Pesadelo do Real escrita por Metal_Will


Capítulo 55
Capítulo 55 - Jereth




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"Boi, boi, boi

 Boi da cara preta

 Pega essa menina

 Que tem medo de careta"

 ~ Cantiga Popular Brasileira

Capítulo 55 - Jereth

 Era um cenário no mínimo bizarro. Monalisa se levanta, limpa a poeira em sua roupa e começa a investigar onde está. Para todo lugar que olhava só havia escadas e portas. Ao entrar por uma delas, ela imediatamente saía por outra da mesma sala. Como se todas as portas fossem portais dimensionais interconectados. Por algumas portas ela entrava e saía vendo de tudo de cabeça para baixo. Quando voltava, o que estava de cabeça para baixo ficava invertido em noventa graus. Em outras palavras, o espaço era totalmente distorcido. Não havia nenhuma orientação ou sentido nos caminhos.

 "Céus. Onde vim parar?", pensa a mocinha, após explorar o cenário sem nenhum sucesso. "Agora estou mesmo em um Labirinto e o pior sem a Ariadne para me dizer o que fazer."

  Era tarde demais para se arrepender. Tudo começou quando ela simplesmente foi enganada pela voz de Luana e Cibele imitando a sua guia. Se tivesse ficado quieta, em silêncio, esperando Ariadne aparecer e ter certeza absoluta de que era ela mesmo, não precisaria ter passado por isso.Depois imaginou que pudesse chegar facilmente à torre seguindo a estrada de tijolos amarelos, mas ela era infinita. Ou pelo menos ela acreditou que era, afinal, quem lhe disse isso foi uma ave do Labirinto. Como poderia saber que ela não estava mentindo? Como poderia afirmar que a escada era infinita mesmo?

 "Talvez se eu continuasse andando por mais dias, meses, anos...talvez eu até chegasse ao fim...ou talvez se eu ficasse andando por minha vida inteira, uma hora talvez eu chegasse ao fim. Mas mesmo que eu morresse antes disso, também não teria como saber se tinha fim ou não. E se o fim chegasse só depois que eu morresse? E....ah, por que estou falando isso? Droga! Devia ter ficado parada esperando a Ariadne me achar, mas...e se ela nem puder mais me achar? E se eu já cometi algum erro tão grave que não possa mais nem sair daqui?"

 Esse pensamento assusta a garota. Exatamente por ser um pensamento totalmente passível de ser verdade. E se chegar naquela sala cheia de escadas já fosse um erro incorrigível? E se ela não pudesse mais sair dali? Foi o suficiente para Monalisa se desesperar. Seu coração começa a bater mais rápido e ela passa a correr desesperadamente pelas escadas. Mas por mais que abrisse portas e mudasse o ângulo do cenário várias vezes não conseguia achar nenhum vestígio de solução. Não demora muito para ela achar que nunca mais sairia dali. Naquela hora, ela até mesmo esqueceu de seu objetivo principal. Tudo que queria era sair daquele cenário. Não importava mais se toda a sua missão seria em vão. Tudo que ela queria era sair dali.

 Cansada de andar e abrir portas, ela se ajoelha no chão e começa a chorar. Então seu fim seria isso? Presa em um lugar que ela não tinha a menor ideia do que fosse? Presa com o eterno remorso de que estava tão perto da verdade mas deixou tudo ir abaixo por um erro tão besta? Estava se odiando e se martirizando. No fim, nada fez sentido e tudo foi em vão. O único jeito de escapar daquilo seria...morrendo. Essa foi a primeira vez que desejou sair pelo Labirinto da forma mais drástica. Mas ainda assim ela tinha medo. Morrer seria doloroso, não? Se bem que...se sentisse dor, era sinal de que ainda estava viva. Então a morte não devia doer. Mesmo assim, ela estava sem coragem. Ainda contava com alguma esperança. Não é possível que não tivesse nenhuma saída por ali.

  Nesse instante, ela começou a sentir seu estômago roncar. Mais essa agora. Como poderia sentir fome em um mundo que mais parecia um sonho? Justamente porque parecia, mas não era. Era um ambiente com elementos de sonho, mas tudo era real. Ela ainda podia sentir fome, sono e cansaço. Tudo era real. O problema é que não havia nada parecido com comida naquele lugar. O maior problema não é sentir fome, mas sentir fome e não ter meios de saciá-la. Será que morreria de fome ali?

  Apesar disso, ela ainda conseguia pensar e uma ideia óbvia passa por sua cabeça. Se ela morresse, sairia do Labirinto. Mas não era interessante para o Labirinto que ela morresse. Ela podia não descobrir a verdade, mas o Labirinto teria que dar uma solução para que ela não morresse de fome, nem que fosse uma opção de voltar para o Labirinto velado. Devia ter uma saída. Tinha que ter uma outra saída, pela própria lógica do Labirinto. Eles não querem que ela saia do Labirinto. A morte é uma saída para o Labirinto. Logo, eles não querem que ela morra. Precisava ter uma solução.

  Mais animada, ela começa a procurar por uma saída, mesmo com a barriga vazia. De novo, parecia que tudo se resumia a escadas e portas, até que ela percebe uma porta diferente. Ela estava entreaberta e com um tipo de luz saindo. Não era comum a nenhuma outra. O problema é que ela estava muito abaixo, muito abaixo mesmo. O único jeito de chegar lá seria saltando. Mas pular de uma altura daquelas seria suicídio. Suicídio? Aí é que está! Eles não querem que Monalisa morra. Portanto, se a resposta fosse chegar naquela porta, ela não podia morrer antes de chegar lá. A garota respira fundo e salta. Qual não foi sua surpresa ao ver que seu salto foi mais alto que o normal. Parece que a gravidade diminuiu e seu pulo foi praticamente um voo. Monalisa plana e cai de pé, exatamente na frente da porta iluminada, sem sofrer um único arranhão.

 "Então...eles querem mesmo que eu entre por essa porta", pensa a mocinha, "Talvez...se entrar aqui eu perca tudo e volte para a estaca zero. Mas ou isso, ou ficar no labirinto de escadas para sempre. Se eu não tenho escolha, o Labirinto antigo ainda é melhor do que esse"

 Triste por seu destino e por, de certo modo, ter tornado todo o seu trabalho em vão, ela abre a porta. Estava preparada para acordar em sua cama, perdendo todas as oportunidades, mas, por incrível que pareça, ao entrar ali, ela muda de cenário. Não estava mais no labirinto de escadas, mas sim em um salão amplo, iluminado, com o teto, piso e paredes totalmente brancos e, a melhor parte, com uma mesa enorme repleta com os mais diversos pratos. Frango assado, frutas, macarrão, pizza, frutos do mar, todo tipo de alimento da maior qualidade. O cheiro da comida, obviamente, atiçou o estômago da garota que não se fez de rogada e atacou tudo que pode. Na hora da fome, mesmo alguém tímida e contida como Monalisa não faria diferente. Além disso, não havia ninguém ali. E mesmo que houvesse, ela assumiria as consequências depois. Após comer tudo que teve vontade e se sentir satisfeita. Ela joga o peso das costas no encosto da cadeira e respira aliviada. Passar fome realmente era uma coisa triste. Nessa hora ela lembra da conversa que teve com um de seus primeiros tutores, aquele garotinho do orfanato, que revelou a verdade sobre a pobreza no mundo: todas as pessoas que sofrem, o fazem apenas porque era seu papel no Labirinto. Mas valia a pena sofrer tanto apenas para fingir um mundo para ela? Monalisa fica pensativa. Queria muito descobrir a verdade, mas naquela altura, ela já achava que colocou tudo a perder.

 E agora? Havia muita comida e conforto, mas ela não tinha a menor ideia de onde estava. Iria ficar ali? Iria voltar para o Labirinto velado? O que aconteceria? Ela fecha os olhos e ao abrir percebe a presença de alguém, sentado logo a frente dela.

- Você...

- Olá, Monalisa. É bom vê-la de novo - diz o bem apessoado rapaz à sua frente.Ele vestia uma roupa antiga, como se tivesse saído direto da época da Inglaterra vitoriana. Monalisa o conhecia bem. Seu nome era Gabriel Jereth. Foi um dos vírus que quase a fez perder todas as saídas uma vez. Foi naquela vez, na noite do seu primeiro beijo.

- G-Gabriel - gagueja Monalisa, em um misto de susto e constrangimento. O rapaz, de certa forma, a deixava meio confusa. Ele a atraía, mesmo ela não querendo admitir. Afinal de contas, foi seu primeiro (e até então único) beijo.

- Está mais bonita do que nunca - diz ele, mantendo um sorriso simpático - Seja bem-vinda ao meu mundo particular.

- Mundo..particular?

- Sim - ele continuava a falar de forma simpática e nem um pouco ameaçadora ou arrogante - É um espaço restrito no Labirinto onde a felicidade é perfeita.

- Err...não sei do que está falando...mas...não é bem aqui que eu quero ficar.

- Não? Já quer ir embora? - murmura Gabriel, com voz triste - Bom, não sou ninguém para impedi-la, não é?

- Hã? Tão fácil assim? - estranha Monalisa.

- Se quiser sair, basta atravessar aquela porta - o rapaz aponta para uma porta na direção oposta de onde Monalisa entrou.

-Onde vou parar se atravessar aquela porta?

- Cairá direto na estrada de tijolos amarelos infinita - responde Gabriel - Mas não acho que seja um lugar tão agradável assim. Você anda, anda e anda, sem nunca chegar a lugar algum. Quem quer ficar em um lugar como aquele?

 "É o local onde estava. Talvez se eu conseguir voltar para lá consiga achar um jeito de chegar na Torre de Esmeralda", pensa Monalisa.

- Mas... - balbucia Gabriel, enquanto toma uma xícara de chá na mesa - Isso só aconteceria se você quisesse sair. Coisa que eu tenho certeza que você não quer.

- Do que está falando? - retruca Monalisa - Se aquele lugar vai mesmo para a estrada de tijolos que leva para a Torre de Esmeralda é claro que eu vou para lá!

- Mentira - responde Jereth - Você não quer ir para lá. Você quer ficar aqui. Você sempre quis ficar aqui.

- Até parece. Eu já disse que vou até as últimas consequências para chegar naquela torre. Eu agradeço pela comida, mas não posso ficar - diz Monalisa, com um ar mais sério - Apesar de...

- Apesar do que?

- Como posso saber se essa porta vai mesmo para lá? Como posso garantir que você não esteja mentindo? Não dá para confiar em ninguém daqui.

- Ver para crer, não é? - fala Gabriel. Ele bate palmas e a porta se abre, revelando um cenário que, de fato, era a estrada de tijolos - Satisfeita agora?

- É...é mesmo - balbucia Monalisa - Perfeito! Não vai mesmo me impedir?

- Não preciso te impedir. Você não quer sair - repetiu Gabriel.

 Monalisa ainda achava essa conversa estranha, mas resolve ignorar e atravessar a porta. No entanto, assim que atravessa a porta, dá de cara com a mesma sala de novo. Ela voltou para o mesmo lugar.

- Hã? Mas...como? - a garota se pergunta - Eu...eu atravessei a porta na direção da estrada. Por que vim parar aqui?

- Eu já falei - responde Gabriel - Você não quer sair daqui. Você nunca quis.

- Como? Oh, não.. - Monalisa começa a pensar nos seus atos - Foi a comida, não foi? Quando eu peguei da comida da sua mesa ativei algum evento que não me deixa mais sair daqui...é isso, não é?

- Bom raciocínio, mas não - responde o rapaz - Você já ativou esse evento há muito tempo. E nunca se deu conta disso.

- Do que está falando?

- Ora, Monalisa, não me diga que se esqueceu desse lindo broche que está usando?

 A garota olha para o próprio peito e arregala os olhos. Aquele broche. Aquele mesmo broche que ela havia ganho de presente do próprio Gabriel dias atrás, alguns momentos depois de retroceder no tempo, que ela se lembrava perfeitamente de ter jogado no lixo estava ali, preso no peito dela e ela nunca percebeu.

- Mas eu...mas eu joguei esse broche fora - balbucia a garota, sentindo o suor escorrer pelo rosto - Eu nunca cheguei a usá-lo...

- A questão não é jogá-lo fora ou não - diz Gabriel levantando-se - A questão é que você aceitou esse broche quando eu ofereci. Ele se tornou seu, só seu. Esse foi o seu erro, Monalisa!

 A garota fica em estado de choque. Claro. Aquela decisão que ela tomou de aceitar o broche foi uma decisão feita antes de ativar Ariadne como sua guia. No entanto, foi uma escolha e o Labirinto ativou um evento naquela decisão. 

- Em outras palavras - continua Gabriel - Foi você quem escolheu ficar aqui para sempre!

 A palavra "para sempre" ecoa. Então...tudo acabou mesmo ali?


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Notas finais do capítulo

Pois é...e como ela vai sair dessa agora? Veremos no próximo. Até lá!