Meds escrita por Meg_Muller


Capítulo 1
Disciplina




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“A jovem morena arrumou o rabo de cavalo enquanto encarava o corpo sem vida no chão. Terminou com o cabelo pegando uma das fotos que dessa vez fora obrigada a trazer pra evitar “erros de rotina”. Abaixou pra poder comparar mais a figura do homem inerte no chão com as fotos que tinha nas mãos. Ao menos um deles ele seria.

Bufou se perguntando por que não tinha atirado em outro ponto vital que não fosse à cabeça, isso prejudicava a identificação simplória que ela tinha começado a fazer pra confirmar o trabalho. Levantou tendo quase certeza de que ele era a terceira foto em sua mão. Já estava de bom tamanho.

Guardou a foto que acreditava ser a figura do agora já identificado olhando pros outros cinco corpos. Seis corpos e seis fotos. Isso devia ser mais do que suficiente. Mas não, agora estaria suspensa se não seguisse o protocolo de confirmação imbecil.

Andou até o cadáver mais próximo praguejando pelo frio, pelo cansaço e pela falta de paciência que tinha com as normas. Mas não estava bem em posição de reclamar depois de algumas confusões com fichas de eliminação que tinha provocado.

-Por Deus! – Ela conseguiu ouvir uma voz masculina exclamar em um tom desesperado, já suspirando por saber do que provavelmente aquilo se tratava. – Céus! Que Deus tenha piedade desses homens...

Ísis olhou a figura por cima dos ombros vendo a expressão abismada do velho porteiro. Ele estava horrorizado e mexia freneticamente as mãos sem saber se as usava pra tapar a boca ou colocar sobre o coração. O que ela achou bizarro.

-O que aconteceu aqui? Jovem! Moça! A senhorita está bem? – A voz dele continha um tom até preocupado, o que era estranho pra ela já que achava impossível desenvolver sentimentos e assim preocupações com quem você nem ao menos conhecia.

-Eu estou ótima, senhor. – Tentou murmurar de uma forma que o fizesse ter certeza e sair logo dali.

O senhor olhou a figura feminina responder com um tom nada perturbado e sorrir. Ela não se incomodava com os corpos? Com as mortes? Com o que provavelmente havia acontecido ali? Olhou mais delicadamente a cena percebendo a foto na mão dela que antes ela observava ao lado do corpo. Não precisou ir longe pra ver um volume pontiagudo ser ressaltado do sobretudo dela.

-Minha jovem você... – Ele parecia mais chocado que antes e Ísis revirou os olhos. Ótimo, agora teria que lidar com testemunha assustada que poderia identificá-la. – Essa monstruosidade...

A jovem Vermont suspirou em desgosto. Não gostava de termos como o que ele acabara de usar. Ela tinha feito aquilo e seguindo o raciocínio dele o que isso faria dela, um monstro? Não que não se achasse um, só não gostava de rótulos.

-Senhor, eu realmente... – Ela tentou lembrando de tudo o que não podia fazer. Não podia eliminar terceiros. Essa era uma regra clara.

-Que Deus tenha piedade da sua alma quando ela queimar no inferno... – Ele comentou com um tom piedoso fazendo o sinal da cruz no próprio corpo.

Era isso.

Ela não sabia se tinha sido o tom, o conteúdo ou a apatia mesmo. Quando viu já tinha enfiado a mão dentro do sobretudo, tirado a arma do quadril e visto o corpo dele cair no chão.

Olhou ao redor ainda com as fotos na mão esquerda. Deu os ombros. Já ia ser notificada pela sétima vitima de que importaria não ter seguido o protocolo de identificação?

Caminhou pra saída parando ao ouvir uma respiração descompassada e olhando pro corpo do porteiro que ainda dava seus últimos suspiros. Ela se aproximou em um meio sorriso enquanto guardava a arma e as fotos.

-Que Deus tenha piedade da sua alma... – Ela comentou enquanto ele olhava na direção dela com a boca aberta sem que conseguisse emitir nada além de gemidos roucos. – A minha não deve ter lá tanta sorte.”

-=========-

Igor Murdoc tamborilava os dedos calculadamente sobre a sua mesa de mogno observando a jovem figura feminina sentada em uma cadeira do outro lado do móvel. Ísis Vermont não parecia decepcionada, ansiosa e curiosamente aos olhos de Igor não estava nem ao menos preocupada.

-Sabe por que está aqui, Vermont? - Ele começou sereno alcançando contato visual com a convidada.

-Rotina? – Ela brincou fazendo-o lembrar de todas as vezes que ele havia feito exatamente o mesmo que estava fazendo agora.

O patriarca suspirou colocando um envelope com iniciais reconhecidas por Ísis, que se mexeu inconfortável na cadeira. Ela havia recebido um envelope similar com as mesmas iniciais há poucos dias atrás e aparentemente nem todos estavam satisfeitos com o que fizera com as informações contidas.

-Seis fichas. – Ele sibilou apontando o envelope com o indicador. – Seis fichas e sete corpos.

Ísis arqueou a sobrancelha em um susto de puro sarcasmo enquanto Murdoc começava a sentir certa impaciência com o comportamento dela.

-Não há nada que queira me dizer?

-Sei lá, que eu devia ganhar por comissão?

Igor se permitiu um meio sorriso enquanto mantinha os olhos fixados na expressão divertida dela. Humor negro era definitivamente o forte ao contrário de respeito aos padrões de comportamento da organização.

-Bizarra a sua excentricidade Ísis. – Ele murmurou balançando a cabeça negativamente.

-Sou uma das melhores no que eu...

-Não somos quem somos só por talento, criança. – Ele interrompeu mais sério do que o normal. – Antes dele vem algo chamado disciplina.

-Não acho que...

-Não importa o que ache. – Ele interrompeu novamente, seco. – Quando faz o seu trabalho deixa de ser um individuo pra fazer parte de um coletivo, e se você erra não se responsabiliza sozinha pelas conseqüências.

-Era um maldito porteiro. – Ela rebateu indignada com a discussão na interpretação dela absurda. Um corpo a mais ou a menos, quem se importava? O importante ela tinha feito e os outros seis corpos provavam isso.

-Não vou perder meu tempo discutindo com você, Ísis Vermont. – Igor finalizou com certa irritação na voz, porém sua expressão continuava impassível – Missões “D” pra você até que eu decida o contrário.

-Você não pode...

-Não Ísis, você que não pode. – Ele rebateu antes que ela continuasse. – E infelizmente não é da forma fácil que vai aprender isso.

-Faça o quiser, espero que saiba o que está desperdiçando... – Ela comentou irritada. – Uma beta perdendo o tempo com missões “D”... Em pensar que um dia me espelhei no senhor.

Ele não pareceu se incomodar com a atitude dela de contestar suas ordens acusando-as de erradas. Sim ela era uma das melhores, mas com toda a experiência a mais que ele tinha podia facilmente se convencer de que era o certo a fazer com alguém como ela.

-É a única maneira de manter a ordem, pequena. Apenas isso.

Ísis Vermont levantou da cadeira praguejando e ele ainda sereno Igor a observou deixar o seu escritório. Suspirou quando ela bateu a porta demonstrando sua indignação. Juventude, simplesmente imatura e inconseqüente demais.

 -§-

Ísis balançou a cabeça negativamente percorrendo o corredor de uma seção da organização na qual ela nunca se imaginou voltando. Bufou abrindo a porta do que agora se trataria do seu mais novo quarto abrindo espaço pra que um jovem entrasse com um carrinho com seus pertences.

Assim que terminou de jogar tudo em um canto qualquer saiu buscando qualquer lugar longe dali sem evitar ouvir murmúrios enquanto passava. Fantástico. Agora a piada não era apenas interna e sim publica, todos pareciam ler a palavra “rebaixada” na testa dela. E pra piorar a situação os olhares infantis curiosos com relação a si. Agora além de suas missões se resumirem a pirralhos sua convivência com os habitantes do mesmo dormitório sucumbiria ao mesmo.

No meio da caminhada que se tratava basicamente de dar passos em uma direção qualquer e praguejar, uma sala extremamente estruturada para “teoria básica” chamou sua atenção. Vários adolescentes conversavam entre si e outros olhavam a mulher que lecionava.

-Podem repetir a primeira lei básica?

A tutora da classe perguntou fazendo todos voltarem a ela. Era morena com longos cabelos negros com uma singela franja. Uma mulher alta, elegante, disciplinada e principalmente determinada pra se sujeitar aquele tipo de função, na opinião particular da jovem que observava.

-Internos são intocáveis.  – Praticamente todos murmuraram, alguns com uma entonação mais digna que outros.

-Certo. E o que isso significa? – Instigou mais a morena colocando parte da franja atrás da orelha.

-Que nós vamos ser fodas em poucos anos... – Brincou um dos garotos fazendo todos acenarem positivamente e gargalharem enquanto a tutora revirava os olhos esperando alguns minutos pra falar dando a eles tempo de terminar as respectivas reações a piadinha.

-Espiando a Selene, Vermont? 

Ísis continuou concentrada na aula ignorando a voz masculina atrás de si, como é que ele tinha saído do próprio departamento e ido parar logo ali? Não importava, literalmente não tinha tempo pra lidar com aquilo agora.

-A base é proteger a organização dos externos, ou seja, qualquer um que não pertença a ela. Além de manter a ordem já que com essa primeira regra inclui que cada interno é intocável um com relação ao outro. – Selene começou novamente com a atenção da classe sobre si. – Ninguém nem sequer ameaça um interno e independente da seção pra qual for escalado nem mesmo um Beta ameaça qualquer interno.

Alguns suspiros puderam se fazer ouvidos com a palavra “beta” naquela pequena sala era pra isso que eles estavam ali e era se ver fazendo aquilo que seus olhos brilhassem. Trabalhar na seção Beta.

Ísis deu um meio sorriso lembrando o seu momento naquele cubículo, anos passaram de uma forma tão rápida que os anos pareciam ter escorrido por entre seus dedos sem que nem tivesse tempo pra vê-los passar. Ouviu alguém pigarrear e lembrou-se da respiração inquietante atrás de si. Lá vinha ele novamente sem se preocupar com os próprios problemas porque era encrenqueiro demais pra isso.

-Essas crianças deviam ouvir sua história e não a da Selene. – O jovem começou em tom de provocação. – Se eles ouvissem a sua história de seção beta fazendo trabalho de missões “D”, ficariam menos iludidos.

Ela virou em direção a ele fitando os olhos azuis mais provocativos que ela já vira. Cabelos pretos desgrenhados propositalmente, rosto juvenil e um meio sorriso sarcástico que a todo o tempo imploravam por um soco.

-Se perdeu do dono Victor? – Ela provocou de volta fazendo-o alargar o sorriso.

-Inveja dos meus laços de amizade? – Ele continuou divertido – Porque no seu estado atual você podia ter inveja da minha posição, beleza, sentimentos e pra ver até onde você desceu até mesmo das minhas missões.

-Isso é temporário. – Ela rebateu vendo-o jogar seu ego no chão ao lembrá-la das novas tarefas que ela fora encarregada. – O Murdoc disse que os Betas estão com problema em lidar com o meu talento então eu vou dar um tempo cuidando do recrutamento por um tempo.

-Ah, claro bobinha. – Victor respondeu curioso com o fato dela não ter inventado uma desculpa melhor. – Se esse fosse o caso a Anne faria recrutamento há anos.

Os dois riram voltando ao comportamento original um com o outro alguns minutos depois.

-Sou boa demais pro cargo simplesmente.

-Demais até pra controlar as mãos fora do gatilho ao ver um pobre porteiro.

Ela arqueou a sobrancelha chocada com o nível de informação que ele tinha.

-Tem uma câmera escondida na merda daquela sala, não tem? – Ela perguntou mais pra si do que pra ele voltando a observar a aula da Selene que continuava como se os dois nem existissem.

Victor deu o ombro seguindo o exemplo de observar a aula como ela. Nem ele mesmo sabia se tinha ou não, só sabia que em dias tediosos como aqueles em uma organização como aquela informação demais corria pela boca dos ociosos e uma notícia como aquela envolvendo uma das betas merecia assunto principal.


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Notas finais do capítulo

Piadinhas humor negro, muitos personagens desconhecidos e bom, muita coisa que não ficou tão bem exposta assim, não é?

Qualquer erro avisem q eu volto e corrijo =), e quanto ao capítulo? O que acharam e tudo mais? Por não ser um gênero comum não encontro muitas do mesmo estilo no Nyah... então espero que expressem sua opinião independente de qual seja D:

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