Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 13
Incêndio




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Fiquei pensando nas palavras de Julia por um tempo. Aquilo tudo era terrível, imaginei quando foi que entrei em meio a toda esta confusão. Possivelmente desde que mudei a Sinéad, pois, nesse período, coisas estranhas começaram a acontecer, apesar de relembrar que meu passado não fora tão normal assim. Porém, nesta cidade, as anormalidades intensificaram-se. Talvez se morasse em outro local, morreria sem saber que sou filho de Yasuo.

      Iria perguntar a Julia a respeito disso, no entanto, ela levantou-se bem no instante e disse:

      - Vou te passar meu telefone, assim poderemos marcar o dia em que você vai ajudar Raj. Preciso ir agora, não posso deixá-lo sozinho por muito tempo nas condições que ele se encontra.

      Julia passou-me seu número de celular, pagou o que consumiu e deixou o local. Amber ficou observando, sem entender. Não sei se gostaria de envolver minha namorada em meio a esta loucura, porém, agora que ela escutou muitas coisas, seria difícil mantê-la longe da verdade, logo, ela começaria a questionar-me.

      Como previsto, quando saímos do estabelecimento, Amber bombardeou-me de perguntas, as quais eu temia responder, pois, caso o fizesse, poderia colocá-la em perigo. Fiquei imaginando qual desculpa utilizarei para evitar contar a verdade a ela, talvez se dissesse que certas informações deixariam sua vida em certo risco, ela desistisse. No entanto, conhecendo Amber, ela não iria aceitar tal resposta.

      - Hã, o que acha de ir comer um lanche? – Tentei mudar de assunto.

      - Você ainda não respondeu minhas perguntas... – disse ela. – Você fica de segredinho com outra garota e eu, sua namorada, não posso saber?

      - Desculpe, mas não posso responder suas perguntas. É perigoso, Amber, quero protegê-la. Longe destas informações, você estará muito mais segura. Acredite em mim.

      - Ah, por favor, acho que sei me cuidar.

      Como imaginei, Amber não queria ser protegida, desejava saber de tudo e, quando soubesse, ajudar-me. Pensei que, mesmo se ela não descobrisse a respeito através de mim, minha namorada tentaria encontrar outro meio, não desistiria disso, ela é muito determinada naquilo que faz e poderá avançar até o fim com a finalidade de conseguir o que deseja, talvez se arriscando apenas com o intuito de obter a satisfação de saber. Não queria isso, seria melhor relatá-la e mantê-la longe do perigo.

      - Tudo bem, vou contá-la. Mas, primeiro, vamos a um local mais tranquilo.

      Ela beijou-me como resposta.

      Caminhamos pelas avenidas, de mãos dadas, até a praça central. Não havia tantas pessoas ali como costuma ter a noite. Jovens, principalmente casais, adoravam permanecer neste local, onde estão livres para expressar seu amor sem qualquer incômodo. Alguns outros se reuniam para colocar a conversa em dia e desfrutarem de comidas e bebidas vendidas nas lanchonetes e bares ao redor. Amber e eu assentamo-nos em um local mais afastado e, assim, iniciamos nossa conversa.

      - Segundo, prometa-me não contar nada a ninguém – pedi.

      - Prometo.

      - Ótimo.

      Comecei a relatar a respeito de todas as coisas as quais descobri ultimamente. Enquanto contava, a expressão de Amber modificava de acordo com o teor da informação. Ela escutava a tudo com a curiosidade de uma criança que começara a descobrir o mundo seguindo os próprios passos e em silêncio, raramente fez algum comentário ou pergunta a fim de obter maior compreensão.

      Quando terminei, minha namorada permaneceu em silêncio ainda digerindo todas aquelas informações. Era difícil decifrar sua expressão, pois se apresentava como uma mistura de curiosidade, espanto, descrença, confusão, piedade e temor. Tudo isso era comum após escutar minhas insanidades.

      - Eu sei, eu também não acreditei quando escutei – comentei.

      - É bem assustador. Não seria um engano?

      - Não. É surreal, porém, é a explicação para todas estas excentricidades, das quais tem acontecido em minha vida. Aquele sonho, as peças de xadrez, as vozes em minha mente, tudo é bizarro demais para possuir algum motivo normal.

      Amber permaneceu pensativa por um momento, após isso, sorriu e disse:

      - Vou ajudá-lo, sempre que precisar.

      - Não. Não a quero envolvida nesta história, é muito perigoso! – rebati. – Prometa-me que não vai arriscar-se.

      - Jim, mesmo você sendo filho de Yasuo, é meu namorado e eu gosto muito de você. Quero ser útil, ajudá-lo como posso.

      - Mas prometa-me não se arriscar – insisti.

      - Tudo bem, eu prometo.

      Beijei-a e acariciei seu pálido rosto, passei meus dedos por sua pele macia até chegar à boca carnuda e vermelha, encostando meus lábios aos dela uma vez mais. Como ela é frágil demais, pensava que se exercesse uma força mais intensa em meu toque, seria capaz de despedaçá-la a qualquer instante. Só de imaginar em vê-la em perigo, em perdê-la, estremecia de medo.

      - O que pensando em fazer quanto a isso? – perguntou Amber.

      - Pretendo descobrir quantos irmãos possuo aqui em Sinéad e suas identidades. Alguns deles devem conhecer a verdade e podem estar querendo eliminar os demais – expliquei. – Preciso conhecer meus inimigos.

      - Posso ajudá-lo quanto a isso.

      Amber observou as sacolas de mercado, as quais ela carregava consigo e, por um instante, pareceu ter recordado algo.

      - Preciso levar estas compras, minha mãe já deve estar brava, pois está fazendo bolo e os ovos acabaram.

      - Certo. – Beijei-a. – Mais tarde conversamos.

      - Até mais.

      Observei-a afastar-se aos poucos, até desaparecer de vista. Após isso, segui meu caminho à minha casa, ainda com a mente abarrotada e confusa.

Passei à tarde de sábado lendo e estudando, estava demasiado entediado, entretanto, o ânimo de sair àquela noite abandonara-me. Pensava que, caso o fizesse, algo ruim aconteceria a mim, não sentia vontade de arriscar minha vida, nem mesmo preocupar minha mãe desesperada.

      Então tive uma (não tão brilhante) ideia para não preocupar minha mãe e ainda acabar com meu tédio: chamar Amber e meus amigos para uma sessão cinema em casa, assim, eles poderiam passar a noite aqui. Faremos pipoca e brigadeiro para acompanhar um bom filme de terror nesta noite perfeitamente gélida. Precisava apenas pedir à dona Marisa, e foi exatamente o que eu fui fazer.

      Subi as escadas e caminhei ao quarto de minha mãe situado ao final do corredor. Parei próximo à porta fechada e tive a impressão de escutá-la corar, porém o som logo cessou (deveria ser fruto de minha mente). Bati e esperei alguns efêmeros segundos até ser atendido.

      - Entre – disse ela.

      Abri a porta suave e silenciosamente e, quando adentrei, minha mãe fitou-me, sustentei seu olhar, retribuindo-o. Ela aparentava exausta e seus olhos estavam vermelhos, o único vestígio o qual encontrei de choro, mas aquilo não necessariamente indicava pranto, poderia ser apenas uma irritação por forçar a vista mais ao que realmente deveria. Ela parecia desanimada, porém seu rosto iluminou-se ao avistar-me. Havia muitos papéis depositados em sua cama, então deduzi que, até aos sábados, ela estava abarrotada de serviço.

      - Se eu estiver atrapalhando, posso retornar mais tarde, mamãe.

      - Bobagem. Você jamais atrapalha, meu lindo. Venha cá.

      Dona Marisa fez um sinal, chamando-me. Ergueu os braços e esperou que eu estivesse aninhado neles para acariciar os fios negros e bagunçados, os quais compunham meu cabelo.

      - Você parece cansada, mamãe.

      - Trabalho demais. Perdoe-me por não estar passando quase tempo algum ao seu lado e ao de Lisa, mas prometo que logo terei todo o tempo para essa finalidade.

      Minha mãe fez-me recordar a época na qual ficamos submetidos a uma crise financeira. Tudo tivera início com a separação de meus pais, pois o salário de dona Marisa, sem apoio de Martjin, era tão baixo que ela mal conseguia pagar as contas e ainda tinha de cuidar de seus pequenos. A situação fora tão ruim que tivemos de abrigarmo-nos na casa de meus tios, Graco e Megan. Minha mãe trabalhara dia e noite sem desistir do sonho de presentear-nos com uma vida melhor, demorou alguns anos até ela finalmente conseguir.

      Fora quando completei meus treze anos, minha mãe conseguira terminar de pagar nossa nova casa, pois havia sido promovida. Nessa época, também pude experimentar o meu primeiro beijo com minha prima dois anos mais velha, Maryweather. Ela não era o tipo de garota inteligente, mas era (e ainda é) uma menina excessivamente atraente e ainda adorava provocar-me. Foi, então, no dia em que eu estava de mudança que aconteceu: ela segurou minhas mãos e fitou-me com o olhar carregado de tristeza, sorrateiramente, puxei-a a um canto e encostei meus lábios aos dela. Eu ainda consigo recordar aquela sensação.

      Decidi afastar tais pensamentos de minha mente, afinal, na época, eu era apenas um garoto tolo de treze anos. O fato é que jamais quis algo a mais com Mary, sentia-me apenas atraído fisicamente por ela e esse instinto teria sido facilmente reprimido sem acontecer beijo se ela não tivesse provocado-me tanto. Mary não é o tipo de garota a qual me atrai realmente, aquilo tudo era passado e decidi afastar tais memórias de minha mente, pensar nos feitos de minha mãe é muito mais gratificante, pois, graças a ela, conseguimos adquirir conforto. Um dia ainda irei retribuí-la.

      - Mamãe, você deveria descansar. Não adianta ficar trabalhando até suas últimas forças exaurirem-se, pode adoecer por isso, dona Marisa?

      - Eu sei. Deveria seguir mais seus conselhos. Acho que, por esta noite, vou parar por aqui.

      Assenti.

      - Mãe, vim também fazer um pedido – retomei meus planos.

      Ela permaneceu em silêncio, sem precisar dizer que eu poderia prosseguir.

      - Estava pensando em fazer uma sessão cinema aqui em casa, se não tiver problema... – disse. – Chamar amigos, acabar com este tédio sem precisar sair de casa e preocupá-la.

      - Vai chamar garotas também? – indagou.

      - Pretendo chamar minha amiga, Jenny e minha namorada, Amber – respondi tentando expressar a face mais inofensiva a qual conseguia representar.

      Dona Marisa fitou-me com o olhar carregado de desconfiança, entretanto, este logo se suavizou.

      - Acho que não terá problema, afinal, o quarto de Lisa estará vago para as garotas acomodarem-se.

      - Ah, é?

      - Sim. Lisa irá dormir na casa de uma amiga. Eu deixo você fazer sua pequena festinha, sei que é um homem responsável e não fará nada inapropriado.

      - Obrigado, mamãe. – Beijei-a suavemente no rosto como forma de agradecimento. Após isso, deixei o recinto com o intuito de convidar meus amigos.

      Exceto por Jon, todos os outros disseram poder comparecer, inclusive Amber (achei que ela seria mais difícil pelo fato de seu pai não ter gostado de mim, o que me fez pensar que havia certa influência de Norah em sua resposta positiva). Apressei-me a arrumar todas as coisas e, enquanto fazia minhas tarefas, relembrei a afirmação de minha a qual ela disse que eu sou responsável. De fato, ela estava certa, em questão de escola e namoro, ela nunca teve como reclamar e, por mais que desejasse Amber ao meu lado na cama, sabia distinguir bem as coisas, aquele não era o momento correto.

      O fato de minha irmã não passar a noite em casa animou-me ainda mais, pois teria mais espaço destinado às minhas amigas, além disso, não seria obrigado a escutar suas reclamações a respeito dos filmes de terror. Lisa simplesmente detestava esse tipo de longa metragem, seu gosto estava voltado às tolas comédias e, principalmente, aos romances melosos e totalmente clichês. Em questão de literatura, minha irmã encontrava-se em uma situação semelhante ou até pior. Ela não se dá tão bem com livros, consegue terminar de ler apenas esses romances da modinha adolescente para possuir algum “gato” por quem suspirar e ficar relembrando as terríveis e forjadas frases melosas ditas por eles e para ter assunto com suas amigas patricinhas. Penso que, caso Lisa fosse homem, ela só iria apreciar histórias em quadrinhos abarrotadas de violência e apelos exageradamente contidos em suas páginas, revistas de videogames e pornôs.

      Enfim, não conseguia compreender a mente de minha irmã ou entendia bem demais a ponto de chegar à conclusão de que suas concepções pertenciam ao mesmo ideal forjado por uma maioria alheia e fútil.

Meus amigos não demoraram a chegar e, enquanto esperávamos um horário mais oportuno para iniciarmos o filme, permanecemos conversando por um bom momento a fio. Amber lia a sinopse do longa metragem silenciosamente até terminar e juntar-se a nós.

      - Será que neste filme de algum psicopata fascinado por facas e utilizam-nas como instrumentos mortíferos? – perguntou ela, encantada.

      - Será que você não é uma psicopata colecionadora de facas a qual assassina suas vítimas utilizando modelos diferentes desses instrumentos? – brinquei enquanto fazia o contorno perfeito do rosto de minha namorada suavemente com meus dedos gélidos. – Eu jamais saberia se não fossem seus comentários. Seu rosto belo de donzela não sugere tal pensamento, apesar de já terem dito-me uma vez ou duas que aparências enganam.

      - Então você descobriu a verdade – falou ela entre risos. – Seus olhos são capazes de enxergar além de máscaras.

      - Vocês estão mesmo discutindo sobre psicopatas? – questionou David. – Creio que não seja, exatamente, o melhor assunto para um casal comum.

      - E quem disse que somos comuns? – Gargalhei. – E, pelo visto, David, você também não é normal, afinal, um louco identifica o outro.

      - Eu sei. – Ele também sorriu, fazendo os outros juntarem-se a nós.

      - Jenny, quando sentir medo, pode segurar-se em mim. Estou aqui para protegê-la! – disse Luke tentando passa segurança, mas, no fim das contas, ele assustava-se com mais facilidade a qualquer um de nós.

      - Faço de suas as minhas palavras. – Jenny gargalhou ao entrar nas brincadeiras.

      Permanecemos por um bom tempo conversando e rindo, passando momentos divertidos antes do filme. Fizemos pipoca e brigadeiro, mas, este último, deixamos na geladeira com a finalidade de consumi-lo mais tarde. Após isso, acomodamo-nos no sofá e nas almofadas da sala. Amber recostou sua cabeça em meu ombro, assim, pude acariciar, por um instante, seus longos fios ruivos.

      O filme iniciara-se já em um ambiente possuidor de um aspecto sinistro. Este não era o tipo ruim de terror, em que algum maluco tem, por algum motivo qualquer, o objetivo de causar uma carnificina, assassinando, de maneira horrenda, suas vítimas. Abusando de todos os clichês já conhecidos e apelidados de “trash”, onde não há contexto, exagerada violência, cenários e efeitos mal feitos e sempre uma das pessoas caçadas morre enquanto estava transando ou pelada (geralmente são mulheres que falecem submetidas a esta última condição) entre outros aspectos desse tipo de filme. Não, o longa metragem do qual escolhi estava longe de ser assim, ele misturava aspectos interessantes, em um cenário cheio de suspense, uma trama inteligente e envolvente e com aquele terror em um ambiente sinistro e com um bom elenco. Tudo o que um bom filme tem de ter.

      Em algumas cenas, pude relembrar certos momentos de minha vida e como esta, várias vezes, pareceu-me um filme de terror. Não me sentia tão distante daquela realidade, assim como me sentia, exatamente, como as personagens. Acredito que isso tenha ajudado a intensificar meu gosto por aquela trama.

      Permanecemos quase duas horas assistindo-o, envolvidos em sua trama, até que esta se encerrou. O final fora insano e diferente, fazendo-me apreciá-lo ainda mais. Todos gostaram e ficaram comentando, surpresos. Mergulhamos naquela realidade e permanecemos tão absortos que quase não conversamos ou piscamos durante o desenrolar do filme.

      O cinema sempre me fez lembrar o mito da caverna de Platão. Para o filosofo grego, o ser humano está preso em uma gruta, onde a luminosidade da entrada desse local refletia, nas paredes de pedra, as sombras de tudo o que está lá fora. Os homens contemplavam tais imagens, contentando-se apenas com as sombras das coisas até que um deles decidiu abandonar a caverna, então ele pôde ver o mundo e suas formas como elas realmente são. O cinema é algo parecido, entramos na sala escura e somos bombardeados por imagens, permanecemos compenetrados naquele mundo, naquela realidade e esquecemo-nos do que está lá fora.

      Acredito que esse mito possa estar presente nos dias de hoje, além do cinema, eu ainda era capaz de fazer uma analogia com relação ao uso de drogas e aos consumistas. Pessoas adeptas a esses dois problemas, muitas vezes os fazem, pois não se contentam com as coisas que o mundo tem a oferecer ou, simplesmente, não as enxergam, não se libertaram da caverna. Sentem-se vazias e com uma necessidade insaciável de suprir essa carência, por esse motivo, acabam caindo no mundo das drogas e do consumismo, os quais dão o falso sentimento, uma sombra, do real contentamento.

      Enfim, pensamentos insanos à parte, pois relembrei que estava em meio aos meus amigos e estava silencioso demais viajando em minha mente, por esse motivo, resolvi juntar-me a eles.

      Havia chegado à hora de comermos o brigadeiro e contarmos histórias de terror, quase como em um acampamento. Permanecemos em um ambiente escuro, apenas com lanternas ligadas, o que atribuía um aspecto mais tenebroso. Ficamos por um bom tempo conversando e relatando os contos aterrorizantes até chegar o horário de dormir (já era quase duas e meia da manhã!). Mostrei às meninas onde irão passar a noite e disse que elas deveriam escolher ou sortear quem dormirá na cama (não queria tomar partido). Após isso, fui até meu quarto com meus amigos e indiquei-lhes os colchões, acomodei-me em minha cama e esperei que eles fizessem o mesmo para eu poder apagar a luz do abajur.

      O silêncio caiu sobre nós, mas esse estado não permaneceu por muito tempo no ambiente, pois Luke fez questão de quebrá-lo.

      - Esta noite foi bem legal – comentou ele. – Ainda não estou com sono, vamos conversar sobre sexo?

      - Não sei se será uma boa ideia... – respondi.

      - Por que não? Você fica constrangido? – David sorriu.

      - Não. Consigo encarar com naturalidade, contudo, caso minha mãe passe por aqui com a finalidade de certificar-se que está tudo bem e escutar-nos conversando a respeito disso, ela não ficará muito satisfeita – justifiquei-me.

      - Ah, entendo – disse Luke. – Bem, e que tal irmos espiar as garotas? Vai que elas estão se trocando ou Jenny está relatando algum segredo?

      David deu de ombros.

      - Eu não tenho ninguém para ver mesmo...

      - Sem chances – rebati. – Minha mãe irá detestar esse tipo de coisa, prometi a ela que não faria nada inapropriado. Acho que você terá de esperar o casamento para contemplar Jenny se trocando e, se ela não te contou algum segredo, é porque ela ainda não quer que você saiba – brinquei.

      David riu.

      - Ah, também não vou esperar tanto tempo assim... – disse Luke.

      - Bem, só digo para você esperar o momento certo, pois este, definitivamente, não é – respondi.

      Após isso, um súbito silêncio tomou conta do ambiente, meus amigos possivelmente adormeceram, deixando-me sozinho em meio à escuridão local. Já estava em estado de sonolência, quase me entregando ao mundo dos sonhos, quando escutei um ruído vindo de fora, o qual me fez despertar.

      Por curiosidade, abri uma pequena fresta da cortina e espiei a rua. Avistei um sujeito, o qual passava, vagarosamente, em frente à minha casa. Não pude avistar seu rosto com nitidez, consegui apenas constatar que ele possui cabelos castanhos e desgrenhados e estava bem agasalhado (com uma noite tão fria dessas, na qual era possível escutar o sopro gélido do vento, apenas um louco ou, infelizmente, um mendigo estaria perambulando sem a devida proteção). Fiquei aliviado ao ver que nada fora do normal estava acontecendo, possivelmente aquele sujeito, aparentemente inofensivo, fora o causador do barulho. Ele aparentava ser apenas um cidadão que, assim como eu, possuí a estranha mania de caminhar pelas avenidas solitariamente durante a madrugada (só não imaginei que existia um insano com a mesma bizarrice que Amber e eu).

      Não me importei e voltei a acomodar-me em minha cama e entre os cobertores. Enquanto estava contemplando o sujeito, eu não havia percebido que Yuki deitara em seu costumeiro local ao meu lado na cama. Abracei-a como sempre fazia e logo a sonolência retornou ao meu ser, meus olhos estavam pesados e, sem dificuldades, entreguei-me ao mundo de Morfeu.

Despertei com os gritos de David chamando por meu nome e sacudindo meus ombros freneticamente.

      - O que é? – resmunguei.

      - Amber começou a pedir por socorro, então eu vim – respondeu ele.

      Visualizei o quarto e percebi que Luke não estava ali, mas avistei minha namorada recostada à porta, ela estava pálida e preocupada. Amber correu ao meu encontro e pulou em meus braços, quase me sufocando.

      - Jimmy! – bradou ela.

      - Bem, acho que vou deixá-los sozinhos agora – disse David, abandonando-nos.

      Encarei Amber, sustentando seu olhar preocupado.

      - O que houve? – perguntei sem tirar os olhos dela.

      - Eu passei aqui perto a fim de ir ao banheiro. – Suas bochechas rosaram levemente. – Eu parei para vê-lo dormir e percebi que você estava igual a um defunto! Sua pele estava muito branca e gélida, pois sua coberta caíra toda no chão e sua respiração estava tão fraca que eu mal conseguia senti-la. Você estava tão imóvel que parecia ter perdido os movimentos do corpo. Achei que você estivesse morto!

      - Bem, pelo que eu saiba, estou vivo ou morri e esqueceram-se de avisar-me – brinquei.

      - Seu bobo, isso não é brincadeira! Eu fiquei muito preocupada!

      - Eu sei. Perdão – desculpei-me. – Mas, Amber, minha pele sempre foi muito branca, isso não é um sinal de minha morte.

      - É, mas estava branco cadáver, sabe?

      - Não vejo diferença entre as duas cores...

      - Ah, tem diferença, sim.

      - Você é tão branca quanto eu – afirmei. – Enfim, ambos temos de admitir que estamos precisando pegar uma cor ou não, pois não gosto de ficar muito tempo recebendo raios solares, acabo ficando com muita dor de cabeça.

      Após esse assunto, permanecemos um tempo dedicando aos nossos costumeiros carinhos, entretanto, a atenção de Amber fora desviada à minha gata, a qual se acomodou ao colo de minha namorada (eu sei, Yuki é muito mais irresistível que eu).

      - Acho que Jennifer não gosta muito de mim... – Amber murmurou subitamente.

      - Por que diz isso?

      - Não sei, mas ela me olha de um jeito estranho...

      Ciúme, pensei, mas nada disse, não queria causar inimizades. Além disso, não sabia se ela realmente gosta de mim, Luke dissera-me uma vez, no entanto, havia sido apenas uma suposição. Talvez agora que Jenny está com ele, ela possa esquecer o que sente por mim (se é que um dia chegou a isso) e dedicar seus sentimentos amorosos ao meu amigo.

      - Bem, deve ser apenas impressão sua. Ela é uma garota legal, quando tiver a oportunidade de conversar melhor com ela, vai ver isso.

      Amber assentiu.

      O assunto terminou aí, pois nossos estômagos famintos falaram mais alto e, por essa razão, seguimos direto à cozinha.

      Meus amigos permaneceram em minha casa até após o almoço e então todos retornaram às suas respectivas moradas, deixando-me sozinho naquela tediosa tarde de domingo. Meu dia estava tão quieto que tive a sensação de poder respirar suavemente, coisa que não fazia há tempos. Por isso, resolvi entregar-me à tranquilidade, passando todos os meus instantes lendo, escutando música e quase não levantando meu traseiro de onde quer que eu tenha me acomodado.

Segunda chegara não muito animada, é o início de mais uma semana e, pela primeira vez em todo tempo do qual passei em Sinéad, o dia não estava gélido e o Sol apresentava-se confiante em meio a um céu nem tão nebuloso. Estranhei tal fato, mas nada muito anormal, pois imaginei que dias como este também existiam nesta cidade. Acho que aquele tempo mexera com as pessoas, todos estavam animados, esbanjando disposição, menos eu.

      Talvez meu desejo fosse apenas de passar alguns dias hibernando, longe da escola e dos problemas com relação a Yasuo, apesar de que estes últimos quase não me importunam há alguns dias. Esse era outro fato do qual achava estranho. Às vezes pensava que toda esta calmaria não pertencia à minha conturbada vida, no entanto, já que estava neste estado, tudo o que poderei fazer é aproveitá-lo.

      Quando cheguei à escola, rumei direto à minha sala, pois estava um pouco atrasado. Consegui alcançá-la instantes antes de meu professor adentrar ao local. Assentei-me em minha costumeira carteira e (por incrível que pareça) permaneci com minha atenção direcionada à aula, até respondi algumas perguntas feitas pelos educadores.

      Desse modo, as aulas passaram-se vagarosamente até eu poder escutar o glorioso sino (tudo bem, o som era terrível, mas seu significado, fantástico) de encerramento das atividades. No entanto, ainda não era capaz de declarar meu estado como livre, pois, logo após o almoço, teria de ir com Luke comprar o material para o trabalho de filosofia, ficamos encarregados dessa tarefa. Eu gostava bastante da matéria, contudo, detestava ter de fazer essas atividades para a nota, preferia prova (ou simplesmente ganhar pontos de graça, uma tremenda utopia) e nós a teríamos se não fosse pelo adoecimento de meu professor. Ele ficou muito tempo no hospital e a escola não conseguiu arrumar um substituto dessa disciplina, ficamos sem matéria o suficiente para fazer uma avaliação e, para fechar as notas, vamos ter de cumprir o trabalho.

      Estávamos com o tempo curto, pois as férias escolares aproximavam-se, assim como meu aniversário de dezoito anos, no dia treze de julho (vale ressaltar que esse é o dia do rock). Aquelas informações animavam-me bastante. Talvez minha mãe esteja preparando uma viagem surpresa, o que será de bom grado (gosto de conhecer novos locais), no entanto, acho que este foi um ano apertado também financeiramente, devido à mudança.

      Enfim, antes de planejar minhas férias, deveria terminar o maldito trabalho para não ficar com tarefas pendentes. Almocei apressado, escovei os dentes e rumei à praça central, onde irei encontrar meu amigo.

      Não demorei a encontrá-lo, ele já estava lá quando cheguei. Não perdemos tempo na praça e rumamos à papelaria. Adentrando ao estabelecimento, iniciamos nossa procura pelos materiais, enquanto isso, Luke conversava comigo.

      - Acho que vou pedir Jenny em namoro, mas ainda não sei como fazê-lo.

      No entanto, estava alheio às suas palavras, pois, enquanto procurava, avistei pela vidraça da loja, em meio às pessoas das quais transitavam pela avenida, o mesmo homem do qual eu visualizei pela janela de meu quarto durante a madrugada de domingo. Na ocasião, eu não fui capaz de avistar seu rosto, desta vez, também não, mas observei os mesmos fios castanhos e emaranhados. Por algum motivo, eu sabia que aquele cabelo só poderia pertencê-lo.

      - Jim, gostaria muito de sua ajuda. O que acha? Como foi que você pediu Amber em namoro?

      Meu amigo continuou sem receber uma resposta plausível (eu possuía sérios problemas de atenção) até ele sacudir-me pelo ombro, fazendo-me perder o estranho sujeito de vista, o que pareceu que ele fora engolido em meio aos transeuntes.

      Direcionei minha atenção a Luke, assim como meu olhar.

      - Hã? O quê? – perguntei, confuso.

      - Você não estava me escutando, não é mesmo? – disse ele, um pouco irritado. – Viajando muito ao mundo da lua? Dê minhas lembranças aos lunáticos!

      - Possivelmente, estava viajando, sim – respondi. – Farei o que você pede. – Fiz uma pausa. – Perdão, Luke. Seria possível repetir o que você havia dito?

      Luke revirou os olhos, mas acabou atendendo ao meu pedido.

      - Quero pedir Jenny em namoro e desejaria saber como você fez o mesmo pedido à Amber, pois talvez eu adquirisse alguma dica.

      - Não pedi Amber em namoro.

      - Como não? Vocês não são namorados?! – indagou.

      - Sim, somos namorados, no entanto, em nosso caso foi diferente. Acho que entramos em um consenso mútuo, o que não necessitou de tais formalidades.

      Luke suspirou.

      - E você tem alguma dica?

      Pensei por um momento antes de respondê-lo:

      - Quando for fazer o pedido, leve um buquê contigo e o entregue a ela, afinal, Jenny quer ser botânica – sugeri. - Mas não leve flores clichês, tente algumas mais exóticas.

      - É um bom conselho. Acho que vou segui-lo.

      Terminado a encontrar e pagar pelos materiais, Luke e eu deixamos a loja. Quando fizemos isso, avistamos uma multidão seguir por um mesmo caminho, assim como apressados veículos pertencentes à polícia e ao corpo de bombeiros. Observei curiosamente pela mesma direção e pude visualizar uma fumaça cinzenta manchando o céu, o que indicava incêndio.

      - Aquela não é a mansão dos Bourbon? – questionou Luke.

      - É?

      - Acho que sim.

      - Bem, vamos conferir – sugeri.

      Corremos até alcançarmos a multidão de pessoas, as quais se movimentavam desesperadamente. Os bombeiros e oficiais tentavam conseguir uma passagem com intuito de cumprir suas tarefas. Alguns deles foram dar apoio a uma mulher alta, possuidora de finos e lisos fios loiros, os quais, no momento, aparentavam bagunçados; sua maquiagem estava borrada devido às lágrimas as quais rolavam apressadas por suas bochechas rosadas. Os policiais tentavam impedi-la de cometer alguma loucura, mas sua reação era sempre a mesma: debater-se e bradar com a máxima intensidade que suas cordas vocais aguentavam atingir.

      - Minha filha está lá! Eu preciso salvar minha doce Susie! – bradava a mulher em uma tentativa desesperada e frustrada de correr até as chamas com intuito de ser a heroína do dia.

      Após isso, voltei minha atenção ao estado da morada. O fogo alastrara-se por boa parte da bela mansão pertencente à rica família Bourbon. Os bombeiros faziam o possível enquanto um grupo de resgate adentrou ao local na tentativa de salvar a adolescente de minha sala, Susie Bourbon.

      Minha atenção fora novamente desviada, agora para o muro, o qual contornava a propriedade, pois avistei um gato de pelagem dourado, o mesmo das outras ocasiões. Ele andava imponente pela cerca e carregava em sua boca um objeto reluzente à luz solar, uma peça de xadrez, o peão. Como temia, esta estava quebrada e amassada. Aquela casa, o incêndio, o objeto destruído, tudo aquilo só poderia significar uma coisa, uma terrível coisa a qual me fez arrepiar da cabeça aos pés: Susie Bourbon está... morta. 


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