Pandemonium - Avida escrita por Artur


Capítulo 1
Ato 1 - A VIDA




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Foi como um turbilhão. Mas não daqueles turbilhões fortes e desorganizados, foi mais como uma orquestra completamente direcionada e poderosa. Mesmo assim, foi um turbilhão doloroso e aflitivo.

Durante toda a minha vida eu aprendi a conviver com a perda das pessoas, aprendi a compartilhar a dor e até a compactar a tudo isso. Mas nada me poderia preparar para a minha própria partida.

Ato 1 - A VIDA.

Tudo aconteceu por volta de 1850

         Meu ultimo nome foi Joaquina Monique Rafaela Andiar Molina.

         Nasci e vivi parte de uma vida pecaminosa em Lancashire na Inglaterra e também em Londres, porém minha desventuras aconteceram todas na França, mais precisamente em paris. Terra de boêmios gênios pensadores beberrões.

         Não houve na terra lugar mais bonito e mais decadente que Paris do Século IXX. É como a graça que nos toma quando vemos o definhar de um fino novelo que nos causava inveja, toda a diversão e glória provinham destes prazeres matreiros que nos impeliam a uma vida de devassidão, vicio e indiferença.

         Aos dezessete anos minha mãe muito honesta empregada de respeitados senhores de Lancashire morreu, deixando-me a mercê de um pai cruel e tirânico. Talvez porque parecia-me muito mais com meu Senhor e Patrono. Essa semelhança com o esposo da senhora da casa me rendera substanciosas penitencias sem eu lhes realmente merecer.

         Minha Senhora me obrigava todos os dias a buscar tonéis pesados com água de um rio fora da cidade, enquanto meu pai distribuía surras a esmo, simplesmente por não se parecer com ele.

         No começo de minha vida sofri muito pela minha aparência e enfureci-me com minha falecida mãe pela sua falta de fidelidade. Mas com o tempo o meu desprezo por meu pai se tornou tão grande que agradeci pela adulteriedade de minha mãe e rezei aos céus em agradecimento ao seu ato vil.

         Meu pai um moreno alto de testa recuada e queixo profuso tinha braços longos e levava consigo um cheiro de suor empreguinado nas roupas e na péle. Aprendi cedo a odiar a pobreza e abominar a podridão dos homens e foi justamente a minha busca pela luz que me levou a trevas eternas.

         Minha mãe  pequenina de traços grosseiros e pele escura muito divergia de minha imagem. Eu sempre fora esguia mas não pequena, olhos tão verdes como as folhas da manhã, bochechas rosadas em uma pele tão branca como a pureza de Maria. Meu corpo sempre fora bem tratado e torneado por anos de trabalho e esforço naquela bendita casa.

         Não estou me gabando e nem preciso para tal, mas ouvia comentários a meu redor, eu fora talhada para ser uma dama da sociedade e não uma simples criada renegada a um marido de sorte grande e pobretão. Mas talvez eu tivesse maior sorte um senhor de posição razoável se apaixona-se por mim e romperia com a família para viver um vida simples, porém honesta com sua belíssima mulher.

         Em Lancashire havia um espanhol de nome Pablo que sempre se hospedava na casa de minha Senhora. Ele vinha a Lancahsire tratar de negócios que eu nunca tive real conhecimento, só sábia que era um rico comerciante, mas mesmo assim posso oferecer pouca informação até então.

         Pablo sempre acompanhado de um sorriso largo e confiante era completamente seguro de si. Era casado, mas de conhecimento de todos que se entregava aos braços mais formosos da Inglaterra e da França. Os mais cruéis diziam até que “aquele gordo tolo” só regressava a Inglaterra para sustentar seus vícios parisienses.

         Em todas outros oportunidades em que me encontrou, Pablo com seu enorme bigode milimetricamente dividido ao meio apenas acenava e dava-me moedas. Mas uma certa noite enquanto eu tirava folhas que caíram com o vento ele se aproximou sorrateiramente e postou-se bem atrás de mim, de forma que eu a catar folhas e caminhando de costas pudesse esbarrar nele.

         Com susto me desculpei, mas ele já estava preparado para isto com um fogo nos olhos tomou-me pela mão e beijou-a vigorosamente. Eu não estava acostumada com aqueles lisonjeios masculinos e achei desagradabilíssimo a forma com que babou minha mão inteira.

         Mesmo assim não esbocei outra reação senão a surpresa. A todo instante ele virava-se para o casarão procurando por algum curioso a nos observar, não havia nenhum.

         Por entre os lábios grossos me jurou uma vida boa fora de Lancashire, me disse que não poderia casar-se comigo até sua (palavras dele) maltrapilha e louca esposa morrer, mas pediu que viesse com ele para Paris, a terra de poetas, músicos, atores, pintores e das cortesãs...

         Falou-me das belezas do lugar, da felicidade alucinante que tomava conta das ruas todas as noites, do movimento boêmio que extravasava os mais diversos sentimentos humanos que se possa sentir. Encheu tanto meus olhos e meu coração que por um instante pareceu-me tudo tão certo quanto o sol e durante este segundo tentei a ir com ele.

         Mas no final disse que não, que não seria honesto nem com meu pai nem com meu senhor que me dera cuidados até hoje. E muito menos seria direito para uma moça viajar acompanhado de um senhor que não era nem seu marido nem seu pai.

         Tentou me convencer de todas as formas dizendo que compraria-me do meu senhor ou então que seria para mim como um pai. Jurou por tantos os santos que consigo lembrar, que não teria outra atitude comigo até que eu estivesse preparada. Não cai em sua teia e corri para dentro do casarão deixando Sr Pablo bestificado e petrificado no jardim.

         Três dias depois meu pai deu-me a ultima surra. No entardecer da noite, enquanto torto de tão bêbado roncava furiosamente, meti a mão por entre sua roupa suarenta e roubei-lhe a chave de uma pequena caixa escondida embaixo da cama. A partir daí foi fácil pegar as poucas libras que haviam e encontrar Senhor Pablo na ferrovia, tomamos o trem em direção a Manchester, Birgmiham, Gloucester, entre outros até chegar a travessia do canal da mancha que nos levou a Calais para então Paris.

         Foi uma longa viagem e muito dispensicidiosa, ajudei Sr Pablo com minha pouca libras, mas fiz a precaução de esconder a maior parte omitindo a sua existência. Durante quase seis meses viajamos e paramos, conversamos e tratamos de negócios por toda a parte, sempre indo em direção a França. Impressionantemente Sr Pablo jamais tocou-me ou fez menção de ir mais longe que um beijo molhado que foi até onde consegui permitir ao meu protetor.

         Abria-se para mim um novo mundo de devassidão, mas minha cabeça ainda era ingênua e meu coração incorruptível.

         A primeira vez que vi Paris já me portava e vestia-me como uma verdadeira dama. Tomamos uma charrete no subúrbio da cidade e pegamos a direção de Champs Élisse. Pablo disse que gostaria que eu visse o luxo e a imensidão dos senhores e senhoras Francesas. Fiquei muito satisfeita em averiguar que era mais bonita que a maioria daquelas mulheres chamadas de damas.

         Porém todas elas, até as mais pobres e feias vestiam-se de maneira espetacular. Vestidos suntuosos e com floreios belíssimos quase artísticos. Havia também um tom de pele opaco, mas ainda assim bonito e seus sapatos todos elegantes e altos. Eu pensara se seria capaz de usar um daqueles algum dia. Os cabelos, oh os seus cabelos!. Causa-me arrepios e até náuseas quando lembro daqueles coques e apertões e mechas e franjas e presilhas douradas e tantas outras coisas bonitas. Ainda me encanto e suspiro com tudo isto.

         Hospedei-me em uma das casas do Sr Pablo, não era tão grande quanto a casa de meus senhores, mas estava de acordo com nossas necessidades. Além de contar com empregados bem afeiçoados e até sinceramente agradáveis. Para eles e para toda cidade eu era a Srª Rafaela da Catalunha, sobrinha mais nova de Pablo, que viera a Paris tratar de negócios.

         Branca demais diziam as pessoas, mas Pablo havia uma lábia formidável e explicações inacabáveis.

         Ele ainda muito sutil e agradável tratou de me vestir, educar e instruir-me nos mais requintados favores de vida. Aprendi com a Srª Mouder a sentar, beber, comer, falar, calar, sorrir e especialmente olhar.

         Passeava todas as manhãs por jardins belos e de uma divina sensação que nem mesmo a musica costumava me levar. Conheci o teatro e com ele Shakespeare e sua inflamável paixão desenfreada. Contou-me virtudes que só um coração apaixonado pode escutar. Muitos rapazes me olhavam e eu os olhava. Mas nenhum deles tocou meu coração como eu tocará à eles.

         Em pouco tempo todos se perguntavam quem era a Srtª de vestido vermelho como carmim. E quando descobriam meu suposto nome tratavam logo de procurar informações sobre minha situação financeira. Meu tutor fizera já o favor de espalhar que eu era uma rica condessa, mas que ficara viúva e fora destituída do posto pela família do noivo.

         Estes pesares sobre minha reputação significam tão pouco ou quase nada diante do fato de eu supostamente ter ficado com grande parte da fortuna de meu marido.

         Até agora meu amigo Pablo, pois assim ele pediu para ser chamado, só havia me dado e não cobrara nada de mim. Isso me atormentava profundamente imaginando o que ele poderia querer posteriormente. Até mesmo seus costumeiros pedidos de beijos haviam cessado. Talvez pelo fato de ter reencontrado suas antigas amantes parisienses.

         Tudo corria bem e eu ficaria completamente feliz e agradecida se de algum modo tudo permanecesse assim. Um fato marcou-me como o começo do fim.

         Certa noite um jovem rapaz deitou-se sob minha janela e com gritos desafinados começou a entocar uma canção belíssima. Todos, inclusive eu fomos aos peitoris examinar o que acontecia. O Rapaz que mais tarde descobri se chamar Bryan era um poeta boêmio tomado pela extasia do absinto.

         Ele então declamou um poema tão lindo, tão forte e generoso, com tanto ardor e sofrimento que tocou pela primeira vez meu coração enegrecido pelos anos de pobreza. Já fazia um ano que vivíamos em Paris, mas foi a primeira vez que entendi a beleza de um sincero poema.

         Meu tutor percebeu que isto mexera realmente comigo e então ágil, da forma que eu temia acontecer. Disse-me que considerava-me realmente sua sobrinha que tirara-me da Inglaterra por compaixão a minha sofreguidão. E acrescentou que estava falindo e não poderia mais me sustentar.De tal forma que só tinha duas saídas.

         A primeira e mais terrível de todas era se tornar uma mulher da vida e deitar-se com os mais influentes homens de Paris, afinal o seu jogo de interesse deitava sobre uma fama irretocável. Mas ele fazia consideradas observações e represarias a este tipo de vida que não era nem honesto nem seguro.

         A segunda opção era igualmente aterrorizante para mim, mas ao menos era seguro por uma vida inteira. Me proporcionando tranqüilidade se executada com maestria. Casar-me-ia com um senhor de boa situação e para que não ficasse completamente jogado a miséria tomaria o dote para ele. Contou-me também que já analisará alguns pretendentes e que até dois deles já haviam formalizado uma proposta muito boa.

         Eu conhecia todos os meus futuros pretendentes. Eu os classificava como os velhos ranzinzas e babões. Nenhum deles ricos o suficiente para satisfazer meu tutor, mas qualquer um que pudesse pagar cem libras de dote me levaria.

Um valor baixíssimo para uma condessa. O que botará em alerta os verdadeiros ricaços.

         Estas duas opções me desagradaram e muito e fui comunicá-lo que voltaria a Inglaterra. Meus patrões me aceitariam de volta e não casaria por interesse depois que aquele magnífico poeta havia despertado sentimentos verdadeiros em meu coração.

         Nunca vi Pablo mais furioso, xingou-me e cobrou-me tudo que havia feito por mim. Perguntou se eu achava mesmo que estava fazendo tudo aquilo de graça. Chamou-me de ingrata e fixou o preço de 80 libras para que eu ganhasse a liberdade. Minha economia não passava de 20 libras.

         Chorei durante toda aquela noite e quando uma das nossas empregadas veio me acudi descobri que o Srº Pablo tinha um dom para casamenteiro. Já casara duas sobrinhas, uma tia, uma filha e três netas. Sempre recolhendo o dote da família para sí.

         Entendi finalmente como funcionava os negócios de Pablo. Porém eu não poderia desmenti-lo em nada, todos me chamavam de condessa e eu nem por um segundo desmenti aquilo. O que na época constituía um crime gravíssimo. Não por me passar por outra pessoa, mas não ter o dinheiro que ostentava ter.

         Tentei de todas as formas domar meu coração recém liberto e converter-me a uma obediente senhora. Nada pude, arrumei minhas malas bem tarde da noite e preparei-me para partir. Exatamente como fizera anos antes com meu pai.

         Desta fez as coisas não saíram tão bem. Eu a muito guardava minha pequena fortuna que já somava 30 libras comigo e não precisei furtar nada para partir, mas na calada da noite em pé frente a escada Srº Pablo me esperava.

         Não posso me lembrar o que veio a seguir, apenas recordo de Pablo rolando escadas abaixo enquanto meu vestido rasgado de fronde tremulava ao vento de uma janela esquecida aberta. Fiquei em tal estado de choque que não parti, voltei ao meu quarto e desfiz minha mala indo dormir em seguida. No fundo esperava que ao acordar Pablo estivesse ao lado de minha cama incitando-me a fazer tudo como lhe era conveniente. E desta vez eu faria.

         No dia seguinte, seguido por uma gritaria horrorosa que muito me incomodou, Dolores, uma empregada que a partir daqui toma um significado impar em minha vida bate estrondorosamente a minha porta para me informar de uma tragédia.

         Reproduzo agora fielmente o que foram as palavras de Dolores para que no futuro não me tomem como maligna mente assassina e sirva também de prova ao nosso justo Juiz celeste que não fui corrupta, mas sim corrompida.

         - Minha nobre condessa, tenho noticias terríveis a lhe informar. Vosso Tio Pablo, aquele homem que pretendia lhe casar, igualmente ao que fizeste com tantas outras parentas independente dos mais rebuscados desenhos de seus corações, mas mesmo assim boníssimo homem, faleceu.

            Está deitado na escadaria com o rosto tomado de sangue, aconselho a senhora não descer agora, os senhores responsáveis por tudo já estão lá embaixo e acabo de informar que fora um acidente. Ontem mesmo o vi bebendo e com certeza caiu sozinho, ainda ontem enquanto eu dormia em vosso quarto ouvi algum barulho mas não quis alarmá-la.

         Os seis meses posteriores a morte de Pablo foram os mais felizes da minha vida. Tomei Dolores como minha fiel conselheira e tornei-a uma verdadeira dama de companhia. Naturalmente a casa e também os bens que depositados em um banco não muito longe da capital francesa foram herdados por sua única parenta conhecida. Formando assim uma fortuna quase tão grande quanto aquela que me atribuíam.

         Retomei relações com meu pai e também com meus senhores por meio de cartas. Não me reivindicarão nem me advertirão sequer uma vez sobre o modo de vida que levava e nem os motivos de minha inesperada fuga. Talvez por amor e também por ver que levava maior sorte do que se tivesse ficado. Ou então pelos belíssimos presentes que acompanhavam minhas cartas.

         Tornei-me ainda mais famosa, tal como uma dama de jasmins ou qualquer coisa do gênero. Levava uma vida ornamentada pelos meus desejos e pelas manhas de Dolores. Aliás, pouco seria feito de mim se não existisse tal criatura em minha vida. Ah! Afável dama de minha companhia, parecia-me mais um anjo de candura. Agia sempre com total preocupação com meu zelo e bem estar.

         Sem ela minha fortuna teria certamente caído na mão de algum negligente bancário ou até pior, eu poderia estar casada com um marido indulgente. Ao contrario disso meus pretendentes só aumentavam com o tempo, tanto em qualidade quanto em quantidade.

         Quanto ao poeta, Dolores permitiu-me encontra-lo muitas e muitas vezes nunca nos deixando a sós o suficiente para que eu cometesse alguma besteira maior. Após alguns meses de caricias intimas, mas sem nunca deitar-me com ele e nem com nenhum outro homem cansei-me de sua pessoa e de seus poemas que na verdade não eram seus e simplesmente o ignorei esquecendo sua existência.

         Verdade que sempre respeitou-me e nunca tentou com afinco tomar-me em maravilhoso e suculento pecado carnal. Talvez por isso eu tenha o mandado embora de minha vida. Eu já tinha 23 anos e nunca tinha chegado ao fim da trilha com homem algum, a luxuria que era a verdadeira governante daquele lugar me atentava com tanto força que eu acordava a noite tomada de suor e de pensamentos impudicos.

         Eu era uma jovem rica e voluptuosa enquanto Dolores uma senhora precavida e experiente. Descobri mais tarde como bem saberão que Dolores levará uma vida tão deliciosamente pervertida como a minha viria a se tornar, mas sem tanto glamour ou paixão lasciva e alucinante.

         A beira dos meus 25 anos eu me entregava a jantares e festas luxuosas e escandalosas. Sempre tomando cuidado de me retirar antes que começassem as orgias. Heroicamente eu permanecia virgem naquele antro de perdição, somente amparada pelo medo de uma gravidez e pelas artimanhas que minha conselheira me ensinara para driblar o ímpeto sexual.

         Ainda assim minha libido era satisfeito em partes pelas cenas animalescas que sucediam em minha sala de jantar sempre que o vinho subia a cabeça dos homens e mulheres mais renomados e respeitados. Agora eu morava em um palacete e todos os homens mais ricos e poderosos freqüentavam minha casa, sempre acompanhados de suas mais deliciosas cortesãs.

         Passei bem durante todo este tempo, mas a fortuna herdada ilegalmente do meu velho e desprezível tutor um dia se acabou. E foi com gravidade que Dolores avisou-me que estávamos renegadas a ruína. Todo meu passado de pobreza voltou de uma só vez para me esbofetear a cara e expor todos os meus vícios e faltas. E também a vida confortável e tranqüila que eu poderia ter levado no campo ou mesmo em lugares mais modestos.

         Tranquei-me por duas semanas em meu quarto já dando motivos para intrigas e buchichos em toda a sociedade. Estavam acostumados a ao menos um dos meus famosos jantares e não encontraram lugar tão perfeito para suas habituais pecaminosidades. Todos perguntavam a minha dama por minha saúde, mas o que gostariam de saber realmente era sobre minha situação financeira.

         Pensei em vender meus moveis e jóias, ou então mudar-me para lugar menor e até em dispensar meus criados para assim conservar meu dinheiro por maior tempo possível. E sendo tudo isso de uma vergonha tão grande que não poderia sobreviver com tamanho desgosto pensei em suicídio.

         Como uma despedida e uma nova tomada de animo final, elaborei a maior e mais luxuosa de todas as festas que este lugar já viu. Em meu palacete decorei-o com fitas de pura ceda em um vermelho sangue vindo direto de Flandres, mandei que perfumassem todos os ambientes e com muitos arranjos de flores romantizei um ambiente de devassidão.

         Por um piscar de olhos, talvez menos vi aquelas rosas murchas, caídas no carpete e um cheiro podre invadiram minha narina queimando-as. Entendi que aquele era o verdadeiro retrato da minha vida. Entendi que eu tinha me tornado uma devassa indubitavelmente avarenta e materialista.

         Se esta visão tivesse permanecido em minha mente por mais alguns segundos talvez eu pudesse ser salva pelos anjos do senhor. Mas não foi assim e com um sacolejar de cabeça voltei a ver as coisas como elas realmente não eram.

         Gastei até o meu ultimo guinéu na preparação daquela que seria a maior de todas as celebrações de meu tempo. Condes e Viscondes já haviam confirmado presença e alguns dos poderosos usuais tiveram que ser rechaçados para que criaturas mais poderosas tomassem seu lugar.

         No dia de minha ultima celebração aprontei-me de forma arrebatadora. Um longo vestido vermelho com puas e rendas maravilhosamente bordadas. Meu cabelo envolto por cima dos olhos me emprestavam uma aparência sobre humana. Meus pés em sapatos altos e um corpete me dava a cintura de boneca que lhes falta em suas mulheres.

         Meu espírito emanava um ardor descompromissado, só possível a quem estava segura de seu suicídio. Tão grande minha certeza que em cima de minha cama eu guardava uma navalha preparada para meus pulsos que agora jaziam com fitas arroxeadas, como um aviso a meus convidados.

         Da cozinha faisões, leitões, carneiros e outras tantas especiarias perfumavam parte da casa. Uma infinidade de vinhos cobrava os deleites da carne aqueles que se perdiam em suas encantadoras fragrâncias e seus aromatizados sabores.

         Algumas das cortesãs chegaram cedo para me fazer companhia e também para esconder suas carruagens de aluguel. Todas amicíssimas e dulcíssimas a medida que minha aparência financeira permitia.

         Com o entrar da noite mais mulheres em melhor estado chegavam em suas diligencias particulares e também homens com sorrisos largos e roupas garbosas com relógios de ouros em bolsos cinzas, pretos, azuis e outras tantas cores.

         Alguns deles chegavam escondidos por cartolas “atarrocheadas” em vossas cabeças e envoltos por sombras e descrição. Mas todos quando a salvos no palacete de Moudemouselle Rafaela retiravam as fantasias e mostravam-se alegremente aos seus iguais.

         Dentro de minha enorme sala de estar montamos um enorme mesa ricamente servida e ornamentada. Eunucos especialmente fantasiados e contratados para nos servir divertia-nos. A todo momento um requintado senhor largava uma enorme coxa de carneiro e mordia as garotas. Beijava, atacava um daqueles pescoços desnudos das senhoritas na mesa.

         À medida que o vinho diminuía a libertinagem aumentava e as risadas frouxas iam aumentando junto. As mulheres rindo fino como porcos para o abate e os homens com a virilidade animal que os toma quando séqüitos por ardor impuro.

         Aqueles com menos prestigio se atiravam com força, arrastando as mulheres pelo braço ou cabelos e as jogando em cantos. Tomando-as a carne e parte da alma as sujeitando a sua vontade pecaminosa e virulenta. E elas que se entregavam com ainda mais crime por se sujeitarem de bom grado aquela recessão de espírito. Se eles se metamorfoseavam em animais elas desciam a um nível tão baixo que não tenho palavras para recomendar algo tão vil e mal.

         Não foi apenas um olhar que deitou-se sobre mim em sinônimo de desejo violento e surreal. De todas aquelas estrelas eu era a lua tomando todas as atenções para mim. Sobre tudo o Conde de..., Lorde F. que muito me cortejava com suas palavras doces, porém diretas e nada sutis. Mais de uma vez tive de dizer que eu era a pérola intocada para homens, que só me deitaria com anjo de enorme vigor e poder.

Quando uma e meia da manhã metade de minha mesa estava no chão em murmúrios e gemidos de prazer anunciei minha partida. Dolores no canto observava impaciente minhas ações. Aqueles homens já não tinha posse ou domínio de suas meretrizes e as emprestavam aos outros tomando a dos outros para sí. Talvez aquela seja a visão real do inferno.

Retirei-me particularmente alegre. Estava satisfeita por ter garantido um lugar em suas lembranças, ninguém se esqueceria de mim pelos próximos dez anos. Deitei-me na minha cama sentindo algo incomodar-me as costas.

Tirei a lamina funesta e vi sua lamina fustigar a ponta de meu dedo sobre a luz do candelabro. Não senti dor. Orei pela minha mãe e pelo meu pai. Fui casta a vida inteira e por isso busquei meu perdão a Deus, mesmo sabendo de tantos dos meus vícios.

E com o brilho da lamina em um movimento rápido arremeti sobre aquele laço roxo em meu punho de uma só vez fazendo zunir o ar como um ultimo adeus a mais linda das virgens boêmias.

O laço caiu no chão rasgado e um filete de sangue o manchava.

O corte teria sido fatal se mais rápido que eu não fosse Dolores que segurou-me e assustou-me com seu grito estridente. Pediu que não me desesperasse e contou-me sua historia e seus sofrimentos.

Expor-me-ia que quando jovem viveu bem parte de sua vida como cortesã. Mas não foi dotada de beleza e com o passar dos anos e a frouxidão do corpo caiu em desgraça até tornar-se servil e chegar a Pablo. Narrou maravilhas e disse que me ajudaria a ser a mais famosa das cortesãs e ainda assim mais honrosa das mulheres.

E ainda disse que mostrar-me-ia a melhor forma de conservar sobre meu domínio todos aqueles seres chamados homens civilizados. Não haveria melhor hora para me entregar a um daqueles seres bestiais. Pois a sua nobreza só poderia ter como medida a quantidade de dinheiro e poder que carregava sobre sí. E na França não haveria melhores e mais generosos homens que estes que estavam em sua sala.

Chorei por pensar-me livre de todo aquele negrume e me ver forçada a voltar. Não por Dolores, mas por minha alma corrompida. Chorei sinceramente e sinceramente me levantei-me e preparei-me para o abate final de minha pureza.

Minha alma tinha sobre aqueles homens um domínio e um fascínio tão grande que abalava suas mentes e exterminava suas virtudes mais nobres.

Lorde F. já se encontrava no chão com uma bela mulher de corpo rechonchudo, mas ainda em ótima forma. Mas quando entrei novamente no salão com minha camisola toda branca indo até os pés não só ele, mas todos os homens me olharam cobiçosos.

Tracei uma linha reta e caminhei com olhar fixo nos seus que me buscavam com devassidão. Homens de todas as formas me interceptavam, mas eram bruscamente rechaçados com tapas e leves chutes que tenho pra mim lhes enchiam de prazer.

Quando finalmente cheguei à frente de Lorde F estiquei minha perna e puxei minha camisola deixando a mostra meu pezinho branco. Ele sem exitar empurrou aquela gorda enfadonha para o lado e beijou-me os pés indo até minha flor.

Tomou-me ali, no meio de todos aqueles que agora sem amontoavam gemendo de prazer de apenas nos observar. E assim subi finalmente ao trono da perdição e libertinagem mundana e pervertida. Gemi junto a ele em voz única e demoníaca em movimentos despretensiosamente graciosos e ao mesmo tempo intensos.

Quando os gemidos chegaram ao fim e ele sentiu meu rosto úmido das lagrimas quentes não entendeu minha dor e beijou meu corpo com ardor e posso jurar que paixão verdadeira e preocupação sincera. Foi então que viu em minhas pernas a minha pureza fluir para sempre para fora de mim.

Ele encostou-me em seu peito forte e chorou junto a mim agradecendo minha pureza e desculpando-se sinceramente pelo mal irremediável que me fizeste. Disse-me que não me desampararia e nem me abandonaria às desventuras do mundo. Fez mil juras de amor e outras tantas que me sustentaria e gostaria sinceramente de poder me tomar como esposa.

No entanto nada poderia me consolar, eu havia de uma vez por toda me jogado nas trevas deste mundo em que não há nada de celeste. E quanto as suas juras, eram todas verdadeiras. Mas a mulher que vive o suficiente para deixar de ser criança, sabe que nenhuma promessa feita por um homem pode ser sustentada pelo próprio.


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