Saindo na escuridão da noite ela olhou para o céu nublado. Era difícil pensar que acima daquelas nuvens as estrelas ainda brilhavam. Quase impossível acreditar que a lua ainda podia iluminar a imensidão negra do universo. O vento soprava suave, quase que como uma brisa. O inverno nunca fora tão agradável e tão sombrio ao mesmo tempo. O clima não estava frio, não nevava, mas o céu continuava coberto por uma camada de cinza, sem permitir que o brilho da lua chegasse à pequena cidade.

  De dentro de seu quarto, a garota não podia ver o breu que a noite trazia, pois as cortinas escuras de seu quarto já causavam uma negritude própria. Mas saindo para os jardins de casa ela não pôde deixar de pensar que era uma ironia que seu coração brilhasse enquanto o mundo real permanecia tão sombrio. O sorriso que vira à pouco tempo brilhava mais do que a lua. Brilhava tanto quanto o sol.

  E não conseguiu deixar de sentir-se triste. Ela sabia que só poderia ver aquele sorriso em seus sonhos, porque aquele garoto não existia, não no mundo real.

  Passou a vida ouvindo contos-de-fada, esperando que um dia, um príncipe encantado viesse buscá-la. Um dia percebeu que ele nunca viria. Ela esperava que uma história se tornasse verdade, esperava que um dia tivesse seu final feliz.

  Sempre sonhou com um amor de verdade, alguém com quem pudesse conversar, se divertir. Alguém que a compreendesse. Alguém que fosse amigo, irmão e amor ao mesmo tempo. Alguém irreal.

  A poucos metros dali, um garoto também não conseguia dormir. Por alguma razão, ele sempre sonhava com uma garota de olhos brilhantes. Nunca havia visto uma garota igual aquela, e não acreditava que ele tivesse tanta imaginação a ponto de criar uma pessoa. Suas noites sempre acabavam em decepção quando acordava e descobria que fora apenas um sonho. Nunca chegou a acontecer nada além de trocas de olhares durante seu sono, mas ele sentia-se melhor ao lado da garota imaginária do que quando estava acordado. Ele sentia como se tivesse algo em comum com ela.

  Dessa vez ele sonhara que ela estava parava em um jardim, olhando para o céu. Ele não sabia no que ela pensava, mas ela tinha uma expressão alegre e melancólica ao mesmo tempo. Imaginou se ela estava feliz por um amor e triste pela escuridão, ou o contrário... Ou talvez não fosse nenhum dos dois. Ele não era capaz de ler a mente das pessoas. Nunca acreditou que os olhos fossem a janela da alma, assim como nunca acreditou em fadas madrinhas e "era um vez". Parecia que a oportunidade de viver um felizes para sempre nunca iria se concretizar.

  Sentado no telhado ao lado de seu quarto ele pensou na garota, que talvez olhasse para o mesmo céu que ele via nesse momento. A vontade de conhecê-la era grande, porém nem sabia se a garota de olhar marcante realmente existia.

  No dia seguinte, a garota voltava da escola sentindo-se exausta. Não dormira na noite anterior, pensando no garoto-mistério de sorriso-solar que ela sempre sonhava. O garoto também não parava de pensar na garota de olhos-estrela a quem via durante a noite. Perdidos em pensamentos, nenhum prestava uma real atenção no que faziam, por isso acabaram esbarrando em alguém.

  O garoto de sorriso radiante olhou para a garota de olhos brilhantes em quem acabara de esbarrar e se surpreendeu. A garota também o reconheceu. Houve uma concordância silenciosa entre os dois jovens, a mesma troca de olhares com a qual tanto sonharam.

  — E eu não acreditava em amor a primeira vista... — o garoto disse olhando fascinado para a garota. Podia até parecer uma cantada, mas seu olhar era sincero.

  — Eu continuo sem acreditar... — a garota disse e o garoto baixou os olhos — Mas essa não é a primeira vez que te vejo. Encontro-te todas as noites, quando há um acordo mútuo em nossas trocas de olhares.

  O sorriso do garoto agora brilhava mais que o sol. Os olhos da garota já ultrapassavam a intensidade da lua.

  — E eu posso saber quem é a garota que invade meus pesadelos tornando-os sonhos bonitos? — o garoto perguntou.

  — Sou apenas uma garota comum... — a garota disse olhando para o chão.

  — Que ótimo! — o garoto disse sorrindo e erguendo a cabeça da garota pelo queixo — Porque o príncipe encantado sempre se apaixona pela garota comum.