando adormecer. Consegui, mas demorou.

Quando despertei, avistei Yuki ao meu lado, alimentando-se de uma barata, o que não foi nada gratificante. Mas, não pude fazer nada para impedi-la, pois era natural de gatos caçarem insetos, o contrário seria estranho. Esta última palavra fez-me lembrar do sonho esquisito do qual tive: eu estava em um labirinto e lutava para escapar de lá, como se todos os meus temores estivessem à espreita, prontos para atacar. Em certo momento, uma peça de xadrez gigante, um rei, começou a prosseguir em minha direção, pronto para esmagar-me enquanto eu tinha de fugir desesperadamente. Lembro-me de ter tropeçado e vozes ecoavam em minha mente, zombando da situação na qual eu me encontrava. Foi torturante.

      Afastei os pensamentos ruins de minha mente e permaneci por um tempo naquele local escutando meu próprio silêncio e pensando em alguma coisa para fazer. Então tive uma súbita vontade de desenhar. Retirei minha pasta de dentro de minha mala, no entanto, deixei-a cair no chão, espalhando meus trabalhos. Recolhi-os, um a um, enquanto analisava as diversas ilustrações estampadas nas superfícies brancas. Uma dessas chamou-me a atenção: era um altar bem sinistro, em meio a uma floresta. Isso me fez lembrar o local destinado ao Yasuo, então percebi que se tratava exatamente daquele templo. Assustado, observei a data que estava em um canto da folha e percebi que este fora feito no ano de 2004. Naquela época, eu nem sabia da existência de uma cidade denominada Sinéad, como poderia ter ilustrado algo existente, mas que eu nunca avistara?

      Após ter presenciado tantos fatos estranhos e ter escutado tantas coisas bizarras, eu não deveria ficar tão assustado com esse detalhe, no entanto, isso ainda é muito difícil de digerir e causava-me espanto. Vasculhando outros desenhos, percebi que havia também uma ilustração da casa de Raj e outras moradas das quais eu avistara em Sinéad. Uma dessas residências chamara-me a atenção: possuía uma estrutura antiga e sinistra, havia estatuetas de gárgulas próximas do lance de escadas que dava acesso a grande porta de entrada. Aquele era um ótimo cenário para filme de terror e não pude deixar de ficar admirado por aquela beleza obscura e satisfeito pelo fato de eu ter conseguido desenhar tão bem.

      Aquela morada também pertence a esse lugar? Nunca a avistei. Pensei em perguntar a Raj quando ele retornasse. Enquanto isso, tentei não refletir a respeito dos fatos e detalhes estranhos os quais me rodeavam o tempo todo e tentei concentrar-me na folha branca da qual eu pegue para brincar com minha imaginação. No fim, acabei ilustrando o sonho tenebroso que tive durante meu cochilo, pois ele ainda martelava minha mente. Aquilo era uma metáfora, eu estava perdido em meio aos meus inimigos, sem saber quem são, mas tendo certeza que eles estão à espreita, além disso, eu não conhecia um caminho para escapar daquele labirinto. E, no fim, eu estava à mercê, como um mero peão das vontades da peça mais importante, o rei, Yasuo.

      Estou farto desse jogo maldito, preciso encerrar essa loucura e retornar à minha vida. E se a situação não se resolver antes do término das férias? Como eu poderei voltar à escola após tudo o que aconteceu? A cada momento que pensava nisso, ficava desesperado, pois eu não sabia nem se havia progredido.

      Meus pensamentos desesperados foram interrompidos quando Raj retornou. Seu olhar curioso percorreu o ambiente e posicionou-se em minha pilha de desenhos. Seu rosto iluminou-se.

      - Você quem fez tudo isso?

      - Sim – respondi.

      - Você desenha muito bem! Me ensina? – Ele parecia uma criança curiosa e animada.

      - Obrigado. Precisarei muito disso em meu trabalho, afinal, serei um arquiteto. – Fiz uma pausa. – Não sei se isso poderei ensiná-lo, pois cada pessoa possuí seu estilo e técnicas de desenho, cabe a ela desenvolvê-las, mas vou tentar.

      Seu rosto iluminou-se ainda mais. Raj sentia-se animado com a ideia, a ponto de pegar uma de minhas folhas e lapiseira e correr até a mesa do recinto de entrada.

      - Raj, espere! – Mas foi em vão, pois ele já havia saído.

      Então peguei o desenho da casa sinistra e rumei atrás dele. Encontrei-o já fazendo os primeiros traços na folha em branco. Depositei meu desenho na mesa e chamei sua atenção, de modo que ele pudesse escutar-me.

      - Conhece este local? – Indiquei o desenho.

      Raj levantou os olhos da folha de papel e observou meu desenho, após isso, fitou-me com curiosidade.

      - Claro que sim, é a mansão de Sinéad, uma das fundadoras desta cidade.

      - Como eu não sei disso? – perguntei, curioso.

      - Deve ser pelo fato de não comentarem muito a respeito do local e ficar ao extremo norte da cidade.

      - E por que não costumam comentar a respeito da mansão? – prossegui com meu questionário.

      - Bem, as pessoas não gostam muito da mansão, pois ela apresenta um aspecto, digamos, sombrio, macabro. – Ele parou para pensar. – Pelo visto, você não conhece o casarão, mas como desenhou sem tê-lo avistado?

      - Eu também não sei... Volte ao passado e pergunte ao meu eu de 2004.

      Raj não se espantou com a minha resposta e justificou o ocorrido pelo fato de eu ser filho de Yasuo. Após isso, encerramos nossa conversa e ele voltou sua atenção ao seu trabalho. Recolhi meu desenho de cima da mesa e retornei ao meu quarto. Fiquei por um bom tempo analisando-o e imaginando seu significado, mas não consigo entendê-lo. Então tive vontade de ir até lá e conferir. O problema era ter de atravessar a cidade inteira, pois alguém poderia encontrar-me e levar-me de volta à minha casa. Mesmo assim, achei que aquele lugar era digno de uma visita.

      Levantei-me da cama, troquei-me (preferi um casaco com capuz, pois assim poderia encobrir minha cabeça). Após isso, rumei à porta de entrada.

      - Aonde pensa que vai? – perguntou Raj quando eu estava prestes a deixar o local.

      - Dar uma volta. – Mostrei o desenho a ele, fazendo-o entender.

      - Ah... – disse ele. – O local realmente é aberto para visitas. Enfim, tome cuidado, acho que é isso que irmãos dizem.

      - Sim, é – confirmei. – De qualquer forma, vou carregar meu celular. Até mais.

      Quando já deixava a casa, Julia estava chegando de mais um dia de trabalho como vendedora de salgados.

      - Eu estou chegando e você saindo, Jim – disse quando me avistou.

      - Sim. Bem, aproveitem para comemorar! – brinquei. – Até mais.

      Deixei o local e não perdi muito tempo atravessando a floresta. O vento estava tão intenso que balançava as folhas das árvores, esperei que ele não retirasse meu capuz. As ruas principais estavam cheias para os padrões normais de cidade pequena, o que foi um alívio para mim, pelo fato de ser mais um no labirinto humano, desse modo, ninguém reparou no garoto cabisbaixo, todo de preto e encapuzado, caminhando a passos largos, o mais estranho ser humano das ruas, eu.

      O tempo é o que faz todos andarem apressados, seguindo seus próprios caminhos, sem parar, pois a vida também não para e não conseguimos calcular por quanto tempo permaneceremos neste mundo. Mas, o que seria o tempo? Para muitos, seu significado é dinheiro, o que intensifica a pressa das pessoas, todos querem sair na frente. No entanto, eu não acredito que tudo seja tão concreto, que tudo seja posse. O tempo é o momento presente, no qual eu tento aproveitar ao máximo e crescer com novas concepções, pensamentos e ideias. Amanhã serei outra pessoa, pois terei incorporado tudo o que adquiri hoje, assim, prossigo com a dança da vida.

      Enfim, pensamentos considerados estranhos e entediantes por muitos, no entanto, dou muita importância às reflexões diárias, pois elas nos fazem ver a vida por novas concepções, diferente do concreto que nos é empurrado para aceitarmos desde pequenos. Assim, somos moldes nas mãos dos aproveitadores e programados de acordo com seus interesses. Infelizmente, nem todos (a maioria) não consegue libertar-se dessas correntes, o que fortalece ainda mais aqueles que estão no poder. É muito fácil as classes de posse ignorarem essas questões por acreditarem que dá muito trabalho tentar fazer alguma ação, preferem prosseguir com suas vidas, viagens, festas, trabalhos. No fim, acho que desde primórdios da existência humana, a sociedade é à base da exploração.

      Suspirei e prossegui em meu caminho. Seguindo, passei à frente da casa de Amber. Lancei um ligeiro olhar na direção da morada e senti remorso e saudade palpitarem em meu interior. Eu ainda gosto daquela ruiva amante de facas e Beatles, queria poder tê-la em meus braços, apreciá-la, no entanto, pelo seu bem, eu não podia e não sei se algum dia voltaria com nosso relacionamento. Tive uma repentina vontade de bater à sua porta, pedir perdão, desmentir tudo o que eu disse e beijá-la novamente, ouvir sua doce voz e sentir seu cheiro leve e deliciosamente embriagante, porém esse impulso foi reprimido e eu continuei sem olhar para trás.

      A rua da mansão de Sinéad, por situar-se no extremo norte da cidade, não possuía toda a movimentação das avenidas do centro. Poucas pessoas caminhavam pelas calçadas e praticamente carro algum passava pelo asfalto. Não tive dificuldades para encontrar o casarão, também pelo seu aspecto sinistro, quem não a reconheceria?

      Havia um muro alto cercando seu grandioso território, o portão enferrujado que dava acesso aos jardins da frente, mas não havia segurança algum ali, então fiquei em dúvida se eu poderia entrar. Li uma placa à frente da mansão, na qual explicava um pouco de sua história.

      - Vejo que você quer entrar, garoto. – Uma voz rouca vinda de trás de mim quebrou o silêncio.

      Voltei-me na direção do som e deparei-me, na casa à frente, com um homem já de idade, de fios brancos e ralos encobrindo um pouco sua careca, rosto enrugado e trajando roupas casuais. Ele regava as flores de seu jardim e observava-me com seus intensos olhos azuis e curiosos.

      - Sim – respondi. – Mas não sei se posso entrar, não vejo os seguranças.

      - Ah! – exclamou. – Aqueles patifes não cumprem o horário corretamente, certa hora do dia eles saem à procura de prostitutas! É um absurdo!  

      - Vocês não tentaram denunciá-los? – indaguei.

      - Sim, mas não adiantou nada, o governo é muito burocrático com relação aos assuntos desta mansão, pois todos a temem e não gostam de tê-la na cidade. Só a mantém em memória de uma das fundadoras, Sinéad Stuart.

      - Por que todos temem a mansão?

      - Seu aspecto sombrio é um dos motivos, além disso, muitos alegam que esta casa é a prova de que Sinéad Stuart era uma bruxa ou coisa do tipo. Bah! Em minha opinião, isso é uma grande tolice. Acho que essa mansão merece mais reconhecimento ao que ela realmente recebe por sua questão histórica e estrutura diferente, no entanto, a maioria das pessoas que a visitam são estúpidos jovens que desejam “testar” sua coragem e poucos historiadores e curiosos. – Ele fez uma pausa. – Que mal lhe pergunto, mas qual é o motivo pelo qual o traz aqui?

      - Sou um curioso e, digamos, um estudante de arquitetura.

      - Entendo. Bem, espero que aproveite o passeio.

      Assenti.

      - Obrigado.

      Após isso, voltei a encarar a casa e, por um momento, pensei em desistir de adentrar ao local devido a sua obscuridade, no entanto, essa ideia abandonou minha mente, fazendo-me passar pelo portão enferrujado, o qual fez um ruído irritante quando se movimentou. A mansão possuía uma grande extensão, assim como seu jardim, composto de árvores retorcidas e secas. Era possível ver que ninguém cuidava das flores há tempos, por essa razão, murcharam.

      Analisei as estatuetas de gárgulas feitas de mármore negro enquanto caminhava em direção à entrada. Percebi que a grande porta de madeira estava encostada. Empurrei-a e adentrei ao recinto. O saguão de entrada era enorme, havia dois sofás vermelhos ao redor de uma lareira e um grande tapete empoeirado entre os assentos. Um grandioso órgão situava-se ao canto do lugar, do qual tive vontade de tocar, mas não o fiz. Um lustre era responsável pela iluminação local. Aparentemente, o saguão era normal, desprovido de toda a obscuridade pertencente ao lado de fora, entretanto, eu estava enganado, os outros recintos possuíam objetos, adornos e estruturas sinistras e estilo gótico e melancólico, o que dava a impressão de uma casa de terror.

      Em um dos cômodos do segundo andar, recostei-me à janela e permaneci um tempo observando os jardins do fundo, o que não era muito diferente dos da frente. Após isso, voltei meu olhar ao céu e percebi que nuvens escuras encobriam-no e, em questão de instantes, estas se precipitaram. Não demorou muito para a fina chuva tornasse-se forte e ruidosa. Que ótimo, teria de permanecer por ali por um bom tempo.

      Pensei em procurar por artigos, será que Sinéad Stuart possuía um diário ou qualquer outro tipo de caderno de anotações? Caso a resposta fosse “sim”, com certeza ela escreveu a respeito do culto. Procurei em locais dos quais ela poderia tê-lo escondido e fui encontrá-lo em uma gaveta falsa, como aquela em que Raito, do mangá/anime, Death Note escondia seu caderno da morte.

      Retirei o objeto do local onde estava e comecei a folheá-lo. As folhas estavam amareladas e era difícil ler o que estava escrito, entretanto, esforcei-me para entender algumas informações. Consegui saber um pouco a respeito de Sinéad Stuart, uma mulher de dupla personalidade, sem dúvidas. Próxima ao marido, comportava-se como uma dama, mas quando estava sozinha, gostava de matar animais (isso é repugnante!). Após isso, começou a perceber que assassinar humanos era mais divertido, pois eles imploravam pela vida, não apenas com o olhar, mas, também, fazendo uso de palavras. A mulher também aderiu a ideia de que o universo não é regido por uma força celestial, como a maioria, no entanto, pelo caos. Para ela, o cosmo tende à desordem e tudo é controlado dessa forma, pois os fatos ocorrem de forma aleatória e caoticamente. Tudo está desorganizado no mundo e é assim que tem de ser e lutar contra essa natureza era uma tolice e gasto de energia. Por esse motivo, todas as sociedades humanas criadas fracassaram, porque elas tentavam impor ideias, leis, concepções onde não existe (toda essa teoria segundo Sinéad).

      Sinéad Stuart começou a estudar o culto, encantou-se por ele, pois era a maior representação de suas teorias, afinal, Yasuo é o deus pagão do caos. Entregou-se à seita de corpo e alma, participando de todos os rituais e conquistando mais fiéis. Talvez se tornando a seguidora mais fervorosa. No entanto, pessoas começaram a desconfiar de sua identidade, fazendo-a diminuir com as cerimônias ao deus.

      Também fui capaz de ler a respeito das opiniões de Sinéad Stuart sobre as informações do culto. Segundo ela, os seguidores eram como facas de dois gumes: ao mesmo tempo em que quanto mais fiéis o deus possuísse, mais forte ele tornava-se, porém muitos partidários almejavam assassinar o próprio Yasuo e ocuparem o posto de deuses do caos. Para Sinéad, isso era uma afronta e todos os traidores deveriam ser caçados, o que começou a romper com a seita e chamar a atenção das pessoas, enfraquecendo-a. As últimas anotações no diário eram a respeito do fato de seu marido ter descoberto a verdade por trás de Sinéad.

      Após isso, guardei o diário no mesmo local do qual eu o retirei. Fui observar o que acontecia lá fora, se estava chovendo. Para o meu desagrado, a resposta era sim e muito. Não sabia mais o que fazer ali dentro, retornei ao primeiro andar e recostei-me a uma parede. Permaneci refletindo a respeito de todas as informações das quais eu recebi. Se havia fiéis que desejassem surrupiar o poder de Yasuo e seu trono, talvez eles pudessem ajudar-me em minha luta, afinal, eles estão contra meu pai, então eles não desejam a minha morte ou a de meus irmãos.

      De repente, as luzes apagaram-se. Tentei não me desesperar, mas aquela casa era bem sinistra, no mínimo, senti certo arrepio percorrer meu corpo. Retirei meu celular de meu bolso e utilizei sua lanterna (o que não seria para quase merda nenhuma) apenas para não permanecer na completa escuridão da qual se instalara ao meu redor.

      Não precisei muito daquela fraca luz, pois as iluminações voltaram a funcionar, o que foi um alívio, não tenho medo do escuro, mas naquele local, eu preferia permanecer na claridade, tudo já era muito sombrio. Entretanto, a forte chuva não cessara, deixando-me irritado. Como eu retornarei à morada de Raj daquela forma?

      As luzes começaram a falhar por um momento, achei que elas voltariam a apagarem-se, deixando-me no escuro, mas apenas permaneceram piscando. Então comecei a escutar passos ecoantes, quebrando o tenebroso silêncio o qual se fazia presente naquele ambiente fechado desde quando adentrei a mansão. Apressei-me à porta, seja quem for, acredito que não será bom que me encontrem ali, no entanto, a entrada estava trancada. Será que o horário de visitas já cessara? Não sei se fiquei tanto tempo ali. O desesperou dominou-me completamente à medida que os passos aproximavam-se, tornando-se cada vez mais ruidosos.  

      Não consegui abrir a porta, então, pensei em esconder-me. Observei ao redor à procura de algum local apropriado para isso. Mas, minha mente não fora tão rápida, não fui capaz de agir antes que a pessoa a qual se aproximava aparecesse diante de mim. Para meu infortúnio, Jan era o sujeito que estava naquela casa junto comigo. Seus olhos pertenciam a um lunático e seus movimentos frenéticos. Quando me avistou, seus olhos iluminaram-se e ele apontou a arma que carregava em mãos em minha direção.

      - Ora, o que temos aqui: meu caro irmão. Mas, sinto lhe dizer que o jogo acaba aqui.


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